2.14 a Estrutura Em Larga Escala Do Universo

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A estrutura em larga escala do Universo O conhecimento das propriedades das galáxias é parte da chamada astronomia extragaláctica. Esta parte da astrofísica procura analisar tanto as propriedades locais das galáxias como também suas interações. No entanto, o estudo da cosmologia é muito mais abrangente. A cosmologia pretende descrever não os fenômenos locais que ocorrem no universo mas sim o próprio universo. Para estudar cosmologia precisamos conhecer não apenas o tipo de matéria existente no Universo mas também de que modo ela se distribui. Como veremos mais tarde, a teoria da gravitação proposta por Einstein e Hilbert baseia-se em equações que levam em conta não somente a geometria do universo mas também o seu conteúdo material. No entanto, os objetos celestes que formam esse conteúdo não são estudados individualmente mas sim como um conjunto único de matéria. Ao estudioso de cosmologia não interessa uma galáxia, ou um aglomerado de galáxias, particular mas sim o conjunto de todos os aglomerados de galáxias que existem no Universo. Entretanto, a cosmologia moderna também precisa dizer algo sobre como essa matéria surgiu e por que ela se distribui da forma que a vemos. Até algum tempo atrás, o estudo da cosmologia permanecia bastante afastado da astrofísica pois ele se preocupava bem mais com a geometria do universo e descrevia o seu conteúdo de matéria por meio de uma equação que envolvia pressão e densidade. Com o desenvolvimento das observações astronômicas passamos a conhecer muito mais o universo, sempre a distâncias cada vez maiores. Hoje instrumentos como o Hubble Space Telescope e os grandes observatórios terrestres tais como o Keck Observatory, o European Southern Observatory (com o famoso Very Large Telescope) e o Gemini Observatory nos revelam galáxias e quasares assombrosamente distantes de nós. Importantes trabalhos sobre a estrutura em larga escala do Universo foram feitos nos últimos anos. O Hubble Space Telescope foi utilizado para obter imagens de galáxias e quasares situados a distâncias impressionantes. Esses dois projetos, chamados de "Hubble Deep Field North" e "Hubble Deep Field South" nos revelaram um Universo até então desconhecido. Durante 10 dias consecutivos, entre 18 e 28 de dezembro de 1995 o Hubble Space Telescope foi apontado para uma região do céu que, mesmo observada pelos grandes telescópios da época, parecia estar livre de qualquer objeto. Esta pequena área, com apenas 144 segundos de arco de diâmetro (o que equivale ao tamanho angular de uma bola de tenis vista a uma distância de 100 metros), estava localizada na constelação Ursa Major. A imagem final consistiu da reunião de 342 exposições isoladas da região feitas com a poderosa Wide Field and Planetary Camera 2 do Hubble Space Telescope. Praticamente todos os objetos mostrados na imagem, cerca de 3000, são galáxias muito distantes. A imagem do Hubble Deep Field North está mostrada abaixo. Observe com atenção. Uma região do Universo que parecia estar desprovida de estrelas ou galáxias apresentou a riqueza incomum em termos de galáxias e quasares mostrada na imagem. Isso apenas nos provava que ainda conheciamos muito pouco do conteúdo de matéria do Universo.

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A estrutura em larga escala do universo

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  • A estrutura em larga escala do Universo

    O conhecimento das propriedades das galxias parte da chamada astronomia extragalctica. Esta parteda astrofsica procura analisar tanto as propriedades locais das galxias como tambm suas interaes. Noentanto, o estudo da cosmologia muito mais abrangente. A cosmologia pretende descrever no osfenmenos locais que ocorrem no universo mas sim o prprio universo.

    Para estudar cosmologia precisamos conhecer no apenas o tipo de matria existente no Universo mastambm de que modo ela se distribui. Como veremos mais tarde, a teoria da gravitao proposta porEinstein e Hilbert baseia-se em equaes que levam em conta no somente a geometria do universo mastambm o seu contedo material. No entanto, os objetos celestes que formam esse contedo no soestudados individualmente mas sim como um conjunto nico de matria. Ao estudioso de cosmologia nointeressa uma galxia, ou um aglomerado de galxias, particular mas sim o conjunto de todos osaglomerados de galxias que existem no Universo.

    Entretanto, a cosmologia moderna tambm precisa dizer algo sobre como essa matria surgiu e por que elase distribui da forma que a vemos. At algum tempo atrs, o estudo da cosmologia permanecia bastanteafastado da astrofsica pois ele se preocupava bem mais com a geometria do universo e descrevia o seucontedo de matria por meio de uma equao que envolvia presso e densidade.

    Com o desenvolvimento das observaes astronmicas passamos a conhecer muito mais o universo, semprea distncias cada vez maiores. Hoje instrumentos como o Hubble Space Telescope e os grandesobservatrios terrestres tais como o Keck Observatory, o European Southern Observatory (com o famosoVery Large Telescope) e o Gemini Observatory nos revelam galxias e quasares assombrosamente distantesde ns.

    Importantes trabalhos sobre a estrutura em larga escala do Universo foram feitos nos ltimos anos. OHubble Space Telescope foi utilizado para obter imagens de galxias e quasares situados a distnciasimpressionantes. Esses dois projetos, chamados de "Hubble Deep Field North" e "Hubble Deep Field South"nos revelaram um Universo at ento desconhecido.

    Durante 10 dias consecutivos, entre 18 e 28 de dezembro de 1995 o Hubble Space Telescope foi apontadopara uma regio do cu que, mesmo observada pelos grandes telescpios da poca, parecia estar livre dequalquer objeto. Esta pequena rea, com apenas 144 segundos de arco de dimetro (o que equivale aotamanho angular de uma bola de tenis vista a uma distncia de 100 metros), estava localizada naconstelao Ursa Major. A imagem final consistiu da reunio de 342 exposies isoladas da regio feitas coma poderosa Wide Field and Planetary Camera 2 do Hubble Space Telescope. Praticamente todos os objetosmostrados na imagem, cerca de 3000, so galxias muito distantes.

    A imagem do Hubble Deep Field North est mostrada abaixo. Observe com ateno. Uma regio do Universoque parecia estar desprovida de estrelas ou galxias apresentou a riqueza incomum em termos de galxias equasares mostrada na imagem. Isso apenas nos provava que ainda conheciamos muito pouco do contedode matria do Universo.

  • Poderamos argumentar que o HST, casualmente, teria observado uma regio atpica do cu. Ao fazer omesmo tipo de observao prolongada no cu do hemisfrio sul, tambm em uma regio onde parecia nohaver objetos observveis, o HST registrou outra vez a riqueza do universo que ainda era desconhecida.

    Desta vez o Hubble Space Telescope observou uma pequena regio na constelao Tucana durante 10 dias,em setembro e outubro de 1998.

  • O Hubble Space Telescope no foi o nico a obter imagens de campo profundo do Universo. Seguindo estaabordagem o National Optical Astronomy Observatory (NOAO) tambm fez uma imagem deste tipofotografando uma pequenina regio do cu localizada na constelao Botes. A imagem abaixo mostra umaparte deste campo onde esto registradas mais de 300000 estrelas e galxias. Este nmero bem maior doque aquele registrado pelo Hubble Space Telescope por que o levantamento do NOAO foi de um campo

  • amplo (wide field), bem maior do que o registrado pelo telescpio orbital. Na verdade, o levantamentro totaldo NOAO inclui mais de 5 milhes de galxias!

    A procura pelos limites do Universo visvel ainda continuava. Acumulando dados ao longo do perodo de 3 desetembro de 23003 a 16 de janeiro de 2004, o Hubble Space Telescope conseguiu a mais profunda imagemdo Universo obtida at hoje na regio do visvel do espectro eletromagntico. Este o chamado "HubbleUltra Deep Field" (HUDF), uma imagem de uma pequena regio do espao que mostra como o Universo erah cerca de 13 bilhes de anos. esta regio est localizada a sudoeste de Orion, na constelao Fornax. Elatem apenas 3 minutos de arco quadrados, menor do que um gro de areia mantido distncia docomprimento de um brao!

  • Estima-se que existam cerca de 10000 galxias nesta imagem cuja rea de apenas 1/10 do dimetro daLua Cheia vista da Terra. Esta impressionante imagem o resultado de uma coleo de 800 exposiesfeitas pelo Hubble Space Telescope ao longo de 400 voltas em torno da Terra.

    A estrutura do Universo

    As observaes dos objetos existentes no Universo mostraram aos astrnomos que existe uma estruturahierarquica no Universo. As estrelas esto reunidas em aglomerados estelares e em estruturas maiores quechamamos de galxias. Por sua vez as galxias interagem gravitacionalmente formando grupos eaglomerados de galxias. Estudos mais detalhados do universo mostraram que os prprios aglomerados degalxias tambm interagem formando os chamados superaglomerados de galxias.

    Os superaglomerados de galxias so estruturas imensas em que os elementos participantes so osaglomerados de galxias. Os superaglomerados de galxias so separados no espao por regies vazias,chamadas em ingls de "voids".

  • At 1989 os astrnomos acreditavam que a estrutura em larga escala do Universo terminava nossuperaglomerados de galxias. Estas seriam as maiores estruturas existentes no universo e estavamdistribuidas de modo mais ou menos uniforme em todas as direes atravs de todo o universo. Esta visoestava para ser mudada.

    No final da dcada de 1980 vrios grupos de astrofsicos desenvolveram um dos mais importantes trabalhospara o conhecimento da estrutura em larga escala do Universo. Estes trabalhos, chamados de"levantamentos de redshifts" (redshift survey), procuravam obter o maior nmero possvel de medies deredshifts de galxias. Deste modo era possvel conhecer suas distncias e, consequentemente, ter uma visobastante ampla da distribuio de galxias no universo.

    Em 1989, os astrofsicos Margaret Geller e John Huchra, analisando dados obtidos em um dos "redshiftsurveys", descobriram uma distribuio de galxias com mais de 500 milhes de anos-luz de comprimento e200 milhes de anos-luz de largura. Esta distribuio tinha a espessura de apenas 15 milhes de anos-luz. Aestrutura descoberta por estes astrnomos, uma imensa "folha" de galxias, passou a ser conhecida como a"Grande Parede" (Great Wall).

    Mas porque uma estrutura to gigantesca no foi descoberta antes? Note que acima demos as trsdimenses da Grande Parede. Para "ver" uma estrutura tri-dimensional no universo necessrio localizar aposio das galxias em trs dimenses e isso envolve o conhecimento no s da localizao da galxiapelas suas coordenadas mas a combinao dessas informaes com a distncia, que obtida a partir doconhecimento do seu redshit.

    Com a ampliao dos "redshift surveys" cada vez mais os astrnomos puderam esboar a distribuio tri-dimensional das galxias no universo. Hoje os astrnomos descrevem o universo como sendo uma coleode "vazios" com o aspecto de bolhas, separados por distribuies de galxias com a forma de "folhas" e"filamentos". Estas "folhas" e "filamentos" formam uma "rede" retorcida com grandes espaos vazios, queso os "voids". Estes "voids" tm um dimetro tpico de 25 Mpc e preenchem cerca de 90% do espao. Omaior "void" at agora observado tem um dimetro de 124 Mpc e est localizado na cosntelao Botes. Ossuperaglomerados aparecem nesta estrutura em larga escala como ocasionais "ns" relativamente densos

  • desta "rede". A imagem abaixo uma simulao feita em computador que mostra os filamentos e "voids"criados a partir da distribuio de matria no Universo.

    Os astrnomos no dispem apenas deste processo para determinar a estrutura em larga escala douniverso. Um outro indicador desta estrutura em larga escala a chamada "floresta de Lyman alpha"(Lyman alpha forest). J vimos na nossa introduo astrofsica que quando um eltron do tomo dehidrognio faz uma transio de um nvel excitado para o nvel fundamental, so criadas linhas quecoletivamente recebem o nome de "linhas de Lyman". A "floresta de Lyman alpha" o nome que osastrnomos do ao conjunto de linhas de absoro que aparecem no espectro da luz proveniente dosquasares e que so interpretadas como indicando a existncia de enormes "folhas" finas de gsintergalctico. O principal constituinte deste gs o hidrognio. Os astrnomos acreditam que estas "folhas"esto associadas formao de novas galxias.

    O catlogo de galxias do CfA

    Mostramos abaixo o resultado do levantamento feito pelo Center for Astrophysics (CfA) com um total de

  • 30926 galxias. Embora esse nmero possa parecer pequeno tendo em vista os bilhes de galxiasexistentes no Universo, ele nos permite ter uma viso bem interessante de como as galxias se distribuemou seja, de como o Universo em larga escala.

    Essa primeira imagem nos mostra a distribuio dessas 30926 galxias, que formam o catlogo do CfA, emum diagrama que usa as chamadas coordenadas galcticas.

    Nesta imagem, tambm em coordenadas galcticas, mostramos a mesma distribuio de mais de 30000galxias, feita pelo CfA, assinalando com pontos amarelos as posies de vrios superaglomerados degalxias conhecidos. Os nmeros apresentados em parnteses nos do quantos aglomerados de galxiasfazem parte destes superaglomerados, o que nos permite ter uma idia da riqueza do superaglomerado.

    interessante notar que alguns superaglomerados no parecem estar localizados em regies superdensasde galxias. Isto ocorre porque a maioria deles est muito mais distante no espao do que as galxiasmostradas neste diagrama. Entretanto, a famosa "Concentrao de Shapley" e o "Grade Atrator", que sesituam na mesma direo, esto localizados em regies notadamente superdensas.

    Os pesquisadores do CfA tambm obtiveram esta distribuio de mais de 30000 galxias em 3 dimenses.Neste caso a nossa Galxia est localizada no centro do diagrama. Como o seu plano horizontal so criadas"zonas vazias", que so os cones horizontais escuros e vazios que podemos ver para ambos os lados a partir

  • do ponto central. A escala vertical desta distribuio de galxias de 160 Mpc.

    Podemos notar nesta distribuio numerosos "dedos de Deus" ou seja cadeias de galxias que apontam nadireo da nossa Galxia. Como j dissemos, estes "dedos" so explicados pela disperso de velocidadeexitente nos aglomerados de galxias. Observe tambm a parte superior do diagrama. Ali podemos ver afamosa "Grande Parede" (Great Wall), uma longa e curva cadeia de galxias.

    Para que possamos observar melhor algumas importantes estruturas que aparecem na distribuio em largaescala das galxias estudadas, os astrnomos do CfA filtraram a imagem acima. Nesta nova figura somenteso mostradas as galxias pertencentes s regies superdensas. Os crculos vermelhos assinalamaglomerados de galxias tirados do Catlogo ACO. Note que muitas delas coincidem com os "dedos deDeus".

    A nossa Galxia continua a ocupar o centro deste diagrama mas, neste caso, a distribuio de galxias estsendo vista por um observador localizado em um ponto diferente daquele mostrado no diagrama anterior.Agora o observador est no local assinalado pelo cubo azul que limita a distribuio estudada pelo CfA.

    Neste diagrama podemos ver bem melhor a localizao da Grande Parede. Ela o semi-circulosituado naparte superior do diagrama.