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Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 7 – Setembro de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS Página 253 A cidade, fotografias e identidades: um breve olhar sobre Porto Alegre e suas representações pelo patrimônio arquitetônico Jussara Moreira de Azevedo * Resumo: Neste artigo discuto brevemente sobre cultura visual, memória e as identidades atribuídas à cidade de Porto Alegre encontradas em álbuns fotográficos virtuais. Analiso como se constituem e se exibem certas identidades da cidade de Porto Alegre, a partir das imagens de seu Patrimônio Arquitetônico, Artístico e Natural e de suas manifestações políticas e religiosas. Procuro ver como as fotografias constroem uma narrativa de cidade que valoriza sua história, suas tradições, expressas nas imagens daquilo que se define como seu patrimônio, bem como algumas fotografias a vinculam a uma identidade com os poderes políticos e religiosos. Sendo este, um recorte de minha pesquisa de Mestrado (AZEVEDO, 2010) no campo da Cultura Visual em que analisei as representações desta urbe através das fotografias. Considerando o olhar como construção cultural e os álbuns fotográficos (analógicos e digitais) como lugares de memória. Palavras-chave: Cidade; memória; Cultura Visual; Fotografia digital. Resumen: En este artículo el autor analiza brevemente acerca de la cultura visual, la memoria y las identidades asignadas a la ciudad de Porto Alegre se encuentran en los álbumes de fotos virtuales. Analiza cómo han exhibir ciertas identidades y la ciudad de Porto Alegre, a partir de las imágenes de su patrimonio arquitectónico, las manifestaciones artísticas y naturales y políticos y religiosos. Observa cómo las fotografías construyen una narrativa de la ciudad que valora su historia, sus tradiciones, expresado en imágenes de lo que se define como de su propiedad, así como algunas fotos para unirse a una identidad con los poderes políticos y religiosos. Como se trata de un recorte de mi maestría de investigación (AZEVEDO, 2010) en el campo de la cultura visual en la que analizó las representaciones de esta metrópoli a través de fotografías. Teniendo en cuenta la construcción cultural y se parecen a los álbumes de fotos (analógica y digital) como lugares de memoria. Palabras clave: Ciudad; Memoria; Cultura Visual; Fotografía Digital. * Mestre em Educação pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Professora do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Rio Grande do Sul (SENAC/RS). Artista plástica com ênfase em Fotografia e Desenho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato: [email protected] .

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A cidade, fotografias e identidades: um breve olhar sobre Porto Alegre e suas representações pelo patrimônio arquitetônico

Jussara Moreira de Azevedo*

Resumo: Neste artigo discuto brevemente sobre cultura visual, memória e as identidades

atribuídas à cidade de Porto Alegre encontradas em álbuns fotográficos virtuais. Analiso

como se constituem e se exibem certas identidades da cidade de Porto Alegre, a partir das

imagens de seu Patrimônio Arquitetônico, Artístico e Natural e de suas manifestações

políticas e religiosas. Procuro ver como as fotografias constroem uma narrativa de cidade que

valoriza sua história, suas tradições, expressas nas imagens daquilo que se define como seu

patrimônio, bem como algumas fotografias a vinculam a uma identidade com os poderes

políticos e religiosos. Sendo este, um recorte de minha pesquisa de Mestrado (AZEVEDO,

2010) no campo da Cultura Visual em que analisei as representações desta urbe através das

fotografias. Considerando o olhar como construção cultural e os álbuns fotográficos

(analógicos e digitais) como lugares de memória.

Palavras-chave: Cidade; memória; Cultura Visual; Fotografia digital.

Resumen: En este artículo el autor analiza brevemente acerca de la cultura visual, la memoria

y las identidades asignadas a la ciudad de Porto Alegre se encuentran en los álbumes de fotos

virtuales. Analiza cómo han exhibir ciertas identidades y la ciudad de Porto Alegre, a partir de

las imágenes de su patrimonio arquitectónico, las manifestaciones artísticas y naturales y

políticos y religiosos. Observa cómo las fotografías construyen una narrativa de la ciudad que

valora su historia, sus tradiciones, expresado en imágenes de lo que se define como de su

propiedad, así como algunas fotos para unirse a una identidad con los poderes políticos y

religiosos. Como se trata de un recorte de mi maestría de investigación (AZEVEDO, 2010) en

el campo de la cultura visual en la que analizó las representaciones de esta metrópoli a través

de fotografías. Teniendo en cuenta la construcción cultural y se parecen a los álbumes de

fotos (analógica y digital) como lugares de memoria.

Palabras clave: Ciudad; Memoria; Cultura Visual; Fotografía Digital.

* Mestre em Educação pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Professora do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Rio Grande do Sul (SENAC/RS). Artista plástica com ênfase em Fotografia e Desenho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato: [email protected].

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A paisagem Vários estudos têm sido produzidos, abordando as questões do olhar e da visibilidade

dos grandes centros urbanos, como também as formas de produzir e consumir imagens pós-

modernas. Eles tratam da vinculação da fotografia com a representação, comunicação ou

percepção dos sujeitos, objetos, das cidades e culturas nos quais estão inseridos, ou de como

imagens constituem subjetividades.

A cidade em que vivemos é constituída de várias faces. Cada bairro parece possuir

identidades que não são fixas e, sim, cambiantes, uma vez que são construídas continuamente

por quem nele vive. A cidade é um dos cenários no qual nossas histórias são escritas e

também fotografadas. Construímos nossas narrativas e nossas memórias em meio a esse

cenário de pedra e em múltiplas relações sociais. Mas a cidade é mais que um cenário, ela é

uma produção cultural que institui significados e que só faz sentido numa ampla rede de

representações. Assim, proponhopensarmos sobre o olhar fotográfico e suas construções no

contexto cultural, entendendo que este olhar também constitui os objetos e os sujeitos de

maneira distinta em contextos e tempos históricos específicos e que, através dele, são

representados.

Estudos da cultura visual1 Teóricos como Rose, Mirzoeff, Cunha e Hernández,abordam o campo da cultura

visual quese alicerça em aportes pós-estruturalistas, combinando estudos culturais, crítica e

história da arte, antropologia,psicologia, semiótica e sociologia, entre tantos outros. As

análises deste campo preocupam-se com os aspectos culturais que utilizam a linguagem

visual como estrutura principal.

Os crescentes números de produção e consumo dessa linguagem criam o que Mirzoeff

(2003) chama de espiral de imagens, no qual ver seria mais importante que crer e as imagens

não são parte da vida cotidiana, mas a vida cotidiana em si. Vivemos cercados de imagens,

sejam fotográficas ou audiovisuais. A cada lugar que vamos, uma câmera nos olha, da mesma

forma as televisões que olhamos em diferentes locais. Assim, produzimos mais e mais

imagens, multiplicamos os significados daquilo que capturamos nas lentes da fotografia, por

1 Para maiores esclarecimentos sobre Cultura Visual, ver também Mirzoeff (2003), Hernandez (2007) Berger (1974) e os trabalhos de Knauss (2006) e Abreu (2009).

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exemplo. Mas, que atenção realmente dá-se a elas? Segundo Mirzoeff (op.cit), a distância

existente entre a riqueza de produção visual contemporânea e as habilidades em analisá-las

cria uma necessidade e uma oportunidade para configurarmos a Cultura Visual como um

campo de estudos.

Segundo John Berger2todaimagem configura um modo de ver, incluindo, segundo o

autor, as fotografias. Ao vê-las, temos consciência de que foram resultado de várias escolhas

do fotógrafo, do editor, etc; e, que, nossa percepção e apreciação dependerá também de nossas

escolhas e de nossas razões, que também se modificam dependendo do aprendizado visual, do

contexto, do tempo, enfim, de nossos modos de ver.

O teórico Mirzoeff (apud Rose, 2001, p. 8) sugere que a centralidade da imagem nas

sociedades pós-modernas não ocorre somente pela facilidade e intensidade de sua produção,

nem em função de sua ampla utilização no aprendizado sobre o mundo, “mas porque

interagimos cada vez mais com experiências visuais totalmente construídas”. Ele argumenta

também que, através das tecnologias, temos hoje grande facilidade de modificar as imagens,

dando-lhes outros significados.

Dentro dessa perspectiva, analiso as fotografias contidas nos álbuns virtuais da cidade

de Porto alegre, indagando como essa cidade é imaginada e como tais representações nos

informam sobre o espaço, o tempo e os sujeitos. Neste recorte apresento a questão da cidade

representada pelo patrimônio.

Pensando na temática das cidades, vejo que as representações produzidas são sempre

cambiantes. Por exemplo, através de certas construções e edificações, estes locais são

apresentados como dinâmicos e progressistas; pela valorização do patrimônio histórico, das

praças, dos bares ou das orlas, elas são constituídas como cidades culturais e propícias ao

lazer; pela exaltação de aspectos arquitetônicos, elas adquirem um perfil de cidade histórica,

parte de um patrimônio mais amplo da humanidade - e ainda assim, ao olharmos estas

imagens, construímos de maneira sempre provisória e fluida uma imensidão de outros

sentidos. Destaco, a seguir, uma fotografia3 (figura 1) que pode nos fazer pensar sobre a

cidade – neste caso, Porto Alegre.

Nessa fotografia, destaca-se uma representação de cidade monumental, através de três

importantes edificações situadas na área central: em primeiro plano, apresenta-se o prédio do

Ministério Público Federal, em segundo, a Secretaria do Planejamento do Estado do RS e, em

2 Teórico inglês, crítico de arte e historiador que escreveu WaysofSeeing, em 1972. 3 Fotografia retirada de um dos álbuns analisados durante o projeto de dissertação.

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terceiro, a cúpula da Catedral Metropolitana de Porto Alegre. Essas edificações representam

um poder político e religioso e, deste modo, são significadas como monumentais. Tal

significado é reforçado também pelo caráter arquitetônico, sendo que, no caso dos prédios do

Ministério Público e da Secretaria do Planejamento, as próprias edificações são exemplares de

uma arquitetura contemporânea que coloca em destaque os aspectos esculturais. A catedral,

considerada referência histórica, é apresentada ao fundo, como exemplo de arquitetura

Renascentista da capital. Sua posição nessa fotografia valoriza os prédios situados em

primeiro plano, contudo, nesta mesma imagem, ela também adquire relevância pelo contraste.

Outro aspecto que valoriza a monumentalidade é a utilização da luz. Ao escolher uma

iluminação de fim de tarde, o fotógrafo obtém uma luz solar que incide diretamente sobre os

vidros do prédio, na fachada principal, produzindo, como efeito, a intensificação do brilho e o

aspecto dourado.

Figura1(esquerda): Prédio da Justiça Federal; Secretaria Planejamento do Estado – Autor: Ander Vaz, http://www.skyscrapercity.com. Figura 2(direita): Composição de monumentos – Autor: Ander Vaz,

http://www.skyscrapercity.com. No alto e à esquerda, temos a imagem do Mercado Destaco uma composição fotográfica4(figura 2) apresentada em outro álbum, que

mostra cinco cenários distintos da cidade – todos eles “lidos” como monumentos urbanos.

No alto e à esquerda, temos a imagem do Mercado Público como ponto focal,

reforçado pela composição do olhar em perspectiva – as linhas em diagonal conduzem o

nosso olhar para um ponto central – e pela incidência da luz – os elementos em primeiro

plano, mais escuros, reforçam a centralidade do monumento, mais claro e em segundo plano.

Além disso, o olhar dos passageiros, que estão em um ônibus turístico, também está voltado

para o mesmo ponto, marcando que se trata de algo importante para ser visto. Já a fotografia 4 Trata-se de uma composição fotográfica, assim apresentada no álbum: portoimagemdisponível no site de hospedagem skyscrapercity. Nelao fotógrafo constrói uma nova imagem (fotomontagem) com fotografias de diferentes monumentos da cidade de Porto Alegre.

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posicionada no alto e à direita da composição mostra alguns prédios no centro da capital,

fotografados em contraluz. Nessa imagem, o fotógrafo utiliza duas estratégias para acentuar o

sentido de monumentalidade: a primeira é apresentar a cidade em silhueta, na qual os prédios

são vistos apenas pelos seus contornos; a segunda consiste em deslocar a posição do

observador, situando-o abaixo da linha do horizonte – assim os prédios são vistos de baixo

para cima –, estratégia esta que produz uma ideia de cidade imponente. Abaixo, na mesma

montagem, apresentam-se três fotografias focadas em uma obra monumental em particular: a

primeira se refere à estátua em bronze de Júlio de Castilhos5, de 1913, simboliza poder

político republicano e seus ideais positivistas; a segunda, também em bronze, retrata o general

Bento Gonçalves, inicialmente colocada no Parque Farroupilha, em 1836, e transferida para a

Avenida João Pessoa, em 1941. Em ambas, o fotógrafo lançou mão de dois recursos para

acentuar sua imponência e destaque. O primeiro recurso foi fotografar de um ponto de vista

mais baixo, fazendo com que as dimensões dos objetos se acentuassem; o segundo,refere-se a

seu enquadramento mais centralizado, trabalhando também com o contraste da iluminação do

céu - ao fundo, embora a segunda fotografia tenha ficado prejudicada pela contraluz. E, para

completar, na terceira fotografia, vemos a imagem do Rio Guaíba, patrimônio natural da

cidade, considerado em muitos artefatos e imagens como parte de seus monumentos, ao lado

de seu pôr do sol.

Em suma, as fotografias urbanas, presentes nos álbuns fotográficos, são construções

visuais, recortes interessados de uma intrincada malha que são as cidades. O que vemos são

fragmentos de cidades imaginadas, desejadas ou não, cujas imagens constroem e instituem

significados. Assim, vamos produzindo olhares sobre os lugares e, deste leque de

representações, alguns passam a constituir nossas próprias maneiras de narrar a cidade em que

vivemos.

Olhar, ver e fotografar Porto Alegre: narrativas fotográficas virtuais da cidade

A sequência de imagens destacadas me faz pensar as múltiplas representações da cidade

de Porto Alegre: um lugar que valoriza a arte, as expressões culturais, o patrimônio. É uma

5 Esta estátua possui 22,5 metros de altura e esta instalada na Praça da Matriz, em frente ao Palácio do Governo, desde 1913. Está colocada sob um pedestal repleto de figuras que simbolizam os ideais positivistas, como a República na figura de uma mulher, a justiça de olhos descobertos, os cães que representariam a fidelidade do povo ao poder republicano e um dragão simbolizando as ameaças que o partido sofreria.

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cidade cosmopolita, na qual vivem diferentes grupos de pessoas, e que também põe em

destaque suas belezas naturais, incorporando-as ao seu patrimônio. Ao procurar imagens desta

cidade, deparei-me com um grande número delas e impressionou-me, de modo especial, a

quantidade de fotos encontradas na rede virtual, cujo tema é cidades e, em especial, Porto

Alegre.

Ao visitar diferentes álbuns fotográficos virtuais, vejo cada vez mais uma cidade

imaginada. Em alguns desses, as fotografias são construídas de maneira a vermos uma cidade

brilhante, de cores intensas quase “irreais” e, em outros, deparo-me com lugarestristes, cinzas,

aspectos de uma cidade de contrastes.

Ao analisarmos as fotografias de cidades, cada um de nós olha de maneira particular,

buscando retratar um local, utilizando diferentes suportes e efeitos.Nas fotos vejo lugares que

reconheço: a Usina do Gasômetro, o Parque da Redenção, a beira do Rio Guaíba, entre outros

tantos que fazem parte do meu repertório visual e, provavelmente, de quem vive ou visita essa

cidade. Mas há também lugares em que nunca passei, ou ambientes que poderiam ser de

qualquer grande cidade – grandes vias, becos, matas e labirintos urbanos, que também fazem

parte deste complexo tecido que é a urbe.

Rose (2001, p. 80), referindo-se às diferentes formas como interagimos com as imagens,

afirma que os sentidos atribuídos a elas mudam, dependendo da situação, do local e do meio,

no qual estão sendo produzidas e/ou divulgadas. Segundo a autora, as imagens se localizam

em distintos artefatos e “estas diferentes localizações tem suas próprias economias, suas

próprias disciplinas, suas próprias regras de como o seu tipo particular de espectador deva

portar-se, e tudo isso afeta a forma de determinada imagem ser vista também”.

Porto Alegre representada pelo patrimônio

Figuras3, 4 e 5: Imagens retiradas do Porto Alegre Grupo,do Flickr:

Thaís;Márcia Werlanq;vejo tudo e não morro.

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Certas identidades da cidade de Porto Alegre são constituídas e se exibem a partir das

imagens de seu patrimônio arquitetônico, histórico, artístico e natural6. Procuro, então, ver

como as fotografias constroem uma narrativa de cidade que valoriza sua história, suas

tradições, sua arte, expressas de modo particular nas imagens daquilo que se define como

sendo o seu patrimônio. Penso nas representações dessa cidade, levando em conta, também,

alguns aspectos que compõem as imagens, tais como efeitos de luz e sombra, os diferenciados

pontos de vista, os enquadramentos, a intensificação de cores, os elementos retratados, a

incorporação de aspectos do entorno, entre outros.

Nos álbuns que analisei, são muitas as fotografias de monumentos7, edifícios

históricos, praças, recantos que identificam Porto Alegre como uma cidade histórica,

vinculada a certas tradições que se pretendem duradouras e estáveis. Em alguns casos, tais

imagens a identificam como sendo uma cidade contemporânea, eficiente, em franco

crescimento. São também significativas as fotos que mostram a confusão da vida urbana, a

diversidade de seus moradores, as particularidades de seus ambientes.

Ao que parece, a presença de edifícios, constituídos com alta tecnologia e com

materiais como vidro, metal, etc., produzem um sentido de atualidade e de dinamismo, um

olhar voltado para o futuro; já as fotografias de monumentos históricos remetem a um passado

construído para ser visível e para ser valorizado.

Ao abordar as representações de Porto Alegre vinculadas ao patrimônio, procuro

examinar as fotografias que exibem aspectos de sua arquitetura, de suas paisagens naturais,

recriando estes locais e colocando-os em destaque como monumentos. Desse modo, tais

imagens dão visibilidade a alguns aspectos da cidade, transformando-os em importantes peças

patrimoniais. Nos álbuns analisados encontramos um grande número de fotografias que

mostram prédios históricos, religiosos, políticos e administrativos, além de imagens de

viadutos, praças e sua estatuária, localizados, em geral, na área central da capital. A escolha

6 Para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico e Nacional – IPHAN, patrimônio abrange muito mais do que igrejas,edificações oficiais ou prédios históricos. Numa leitura contemporânea, incluem-se imóveis privados, grupos de edificações, ambientes naturais e também bens móveis como imagens, mobiliário, entre outros. Segundo o Instituto esses bens culturais produzem “um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”. 7 O termo monumento designava certos objetos comemorativos, com a função de lembrar certos fatos históricos, ritos e eventos que se vinculavam à identidade de um grupo. A partir do século XIX, essa função de memória se agrega a outra, a de embelezamento das cidades. Na Carta Internacional sobre a conservação e o restauro de monumentos e sítios, de 1964, conhecida como Carta de Veneza, o conceito de monumento engloba além das criações arquitetônicas isoladas – prédios, pontes etc.–, os sítios urbanos ou rurais que tenham alguma significância histórica para o grupo social. Assim, o conceito de monumento é uma invenção que vai se transformando dependendo do local, meio histórico, necessidades e interesses sociais.

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dos fotógrafos, marcada pela recorrência de tais imagens, destaca a importância atribuída a

essas edificações e acaba por construir uma ideia de cidade que valoriza a sua história suas

tradições e sua arte.

Pode-se dizer que a fotografia de cidade focada em edificações e monumentos não é

uma tendência recente. Retomando alguns aspectos históricos, observa-se que as

transformações urbanas e o desenvolvimento de técnicas fotográficas, nos séculos XIX e no

início do XX, inauguram uma preocupação com a preservação da memória arquitetônica e, ao

mesmo tempo, com o registro de uma nova arquitetura em construção. Segundo Rodolpho

(2004), coube à fotografia divulgar, através de periódicos, cartões postais e exposições, a

imagem da cidade e das transformações nela operada. Desse modo, os processos de

modernização das cidades passam a ser documentados por fotógrafos contratados para

registrá-las.

Ao longo dos séculos XIX e XX, o tema urbano foi abordado de várias formas na

fotografia, das quais podemos destacar as obras de Atget, Evans, Berenice Abott, Brassai e

outros. Nas décadas de 1920 e 1930, a fotografia é vista de modo especial com um caráter

exploratório, ou seja, o fotógrafo passa a realizar uma forma de reconhecimentoe de

interpretação dos novos espaços urbanos. Também ocorre um aperfeiçoamento tecnológico -

maior qualidade e versatilidade das câmeras - que possibilita um registro variável da cena

urbana. Esse estilo de fotografia é inaugurado pelo fotógrafo vanguardista Moholy-Nagy, da

escola da Bauhaus8, e passou a ser chamado de nova visão. Os principais símbolos da nova

visão são os enquadramentos e ângulos inéditos, como, por exemplo, as tomadas para o alto e

para baixo que buscariam apresentar o caminho do olho ou da visão em movimento. Muitas

dessas tendências podem ser encontradas nas fotografias que compõem os álbuns virtuais

sobre Porto Alegre.

Porto Alegre, uma cidade identificada com o poder político e religioso

Para a análise selecionei fotografias de edificações apresentadas de maneira

recorrente nos álbuns, que podem ser vinculadas a uma identidade religiosa, econômica e

política. Observando a variedade de formas e de estilos, em um mesmo período histórico e

em locais distintos, pode-se dizer, por exemplo, que a arquitetura expressa diferentes

8 Bauhaus: importante escola vanguardista alemã que unia as Belas Artes, Arquitetura, Design e Pintura.

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maneiras de pensar e distintas relações estabelecidas com o ambiente e entre grupos sociais.

Todavia, há aspectos que são privilegiados em cada contexto, em cada tempo, em cada

sociedade. Segundo Souza (1997, p. 4): na análise das estruturas urbanas, verifica-se que se confere sempre um lugar privilegiado ao poder, explorando a carga simbólica da formas onde o urbanismo e a arquitetura traduzem eficazmente, numa linguagem própria, o prestígio que rodeia o poder, utilizando para isso tanto uma escala monumental, com recursos técnicos de valorização das construções, quanto a visualização e o uso de materiais nobres, etc.

Na história ocidental, algumas civilizações nortearam vários estilos que foram

reinventados e potencializados na modernidade. Entre os exemplos mais antigos, temos os

egípcios, os gregos e os romanos9 – estes últimos, considerados clássicos, serviram de

referência estética e conceitual para as edificações dos séculos XVIII e XIX.

Como exemplo de características recriadas do Império Romano, penso na arquitetura

acentuadamente sólida, austera, monumental, que serviu de referência para as edificações do

estilo conhecido como Neoclássico. No Brasil, a cidade do Rio de Janeiro ganha edificações

desse estilo com a vinda da Corte Imperial Portuguesa, no século XVIII. Já no inicio do

século XX, em Porto Alegre, o governo Positivista10, adotou o neoclássico como estilo oficial,

implantado em todos os edifícios públicos.

O processo de industrialização marca uma semelhança na estética das cidades que se

reinventam urbanisticamente. Na Europa, com o aumento populacional e a falta de estrutura,

torna-se imprescindível à transformação urbanística para atender as novas demandas e estilos

de viver. Paris toma a frente com suas novas ideias urbanísticas, e passa a ser a vitrine do

mundo, com suas grandes avenidas e novos bairros.

No Brasil, a arquitetura dos grandes bulevares tem a cidade do Rio de Janeiro, como

modelo nacional, com seus bulevares e grandes avenidas inspiradas em Paris. Em Porto

Alegre, este modelo é empregado pelos governos positivistas e é retratado por vários

fotógrafos no início do século XX, trazendo ideias de progresso e de imponência.

9 Entre os egípcios, a eternidade, a monumentalidade e a solidez eram conceitos de vida que orientavam as relações políticas, sociais e econômicas. O Império Romano, com sua política imperialista, trabalhou a política e as estratégias de organização urbana e política social. 10 O Positivismo caracterizava-se por ser um movimento filosófico e político, cujos valores se centravam na ordem, na disciplina, na ciência e na fraternidade. Em Porto Alegre, ao longo da República Velha e da Nova, de 1897 a 1937, ocorreu um caso sui generis de continuísmo: por 40 anos, a cidade foi administrada por apenas três intendentes representantes do Positivismo de Auguste Comte: José de Aguiar Montaury, Otávio Rocha e Alberto Bins. Estes foram responsáveis por conferir a Porto Alegre um dos períodos mais profícuos para a economia e arquitetura da cidade. Para entender melhor o Positivismo, em Porto Alegre, temos o trabalho de Bakos, 1998.

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A maior parte das construções do centro histórico de Porto Alegre foi produzida no

período Republicano (1897 a 1937), quando a cidade estava em pleno crescimento e era

considerada a “sala de visitas”do Rio Grande do Sul11.

Muitas dessas construções são consideradas hoje parte do patrimônio histórico e

artístico da capital, e exibidas como símbolos de nossa “relevância cultural”. Tanto as cidades

como seu patrimônio produzem significados que, ao serem mobilizados e negociados, vão

constituindo imagens válidas para as cidades que habitamos. A valorização de certo

patrimônio estabelece a ligação entre o passado e o presente, atualizando de formas variáveis

o que se pretende resguardar e remeter ao futuro (SILVEIRA, 2009).

Figura 6 (esquerda): Rua dos Andradas, 1960. Desfile Comemorativo ao Sete de Setembro.

Figura 7 (centro): Álbum: Porto Alegre grupo, autor: vejo tudo e não morro. Figura 8 (direita): Autor Genaro Joner,2008. Fonte: www.clicrbs.com.br/zerohora.

Ao longo da história de Porto Alegre, as instituições políticas, econômicas e, também

religiosas se estabeleceram e se consolidaram através do uso destes patrimônios

arquitetônicos e de várias legislações e eventos - tais como as exposições agrícolas e

industriais12, fóruns sociais e políticos, bienais e procissões divulgados e afirmados por vários

sistemas de comunicação, entre eles, a imprensa e mais recentemente a Internet. Em geral,

essas estratégias se utilizam de imagens fotográficas, exibidas em diferentes meios de

comunicação. Assim, segundo Canclini, a imprensa contribui para a imagem de uma cidade massiva, cujas particularidades se concentram no centro histórico ou em outras regiões centrais. Às vezes, os jornais publicam informações sobre lugares pouco conhecidos, mas com maior frequência, principalmente em fotografias,

11A expressão “Porto Alegre -sala de visitas do Rio Grande do Sul” - começou a aparecer nos discursos dos representantes da cidade, a partir do final do século passado e ao longo da República Velha e da Nova. Para melhor entendê-la, é necessário recorrer à filosofia Positivista. Conforme esta ótica, Porto Alegre deveria aparentar uma imagem de ordem e de progresso, alinhando-seà ideologia do Partido Republicano Rio-grandense (PRR). 12 Panorâmica do Quarteirão Universitário na Exposição de 1901. Esta exposição foi construída nas terras devolutas dos campos da Redenção, a partir de decreto do Governo do Estado. Na foto, aparecem vários pavilhões, alguns ainda em construção. Fonte: http://www.lume.ufrgs.br.

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mostram cenários facilmente identificáveis, que tendem a reproduzir saberes convencionais. (CANCLINI, 2002, p. 44)

Podemos identificar como as imagens, tanto as divulgadas nos meios de comunicação

como as dos álbuns virtuais, constroem a ideia de uma cidade politizada, que valoriza a ética,

a democracia e a religiosidade como valores que identificavam sua cidade e seus cidadãos.

Analisando as fotografias, vejo que se constitui certo sentido de “cidade-cenário” de práticas

políticas e religiosas e penso, como Canclini (Ibid., p. 41), que a cidade já não é mais vista como um mero cenário para a habitação e o trabalho, ou seja, como simples organização espacial, lugar de assentamento da indústria e dos serviços. (...) as cidades também se globalizam - isto é, tornam-se cenários de gestão do que ocorre nas finanças e na política, nas guerras e nos rituais diplomáticos, nos espetáculos de arte e nas religiões do mundo todo praticamente.

Os prédios históricos de Porto Alegre, analisados pelas fotos, correspondem a

edificações do período Positivista, de estilo arquitetônico neoclássico – é o caso do Palácio

Piratini, da Casa de Câmara (Theatro São Pedro) e da Biblioteca Pública. Em outras, a

arquitetura retratada utiliza o ecletismo, tal como nos prédios dos Correios e Telégrafos (atual

Memorial do Rio Grande do Sul), da Receita Fiscal (atual Museu de Artes do Rio Grande do

Sul) e no que abriga hoje o Santander Cultural. A escolha desse estilo procurava marcar o

poder da classe dirigente, enquanto os prédios privados procuravam, com o ecletismo,

demonstrar seu sucesso financeiro13.

Possamai (2005, p. 227) nos lembra que, ao utilizar uma variedade de estilos próprios

do ecletismo arquitetônico “essas edificações estruturavam uma nova paisagem urbana, que

correspondia ao imaginário de modernidade da época, tendo sido valorizadas nas

remodelações realizadas por estarem afinadas com o princípio de embelezamento da cidade

presente no plano proposto”.

Nos álbuns que analiso, as edificações urbanas mais destacadas são: a Catedral

Metropolitana, a Igreja das Dores, o prédio da Secretaria do Planejamento do Estado do Rio

Grande do Sul, o Palácio Piratini, a Casa de Cultura Mário Quintana, a Usina do Gasômetro, o

Teatro São Pedro e o Viaduto Otávio Rocha – popularmente conhecido como o Viaduto da

Borges –, entre outros. Esses prédios adquirem relevância não só por seu significado

religioso, político ou cultural, mas também por sua representatividade arquitetônica para a

13 Existem várias bibliografias publicadas sobre este assunto. Como sugestão, ver:Macedo (1999);Kiefer (2006); Carvalho (1994); e Silva (1992).

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cidade. Tal como afirma Canevacci (1990, p. 123), citando Calvino, “cidade é redundante:

repete-se para fixar alguma coisa na mente. A memória é redundante: repete os símbolos para

que a cidade comece a existir”.

Nas próxima fotografias, apresento algumas das recorrências imagéticas, que encontrei

nos álbuns virtuais, as quais conferem a esta cidade uma identidade política, marcada pela

solidez e imponência de suas edificações.

A fotografia a seguir corresponde ao prédio do MARGS14, considerado o principal

museu de arte do Estado. Este prédio possui importante significado político e econômico. A

riqueza de seus vitrais, ornamentos e sua monumentalidade, materializam certos ideais

positivistas de modernização e progresso, expressivos no início do século. O que antes era

um monumento vinculado à economia e utilizado pelo poder político, hoje se vincula a certa

identidade cultural –como um monumento cujo valor estético e histórico constitui e identifica

acidade.

Figura9 (fotocomposição da autora):Álbum Porto Alegre Grupo. Autores das imagens:Rafael Ficher,Eduardo Nunnes, Tadeu 76, JVC.

Emoutra fotografia (figura 10), utilizam-se vários recursos para dar visibilidade a esta

construção e para configurá-la como importante marco institucional do estado. Um dos

recursos é a utilização do seu entorno, mantendo como pano de fundo um prédio moderno

com sua fachada plana e linear. Assim, pelo contraste, valoriza-se a arquitetura eclética, rica

em detalhes ornamentais e volumétricos. Também ao utilizar uma lente grande angular, o

fotografo altera a perspectiva, que acaba incluindo a praça e sua vegetação, reforçando a ideia

de foco principal para a edificação. 14Construído em 1913, com um acervo de mais de três mil, obras entre artistas locais e internacionais. Construído para abrigar a Delegacia Fiscal, projeto do arquiteto alemão Theo Wiederspahn, que na época também executou o prédio gêmeo dos Correios e Telégrafos, a Cervejaria Brahma, o Hotel Majestic (hoje Casa de Cultura Mário Quintana) e da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Localizado no Centro Histórico de Porto Alegre, o prédio foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacionalem 1981. Três anos mais tarde, a Subsecretaria de Cultura do Estado o reconheceu como de interesse público por seu valor histórico-arquitetônico e passou, então, a integrar o patrimônio cultural do Rio Grande do Sul. Informações e detalhes disponíveis: http://www.margs.rs.gov.br/ acesso 30/01/2010.

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Ao enquadrar a torre principal, com o uso da lente e do efeito contra-plongée15,

acentua-se a imponência do prédio, atribuindo-lhe maior altura e valorizando sua

monumentalidade. Nas fotos que seguem, vemos o prédio da Secretaria de Planejamento do

Estado que, junto com o do Palácio do Governo simboliza o poder político. Enquanto que o

Palácio do Governo representa, por sua arquitetura neoclássica, um poder firme e tradicional,

o prédio da Secretaria do Planejamento, com sua arquitetura moderna de linhas curvas e

sinuosas, remete-nos a um governo ágil, inovador e transformador. Trata-se de um prédio de

arquitetura moderna, estilo que considera a edificação como uma escultura no espaço - aos

moldes dos clássicos. Na imagem11,a construção é apresentada em um plano mais geral,

valorizando sua característica escultural, e tal efeito é enfatizado pelo jogo de claro e escuro.

O Plano liso do céu, ao fundo, se destaca e se contrapõe ao desenho das fachadas,

Figura 10 (esquerda): MARGS, álbum: Porto Alegre. Autor :Omar Junior. Figura 11 (centro): álbum:

Porto Alegre autor: Omar Junior. Figura 12 (direita): álbum: porto alegre grupo autor: Gutemberg. Na segunda imagem(figura 12), deste mesmo prédio, o enquadramento é ainda mais

fechado, dando pra ver apenas a parte lateral, em curva, sob o céu azul. No entanto, mesmo

com esse enquadramento, pode-se ver uma vegetação envolvendo a base do prédio, criando

uma ideia de um monumento integrado à natureza e remetendo-nos, assim, à lembrança das

estatuarias que estão inseridas nos parques. A luz do fim de tarde confere um tom dourado

que reflete nas vidraças da fachada, enfatizando a base da edificação, que conduz

gradativamente nosso olhar para cima – sensação de infinito –, marcando sua

monumentalidade formal.

Além dos prédios representativos do governo político, muitas das fotografias postadas

nos álbuns virtuais apresentam imagens de igrejas e catedrais.Em geral, seus enquadramentos

valorizam as torres, as cúpulas e os frontões, o que não ocorre por acaso, visto que, desde a 15Contra-Plongée: termo em francês, utilizado no cinema, que designa o modo como a câmera filma o objeto de baixo para cima, situando o espectador abaixo do objeto e engrandecendo ele na tela; isso gera uma sensação de grandiosidade e superioridade do que está sendo filmado em relação ao observador. Blog: cinema na escola. Disponível: http://cineadcap.blogspot.com.

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antiguidade, a arquitetura religiosa é simbólica e estes elementos estariam vinculados à

elevação espiritual que remeteriam à ideia de comunicação com o sagrado16.

Na fotografia da Igreja da Conceição (figura 13), fundada em 1851, e da Catedral

Metropolitana (figura 14) temos destacado seus frontões com suas torres valorizadas pela

iluminação e vistas em contra-plongée. Estas imagens são feitas de modo a enquadrar e

centralizar detalhes ornamentais e artísticos característicos de cada período, tais como os

arcos ogivais e torres em agulha do estilo gótico, os mosaicos e frontões do Renascimento.

Na próxima fotografia (figura 15), vemos a Igreja Nossa Senhora da Glória. Sua

arquitetura com características neoclássicas a torna um dos poucos exemplos deste estilo fora

da área central da capital. Os efeitos utilizados na fotografia valorizam a igreja, atribuindo-lhe

imponência, através de sua centralização no quadro, do uso de contra-plongée, que acentua

sua altura. A moldura construída pela vegetação, a luminária e a escadaria complementam

esse sentido de imponência, marcada, em especial, pelo uso da lente grande angular -

formando um arco. Novamente a iluminação é tomada como elemento para compor a imagem

e para atribuir-lhe certos significados. O sol, incidindo diretamente na fachada principal, cria

um impacto maior e reaviva as cores. O prédio é apresentado sem elementos de seu entorno,

o que acentua a ideia de monumento, que se trata de um importante patrimônio histórico.

Figura 13 (esquerda): Igreja Nossa senhora da Conceição. Álbum Porto Alegre Grupo.

Autor: Gutemberg. Figura 14 (centro): Frontão da Catedral Metropolitana, Álbum Porto Alegre Grupo. Autor: Cláudio Marcon. Figura 15 (direita): Igreja Nossa

Senhora da Glória. Porto Alegre Álbum. Autor: Omar Junior.

A Catedral Metropolitana A Catedral é a mais retratada das igrejas nos álbuns analisados em minha dissertação.

De arquitetura Renascentista, ela é considerada um importante patrimônio arquitetônico e

16 Para mais informações sobre o simbolismo na arquitetura e sua semiótica, ver o trabalho de Mello (2007).

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religioso. Nas fotos encontradas, foram inúmeras as imagens de sua cúpula17 em ângulos

variáveis e com efeitos distintos que, na maioria dos casos, acentua sua monumentalidade. A

Catedral Metropolitana de Porto Alegre se destaca tanto pela inspiração da linguagem

Renascentista – com sua imponente cúpula central18 –, quanto pelo material empregado em

sua construção – granito róseo de Teresópolis. Observa-se a busca por conferir dinamismo e

movimento no uso do contraste entre as torres, o frontispício e sua grande abóbada. Essa

imponente cúpula possui o revestimento de cobre que lhe confere um tom dourado ao cair da

tarde.Todas essas características físicas são apresentadas nas fotos analisadas.

Na fotografia a seguir (figura 16), vemos em destaque a cúpula e a torre.Utilizam-se

vários recursos para conferir destaque e monumentalidade ao edifício, tal como o tipo de

enquadramento escolhido– na vertical –, que descontextualiza o prédio de seu entorno,

direcionando nosso olhar para os detalhes arquitetônicos.O plano fechado, os elementos

centralizados – cúpula e torre – e a moldura da vegetação, envolvendo o prédio, produzem

uma valorização dos detalhes e, principalmente, da riqueza de ornamentos da cúpula de cobre

da catedral.

Figura 16 (esquerda): Cúpula da Catedral Metropolitana. Álbum Porto Alegre Grupo.

Autor: mrosajunges. Figura 17 (centro): Álbum Porto Alegre Grupo. Autor: Gutemberg. Figura 18 (direita): Catedral Metropolitana. Álbum Porto Alegre Grupo. Autor: Gutemberg.

As linhas verticais19, acentuadas pelo enquadramento, reforçam a composição e a

valorização do assunto escolhido, a torre e a cúpula. Enquanto as linhas horizontais dão o

sentido “imanente, do racional e do intelectual”, próximas ao andar do homem, e assim mais

17 A cúpula simboliza a abóbada celeste, geralmente recoberta por pinturas de estrelas, pássaros e anjos e, em alguns casos, possui uma abertura sobre seu eixo central de forma a permitir que a entrada de um feixe de luz ilumine o altar principal de seu interior.Durante o Renascimento, as cúpulas das igrejas passam a ter grandes proporções e uma estética apurada, destacando-se, entre elas, a cúpula da Catedral de Florença (S. Maria del Fiore) e a de Roma de Miguelângelo. 18 Ela possui cerca de 65 metros de altura e 18 metros de diâmetro interno, enquanto as torres possuem 50 do nível da praça. Foi baseada no projeto da cúpula da Basílica de São Pedro, no Vaticano. 19 A linha verticalé símbolo do infinito, do êxtase e da emoção. Para segui-la, o homem detém-se, ergue os olhos até ao céu, afastando-se da sua diretriz normal. A linha vertical rompe-se no céu, perde-se nele, e nunca encontra obstáculos e limites, ilude acerca do seu comprimento, é por isso símbolo do sublime.

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terreno e limitado.Tal como em fotografias anteriormente analisadas, o uso da luz solar,

incidindo diretamente na cúpula, cria um contraste entre as áreas claras e escuras, delineando

os volumes e conferindo-lhes novamente um “ar” de imponência. O uso da cor dourada,

herança bizantina, marca também a monumentalidade – desde a antiguidade o dourado é uma

cor vinculada à divindade, que adquire significado semelhante à luz dos raios de sol. Nas

representações da pintura e das esculturas medievais, por exemplo, os personagens bíblicos

sempre foram apresentados envoltos em mantos ou luzes douradas, significando sua relação

próxima com Deus ou expressando a própria divindade. Assim, também vemos o uso do

dourado nos templos e, em especial, em suas cúpulas. Na outra foto (figura 17), devido ao horário do dia e à técnica fotográfica empregada,

o fotógrafo consegue um tom dourado, incidindo sobre a cúpula e suas torres; assim, o efeito

de sentido pode ser variável – conferido à catedral importância e valor sagrado - e remetendo

à riqueza, mostrando-se um lugar luxuoso, constituindo sentidos de um rico acervo histórico.

Outro recurso compositivo utilizado nessa foto, e em várias outras, é a utilização de uma

moldura verde em primeiro plano, constituída por galhos e ramos de árvores.

Esse recurso é muito utilizado na fotografia para retratar esculturas e contribui para

transformar a percepção de um plano tridimensional em bidimensional, o que converte tudo

numa só superfície saturada. Todavia, ao mesmo tempo, o contraponto de materiais, texturas e

cores conferem um destaque à escultura que, neste caso, passa a ser a própria catedral, um

monumento importante da religiosidade católica na cidade.

Na foto a seguir (figura 18), vemos novamente a Catedral Metropolitana, mas, desta

vez, fotografada à noite, com sua fachada iluminada artificialmente de baixo para cima. Este

efeito produz um prédio dourado, contrastando com o fundo preto da noite. Segundo Mello

(2007, p. 161), a experiência espacial adquire, em certas circunstâncias, um valor simbólico. O movimento visual ascendente associado à percepção de uma rara amplidão espacial, por exemplo, é uma experiência que geralmente está ligada a edifícios religiosos e que desperta um deslumbramento que pode servir de indutor a uma reflexão de cunho religioso, se convenientemente direcionada neste sentido por outros signos adequados a construção desta leitura.

Obviamente esses sentidos não são fixos, mas podem ser suscitados quando o

espectador se depara com fotografias como estas. A escolha do tema, o uso de técnicas

fotográficas que destacam e conferem importância ao objeto e o uso das cores - em especial o

dourado - nas fotografias produzidas e divulgadas nos álbuns virtuais, constituem um “lugar”

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privilegiado para essas edificações – elas não seriam triviais e, assim, precisariam ser

apresentadas com recursos que lhes assegure a imponência cultural que elas desfrutariam na

cultura porto-alegrense.

A construção de uma identificação de Porto Alegre, como um lugar de forte

religiosidade, é produzida não só pelas imagens das igrejas, como também pelas fotografias

de certas práticas religiosas que acontecem na cidade.

Existem diferentes expressões e espaços, como é o caso da consagrada festa de Nossa

Senhora dos Navegantes, atualmente, considerada (oficialmente) patrimônio imaterial da

capital. Além das imagens nas quais se apresenta a Igreja dos Navegantes, vemos fotos da

procissão por terra e pelo rio. Aliadas ao sincretismo religioso, que mescla a reverência à

Santa Católica e à Iemanjá, divindade afro, as imagens e as próprias práticas parecem

converter o rio em um grandioso templo. Ele adquire significado e relevância, tanto como um

monumento natural, que proporciona qualidade de vida, quanto como símbolo religioso, que

possibilita práticas diversas de contato com o sagrado. Ao lado, podem-se observar algumas

fotografias, extraídas dos álbuns virtuais, relacionadas à Festa de Nossa Senhora dos

Navegantes.

Figura 19 (esquerda): Álbum Porto Alegre Grupo. Autor: Tainara Becker.

Figuras20 e 21 (centro): Álbum Porto Alegre Grupo. Autor: Lucas Pedruzzi. Figura 22 (direita): Fé estampada na pele.Álbum Porto Alegre Grupo. Autor: DioMachado.

Destacam-se, nessas imagens algumas práticas religiosas vivenciadas em Porto Alegre,

que não ocorrem em templos ou edificações suntuosas. No entanto, tais práticas são também

ritualizadas e apresentam-se como acontecimentos relevantes, grandiosos, distintivos da

identidade de Porto Alegre. É o caso, por exemplo, da procissão de Nossa Senhora dos

Navegantes, que ocorre anualmente no dia 2 de fevereiro, a qual reúne um expressivo número

de devotos e admiradores, que acompanham, rezam, cantam, apreciam, fotografam e, assim,

constroem, a seu modo, este momento. As marcas dessas identidades religiosas estão no corpo

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da cidade e também no corpo das pessoas, na forma como exercitam sua devoção, no modo

como se relacionam com o rio, em marcas específicas na própria pele.

Aqui coloquei em destaque algumas fotografias que mostram uma identidade de

cidade vinculada a instituições políticas e religiosas. Essas imagens constituem, em suas

narrativas, uma identificação da cidade com certas edificações que abrigam poderes

instituídos, e que remontam, de modo especial, um modelo de administração marcado pelo

positivismo e uma expressão religiosa articulada ao Estado. Entretanto, também considerei

importante mostrar que os significados estão sempre em disputa. Nos álbuns virtuais, é

possível vislumbrar muitas formas distintas de registro e de produção da religiosidade, por

exemplo.

Se, por um lado, algumas das edificações mais fotografadas e exibidas nos álbuns

foram construídas para tornar visível a solidez de um ideal político, baseado em valores como

ordem e progresso, por outro, a produção que sobre elas se faz e o modo como são

apresentadas mostram que são muitas as possibilidades de leitura e de significação. Um

monumento não é necessariamente fotografado para remontar a história de sua edificação ou

as ideias que lhe deram forma.

O que observo, ao olhar as imagens reunidas nesta seção de meu estudo, é que a

escolha recorrente de alguns prédios, bem como o uso de certos recursos, na composição das

imagens, produz ideias de imponência e de relevância, e, assim, a própria a cidade é composta

como lugar de uma arquitetura suntuosa, que se sobressai por sua monumentalidade.

O que observo, ao olhar as imagens apresentadas neste estudo, é que a escolha

recorrente de alguns prédios, bem como o uso de certos recursos, na composição das imagens,

produz ideias de imponência e de relevância, e, assim, a própria a cidade é composta como

lugar de uma arquitetura suntuosa, que se sobressai por sua monumentalidade. Dessa e de

muitas outras formas, Porto Alegre é identificada como uma cidade que possui, mantém e

valoriza o seu patrimônio. Além disso, em certas imagens, esse patrimônio passa a simbolizar

a própria cidade e a distingui-la das demais – Porto Alegre da Catedral, do Gasômetro, da Rua

da Praia, da Orla do Guaíba.

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Recebido em Julho de 2013. Aprovado em Agosto de 2013.