22 DESTAQUEimgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/401694362_destaque.pdf · pelas aves. Esta perda de...

1
Os parques eólicos espa- lhados por todo o mundo parecem não ser uma fonte de energia completamente “verde”. Um novo estudo, coordenado pela investiga- dora Ana Teresa Marques, demonstra que há uma perda de espaço de voo para as aves planadoras nos cerca de 700 metros em redor das turbinas eólicas. A equipa interna- cional analisou o voo de 130 milhafres-pretos (Milvus migrans) e concluiu que, apesar das condições favo- ráveis ao voo planado, estes locais são agora evitados pelas aves. Esta perda de habitat pode vir a ter con- sequências negativas para a migração de várias espécies de aves planadoras. “No nosso estudo, veri- ficámos que os milhafres- pretos evitam a proximidade com os aerogeradores, algo que se verifica até aos 650 a 700 metros de raio dos mes- mos. Isso significa que as aves deixam de poder usar essas áreas, o que se traduz numa perda de habitat”, explica ao jornal Público Ana Teresa Marques, investigadora do Centro de Ecologia, Evo- lução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e autora principal do estudo publicado na revista científica Journal of Animal Ecology. Para acompanhar o voo destas aves migratórias, os investigadores recorreram a equipamentos GPS de alta precisão, que obtinham a localização a cada minuto de cada uma das aves. “Para fazerem o voo pla- nado, as aves precisam de correntes de ar ascendentes que se formam em regiões com condições de terreno específicas e estão depen- dentes de factores climaté- ricos como a temperatura e o vento”, contextualiza a investigadora portuguesa. Muitas destas condições necessárias ao voo planado estão presentes nos locais onde existem parques eólicos. “As turbinas eólicas estão instaladas, frequentemente, ao longo de cadeias monta- nhosas, para maximizar a exposição aos ventos hori- zontais. Ao mesmo tempo, estas áreas possuem correntes de ar ascendentes essenciais para as aves (planadoras)”, nota o artigo cientifico. As aves planadoras (grous, cegonhas e aves de rapina diurnas) recorrem essen- cialmente ao voo planado para se deslocar, o que reduz eficazmente o gasto ener- gético desta actividade. As correntes de ar térmicas lan- çam as condições favoráveis a este tipo de voo, mas dimi- nuem no território marítimo, o que obriga estas aves a rea- lizar a travessia, evitando grandes extensões de água. Por isso, o estudo foi desen- volvido em Tarifa, lado espa- nhol do Estreito de Gibraltar, numa região que possui 160 turbinas distribuídas por sete parques eólicos. O Estreito de Gibraltar – local com menor massa oceânica que separa Europa e África – todos os anos con- centra a presença de várias espécies de aves planadoras, incluindo o milhafre-preto, durante as suas migrações com destino ao continente africano. O istmo de Suez (Egipto) ou o istmo de Tehuantepec (México) são outros locais importantes para a migração destas aves. É nesetes espaços onde estão a ser construídos parques eólicos. Isto significa risco de contínua perda de habitat para as aves planadoras. Mortes de aves Já existiam estudos que aler- tavam para as mortes de aves e morcegos, causadas pela colisão com as pás dos aero- geradores. Ainda assim, este estudo, que acompanhou 130 milhafres-pretos - 72 adultos e 58 juvenis - entre 2012 e 2013, foi o primeiro a debruçar-se sobre a pro- porção de habitat de aves planadoras que se perdeu ou ficou negativamente afec- tada pelos parques eólicos. “Em situações extremas, as aves podem ter de alterar as rotas de passagem prefe- renciais e eventualmente recorrer a voo batido, o que representa um maior dis- pêndio de energia para as aves”, alerta Ana Teresa Mar- ques. Para além desta espé- cie, várias outras aves planadoras podem ser afec- tadas pelo mesmo problema. De acordo com a investiga- dora, a águia-calçada ou a águia-cobreira são alguns dos exemplos, que também podem estar a sofrer uma perda de habitat. Mas o que haverá a fazer, para conciliar a produção de energia eólica – uma energia renovável fundamental para reduzir o impacto ambiental – e a conservação da vida sel- vagem? Ana Teresa Marques responde: “propomos que, em áreas muito relevantes para as aves planadoras, os parques eólicos evitem cons- truir aerogeradores em locais onde tipicamente se formam correntes de ar ascendentes”. 22 DESTAQUE Sábado 16 de Março de 2019 PERDA DE ESPAÇO CHEGA A 700 METROS Parques eólicos estão localizados em espaços que oferecem as condições necessárias ao voo planado das aves. No entanto, as aves planadoras não conseguem utilizar estes locais, o que se traduz numa perda de habitat de cerca de 700 metros à volta de cada turbina | DR | DR Turbinas eólicas “roubam” habitat a aves planadoras Coca-Cola: 200 mil garrafas de plástico a cada minuto A revelação chegou através de um relatório enviado pela Coca-Cola à organização sem fins lucrativos Ellen MacArthur Foundation, que está a pedir às grandes empresas que aca- bem com o sigilo sobre a sua pegada ambiental. E, quanto a isto, a empresa que vende um dos mais conhecidos refri- gerantes do mundo tem um longo caminho a percorrer. Segundo o The Guardian, citado pelo Diário de Notícias, é a primeira vez que os números de produção de plástico são conhecidos, depois de a empresa se ter recusado a apresentá-los em 2018. Por ano, são produzidas três milhões de toneladas de emba- lagens, nada menos que 200 mil garrafas por minuto. Apesar dos dados enviados pela empresa, a fundação tra- duziu a quantidade de plástico em garrafas PET (polímero termoplástico) de 500 mililitros e os resultados são ainda mais alarmantes. Assim, a produção não é de três milhões, mas de cerca de 108 bilhões de garrafas por ano, o que equivale a um quinto da produção mundial de garrafas PET(cerca de 500 mil milhões por ano). Mas a Coca-Cola não é a única empresa a submeter-se à máquina da verdade. Há mais trinta que enviaram os seus dados de produção à organização Ellen MacArthur. Entre estas, encontram-se a Mars, a Nestlé e a Danone, que, combinadas, produzem oito milhões de toneladas de embalagens. Mas são 150 as que aderiram ao compromisso e a maioria ainda se recusa a divulgar publicamente as estatísticas. Este lote inclui empresas como a Pepsi, a H&M, a L'Oréal, a Walmart, a Marks & Spencer e a Burberry. Num comunicado divul- gado na última quinta-feira, a fundação disse estar con- fiante em que a iniciativa abre uma porta para mais trans- parência ecológica das empre- sas e ajuda na luta contra o desperdício de plástico. “A decisão de mais de 30 empresas divulgarem publi- camente os seus volumes anuais de embalagens plás- ticas é um passo importante para uma maior transpa- rência”, mas é preciso fazer mais, sublinha. A eliminação das embala- gens de plástico desnecessárias (bem como a transição para material descartável), para que estas possam ser 100% recicladas e com facilidade e segurança, até 2025, é um dos grandes objectivos da orga- nização com o acordo que esta- beleceu com as empresas. De acordo com um membro da fundação, Sander Defruyt, “"ainda estão longe” de resol- ver o problema, “particular- mente quando se trata de eliminação de itens desne- cessários e inovação em direc- ção a modelos de reutilização”. Mas é preciso “passar do com- promisso à acção”. UM QUINTO DA PRODUÇÃO MUNDIAL É preciso que as grandes empresas continuem a sua luta para se evitar o desperdício de plástico

Transcript of 22 DESTAQUEimgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/401694362_destaque.pdf · pelas aves. Esta perda de...

Page 1: 22 DESTAQUEimgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/401694362_destaque.pdf · pelas aves. Esta perda de habitat pode vir a ter con - ... explica ao jornal Público Ana Teresa Marques, investigadora

Os parques eólicos espa-lhados por todo o mundoparecem não ser uma fontede energia completamente“verde”. Um novo estudo,coordenado pela investiga-dora Ana Teresa Marques,demonstra que há uma perdade espaço de voo para as avesplanadoras nos cerca de 700metros em redor das turbinaseólicas. A equipa interna-cional analisou o voo de 130milhafres-pretos (Milvusmigrans) e concluiu que,apesar das condições favo-ráveis ao voo planado, esteslocais são agora evitadospelas aves. Esta perda dehabitat pode vir a ter con-sequências negativas para amigração de várias espéciesde aves planadoras.

“No nosso estudo, veri-ficámos que os milhafres-pretos evitam a proximidadecom os aerogeradores, algoque se verifica até aos 650 a700 metros de raio dos mes-mos. Isso significa que asaves deixam de poder usaressas áreas, o que se traduznuma perda de habitat”,explica ao jornal Público AnaTeresa Marques, investigadorado Centro de Ecologia, Evo-lução e Alterações Ambientaisda Faculdade de Ciências daUniversidade de Lisboa eautora principal do estudopublicado na revista científicaJournal of Animal Ecology.

Para acompanhar o voodestas aves migratórias, osinvestigadores recorrerama equipamentos GPS de altaprecisão, que obtinham alocalização a cada minutode cada uma das aves.

“Para fazerem o voo pla-nado, as aves precisam decorrentes de ar ascendentesque se formam em regiõescom condições de terrenoespecíficas e estão depen-dentes de factores climaté-ricos como a temperatura eo vento”, contextualiza ainvestigadora portuguesa.Muitas destas condiçõesnecessárias ao voo planadoestão presentes nos locais

onde existem parques eólicos. “As turbinas eólicas estão

instaladas, frequentemente,ao longo de cadeias monta-nhosas, para maximizar aexposição aos ventos hori-zontais. Ao mesmo tempo,estas áreas possuem correntesde ar ascendentes essenciais

para as aves (planadoras)”,nota o artigo cientifico.

As aves planadoras (grous,cegonhas e aves de rapinadiurnas) recorrem essen-cialmente ao voo planadopara se deslocar, o que reduzeficazmente o gasto ener-gético desta actividade. As

correntes de ar térmicas lan-çam as condições favoráveisa este tipo de voo, mas dimi-nuem no território marítimo,o que obriga estas aves a rea-lizar a travessia, evitandograndes extensões de água.Por isso, o estudo foi desen-volvido em Tarifa, lado espa-

nhol do Estreito de Gibraltar,numa região que possui 160turbinas distribuídas por seteparques eólicos.

O Estreito de Gibraltar –local com menor massaoceânica que separa Europae África – todos os anos con-centra a presença de várias

espécies de aves planadoras,incluindo o milhafre-preto,durante as suas migraçõescom destino ao continenteafricano. O istmo de Suez(Eg ipto ) ou o i s tmo deTehuantepec (México) sãooutros locais importantespara a migração destas aves.É nesetes espaços onde estãoa ser construídos parqueseólicos. Isto significa riscode contínua perda de habitatpara as aves planadoras.

Mortes de avesJá existiam estudos que aler-tavam para as mortes de avese morcegos, causadas pelacolisão com as pás dos aero-geradores. Ainda assim, esteestudo, que acompanhou130 milhafres-pretos - 72adultos e 58 juvenis - entre2012 e 2013, foi o primeiroa debruçar-se sobre a pro-porção de habitat de avesplanadoras que se perdeuou ficou negativamente afec-tada pelos parques eólicos.

“Em situações extremas,as aves podem ter de alteraras rotas de passagem prefe-renciais e eventualmenterecorrer a voo batido, o querepresenta um maior dis-pêndio de energia para asaves”, alerta Ana Teresa Mar-ques. Para além desta espé-cie , vár ias outras avesplanadoras podem ser afec-tadas pelo mesmo problema.De acordo com a investiga-dora, a águia-calçada ou aáguia-cobreira são algunsdos exemplos, que tambémpodem estar a sofrer umaperda de habitat.

Mas o que haverá a fazer,para conciliar a produção deenergia eólica – uma energiarenovável fundamental parareduzir o impacto ambiental– e a conservação da vida sel-vagem? Ana Teresa Marquesresponde: “propomos que,em áreas muito relevantespara as aves planadoras, osparques eólicos evitem cons-truir aerogeradores em locaisonde tipicamente se formamcorrentes de ar ascendentes”.

22 DESTAQUE Sábado16 de Março de 2019

PERDA DE ESPAÇO CHEGA A 700 METROS

Parques eólicos estão localizados em espaços que oferecem as condiçõesnecessárias ao voo planado das aves. No entanto, as aves planadoras nãoconseguem utilizar estes locais, o que se traduz numa perda de habitat de

cerca de 700 metros à volta de cada turbina

| DR

| DR

Turbinas eólicas “roubam”habitat a aves planadoras

Coca-Cola: 200 mil garrafas de plástico a cada minutoA revelação chegou atravésde um relatório enviado pelaCoca-Cola à organização semfins lucrativos Ellen MacArthurFoundation, que está a pediràs grandes empresas que aca-bem com o sigilo sobre a suapegada ambiental. E, quantoa isto, a empresa que vendeum dos mais conhecidos refri-gerantes do mundo tem umlongo caminho a percorrer.

Segundo o The Guardian,citado pelo Diário de Notícias,é a primeira vez que os númerosde produção de plástico sãoconhecidos, depois de aempresa se ter recusado aapresentá-los em 2018. Porano, são produzidas trêsmilhões de toneladas de emba-lagens, nada menos que 200mil garrafas por minuto.

Apesar dos dados enviadospela empresa, a fundação tra-duziu a quantidade de plásticoem garrafas PET (polímerotermoplástico) de 500 mililitrose os resultados são ainda maisalarmantes. Assim, a produção

não é de três milhões, mas decerca de 108 bilhões de garrafaspor ano, o que equivale a umquinto da produção mundialde garrafas PET(cerca de 500mil milhões por ano).

Mas a Coca-Cola não é aúnica empresa a submeter-seà máquina da verdade. Hámais trinta que enviaram osseus dados de produção àorganização Ellen MacArthur.Entre estas, encontram-se aMars, a Nestlé e a Danone,que, combinadas, produzemoito milhões de toneladas deembalagens. Mas são 150 asque aderiram ao compromissoe a maioria ainda se recusaa divulgar publicamente asestatísticas. Este lote incluiempresas como a Pepsi, aH&M, a L'Oréal, a Walmart, aMarks & Spencer e a Burberry.

Num comunicado divul-gado na última quinta-feira,a fundação disse estar con-fiante em que a iniciativa abreuma porta para mais trans-parência ecológica das empre-

sas e ajuda na luta contra odesperdício de plástico.

“A decisão de mais de 30empresas divulgarem publi-camente os seus volumesanuais de embalagens plás-ticas é um passo importantepara uma maior transpa-rência”, mas é preciso fazermais, sublinha.

A eliminação das embala-gens de plástico desnecessárias(bem como a transição paramaterial descartável), paraque estas possam ser 100%recicladas e com facilidade esegurança, até 2025, é um dosgrandes objectivos da orga-nização com o acordo que esta-beleceu com as empresas.

De acordo com um membroda fundação, Sander Defruyt,“"ainda estão longe” de resol-ver o problema, “particular-mente quando se trata deeliminação de itens desne-cessários e inovação em direc-ção a modelos de reutilização”.Mas é preciso “passar do com-promisso à acção”.

UM QUINTO DA PRODUÇÃO MUNDIAL

É preciso que as grandes empresas continuem a sua luta para se evitar o desperdício de plástico