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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE LETRAS E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL DA CULTURA REGIONAL MESTRADO EM HISTRIA

DENIZE SIQUEIRA DA SILVA

TECENDO MEMRIA: linhas e entrelinhas da trajetria da Universidade Federal Rural de Pernambuco (1912-1936)

RECIFE 2010

DENIZE SIQUEIRA DA SILVA

TECENDO MEMRIA: linhas e entrelinhas da trajetria da Universidade Federal Rural de Pernambuco (1912-1936)

Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Histria do Departamento de Letras e Cincias Humanas da Universidade Federal Rural de Pernambuco, como requisito para obteno do grau de mestre, em Histria Social da Cultura Regional, sob a orientao da Prof Dr Maria das Graas Andrade Atade de Almeida.

RECIFE 2010

Aos meus pais Tina e Romo, sem o amor e a orientao dos quais jamais seria quem sou. Tambm, para Ianny e Igor, meus filhos, por uma trajetria de vida...

AGRADECIMENTOTrabalhos como esse no possvel realiz-los isoladamente. Muitas vezes, a angstia da finalizao, a impresso de que algo no vai bem ou as incertezas em relao aos caminhos escolhidos tomam conta da cabea e do esprito. Nessa hora, encontrar algum com que compartilhar essas inseguranas , sem dvida, o melhor a fazer. Acredito que uma das melhores coisas da pesquisa o caminho percorrido, e, principalmente, as pessoas com as quais convivemos nele. Assim, o apoio e fora de familiares e amigos so fundamentais. Nesse trabalho dissertativo contei com muitos amigos e amigas, o que torna esse momento cheio de entusiasmo e emoo, porque hora de olhar para trs e reconhecer que, no meio de uma trajetria aparentemente solitria, estive junto de pessoas fundamentais, sem as quais, talvez este trabalho no existisse. Mas, inicio esse

momento agradecendo a Deus, ser maior, em quem busco nimo e esperanas quando tudo parece ruir. Um obrigada em especial, a profa. Maria das Graas Andrade Atade de Almeida, minha orientadora, pela preciso dos conhecimentos transmitidos, pelo equilbrio e elegncia de sua conduta no desempenho de suas funes, por representar o porto seguro dessa trajetria, sempre inundado de segurana, carinho e apoio, garantidos nos momentos de incerteza e insegurana. Agradeo, sobretudo, por acreditar nesse trabalho de pesquisa e em minha capacidade para execut-lo. Um obrigada especial ao professor Paulo Donizetti pelo incentivo, sobretudo, por acreditar que a realizao desse trabalho dissertativo traria informaes importantes para a historiografia local ao analisar a gnese da memria da UFRPE, uma Instituio fomentadora de ensino, pesquisa e extenso com quase cem anos de histria. A Belo Belinho Alberto Azevedo, meu marido, porto seguro, companheiro e amigo certo nas horas incertas que conseguiu tornar-se um pai de corao

maravilhoso para meus filhos, durante minhas longas ausncias no perodo de desenvolvimento das atividades de pesquisa, obrigada pela compreenso e o incentivo sempre presente, serei eternamente grata... Aos cunhados Paulo e Geisa, os quais, num momento crucial dessa jornada surgiram como verdadeiros anjos da guarda enviados por Deus; timoneiros a orientar um barco a deriva na imensido do mar. Obrigada pela solidariedade.

Com muito carinho agradeo, tambm, aos cunhados Zlia e Humberto, pelo apoio dado nesse caminhar, principalmente, quando me disponibilizaram a Fazenda Sabugueiro, para concluso da escrita analtica desse trabalho dissertativo. Verdadeiro exemplo de solidariedade. Das professoras Suely Cristina Albuquerque de Luna e Priscila Perazzo, recebi uma leitura cuidadosa do texto original, marcada por consideraes de grande intensidade. Agradeo por terem aceitado participar tanto da banca do exame de qualificao, como da defesa final desse trabalho de pesquisa. Suas sugestes foram amplamente incorporadas a esse trabalho propiciando um refinamento s reflexes. Com as instigantes aulas das professoras Maria das Graas Atade, Giselda Brito, Suely Almeida, Suely Luna, Ana Nascimento, Lcia Falco e Fabiana Bruci tive inmeros momentos privilegiados de acesso a leituras, reflexes e discusses que, sem dvida, foram fundamentais para a construo do nosso objeto. Com as quais procurei manter um bom relacionamento, principalmente, tico. Com vocs minha viso acadmica se alargou consideravelmente. Um especialssimo obrigada a todas. No poderia deixar de referenciar e agradecer ao prof. Wellington Barbosa, Coordenador do Programa de Mestrado. Profissional atencioso, sobretudo,

comprometido com o lugar a ele confiado. Agradeo ao prof. Ricardo Pacheco, pelas leituras incansveis de textos e as dicas bibliogrficas de tericos que trabalham as categorias eleitas nesse estudo, sobretudo, patrimnio cultural. A D. Felipe da Silva, Abade do Mosteiro de So Bento de Olinda, que gentilmente abriu as portas dos Arquivos da Abadia e, acreditou que esse estudo contribuiria para o alargamento da historiografia regional e das Instituies de Ensino Superior. Agradeo, sobretudo, contribuio beneditina para com a educao agropecuria local nas primeiras dcadas do sculo XX. Carinhosamente estendo minha gratido ao Ir. Joo Cassiano, arquivista do Mosteiro de So Bento, que pacientemente me auxiliou durante essa pesquisa. A Conceio Martins bibliotecria da Universidade Federal Rural de Pernambuco e Secretria da Academia Pernambucana de Cincia Agronmica - APCA pelo envio de importantes fontes documentais, por chamar a minha ateno para importantes aspectos sobre o objeto em anlise, e principalmente, pelo companheirismo nos momentos difceis... Muito obrigada. Aos amigos do grupo de estudo Memrias da UFRPE : Evandro, Tereza, Givaldo

e Henrique. O contato permanente com vocs foi para mim um espao formativo relevante. Foram momentos de partilha continua de experincias e reflexes. Sou muito grata a Alexsandra Souza, secretria da Coordenao do Programa de Mestrado em Histria Social da UFRPE, extremamente atenciosa e bem humorada, tornando assim, questes burocrticas menos speras. Expresso minha gratido aos companheiros de trabalho da CCS: Simone Gomes, Renata S Carneiro Leo, Bruno Andrade, Fernando, Thomas, Daniel, Susyane, Adriana, Isabel e Joyce; da EDU Marcelo Athayde, Luciano Frazo, Juscelino e David; da PROAD Djanete, Mozart, Emerson e Pedro; da PRAE Maria Cavalcante; do DSG/DAP Dione Paula; do DED Conceio Ba Viagem; da UFPE/Departamento de Educao Rosane Alencar, verdadeiros amigos que me apoiaram nas dificuldades dirias ressaltando que a cada desafio possvel vislumbrar novos horizontes. Conheci Sandro Vasconcelos na trajetria do mestrado, uma das novas amizades que com certeza levarei por toda vida. Sua disponibilidade em l muitos dos textos dessa pesquisa, a troca de livros e de experincias que vivenciamos juntos, por certo meu amigo, no esquecerei. Obrigada pelo incentivo.... Tambm, aos amigos, que alm da inestimvel contribuio intelectual, devo momentos de companheirismos, descontrao e muitas alegrias. Assim sendo, agradeo a Daniella Keila por seu contagiante humor e pelo seu intermitente incentivo, a Janana pelo o apoio constante e disponibilidade dispensada a esse estudo, a Carlos Andr e Mrio Ribeiro pelo apoio prestado pesquisa, responsveis tambm, pela manuteno desse sentimento de solidariedade e carinho fraterno to caracterstico que desenvolvemos durante essa trajetria. Por fim, a minha famlia, por suportar e superar com pacincia os momentos difceis. Dos meus pais, Tina e Romo, recebi todo o apoio objetivo, dirio e silencioso em relao s situaes prticas da vida cotidiana. A minha doce irm, Dulcineia, que mesmo distante soube como ningum ser parceira nesses momentos delicados. A George e Fabiana meus filhos de corao, agradeo o carinho, a dedicao e a amizade, principalmente, o apoio que sempre recebi nos momentos difceis dessa trajetria.

Ao meu Belo e meus queridos filhos Ianny e Igor, agradeo por toda uma trajetria de vida, ao meu lado. J que compartilhamos momentos de alegrias, tristezas, medos e sonhos, de certa forma, essa pesquisa tambm faz parte de suas conquistas.

A todos minha eterna gratido. Denize Siqueira

Que podemos cada um de ns fazer sem transformar nossa inquietude em uma histria? E, para essa transformao, para esse alvio, contamos com outra coisa a no ser os fragmentos desordenados das histrias recebidas? Cada um tem a sua lista. Por exemplo: raa, justia, pecado, moral, virtude, cu, amor, comeo, vida, cultura, vingana, infncia, nada, deus, arte, sada, remorso, compromisso, eternidade. E cada um dispe, tambm, de uma srie de tramas, nas quais, as entrelaa de modo mais ou menos coerente. E cada um tenta, dar um sentido a si mesmo, construindose como um ser de palavras a partir das palavras e dos vnculos narrativos que recebeu .(Jorge Larrosa)

RESUMO

A pesquisa tem como objetivo rememorar a trajetria da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE, a partir de ideais que justificaram o surgimento das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento em 1912, e prticas escolares vivenciadas nesses espaos, que resultaram na laicizao da Escola Superior de Agricultura ESA de So Bento, em 1936, quando essa passou para administrao

exclusiva do Estado. Nesse sentido, sob a orientao terico-metodolgica da Histria Cultural e de conceitos das categorias eleitas nessa pesquisa: patrimnio cultural, memria e cotidiano evocamos atividades escolares, acordos e estratgias percebidas nas relaes de sociabilidades entre os poderes institudos: Igreja e Estado, vislumbrando a compreenso desse processo histrico. Nessa perspectiva, as interpretaes da Anlise de Discurso (AD), da corrente francesa, que privilegia as sentidos construdos no discurso e as formas de produo, do interdiscurso e da intertextualidade deram suporte ao tratamento do corpus documental. Com a desconstruo dos discursos, identificamos os sentidos construdos nas alocues dos homens que teceram as primeiras linhas dessa trajetria. Nessa pesquisa no realizamos uma coleta de dados quantitativos para aferio do alcance e eficcia que subsidiasse uma avaliao do conhecimento agropecurio dos acadmicos. Propomos, sim, com a perspectiva metodolgica situar historicamente o processo, por meio da anlise documental e da bibliografia existente sobre o tema, alm de refletir sobre as razes e os significados desse suporte educativo como prtica cultural e instrumento poltico. Portanto, oferecer comunidade universitria da UFRPE, um referencial para a construo de sua historicidade e identidade, tendo em vista que, quando questionamos a preservao inserida na dinmica do movimento da histria, chega-se a um melhor entendimento de como se costura a cultura histrica. Com essa proposta vislumbramos a importncia do papel da memria coletiva na trajetria de configurao das Faculdades de So Bento e a sua necessria incluso no campo do conhecimento histrico do patrimnio cultural da UFRPE. Palavras-chaves: Patrimnio cultural, Memria e Cotidiano.

ABSTRACTThe research has the purpose of review the trajectory of the Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE, from ideals that justified the emergence of the Escolas

Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento , in 1912, and the educational practices experienced in those spaces, resulting on the secularization of the Escola Superior de Agricultura ESA of So Bento, in 1936, when it turned to be

administrated only by the Government. In this way, under the theoretical and methodological orientation of the Cultural History and concepts of the chosen categories on this research (cultural heritage, collective memory and daily life), we evoke school activities, agreements and strategies on sociability relations between the established powers Church and State aiming the comprehension of this historical process and the

social role played by these Agrarian Institutes on the region. From this perspective, the interpretations of the Discourse Analysis (DA); of the French current, which privileges the constructed meanings on the discourse and the production ways; of the interdiscourse and the intertextuality gave support to the study of the documentary corpus. With the deconstruction of discourses, we could understand the constructed meanings on the speeches of men that weaved the fist lines of this path. On this research, we didn t make a collection of quantitative data for measuring the reaching and effectiveness that subsidize a evaluation of the agricultural knowledge of the academicians. We propose, instead, with the methodological perspective, to situate historically the process, through the documentary analysis and the bibliography about the subject, and identify the reasons, experiences, senses and meanings of this educational support as a cultural practice and a political tool. Therefore, we wanted to offer to UFRPE s academic community a reference for the construction of its historicity and identity, considering that, when we question the preservation inserted in the dynamics of History, we come to a better understanding of how the historical culture is created. With this purpose, we highlight the important role of collective memory in the path of the configuration of the Faculdades de So Bento and its necessary inclusion into the field of historical knowledge of cultural heritage.

Keywords: Cultural heritage, Memory and Daily Life

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1- Distribuio do corpo docente e respectivas disciplinas lecionadas no primeiro curso preparatrio para ingresso de alunos nas Escolas Superiores de So Bento. Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de OlindaPE.....................................................................................................................................99

QUADRO 2 - Total de alunos/ano (1914-1922), matriculados nas turmas dos Cursos de Agricultura e Medicina Veterinria das Escolas Superiores de So Bento. Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de Olinda-

PE...................................................................................................................................103 QUADRO 3- Distribuio das disciplinas lecionadas, por curso, nas Faculdades Agropecurias de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de Olinda-

PE...................................................................................................................................104

QUDRO 4

Distribuio da carga horria e respectivas disciplinas lecionadas nas

Faculdades Agropecurias de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de Olinda-

PE...................................................................................................................................105

QUADRO 5 - Relao nominal dos formandos das primeiras turmas (1914), das Escolas Superiores de So Bento, referente aos Cursos de Agricultura e Medicina Veterinria. Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de OlindaPE...................................................................................................................................107

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Mapa de Pernambuco com destaque para o Mosteiro de So Bento, localizado no Bairro Cidade Alta, Olinda-PE....................................................................69 Imagem 2 - Primeiro espao fsico construdo para abrigar os cursos das Faculdades Agropecuria de So Bento, 1914. ................................................................................115 Imagem 3 - Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento..................................124 Imagem 4 - D. Pedro Roeser Primeiro Reitor das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento de Olinda-PE..........................................................163 Imagem 5 - D. Bento Pickel, Primeiro Diretor da Escola de Agricultura de So Bento de Olinda-PE........................................................................................................................163 Imagem 6 - Imagem atualizada, do espao fsico que abrigou as Escolas Superiores de So Bento, em 1914, com algumas intervenes..........................................................164 Imagem 7 - Alunos, professores e autoridades pblicas na ESA de So Bento, em Tapera, aps a solenidade da Aula Inaugural, em maro de 1917................................164 Imagem 8- Hospital Veterinrio da Escola Superior de Medicina Veterinria de So Bento, I do Brasil.............................................................................................................165 Imagem 9 - Laboratrio de Qumica da Escola Superior de Agricultura de So Bento Tapera.............................................................................................................................165 Imagem 10 - Alunos no campo, em aula prtica de Agrimensura. Escola Superior de Agricultura de So Bento em Tapera..........................................................................166

Imagem 11 - Alunos na Sala de Leitura na Escola Superior de So Bento - em Tapera.............................................................................................................................166 Imagem 12 - Alunos em aula prtica no Laboratrio de Botnica da Escola Superior de Agricultura - em Tapera..................................................................................................167 Imagem 13 - Alunos em aula prtica de Mecnica. Escola Superior de Agricultura - em Tapera. ...........................................................................................................................167 Imagem 14 - Vista parcial do prdio da Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento, em Tapera...........................................................................................................168 Imagem 15 - Alunos em momento de descontrao na Escola Superior de Agricultura ESA de So Bento, em Tapera. ....................................................................................168

Imagem 16 - Imagem distncia do espao fsico da Escola Superior de Agricultura ESA de So Bento, em Tapera, em processo de construo........................................169 Imagem 17 Despedida Prior da Ordem Beneditina, quando em visita a Escola

Superior de Agricultura - ESA de So Bento, em Tapera..............................................169 Imagem 18- Estbulos da Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento, em Tapera. ...........................................................................................................................170 Imagem 19 - Monge Beneditino com alunos em aula prtica de Agrimensura na a Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento, em Tapera. ............................................170

ABREVIATURAS

APCA - Academia Pernambucana de Cincia Agronmica. APEJE - Arquivo Pblico Estadual Jordo Emereciano.APMAG - Arquivo Pblico Antonino Guimares de Olinda.

BPEMCB - Biblioteca Pblica Estadual Marechal Castelo Branco. CFCH - Centro de Filosofia e Cincias Humanas. CCS - Coordenadoria de Comunicao Social DED - Departamento de Educao DH- Departamento de Histria. DPHAN - Diretoria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. EDU - Editora Universitria ESA - Escola Superior de Agricultura. FUNDAJ - Fundao Joaquim Nabuco. GE - Grupo de Estudos. IAHGPE- Instituto Arqueolgico Histrico Geogrfico de Pernambuco. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. IFES - Instituio Federal de Ensino Superior. IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. MACOP - Ministrio da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas. MAIC - Ministrio da Agricultura e Comrcio. PPGH- Programa de Ps-Graduao em Histria. PROAD - Pr-Reitoria de Administrao SEN - Secretaria Nacional de Agricultura. SPHAN - Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. UFRPE- Universidade Federal Rural de Pernambuco. UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura. UNICAP- Universidade Catlica de Pernambuco.

SUMRIO

Introduo...................................................................................................19 Captulo I Patrimnio Cultural, Memria e Cotidiano: um breve

histrico........................................................................................................................331.1 1.2 O patrimnio cultural e a elaborao de polticas pblicas......................................33 Discusso acerca da memria: individual, coletiva e

histrica......................................44 1.3 Maneiras de pensar o cotidiano: interior escolar e espaos urbanos......................57

Captulo II

Trajetria das Escolas Superiores de Agricultura e

Medicina Veterinria de So Bento de Olinda-PE..................................682.1 2.2 2.3 O despertar de histrias entre idas e vindas a cidade de Olinda: 1912-1914.........68 As nuances do pensamento agrcola no discurso regional.....................................74 Perspectivas para implantao do ensino superior agropecurio e suas

imbricaes com o pensamento positivista......................................................................82 2.4 Bento Relaes de sociabilidades entre: Igreja, Estado e amigos do Mosteiro de So de

Olinda................................................................................................................................91 2.5 Um mergulho na memria: o nascer das Faculdades Agropecurias....................97

Captulo III

Entrecruzando as linhas da histria: evocamos a saga daESA de So Bento (1936).............110

laicizao da Escola Superior de Agricultura

3.1

Como espelhos prticas escolares: refletem estratgias e acordos de tempos

vividos.............................................................................................................................110 3.2 Fios de memria tecem: movimento escolar, lembranas e experincias............116 3.2.1 3.2.2 Escola Superior de Medicina Veterinria de So Bento: 1914-1926......116 Escola Superior de Agricultura de So Bento: 1917-1936......................124

3.2.3

Entre acordos institudos: o nascer da Escola de Agronomia de

Pernambuco (1937).............................................................................................138

Consideraes Finais..............................................................................143

Referncias...............................................................................................148

Referncias Manuscritas.........................................................................159

Anexo Fotogrfico...................................................................................163

INTRODUO

No fundo da prtica cientfica existe um discurso que diz: nem tudo verdade, mas em todo lugar e a todo momento existe uma verdade talvez adormecida, mas que, no entanto est a espera da nossa mo para ser desvelada. A ns, cabe a boa perspectiva, o ngulo correto, os instrumentos necessrios, pois, de qualquer maneira, ela est presente aqui e em todo lugar .1

O estudo da memria acerca da criao dos cursos de ensino superior agropecurio, no Brasil, tem sido considerado, de modo crescente, como um importante foco de investigao, para pesquisadores que transitam por vrios campos do conhecimento, possibilitando uma compreenso alargada dos espaos escolares, sobretudo, do cenrio poltico-institucional nas primeiras dcadas do sculo XX. Em linhas gerais, esses estudos apresentam o processo de organizao desse ensino acordando as necessidades regionais, bem como, aspectos do percurso profissional, administrativo e poltico de seus grupos originais. Assim, para realizao da nossa pesquisa, partiremos de uma viso culturalista da histria, de forma integrada e interacionista procurando, segundo ALBUQUERQUE Jr., retramar o que est tramado, redizer o que est dito, rever o que j foi visto ,2 assim sendo, demarcar a nossa diferena, trazendo novos subsdios historiografia regional, particularmente aos estudos das Instituies de Ensino Superior, dedicadas as Cincias Agrrias. O interesse pela problemtica surgiu na graduao de licenciatura em Histria que cursei na Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde/Centro de Ensino Superior de Arcoverde AESA/CESA. Nesse perodo desenvolvi uma pesquisa sobre A histria da PE , realizada a partir de informaes colhidas por

apicultura no municpio de Ibimirim

meio de entrevistas com apicultores locais, capacitados por tcnicos da Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE. Com os resultados das anlises passamos a refletir sobre os problemas gestacionais da Universidade, no sentido de desenvolver atividades culturais preocupadas em salvaguardar o patrimnio dessa Instituio de1

FOUCAULT, M. Microfsica do poder. Org. e trad. de Roberto Machado. 10 ed. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1992, p. 113. 2 ALBUQUERQUE, Jr. Durval Muniz. Histria: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da histria. EDUSC: Bauru, So Paulo, 2007, p. 153.

Ensino Superior - IFES. Porm, a idia de realizar um estudo criterioso sobre essa a Universidade Rural foi efetivamente gestada, quando entramos em contato com o Grupo de Estudo acerca da memria da Instituio, em Recife, sob a coordenao da Prof Dra. M das Graas Atade de Almeida3, para o qual, fomos convidados a frequentar os encontros quinzenais, onde definimos o objeto a ser analisado, bem como, o recorte cronolgico da pesquisa, vislumbrando compreender as prticas cotidianas, saberes e fazeres de personagens envolvidos com essa problemtica. Durante as discusses no Grupo de Estudo surgiram questionamentos acerca das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento, no sentido de compreender seu papel social no mbito da educao pernambucana, na formao de bacharis em Agronomia e Medicina Veterinria no incio do sculo XX; assim como, sua trajetria, perpassando por duas ditaduras militar, em quase 100 anos de existncia. Diante dessas opes de investigaes, optamos em privilegiar os seguintes pontos dessa histria: os ideais que possibilitaram o surgimento desses Institutos Agropecurios, as prticas, os valores e vivncias no espao escolar; o sistema de internato e externato; e o que levou o Estado a intervir na administrao das Escolas Superiores de So Bento em 1936; assim, contextualizar o objeto de pesquisa na historiografia local, conforme um monumento do patrimnio cultural, a partir da rememorao da memria documental e discursos proferidos pelas lideranas agrrias. Com essa perspectiva, privilegiamos o seguinte perodo: 1912-1936, que se refere fase beneditina. Com essa perspectiva, buscamos a produo historiogrfica relacionada memria e patrimnio de instituies superiores de ensino e pesquisa. Na ocasio debruamos sobre os trabalhos realizados por ATADE DE ALMEIDA4: o primeiro voltado para a memria da Fundao de Amparo Pesquisa em Pernambuco FACEPE, quando a Instituio fez 15 anos, a autora mapeia os gestores trabalhando

3

A professora realizava pesquisas acerca memria da UFRPE desde os 87 anos da Instituio, quando a mesma escreveu textos relativos aos 87 e 90 anos da Universidade. Este Grupo de Estudo - GE, foi pensado pelos profos. Drs. Paulo Donizeti e Maria das Graas Andrade Atade de Almeida. Cinco funcionrios: Denize Siqueira da Silva, Evandro de Oliveira Cavalcanti, Geraldo Laurentino da Silva, Givaldo Rufino Coelho, Severino Henrique da Costa e Tereza Cristina A. dos S. Silva, da rea das Cincias Humanas (histria), ambos freqentavam as discusses em torno das categorias memria e patrimnio, voltadas para pesquisas que vislumbravam o recorte cronolgico a partir de 1910 at o ps-64. 4 ALMEIDA, M. Das Graas A. Atade de & CABRAL, Ftima. FACEPE 15 anos. FACEPE: Recife, 2005.

com o aporte de memria e intelectuais. O segundo, sobre a UFRPE, quando dos aniversrios de 87 e 90 anos. Nesse ltimo, a historiadora faz uma anlise da trajetria da Universidade, desde sua criao at 1964, relacionando as imbricaes entre os momentos crticos vividos na conjuntura brasileira e a atuao desta no processo histrico. A autora trabalhou com os intelectuais relacionando a idia de progresso e de modernizao presente na reforma arquitetnica que a cidade do Recife vivenciou durante a dcada de 1910, concomitantemente com a criao das Escolas Superiores de So Bento; perpassando pelos anos da Ditadura Varguista, adentrou nos espaos escolares das Faculdades de So Bento quando identificou preconceitos, dentre eles, contra os judeus e contra a presena de mulheres em universidades voltadas para Cincias Agrrias.5 Conclui seu trabalho com a relao entre UFRPE e a ditadura militar. Ainda sobre a Instituio, MARTINS6 tem se debruado em vrios artigos e ensaios biogrficos sobre atores desta trajetria. Teses, dissertaes e artigos tambm, se utilizam dessa temtica, como por exemplo, a pesquisa de CASTELO BRANCO7 sobre o Piau, abordando cotidiano e memria do Colgio Agrcola de Teresina, nas dcadas de 50 a 70 do sculo XX; tendo como lcus de pesquisa a cidade de Joo Pessoa, na Paraba, destacamos os trabalhos de TARGINO8, que a partir das cartilhas do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico do Estado da Paraba - IPHAEP analisa a experincia de educao patrimonial na cidade entre os anos de1980 a 2003; SCOCUGLIA,9 em tese de doutoramento aborda o

5

Conferir, tambm, MARTINS, Conceio. Consta nos estudos da bibliotecria, que a Escola Superior de Agricultura ESA, hoje UFRPE, conferiu diploma, a duas mulheres: Ester Feldmuns, da turma de 1944 e Sara Botler, da turma de 1945, ambas judia. 6 MARTINS, Conceio & MARTINS Osvaldo. LINDALO FARIAS: reminiscncias da trajetria de um engenho agronmico. Anais da Academia Pernambucana de Cincia Agronmica. Recife. V. 5-6, 2008/2009, p. 19-31: O pioneirismo das engenheiras agronmas pernambucanas nos 96 anos da UFRPE. In: jornal Folha de Pernambuco, Caderno Cidadania. Recife, 31 de outubro, 2008, p. 11. Memria e informao: o testemunho das engenheiras agrnomas pernambucanas. In: Anais do XV Seminrio Nacional de Bibliotecas Universitrias. So Paulo, 2008. Disponvel em: www.sbu.unicamp.br/snbu2008/anais/site/pdfs/2798.pdf. 7 CASTELO BRANCO, Julinete V. Castelo. Histrias e memrias do Colgio Agrcola de Teresina (1954-1976): formando lderes para a construo do novo e para a implacvel destruio do arcaico. Teresina: Universidade Federal do Piau-UFPI. 2006. 8 TARGINO, M Ivonilde M. Uma experincia de educao patrimonial na cidade de Joo Pessoa: o processo de elaborao das cartilhas do patrimnio pelo IPHAEP. 1980-2003. Universidade Federal da Paraba. Joo Pessoa. 2007. 9 SCOCUGLIA, Jowanka B. C. Sociabilidade, Espao Pblico e Cultura: uso contemporneo do patrimnio na cidade de Joo Pessoa. Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2003.

patrimnio histrico de Joo Pessoa, no perodo de 1987 a 2002, e HEINZ10 com artigo intitulado: Positivistas e republicanos: os professores da Escola de Engenharia de Porto Alegre entre a atividade poltica e a administrao pblica (1896-1930). Em nossa anlise privilegiamos a memria da UFRPE, da sua criao at a dcada de 1930, quando da transferncia para administrao do Estado e consequente laicizao das Escolas. Assim, o objetivo dessa pesquisa, compreender a trajetria histrica das Escolas Superiores de So Bento, fundadas pelos beneditinos da cidade de Olinda sua PE, em 1912, as quais deram origem a UFRPE, a partir de seu cotidiano, e seu patrimnio. Na perspectiva de anlise aqui adotada,

memria

compreendemos que tanto a histria oficial como os silncios da memria coletiva sero objetos de criticidade. O referencial terico-metodolgico nos revela que a trajetria de uma instituio de ensino ganha visibilidade a partir do desvendar do seu universo. Isso requer o reconhecimento de um mundo a portas fechadas, escondido, fugaz11. A anlise nos remete a uma leitura criteriosa, com o compromisso de repensar as histrias do objeto em discusso adentrando os espaos escolares e as experincias vividas, onde identificamos afirmaes de valores dos grupos sociais estudo, os quais definimos como configurao de memria e silenciamentos. Com esse estudo acreditamos na possibilidade de evocar um universo multifacetado que se mostra em aulas, vivncias e prticas cotidianas, da mesma forma os documentos que se transformam em monumento/memria tramados pelos sujeitos que escreveram as primeiras linhas da histria do ensino agrcola em Pernambuco, a partir das Escolas Superiores de So Bento. Mas, para realizao dessa proposta vislumbramos um caminho no qual encontre o conceito das categorias eleitas nessa pesquisa patrimnio, memria e cotidiano . Nessa perspectiva, os estudos de RSEN, orientam nossa discusso, para esse autor,

as teorias so apenas construtos das narrativas e no sejam elas mesmas narrativas. Elas fornecem a estrutura da argumentao, o esqueleto da10

HEINZ, Flvio M. Positivistas e republicanos: os professores da Escola de Engenharia de Porto Alegre entre a atividade poltica e a administrao pblica (1896-1930). Revista Brasileira de Histria rgo Oficial da Associao Nacional de Histria. So Paulo, ANPUH, vol. 29, n 58, jul. dez. 2009, p. 263. 11 CHARTIER, Roger. A histria cultural: entre prticas e representaes. Rio de Janeiro: Difel 1990.

constituio narrativa de sentido, mas no apresentam o prprio sentido construdo narrativamente, como se no importasse o preenchimento da estrutura, a musculatura emprica. Por outro lado, a metodologia consiste num conjunto de diretrizes que conduzem o pensamento histrico pesquisa emprica, reflexo sobre os pontos de partida e teorizao, conferindo-lhe a dinmica do progresso cognitivo, da ampliao das perspectivas e do reforo de identidade12.

PAUL FEYERABEND, ao escrever sobre mtodos de pesquisa histrica, tambm nos auxilia no entendimento dos campos terico e prtico, assim como, alarga a nossa compreenso sobre fatos, segundo o estudioso,

um mtodo que contenha princpios firmes, imutveis e absolutamente obrigatrios para conduzir os negcios da cincia depara com considervel dificuldade quando confrontado com os resultados da pesquisa histrica. Descobrimos ento que no h uma nica regra. Assim, para o que examina o rico material fornecido pela histria e no tem a inteno de empobrec-lo a fim de agradar a seus baixos instintos, a seu anseio por segurana intelectual na forma de clareza, preciso, objetividade e verdade , ficar claro que h apenas um princpio que pode ser defendido em todas as circunstncias e em todos os estgios do desenvolvimento humano. o princpio de que tudo vale13.

Assim, a prtica historiogrfica exige do pesquisador um fecundo dilogo entre a documentao e o aporte terico-metodolgico adotado para o desenvolvimento da sua investigao, esse rigor cientfico o que propiciar legitimidade cientfica ao trabalho a ser realizado. Logo, a proposta terico-metodolgica de anlise deste trabalho insere-se no mtodo prosopogrfico, que tem por base o estudo das biografias coletivas das elites, se orienta pela busca das regularidades, dos sinais comuns, dos condicionamentos sociais e culturais na histria de homens e coletividades, buscando perscrutar a complexidade do social. De acordo com a nossa proposta de anlise, as obras de autores como JACQUES LE GOFF,14 ECLA BOSI,15 MAURICE HALBWACHS,16 PATRCIA

12 13

RSEN, Jorn. Reconstruo do passado. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 2007, p.90-101. FEYERABEND, Paul K. Contra o mtodo. So Paulo: UNESP, 2007, p.37- 43. 14 LE GOFF, Jacques. Histria e memria. Campinas: Ed.: Unicamp, 1996. 15 BOSI, Ecla. Memria e sociedade: lembrana de velhos. So Paulo: Cia das Letras, 1998. 16 HALBWACHS, Maurice. A memria coletiva. Traduo de SIDOU, Beatriz. So Paulo: Centauro, 2006.

MARIUZZO,17 RICARDO ORI,18 PAULO DE ASSUNO,19 CARLOS A. LEMOS, 20 PEDRO PAULO FUNARI,21 SANDRA PELEGRINI,22 MICHEL FOUCAULT23 e FLAVO M. HEINZ,24 constituem nosso lugar de reflexo. Utilizamos Foucault a partir da idia de que as relaes de poder fundamentalmente no se passam nem ao nvel do direito, nem da violncia, o autor no define poder como algo que nega ou impe limites. Nessa perspectiva, o poder possui uma eficcia produtiva, uma riqueza estratgica, uma positividade. Assim, a opo pelas elites aqui, antes de tudo, uma soluo de escala, uma chave metodolgica para, atravs do mtodo das biografias coletivas ou prosopografias, perscrutar a complexidade do social. Sobre a memria, enquanto fonte histrica os estudos de BOSI corroboram com a anlise quando afirma que,

a memria permite a relao do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no processo atual das representaes. Pela memria, o passado no s vem a tona das guas presentes, misturando-se com as percepes mediadas, como tambm empurra, desloca estas ltimas, ocupando o espao todo da conscincia.25

Sendo assim, entendemos que a memria responsvel pela conservao das experincias, levando-nos a reinventar o j vivido, possibilitando-nos recompor o passado, do marco da intelectualidade pernambucana, no que se refere s Cincias Agrrias. Lembramos aqui HALBWACHS26, quando faz distino entre memria17

MARIUZZO, Patrcia. Revista Eletrnica Com Cincia. A revista uma publicao da sociedade brasileira para o progresso da cincia, em parceria com laboratrio de Estudos Avanados em Jornalismo da Unicamp. 18 ORI, Ricardo. Memria e ensino de histria. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histrico na sala de aula. So Paulo: Contexto. 2001. 19 ASSUNO, Paulo de. Patrimnio. So Paulo: Edies Loyola, 2003. 20 LEMOS, Carlos A. C. O que patrimnio histrico. So Paulo: Ed. Brasiliense, 2006. 21 FUNARI, Pedro Paulo. Patrimnio histrico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 22 PELEGRINI, Sandra C. Arajo. Patrimnio histrico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. No referencial terico apresentado, encontramos os fundamentos para analisar as Escolas Superiores de So Bento, como patrimnio cultural. Buscamos os referidos autores, na perspectiva que j no se entende o patrimnio apenas como obras arquitetnicas ou de grande apelo histrico, mas como a produo humana em seu conjunto. Dessa maneira, encontramos o suporte que vislumbramos em suas interpretaes para essa pesquisa. 23 FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Organizao, introduo e reviso de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edies Graal. 1979-2005. 24 HEINZ, Flvio M. Por outra histria das elites. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 25 BOSI, Ecla. Op. Cit. p. 47. 26 HALBWACHS, Maurice. Op. Cit. 2006.

histrica, de um lado, que supe a reconstruo dos dados fornecidos pelo presente da vida social e projetada no passado reinventado, e memria coletiva, de outro, aquela que recompe magicamente o passado. Entre essas duas direes da conscincia coletiva e individual desenvolvem-se as diversas formas de memrias, cujas formas mudam conforme os objetivos que elas implicam. Para LE GOFF,

o estudo da memria no exclusividade da Histria, mas tambm da Antropologia, da Psicologia e da Educao, porm, ela ganha um significado especial para os historiadores, para quem o estudo da memria social um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da histria.27

Dessa forma, ao rememorar o surgimento e o cotidiano das Escolas Superiores de So Bento, a memria ultrapassa a simples lembrana e ocupa lugar de documento histrico. Assim, diferente do pressuposto positivista em que apenas o documento tem valor histrico, outras perspectivas tericas abrangem como fontes a palavra, o gesto, a imagem entre outros. De acordo com o historiador, o estudo da memria, envolve principalmente aqueles elementos registrados nas inscries grafadas desde a antiguidade, logo a memria, ganha um carter de monumento e como tal deve ser visitada pelo historiador. Pensamos que monumentos so parte do patrimnio cultural de um povo ou de uma nao, eles servem como um elo entre o presente e o passado dando um sentido de continuidade. A preservao do patrimnio pressupe um projeto de construo do presente, por isso vale a pena na medida em que este patrimnio esteja vivo no presente, vivo para que as pessoas que o cercam possam de algum modo usufruir dele. Neste sentido, entendemos que as Escolas Superiores de So Bento podem ser analisadas como monumento ou patrimnio cultural, porque nos ligam ao nosso passado e deve, portanto, fazer sentido no cotidiano. Considerando que todos os elementos que perfazem o patrimnio de uma coletividade, pode ser compreendidos como bens culturais desse grupo social. Os estudos de ORI, interpretam as anlises tericas mencionadas acerca das categorias privilegiadas nessa pesquisa, bem como, refora a nossa opo pela anlise. Para o autor j no se entende o patrimnio apenas como obras arquitetnicas ou de

27

LE GOFF, Jacques. Op. Cit. p. 426.

grande apelo histrico, mas como a produo humana em seu conjunto .28 Logo, a leitura nos diz que os elementos culturais retratados em monumentos: as produes documentais, as prticas, vivncias e conflitos vividos pelos sujeitos da nossa pesquisa passam a ser objeto de preservao. Para o autor atualmente se preserva um bem cultural, quando esse tem significado para a comunidade em que est inserido, e, se a preservao possibilitar a melhoria, principalmente, para a salvaguarda de sua identidade cultural. ASSUNO corrobora com a discusso, quando afirma que a preservao dos bens culturais garantem a manuteno da memria coletiva no decorrer dos tempos, bem como, a construo da sua identidade.30 29

. Contudo, FUNARI e PELEGRINI,

chamam a nossa ateno o que para uns patrimnio, para outros no . Os valores sociais mudam com o tempo. Nesse sentido, a memria tem a funo de estabelecer

ligaes essenciais entre os sujeitos e o meio no qual vivenciam as experincias. Partindo da construo de um pensamento sobre as Escolas Superiores, a partir de fios de memrias, possvel conhecer as relaes de sociabilidades que se travaram naquele ambiente, bem como, a importncia destas para a trajetria escolar da Instituio. Procuramos tecer o memorial entrecruzando documentos, prosopografias, imagens, discursos, tempos e vivncias. Uma vez que nossos atores histricos, defensores da criao de uma escola preocupada com a causa agrcola em Pernambuco, so caracterizados como parte da elite agrria regional31 que atuaram discursivamente na regio, expandindo seu iderio e suas concepes de educao. Segundo HEINZ os historiadores que se utilizam das biografias coletivas em seus trabalhos, realizam um estudo sociolgico do passado, considerando seu carter social

28 29

ORI, Ricardo. Op. Cit. p.138. ASSUNO, Paulo de. Patrimnio. Idem. 2003. Indicamos para complemento da anlise. O estudo apresenta uma leitura interessante, que objetiva contribuir, bem como, trazer esclarecimentos sobre temticas ligadas ao patrimnio vislumbrando uma melhor interpretao, tendo em vista a sua complexidade, sobretudo, a riqueza do contedo que o livro comporta; enfim, contribuir para que a sociedade volte o olhar para o futuro, sentido a necessidade de preservar o patrimnio. 30 FUNARI, Pedro Paulo. PELEGRINI, Sandra C. Arajo. Op.Cit. 2006, p. 10. 31 MARTINS, Jos de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e histria na modernidade anmala. So Paulo: Contexto, 2008, p. 116-117. professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, tido como um dos mais importantes socilogos brasileiros da contemporaneidade. Suas anlises sobre a vida social, do imaginrio e da viso de mundo de homens simples muito contriburam para compreenso sobre a trajetria do nosso objeto de pesquisa.

para a Histria

32

.

A anlise da historiografia local nos permite refletir sobre as particularidades dos fatos histricos. A Histria baseada nas avaliaes regionais determinada pelos componentes de permanncias e rupturas universais da Histria, entretanto, tais acontecimentos so momentos particulares que podem decifrar lacunas nos estudos da Histria oficial, que muitas vezes torna-se generalizante, englobando os fatos de grandes eixos poltico-sociais como modelo para o desdobramento da Histria em todos os seus mbitos, sobretudo, o cultural. Assim, no que diz respeito metodologia para o desenvolvimento desse estudo, no primeiro momento, fizemos um levantamento dos tericos que trabalham as categorias eleitas na pesquisa; em seguida inventariamos a documentao, no sentido de separar o corpus a ser analisado, como forma passvel de colocarmos em evidncia as memrias muitas vezes silenciadas. Quanto s fontes documentais utilizadas para a elaborao dessa pesquisa foram encontradas nos arquivos da Abadia Olindense, as quais consistem em trs livros de atas referentes aos anos de 1904, 1905 e 1906; Livro de Crnicas, Livro Caixa, Livro Termo de Exames dos alunos, e Relatrios Anuais33 das Escolas Superiores de So Bento, de 1913 at 1922; nota jornalstica do Jornal do Estado que se refere negociao do Estado com a Ordem Beneditina, em 1936 a qual resultou na laicizao das Escolas. No Arquivo Pblico do Estado de Pernambuco Joo Emerenciano localizamos um exemplar do Jornal Dirio de Pernambuco, que relata a Primeira Aula Inaugural das Faculdades de So Bento, realizada no dia 1 de fevereiro de 1914. Logo, esses espaos se constituem como importantes guardis da memria do objeto em estudo, ao preservar documentos que contribuem para a reescrita de prticas cotidianas, a partir da recuperao de dados, personagens e cenrios. Concomitantemente esses lugares, tambm, nos levam a descoberta do inesperado, do que se encontra oculto em seus espaos. Utilizamos ainda, como fontes, as Plaquetes Comemorativas de 50, 80 e 90 anos da UFRPE, a disposio no Memorial da Academia Pernambucana de Cincia Agronmica - Casa Prof. Ivan Tavares, localizado na Biblioteca Central desta32 33

HEINZ, Flvio M. Idem. p. 08. Relatrios das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento. Primeiro: 1915; Segundo: 1916; Terceiro e Quarto: 1917/1918; Quinto: 1919; Sexto: 1920; e Stimo e Oitavo: 1921/1922 da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinria. Rio de Janeiro: Officinas Graphicas do Jornal do Brasil . Arquivos do Mosteiro de So Bento de Olinda-PE.

Universidade. As visitas a esse ambiente de pesquisa nos proporcionou um dilogo com fotografias, peridicos entre outras fontes que instigou-nos a refletir sobre as transies realizadas nos espaos escolares. Documentos que se revelam como monumentos passveis de identificarmos discursos diversos, complementares ou divergentes, traduzidos nos silncios, nos conflitos e nas negociaes, redes de sociabilidades que contriburam para o desfecho dessa pesquisa. Nesse conjunto de fontes utilizadas fazemos referncias s biografias coletivas, as quais se revelam mais do que testemunhas. Elas chamam a nossa ateno, pelo encantamento de seus textos, pela forma como os autores descrevem os aspectos cotidianos das Escolas em anlise. sedutora a leitura, a forma como abordam seus hbitos, valores, conflitos, saudades, perspectivas profissionais, sua cultura. Assim, no interior desse complexo panorama, procuramos focar atravs das lentes do presente o detalhe e a especificidade do ensino promovido por esses Centros do saber agrrio. Com uma perspectiva de rememorao, que revele novos conhecimentos, capazes de fazer ouvir, na histria que buscamos das Faculdades de So Bento outros cotidianos. O tratamento das fontes documentais se volta para a linha terico-metodolgica da Anlise de Discurso (AD)34 francesa, que privilegia as sentidos construdos no

discurso e as formas de produo. O interdiscurso e a intertextualidade daro suporte ao estudo do corpus documental. Com a desconstruo dos discursos, poderemos entender os sentidos construdos nas alocues dos homens que teceram essa Histria. ORLANDI afirma que, o discurso definido no como um transmissor de informao, mas como efeito de sentido entre locutores35

.

Nesse sentido, podemos considerar que os discursos proferidos pela elite agrria no dizem respeito ao ensino agrcola, ou seja, no resultaram apenas da inteno de indivduos em informar outros, mas da relao de sentidos estabelecida por eles num contexto histrico social. Dessa maneira, entendemos o discurso como prtica social veiculada sob vrias formas de comunicao, de modo a construir um determinado espao e sendo analisada a partir do contexto scio-histrico onde est inserida, refletindo, assim, uma viso ampla e determinada do mundo que o cerca. Temos, dessa maneira, o conceito de discurso como o resultado de sentidos entre os interlocutores. importante ressaltarmos que alm de suas contribuies terico-metodolgicas a AD desempenha um papel social, na medida em que contribui para o conhecimento do34 35

ORLANDI, Eni P. Anlise de Discurso. Campinas: Pontes, 1995. ORLANDI, Eni P. O que lingustica. So Paulo: Brasiliense, 2003, p. 63.

discurso, da cultura e da identidade. Como afirma DIANA LUZ DE BARROS as investigaes sobre o discurso tm por preocupao auxiliar para que se conhea melhor, por meio da linguagem, a sociedade .36 Desse modo, se confirma que a produo de sentido gestada a partir de discursos que trataram do ensino agrcola em Pernambuco, nos possibilitar identificarmos alunos e professores das Escolas Superiores de So Bento em seus diferentes discursos, do institucional ao religioso. Esse estudo tambm se apropriou da documentao imagtica encontrada nos arquivos, sendo trabalhada luz dos ensinamentos tericos de KOSSOY, para quem, a fotografia ao ser analisada como fonte histrica ,37 alm de ampliar o conceito de documentao para a historiografia, possibilitam-nos recuperar alguns aspectos que contriburam para a construo e a manipulao do imaginrio social.38 Pensamos, que no estudo sobre o cotidiano interessante buscar outras formas de expresso que nos permitem acesso a elementos que nem sempre as narrativas textuais captam ou expressam. Tal perspectiva nos conduz importncia do trabalho com imagens/fotogrficas, como meio de compreendermos o cotidiano das Escolas Superiores de So Bento, evitando as armadilhas dos textos escritos de modo a perceb-lo em sua amplitude e complexidade, considerando a manuteno dessas caractersticas que as fotografias expressam e os textos procuram entender. Dessa maneira, pensamos que o trabalho com imagens prover acesso s mltiplas realidades que elas captam e nem sempre so traduzidas em textos. Nesse sentido, podemos reafirmar com SAMAIN, que o uso combinado de textos e de imagens em pesquisas,

[...] cada um desses registros, verdade, partem de uma observao, ambos so representaes. Resta que essas observaes, essas representaes, essas interpretaes conjugam-se diferentemente em funo dos suportes utilizados. O suporte imagtico no funciona da mesma maneira que o suporte verbal. Cada um pe em obra operaes cognitivas, afetivas... singulares.3936

BARROS, Diana Luz de. Estudo do texto e o discurso no Brasil. DELTA: Documentao de estudo e lingstica terica aplicada. So Paulo: 1999, p. 08. 37 KOSSOY, B. A fotografia como fonte histrica. So Paulo: tica, 1989. 38 Acerca do imaginrio social e poltico, conferir: CASTORIADES, C. A instituio imaginria da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; BALANDIER, G. O poder em cena. Braslia: UNB, 1982. 39 SAMAIN, Etienne. O que vem a ser portanto um olhar? Prefcio a ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Livraria Palmarinca Ltda e Tomo Editorial Ltda, 1997, p. 28. SAMAIN professor da

Nesse sentido as interpretaes, de ISABEL CALADO reforam a discusso. Segundo a autora a imagem percebida com possibilidades no inscritas em outros materiais para a autora ela multifacetada e polivalente, concreta e abstrata, icnica e racionalizada, eficaz e mgica, esttica e denontativa, funcional e incontrolvel, escapada(ndo) s vises analticas, s grelhas quantificadoras, matematizao .40 Nesse sentido, entendemos que as imagens vo tecendo redes de conhecimentos com relao ao outro. Assim, dialogando com as imagens do cotidiano das Escolas Superiores de So Bento, temos mltiplas possibilidades de interpretao e interlocuo, assim, procuramos escutar as vozes dos personagens que teceram essa trajetria a partir de experincias particulares, do caminhar e do fazer cotidiano, na tentativa de perceber aquilo que a princpio, s se pode crer pela sua invisibilidade e no permanncia, que so os saberes cotidianos presentes nessas prticas. O cruzamento das fontes foi relevante para compreendermos as relaes de sociabilidades identificadas no cotidiano escolar, as quais refletem aspectos da sociedade pernambucana, sobretudo fatores: econmico e poltico. Na maioria das vezes, esses cristalizam determinadas memrias quando elegerem uma nica leitura do passado, melhor dizendo entendem o passado como algo a ser constantemente superado rumo ao progresso inflexvel, exclui e silencia fatos, nesse processo, negam o direito memria de diversos sujeitos. Tambm discorremos sobre trabalhos de cronistas e memorialistas do perodo, esses na sua maioria ex-alunos das Faculdades de So Bento, os quais tecendo fios de memrias contriburam para fundamentao desse trabalho de pesquisa a partir do momento que entrecruzamos suas percepes, seus valores e relacionamos com as nossas fontes. Assim, sentimos a necessidade de buscarmos a historiografia de poca41 vislumbrando a apropriao do contexto poltico-social e econmico da regio, sobretudo, os estudos de MANUEL CORREIA DE ANDRADE42, SOUZA BARROS 43,Universidade Estadual de Campinas. Antroplogo relacionou a fotografia a interveno subjetiva do fotgrafo e a antropologia visual. Para o autor a tecnologia mudou a relao do homem com a imagem. 40 CALADO, Isabel. A utilizao educativa das imagens. Porto: Porto Editora, 1994, p. 19-20. Segundo a autora, as imagens vo tecendo redes de conhecimentos, ou seja, a imagem como possibilidade de conhecer o outro. 41 Referenciamos as obras de BARROS, Souza. Idem. 1985. E, SETTE, Mrio. Arruar, histrias pitorescas do Recife antigo. Recife: Secretaria de Educao e Cultura do Governo do Estado de Pernambuco. 3 edio, coleo pernambucana. V. XII, 1978. 42 ANDRADE, Manuel C. Histria das usinas de acar de Pernambuco. Recife: FUNDAJ/Editora Massangana, 1989.

PETER EISENBERG44, e ROBERT LEVINE45. Em seu ensaio Histrias das usinas de acar em Pernambuco ANDRADE46, faz uma reflexo sobre o contexto econmico e social da regio, o qual dominava o setor aucareiro desde o perodo colonial. Assim, o autor procurou fazer uma anlise histrica das transformaes dos velhos bangs em usinas, perpassando as experincias dos meios aparelhos e dos engenhos centrais, em suas anlises props observar e caracterizar as mudanas que tal processo imprimiu sobre a organizao do espao regional. Dialogando com BARROS,47 em sua obra A dcada de 20 e Pernambuco compreendemos a relao entre os aspectos econmicos e scio-polticos do espao pernambucano. O autor analisa os quadros da poltica local, os primeiros sinais da indstria urbana, tambm discorre sobre as transformaes ocorridas atravs do processo de modernizao. Dessa maneira, apresenta um vasto estudo sobre aspectos culturais, sobretudo, a diversificao do ensino superior, com o aparecimento de novas escolas e faculdades, bem como seus reflexos na sociedade. Contudo, EISENBERG48, em suas anlises faz um estudo de caso significativo sobre a economia de lavoura de exportao: cana-de-acar, sua obra tem contribudo para debates acalorados na academia. O autor faz uma reflexo sobre os setores que atingiram a indstria aucareira, principalmente, no perodo compreendido entre as seis ltimas dcadas do sculo XIX e a primeira do sculo XX. Debruando-se sobre a problemtica da modernizao industrial e das transformaes no sistema das relaes de trabalho seus argumentos no podem ser ignorados nessa pesquisa. Para complementar a discusso historiogrfica buscamos LEVINE,49 por meio de sua obra Pernambuco na federao brasileira 1889-1937: a velha usina . Objetivando uma anlise comparativa do ponto de vista regional, apontando semelhanas e diferenas entre estados da federao brasileira, dos quais, Pernambuco, So Paulo e Minas Gerais. O autor, tambm, apresenta uma viso global dos setores poltico e43

BARROS, Souza. A dcada de 20 em Pernambuco. Recife: Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1985. 44 EISENBERG, Peter L. Modernizao sem mudana: a indstria aucareira em Pernambuco 18401910. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Universidade Estadual de Campinas, 1977. 45 LEVINE, Robert M. Pernambuco na federao brasileira 1889-1937: a velha usina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 46 ANDRADE, Manuel C. Idem. 1989. 47 BARROS, Souza. Ibid.. 1985. 48 EISENBERG, Peter L. Op. Cit. 1977. 49 LEVINE, Robert M. Op. Cit. 1990.

econmico da sociedade local do comeo da Primeira Repblica instaurao do Estado Novo. Nessa perspectiva, propomos nesse trabalho trazer importantes dados, principalmente, interpretaes sobre as elites polticas, os sistemas fiscais e a integrao social dos nossos atores. Com relao ao espao geogrfico, nosso objeto de estudo tem como locus cidade de Olinda PE, dentro de um quadro de modernizao50 e consolidao do

ensino agropecurio, assim (re)afirmamos que o foco dessa pesquisa volta-se para as experincias dos indivduos que construram cotidianamente a histria das Faculdades de So Bento51 incorporando dimenses individuais e sociais de maneira dinmica, complexa e contraditria. Nesse sentido, nossa proposta de trabalho estruturou-se a partir de trs temticas que compe os trs captulos da dissertao. No primeiro captulo ao discorremos sobre um Patrimnio cultural, memria e cotidiano: um breve histrico . Propomos tecer uma discusso terica, objetivando ter uma compreenso do objeto de estudo dentro da pesquisa emprica, uma vez que a teoria tem como objeto realizar as imbricaes entre os achados da pesquisa e a realidade terica. No segundo captulo tecemos Trajetria das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento de Olinda - PE , aps delinearmos o referencial terico-metodolgico incorporamos o objeto na discusso relacionando aspectos polticos, econmicos e sociais, pois entendemos que um dilogo entre as categorias, o mtodo a ser seguido e a historiografia de poca necessrio para justificar a incluso das referidas Escolas na linha de estudo sobre o patrimnio cultural. Nessa perspectiva, analisamos os meios que viabilizaram o Estado, tambm, a Igreja Catlica por meio da atuao dos monges beneditinos a criarem esses centros do saber agrrio. Com o terceiro captulo: Entrecruzando as linhas da histria: evocamos a saga da laicizao da Escola Superior de Agricultura ESA de So Bento (1936)

pretendemos com a (re)leitura do cotidiano da histria e da memria das prticas escolares, somados a discusso sobre seu papel social, trazer nossa contribuio para a historiografia regional e ampliar a discusso sobre as Instituies de Ensino Superior, uma vez que os trabalhos acerca das instituies de ensino, da regio, tm se voltado,

50 51

EISENBERG, Peter. Ibid. 1977. Localizamos documentos oficiais, bem como, biografias coletivas, que se referem s Escolas Superiores de So Bento; como as Faculdades de So Bento .

em sua maioria, para os centros tradicionais de Ensino: Direito e Medicina52. Dessa forma, procuramos rememorar, no s as regras de aproximao ou de cruzamento das sries enunciativas, mas tambm como estas se excluem; como procuraram produzir o silncio das outras. Cientes de que o conhecimento histrico no construdo unicamente pelo que dizem as fontes, mas, as informaes das fontes s so incorporadas nas conexes que do o sentido histria com ajuda do modelo de interpretao. Assim, cabe a ns historiadores, observar no apenas o dito, mas, principalmente o no dito, porque nas entrelinhas da documentao que encontramos as respostas para um novo fazer historiogrfico.

52

SCHWACZ, Lilia Moritz. O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo social no Brasil, 1870 1930. So Paulo: Companhia das Letras, 1993. Pesquisadora e professora livre docente no Departamento de Antropologia da Universidade de So Paulo USP.

CAPTULO I

PATRIMNIO CULTURAL, MEMRIA E COTIDIANO: UM BREVE HISTRICO

O patrimnio cultural de um povo compreende as obras de seus artistas, arquitetos msicos, escritores e sbios, assim como as criaes annimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que do sentido a vida. Enfim, as obras materiais e imateriais que expressam a criatividade de um povo: a lngua, os ritos, as crenas, os lugares e monumentos histricos, a cultura, as obras de arte, os arquivos, as bibliotecas...53

1.1

O patrimnio cultural e a elaborao de polticas pblicas

A preservao do patrimnio cultural no sentido das aes oficiais, executadas por instituies pblicas, juridicamente estabelecidas para cumprir tal funo, pode ser considerada como uma prtica recente. As primeiras diretrizes internacionais comearam a ser delineadas na dcada de trinta do sculo XX, principalmente nos pases europeus. Concomitantemente a esse perodo observamos um considervel aumento das demandas, pressupostos e motivaes que foram e continuam sendo revistos, reavaliados e ampliados. Tambm, guerras, reconfiguraes de mapas polticos, mudanas nas relaes internacionais, processos de descolonizao e democratizao, novos movimentos sociais buscando identidades tnicas, globalizao, transformaes aceleradas, avanos tecnolgicos, enfim, o ritmo da Histria

provocando constantes adaptaes nas aes oficiais de preservao cultural. O Brasil, de forma pioneira na Amrica Latina, inseri-se nas prticas oficiais de preservao. A problemtica comeou a ganhar espao no setor poltico-institucional brasileiro a partir da dcada de 1920, o qual foi impulsionado por manifestaes de intelectuais ligados ao movimento modernista, preocupados com os riscos de perda pelos quais passavam as obras de arte no pas, sobretudo, bens materiais do perodo colonial. Dessa forma, as primeiras aes pblicas partiram de estados com acervos

53

Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Cartas Patrimoniais. Braslia: IPHAN. Caderno de documentos n 03. 1995, p. 314.

significativos, entre os quais Pernambuco, criando suas Inspetorias Estaduais de Monumentos Histricos. Contudo, no tarefa fcil definir essa categoria ou grupo social, nos deteremos especificamente no seguinte ponto: como caracterizar as formas de atividades intelectuais? Para uma compreenso mais alargada da atuao desses personagens na poltica preservacionista dos bens patrimoniais brasileiros. Nessa perspectiva, quando nos debruamos sobre estudos preocupados em definir o intelectual, ou mesmo, a sua atuao, verifica-se uma multiplicidade de definies, a maior parte delas normativas. Segundo BOBBIO, os intelectuais so a nica categoria social que s pode ser definida por eles mesmos54

. O problema que

dificilmente a intelectualidade se prope apenas a se definir. GRAMSCI55 destaca o engajamento social dos intelectuais; MILLS56 o seu papel crtico; ARON57 a defesa de valores universais ou ainda a autonomia da categoria dos intelectuais; para WEBER58 essas definies colocam a intelectualidade como uma categoria que surge naturalmente tendo em vista as necessidades da sociedade. A constatao de que existe uma grande diversidade de acepes normativas, cada uma tentando impor sua definio do que deve ser o intelectual, mostra-nos, sobretudo, os mecanismos de construo social dessa categoria. No existe um conceito unitrio e definitivo da intelectualidade, pois o prprio estatuto de intelectual objeto de constante redefinio e disputa entre o contexto histrico e as estratgias dos atores sociais na definio da categoria. Assim, ao neutralizar o papel dos intelectuais na sociedade, alguns autores incorrem no erro de ignorar os processos histricos que compe a identidade do grupo.54

BOBBIO, Noberto. Os intelectuais e o poder. So Paulo: UNESP, 1997, p. 13. Esse autor considerado um dos maiores intelectuais. Em sua obra tenta unir os aspectos positivos do liberalismo e do socialismo, no projeto denominado socialismo-liberal que conjuga as duas correntes do pensamento poltico ocidental com a democracia, estabelecendo, na mesma estrutura, trs caractersticas da cidadania: as liberdades civis, as garantias polticas e os direitos humanos. 55 Conferir GRAMSCI, Antnio. Os intelectuais e a organizao da cultura. 3 edio. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979. Para o autor os intelectuais possuem uma funo no processo de tomada de conscincia de classe, no processo de luta de classe e na organizao discursiva das classes. O enunciado invertido pode ser feito. Nesse sentido, os intelectuais possuem uma funo no processo de produo da ideologia dominante, no processo de dominao de uma classe sobre a outra e na organizao discursiva do capital. 56 Sobre a temtica conferir MILLS, C. W. A poltica da cultura. In: MELO, R. de. (Org.). Os intelectuais e a cultura. Lisboa: Presena, 1964. 57 Conferir, ARON, Raymond. A alienao dos intelectuais. In: O pio dos intelectuais. Braslia: Ed. UnB, 1980. 58 Conferir WEBER, M. Cincia e poltica: duas vocaes. So Paulo: Martin Claret, 2004.

possvel pensar os intelectuais como um grupo socialmente construdo, ou seja, natural a sociedade, dessa maneira torna-se uma categoria objetiva na medida que passa a ser reconhecida e interiorizada como tal. Mesmo estando eles imersos em um processo histrico e social, sua anlise enquanto categoria socialmente construda no significa desconsider-los enquanto atores sociais, mas compreender as razes pelas quais certas acepes so objetivas, de forma a entender as estratgias que emergem no discurso desses personagens. Neste sentido, preciso distinguir a atividade real desses personagens em um determinado contexto histrico pensamos que no Brasil, a intelectualidade enquanto grupo social objetivado prescinde de um ato de nascena da prpria elite. Assim, a partir da interpretao tomaremos as primeiras dcadas do sculo vinte como ponto de partida para compreendermos de qual intelectual estamos falando, bem como sua atuao. Com essa proposta, consideramos as observaes de BARROS, ao interpretar Pernambuco na dcada de 1920, o autor percebe os intelectuais como colaboradores e produtores culturais.

Vindos, sobretudo, dos bancos acadmicos, cheios de idealismos, ingressando de peito aberto nas incruentas do pensamento e da ao, a servio da comunidade. No se podia admitir o intelectual se ele no aparecesse na imprensa numa atividade qualquer, nela trabalhando diretamente ou levando como colaborador as suas produes. 59

Dessa maneira, por meio de suas produes, tinham o poder de instituir formas de pensamento, conscincias coletivas. Nesse sentido, estariam os intelectuais demarcando os limites do campo simblico dentro, no qual, diversos agentes sociais se situariam para tomar decises e assim, optar pelas mudanas a serem implantadas ou revogadas. Segundo a anlise de PCAUT60, isso se deveria constncia com que a produo intelectual brasileira teria sido marcada, a partir, de um, certo realismo. O que o autor procura dar nfase o fato de os diversos projetos nacionais, sucessivamente elaborados, no serem mais que explicaes no plano intelectual de uma realidade subjacente e/ou inquestionvel.59 60

BARROS, Souza. Idem. p. 180 e 181. PCAUT, Daniel. Os intelectuais e a poltica no Brasil. So Paulo: ed. tica, 1990, p. 07. O autor faz a relao entre as conjunturas do Brasil no incio do sculo XX, com o intuito de situar os personagens e as singularidades nas tramas dos movimentos de carter poltico.

O autor finda por reforar a perspectiva que os caracteriza como uma elite que teria moldado determinada identidade social. Em outras palavras, os intelectuais teriam construdo a imagem, na qual o Pas poderia se v e; com a qual tenderia a se identificar. Assim sendo, vistos como agentes de mudanas, tinham o poder de interferir nas decises a serem tomadas, graas eloquncia das suas produes. Na linha de CHARTIER, compreendemos que as diversas prticas discursivas so quem, de fato, do significado ao mundo social ,61 ou seja, ao disporem de capacidade de criar representaes, de um modo geral, e no apenas do poltico, decorreu a sua capacidade de convencer e instituir projetos de transformao social, dos quais, a salvaguarda dos bens patrimoniais. Na perspectiva do pensamento de CASTORIADIS, as representaes enquanto expresses de um determinado imaginrio social, no so formuladas exatamente a partir de suas imagens, para o autor ,

criao incessante e essencialmente indeterminada (social, histrica e psquica) de figuras, formas e imagens, a partir das quais somente possvel falar-se de alguma coisa. Aquilo que denominamos realidade e racionalidade so seus produtos. 62

Neste sentido, percebemos o intelectual como um personagem que permite mltiplas formas de leituras. Uma leitura que nos leva a investigar o seu cotidiano a partir de suas produes culturais, familiarizando-nos com o meio social em que conviveram seus leitores, enfim, procuramos compreender o papel histrico social desses homens cheios de idealismos e engajados com a causa patrimonial, os quais atuaram de forma a promover a salvaguarda da memria coletiva. Nossa interpretao sobre os intelectuais se aproxima das observaes de Sartre, trazidas por Chau. Para SATRE,

61

CHARTIER, Roger. A histria cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: DIFEL, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1988, p. 16 e 17. 62 CASTORIADIS, Cornelius. A instituio imaginria da sociedade. Rio de Janeiro RJ: Paz e Terra, 1982, p. 13. Filsofo grego e pensador, autor de diversas obras de Filosofia e Filosofia Poltica. Crtico social e psicanalista considerado, por pesquisadores, um dos intelectuais, mais referenciado da segunda metade do sculo XX.

o intelectual aquele que pensa e est engajado com projetos coletivos; o escritor de atualidades que opina e intervm em todos os acontecimentos relevantes, medida que vo se sucedendo uns aos outros. um estado de viglia permanente. 63

Pelo que se depreende dessas formulaes primeiras, bem como, dos nexos que do forma ao raciocnio exposto acima, os intelectuais podem ser considerados agentes de mudanas polticas, o que significa dizer que sua produo atuou no sentido de orientar os rumos tomados pela sociedade. Sua produo, que cultural, teve efeito social a partir do momento que interferiram no mbito poltico, ou seja, no lugar de tomada de decises coletivas. Nesse vis, analisamos a preocupao com a salvaguarda dos bens culturais, sobretudo, nos tempos modernos, a experincia transformadora da modernidade trouxe consigo ameaas da destruio daquilo que se tinha; daquilo que era e daquilo que se sabia. A sociedade passava a viver sob o impacto do novo, logo, a permanncia do passado estava sob ameaa. Assim, em nossa discusso buscamos tecer um sentido mais profundo do ato de preservar, que leve em conta como o ser humano relaciona-se com a passagem do tempo, com sua prpria educao cultural, com os ciclos da criao e da destruio, de como o conhecimento pode ser acumulado e recriado, de como a arte pode ser transcendental, enfim, uma srie de relaes que permeiam o conceito que vislumbramos para essa pesquisa. Nessa perspectiva, optamos em dar continuidade discusso sobre a categoria patrimnio cultural. Desde a criao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional SPHAN em 1937; a noo de patrimnio cultural consagrada pelo iderio e

pela prtica institucional esteve ligada salvaguarda dos vestgios do passado. Elevado a categoria de Diretoria, em 1946, passa a chamar-se Diretoria do Patrimnio Histrico Nacional - DPHAN e, a partir de 1970, transforma-se em Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN64, atualmente vinculado ao Ministrio da Cultura. Como

organismos oficiais, responsabilizados pela defesa e proteo do acervo patrimonial brasileiro, durante anos limitaram-se aos bens caracterizados pela expresso pedra e cal . Assim, valorizaram apenas os elementos de natureza tangvel e a preservao do63

Apud de SATRE. CHAUI, Marilena. Intelectual engajado: uma figura em extino? In: NOVAES, Adauto. (Org.). O silncio dos intelectuais. So Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 25. 64 Sobre as configuraes dessas polticas culturais no Brasil, a partir do ano 1930, atingindo os anos 1970/1990 recomendamos a leitura da obra de ASSUNO, Paulo. Patrimnio. Idem. p. 68.

passado tendo como objetivo a conservao de uma memria nacional. O Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN foi criado em 13

de janeiro de 1937, durante o governo de Getlio Vargas. Na poca, o ministro da Educao e Sade, responsvel pelo IPHAN solicitou, em 1936, a Mrio de Andrade um anteprojeto de Lei que tivesse como objetivo principal salvaguardar os bens culturais brasileiros. Ao mesmo tempo incumbiu Rodrigo Melo Franco de Andrade de implantar o servio do patrimnio. Contando com o apoio de Manoel Bandeira, Lcio Costa, Carlos Drummond de Andrade, Afonso Arinos e Mrio de Andrade, o intelectual agiu no sentido de criar mecanismos para proteger os bens patrimoniais da nao. No Brasil, segundo os estudos de FUNARI e PELEGRINI65, o processo de elaborao de uma concepo de patrimnio cultural, ocorre em duas vertentes. A primeira est centrada na tradio secular e na valorizao dos vestgios monumentais das elites do passado, na monumentalidade dos grandes edifcios, na estaturia, nos grandes pintores e escultores, nos estilos cannicos da erudio, encontramos respaldo dessa concepo na sociedade patriarcal e aristotlica. A segunda vem tona com a promulgao da Carta Magna de 1988, que assume interesse pelos valores culturais identificados nos saberes e fazeres das diversas manifestaes do povo brasileiro. Ao longo de sua obra O patrimnio em processo FONSECA66, analisa dois aspectos da institucionalizao do patrimnio cultural, destacando os anos 1930/40 como o momento fundador do patrimnio, e os anos 1970/80 como o renovador, responsveis por discusses conflitantes no interior do IPHAN. Alm de caracterizar a concepo de modernista, liderada por Rodrigo Melo Franco, como preconizadora do iderio elitista dominante, e a concepo de Alosio Magalhes, baseada na idia de bem cultural, como ampliadora do conceito de patrimnio e da introduo de uma noo mais abrangente de memria coletiva. A atuao de Rodrigo M. Franco, no SPHAN, referenciada pelos estudiosos do patrimnio cultural como intelectual, tempos histricos . Segundo GONALVES, para aquele

o patrimnio histrico e artstico era visto como um objeto de conhecimento profissional, mas, simultaneamente, como o objeto de uma causa nacionalista, que, como tal, transcende as fronteiras profissionais.65 66

FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra de Cssia. Patrimnio histrico e cultural. Idem. p.11. FONSECA, M Ceclia Londres. O patrimnio em processo. Rio de Janeiro: UFJR Editora, 2005.

Essa causa conhecida com base em um conhecimento racional, objetivo da histria, excluindo toda atitude romntica, simplista e sentimental em relao ao passado.67

Dessa maneira, Rodrigo M. Franco buscou a preservao de um passado e de uma tradio, que permitisse ao Brasil lembrar de si mesmo. Valorizou monumentos considerados como signos visuais de uma sociedade. Seus conceitos ancoravam-se numa concepo evolucionistas, os quais refletiram nas formas como esse intelectual lidava com o patrimnio brasileiro, sobretudo, das populaes primitivas: africanas e amerndias, percebidas como remanescentes de um passado desaparecido e ignorado quando se tratava de sua vida cultural e social. Nesse sentido, era um contraponto ao anteprojeto de Mrio de Andrade; Franco trabalhava com um conceito de patrimnio cultural bastante avanado. Porm, com Aluizio Magalhes, o IPHAN inaugura uma nova fase, consagrada entre os estudiosos da rea como moderna . O design pernambucano props uma ampliao do conceito de patrimnio associado a uma perspectiva antropolgica, esse foco levou o rgo federal a sofrer transformaes relevantes no tange as polticas pblicas de patrimnio no Brasil. Percebemos essa atuao como um marco decisivo na trajetria do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. FONSECA68, tambm destaca, que apesar de esses dois processos

corresponderem a perodos autoritrios no quadro poltico nacional, os intelectuais, mentores da poltica federal de preservao conseguiram criar um campo prprio com autonomia para implantao de um projeto para a cultura brasileira, buscando valorizar na formao de nossa identidade os saberes e fazeres da produo popular com os bens materiais e imateriais dentro de uma viso antropolgica de cultura, por compreenderem que era possvel e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente fsico. A partir da discusso realizada at o momento, pensamos que por meio do processo histrico a noo de patrimnio vem se modificando de acordo com as

67

GONALVES, Jos Reginaldo Santos. A retrica da perda: os discursos do patrimnio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/IPHAN. 1996, p. 44. O estudo traz uma leitura crtica s estruturas narrativas que concebem os patrimnios nacionais, em especial o caso brasileiro. Segundo o autor, os historiadores, utilizando-se da ideologia da perda, criam o patrimnio nacional num processo que tambm pode ser entendido como contraditrio, porque a perda tambm ocorre por meio de seus discursos. 68 FONSECA, M Ceclia Londres. Op. Cit. 2005.

necessidades de um determinado perodo. Dessa forma, o conceito de patrimnio histrico vem gradativamente sendo substitudo pela expresso patrimnio cultural. Isso se deve ao fato de que as condies e as expresses criadas pelo homem so fundamentalmente culturais. Sobre esse assunto BOSI afirma que,

cultura o conjunto de prticas, de tcnicas, de smbolos e de valores que devem ser transmitidos s novas geraes para garantir a convivncia social. Mas para haver cultura preciso antes que exista tambm uma conscincia coletiva que, a partir da vida cotidiana, elabora os planos para o futuro da comunidade. 69

Considerando o pensamento da autora, pode-se refletir que a expresso patrimnio cultural se origina da prpria concepo de que o monumento apresenta smbolos e valores que transmitem s futuras geraes as caractersticas de uma determinada sociedade. Nesse sentido, pensamos que caberia a UFRPE promover a identificao cultural das Escolas Superiores de So Bento no apenas com o passado, mas, mediante a interligao das temporalidades: presente e passado. Porque entendemos que a cultura muito mais do que aquilo que as sociedades determinam como valores a serem preservados. Logo, pensamos que o conceito de cultura vai alm da classificao geral das artes, religio, crena, instituies, prticas e valores. Alcana o significado do termo como um processo social, constitutivo que cria modos de vida especficos e diferentes. Dessa forma, no podemos dissociar o significado de cultura da produo da vida cotidiana nem das relaes estabelecidas entre os personagens histricos e a sociedade, uma vez, que percebemos esses fatores entrelaados. Nessa perspectiva, pensamos a trajetria das Escolas Superiores de So Bento como um processo de criao de sujeitos, o qual abre possibilidades de reflexo sobre o que e para que preservar. As prticas de preservao vinculam-se a motivaes, objetivos, pressupostos e projetos que, assim como o conceito de patrimnio cultural, so mutveis. Centrando a ateno nas aes oficiais, juridicamente estabelecidas, um dos objetivos elucidar e compreender essas motivaes e justificativas que permeiam as decises sobre quais elementos da cultura, material e imaterial deve ser protegidos. Sendo a preservao

69

BOSI, Ecla. Idem. p. 86.

uma construo que envolve atores sociais, sob a gesto de instituies oficiais, os motivos que a ancoram, ou seja, as noes sobre valores, assim como a importncia desses, so variveis no tempo e no espao. Um sentido mais profundo do ato de preservar leva em conta como o ser humano relaciona-se com a passagem do tempo; com a sua produo cultural, com os ciclos de criao e destruio, de como o conhecimento pode ser acumulado e recriado, de como a arte pode ser transcendental, sendo assim, envolve uma srie de relaes que permeiam o conceito a que estamos nos atendo no presente estudo. Se buscarmos traar uma genealogia do conceito de patrimnio cultural, observamos a relao com outras noes e definies, que de diferentes formas na sucesso do tempo, vincularam-se sua configurao. Cada um deles com uma relevncia maior dependendo de cada poca, sendo que na atualidade, o patrimnio cultural est mais conectado aos conceitos de identidade cultural e memria coletiva. Esse ltimo com uma presena muito forte, inclusive na produo historiogrfica, a ponto de alguns historiadores considerarem os estudos sobre memria como um campo especfico da disciplina. Para HENRY,

a memria incontestavelmente da atualidade, por assim dizer: o tempo se repete hoje como um leitmotiv nas campanhas publicitrias dos editores no exterior, e so incontveis as obras que a empregam no ttulo ou subttulo, mesmo quando so de histria, no sentido mais clssico do termo. Sem dvida, no esprito de muito dos nossos contemporneos, a referncia memria deve oferecer uma mais-valia moral que a histria, to em voga h apenas alguns anos, parece ter dificuldade de assumir. Mas esse modismo, e mesmo esses desvios, sem dvida, passageiros, no devem ocultar o fato de que j se faz uma dcada que a histria da memria constitui um campo especfico, quase uma nova maneira de fazer histria, feio dos Lieux de mmoire , concebidos e editados por Pierre Nora no incio dos anos oitenta e concludos em 1993.70

Sendo assim, a noo de patrimnio cultural relacionou-se, desde as suas origens, com diferentes formas de memria coletiva at constituir-se como um conceito e70

HENRY, Rousso. A memria no mais o que era. In: AMADO, Janana & FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos e abusos da histria oral. Rio de Janeiro: FGV. 1996, p. 94. Tambm explanado por BURKE, Peter. O que histria cultural? Rio de Janeiro: Ed. Zahar. 2005, p. 87-90. HENRY historiador e iniciou suas pesquisas com estudos sobre a Segunda Guerra Mundial. Em seguida buscou uma histria de memria da guerra quando dedicou grande parte do seu tempo aos estudos da memria coletiva.

referencial jurdico no sculo XX. Atualmente uma das associaes mais marcantes e que vem sendo trabalhada historiograficamente, a juno dos conceitos de patrimnio cultural e memria. A preservao de um bem um tipo de mediao entre o presente e o passado sendo cada vez mais vinculada ao conceito de memria coletiva. HALBWACHS71 ao trabalhar tal conceito, nas primeiras dcadas do sculo XX, procurou demonstrar que as lembranas humanas so estritamente individuais. Elas so o resultado da histria vivida onde o que o indivduo lembra est imbricado ao grupo a que este pertenceu e determinado pelo tempo histrico em que viveu suas experincias. Nessa perspectiva, medida que cada fonte recompe a memria do objeto, percebemos que as histrias de vida de alunos, funcionrios e professores acabem se cruzando de diversas maneiras. Dialogando com MALUF72 deduzimos que a memria um fenmeno construdo social e individualmente, bem como, as prosopografias compartilham experincias, guardam pontos de contato da mesma memria. Os personagens da nossa pesquisa transitaram por lugares73 comuns, as Escolas Superiores de So Bento, bem como, os espaos ao seu entorno, esses constituram lugares onde suas lembranas revelam-nos um sentido de pertencimento, do lugar social do qual o sujeito discursava. As polticas culturais, quando excluem personagens do campo de discusses e decises, quando autorizam apenas uma nica verso do passado e quando apontam para um nico projeto vivel de futuro, afastam os grupos sociais dos meios, das ferramentas que viabilizam a sua apario como sujeitos atuantes portadores de memrias. Nesse sentido, passa a contempla-se a histria do morto, do consagrado, do oficial, fabricando uma histria de eventos que ignora ou oculta os adventos, no qual, o vivo e o novo retomam o passado em um presente que transforma mudando-lhe o sentido. Acreditamos que essa foi principal razo pela qual introduzimos nessa pesquisa uma breve discusso sobre o conceito de cultura. Sentimos a necessidade de precis-lo, porque nos reportamos a ele com freqncia de forma quase sempre limitada considerando os valores transmitidos nas Faculdades de So Bento. Compreendemos71 72

HALBWACHS, M. Idem. 1990. MALUF, Marina. Rudos da memria. So Paulo: Editora Siciliano. 1995, p. 40. 73 Conferir as interpretaes de LEITE, Rogrio Proena. Contra-usos da cidade: lugares e espao pblico na experincia contempornea. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Aracaju, SE: Editora UFS, 2004, p. 35. De acordo com o autor, podemos entender lugares como demarcaes fsicas e simblicas, cujos usos os qualificam e lhes atribuem sentidos de pertencimento, orientado aes sociais e sendo, por essas, delimitados reflexivamente.

que cultura humanizao, tanto se refere ao processo que nos faz humanos, quanto ao fato de que os bens culturais tambm se humanizam. Atravs do processo de transformao do mundo e simultaneamente do homem percebemos a presena de dois elementos indispensveis: o agente da transformao e o objeto a ser transformado, ou seja, o homem e o meio. A ao de ambos transformadora, o resultado imediato para o meio o produto cultural, em bem, em valor, e, para o homem a modificao de sua prpria condio humana. Fundamentados na discusso, entendemos que cultura se define como algo muito mais abrangente do que o resultado da ao intelectual do homem, a cultura enquanto processo ou produto tem uma exigncia de continuidade que definimos como o prprio modo de ser humano. Distingue-se por seu duplo aspecto de processo e de produto, o primeiro definindo a ao contnua e recproca do homem e do meio, o segundo, o resultado dessa ao, definindo o contedo dos bens culturais conquistados, os quais por sua vez, condicionam novos desafios capacidade perceptiva, sensibilidade, inteligncia e para a imaginao humana. Acreditamos que a sobrevivncia do homem est ligada a continuidade do processo, pois esse garante a preservao de sua condio humana, como tambm a preservao dos bens culturais, que exigem, sob a pena de se perderem, que sejam salvaguardados.74 Tal discusso nos faz compreender, que a continuidade do processo, assim como, a preservao da produo humana esto interligados e fornecem a motivao bsica para a comunicao interpessoal, seja no sentido horizontal relativo aos membros de uma gerao, seja no sentido vertical, referente transmisso das conquistas de uma gerao para outra. Logo, a cultura s sobrevive no meio social. Pensamos que uma das ferramentas das quais ela se utiliza para sobreviver a memria coletiva. Sendo assim, o patrimnio uma construo cultural, por isso, MARIA LETCIA MAZZUCCHI ressalta que o patrimnio muito mais reinventado do que herdado75

.

Entender a forma como se evolui uma cultura, ferramenta para se compreender o processo educativo vivenciado nas Escolas Superiores de So Bento. Os choques inevitveis entre a tradio e as novas exigncias educacionais da sociedade foram74

Sobre a categoria cultura, baseamos nossa anlise na linha terica de BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. 75 MAZZUCCHI, Maria Letcia. Patrimnio: discutindo alguns conceitos. Revista Com Cincia, 1993, p. 79-88. Disponvel em www.scielo.br/epsic.

caractersticas das vrias fazes pelas quais passaram as referidas Instituies. Nessa perspectiva, a construo da concepo de patrimnio cultural desses centros do saber agrrio tem adquirido um sentido de processo histrico e de memria coletiva especfico. De acordo com rgos que tratam da preservao fundamentamos a discusso, uma vez, que percebemos uma referncia direta ou indireta ao passado como algo que permanentemente construdo a partir do presente. Nessa perspectiva, a importncia patrimonial do objeto reflete-se, principalmente, no interesse despertado na comunidade universitria da UFRPE, pelo desvendamento do passado atravs da representao de sua memria coletiva, da qual o patrimnio uma vertente, onde o ser social se revela atuante, no apenas como simples admirador, mas como partcipe num dos campos de disputa dessa trajetria. Logo, s podemos compreender a expanso do ensino agrcola, a partir das Escolas Superiores de So Bento, bem como, o rumo que este tomou, por meio da realidade criada pela herana cultural, pela evoluo econmica e pela reestruturao do poder poltico na regio, por entendermos, que cada fase dessa histria reflete a interligao desses setores. Dessa maneira, privilegiamos o conceito de memria coletiva como um dos caminhos a percorrer, o qual, entendemos, possibilitar a compreenso/percepo do cultural atuando sobre os valores procurados nas Escolas Superiores de So Bento, por uma demanda da sociedade, bem como, o poder poltico, refletindo o jogo antagnico de foras conservadoras e modernizadoras com o predomnio da primeira, acabaram, no apenas orientando, mas, controlando o ensino agropecurio na regio.

1.2

Discusso acerca da memria: individual, coletiva e histrica

O trabalho da memria permeado pelo elo entre o seu presente, carregado de novas experincias; e o que permaneceu do seu passado em forma de dor, de alegria, de nostalgia. A rememorao uma tentativa de orga