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6º Congresso SOPCOM 3110
A comunicação como estratégia política da Ditadura e da Democracia
Célia Maria Taborda da Silva
Universidade Lusófona do Porto
Resumo
Como todo o regime fascista, com a sua vasta panóplia de limitação das liberdades, o
Estado Novo proibiu a liberdade de expressão e passou a controlar os meios de
comunicação, usando-os em prol do regime. As prelecções políticas de Salazar,
arvorando as velhas bandeiras dos discursos político-ideológicos das direitas autoritárias
de "Deus","Pátria" e "Família", tornaram-se dogmas do Estado. Como o próprio Salazar
dizia: “só existe aquilo que se sabe que existe” e, em consonância com este seu
pensamento, foi montada toda uma estratégia propagandística das grandes certezas. O
estado criou mesmo um Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) destinado a
enquadrar o quotidiano social no novo espírito do regime. A partir dos anos quarenta,
devido a contingências internacionais, há um refrear do discurso ideológico e
propagandístico do regime, uma vez que o objectivo principal era a sobrevivência
política. Com o derrube da ditadura, em Abril de 1974, instaura-se a liberdade de
comunicação, mas não a isenção estatal face aos meios de comunicação. Os estrategas
da revolução utilizaram de imediato a rádio e os jornais para difundirem notícias
favoráveis ao desenrolar do golpe político e a televisão para se apresentarem ao país. É
claro que, com a abolição da censura, houve uma transformação que se pode apelidar de
radical no sistema de comunicação política, mas ainda foi preciso algum tempo de
democracia em Portugal para que os meios de comunicação não sofressem pressão
governamental e partidária.
Introdução
A ditadura, instalada em Portugal com o golpe militar de 28 de Maio de 1926,
teve o seu apogeu com o regime de António de Oliveira Salazar - o Estado Novo.
Salazar defendia uma política que recusava o passado liberal e parlamentar pois,
segundo ele, só uma mudança de condições políticas, administrativas, económicas,
sociais e de cultura podiam permitir o renascimento da nação portuguesa (Salazar,
1928-33: 141). Por conseguinte, instaurou o nacionalismo corporativo, um Estado forte
e o intervencionismo económico e social.
A partir daqui, os ideais da ditadura Salazarista confundem-se com os das
ditaduras europeias, apesar dos particularismos portugueses, pois como salienta Braga
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da Cruz, o Estado Novo não era teoricamente totalitário, ou pelo menos não se assumia
doutrinariamente como tal (Cruz, 1988: 52).
Com mais ou menos obstáculos, Salazar, aguentou-se no poder durante 40 anos,
sempre defendendo as grandes certezas de “Deus”, “Pátria”, “Autoridade”, “Família”,
“Trabalho”, valores considerados perenes e não sujeitos a discussão pela imprensa, nem
por nenhum sector da vida pública.
Não foi o que aconteceu nos últimos anos do Estado Novo, em que surgiram
vários focos de resistência ao Regime.
Sucedeu a António de Oliveira Salazar, após a sua morte, em 1969, Marcelo
Caetano que, ao assumir o lugar de Presidente do Conselho, seguiu uma política de
«evolução na continuidade», ficando assim goradas as expectativas públicas de
mudança de Regime.
Marcelo Caetano segue as ideias de Salazar, apenas tenta lhes dar um conteúdo
de modernidade, mas as convicções autoritárias e anti-partidárias permaneciam, bem
como a guerra colonial.
E a guerra colonial foi a causa directa da sublevação militar que, no dia 25 de
Abril de 1974, aconteceu em Portugal e instaurou um regime democrático.
A propaganda política no Estado Novo
A comunicação política no Estado Novo baseou-se essencialmente na
propaganda, e, não obstante, se centrasse nos princípios veiculados por Salazar, não
passou muito pela acção directa do ditador, por isso chamou para o assessorar um
jornalista, António Ferro, logo em 1933.
Salazar poucas vezes utilizou a imprensa, a rádio e mais tarde a televisão para se
dirigir directamente ao país, por escrito ou verbalmente. Talvez a sua personalidade
recatada, avessa à exposição tenha contribuído para tal. Por outro lado, a oratória não
era o seu ponto forte (Medina, 1978:160), razão para não gostar de improvisar, sendo os
seus discursos cuidadosamente elaborados, medindo Salazar cada palavra e vírgula que
escrevia. Os seus amigos consideravam que ele devia tornar-se mais conhecido entre as
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massas, aproximar-se do povo, humanizar a figura distante e fria que lhe era atribuída.
Salazar referiu, na altura, que se sentia constrangido perante multidões, para além de
considerar demagógica a busca de popularidade (Nogueira, 1977: 176). Contudo, foi
neste período, corria o ano de 1932, que concedeu uma série de entrevistas políticas ao
Diário de Notícias, realizadas por António Ferro.
Analisando os seus Discursos (Salazar, 1961), verifica-se que foram poucas as
vezes que os seus discursos, proferidos nos mais diversos actos, foram posteriormente
publicados na imprensa ou escritos com essa finalidade, e quando isso aconteceu foi em
ocasiões especiais para o País ou o Regime. A título de exemplo refira-se as
considerações que escreveu para o Jornal de Notícias, em 28 de Maio de 1933,
respeitante ao espectáculo de apresentação oficial da Mocidade Portuguesa. As notas
oficiosas que enviou para os jornais no inicio da 2ª Guerra Mundial, para explicar a
neutralidade de Portugal, tal como havia feito sobre os acontecimentos em Espanha. Em
1943, também utiliza a imprensa para explicar algumas providências militares que
haviam sido tomadas, e, em 1944, para informar que o Governo português tinha acedido
ao pedido de Sua Majestade Britânica e proibido a exportação de volfrâmio.
Com a rádio não foi muito diferente. Geralmente as suas prelecções radiofónicas
ocorriam aquando de eleições, para defender algum aspecto da política interna e
sobretudo da política externa, mas foram momentos raros em tão longa governação.
Na verdade, como o próprio Salazar reconhecia num discurso proferido na
Emissora Nacional, no encerramento de uma campanha eleitoral para a constituição de
uma nova Assembleia, «nada saberei acrescentar de real à propaganda já feita» (Salazar,
III: 103-104).
António de Oliveira Salazar da mesma forma que ponderava cada palavra que
proferia, considerava que cada palavra divulgada através da imprensa devia ser
cuidadosamente analisada, daí ter instituído a censura prévia, já que os media podiam
ser extremamente perniciosos se não fossem controlados. Assim, a “liberdade de
expressão” é regulamentada pelo Decreto-Lei nº22469, de 11 de Abril de 1933, para
que se pudesse «impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e
que deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem
contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e evitar que
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sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade», como referia
o artigo 3º do citado diploma.
Como resultado desta política de controle informativo só quem tivesse a
confiança política do Governo podia estar à frente de um jornal, o que levou a um
apagamento da figura de director, uma vez que eram colocadas nesse lugar pessoas que,
na maioria dos casos, não tinham interesse ou competência para o exercer (Correia e
Baptista, 2006:28).
Há autores que consideram que a política de censura usada por Salazar foi o
sustentáculo mais eficaz do Regime e, de todos os mecanismos de repressão, aquele foi
o mais eficiente (Cádima, 1995: 319).
Salazar, inicialmente tão renitente a uma política propagandística, começa a dar-
se conta da sua importância52
, razão que o levou a criar o Secretariado da Propaganda
Nacional (SPN), em Outubro de 1933, para ser «um instrumento de governo e não do
governo» (Salazar, 1928-34: 262). Para o chefiar nomeou António Ferro, afinal já era o
jornalista oficial do Estado Novo, pois entre os dois homens havia uma admiração
mútua (Veríssimo, 2003: 19). O SPN estava sob a estrita dependência de Salazar e teve
o seu apogeu entre os anos 30 a 40.
O objectivo era dar a conhecer o que se passava «no conjunto da vida da nação»,
já que, «politicamente, só existe o que o público sabe que existe»53
, ou seja, tudo o que
iria ser difundido era para as pessoas terem um sentimento de pertencerem a uma nação,
para que entendessem que esta tinha um sentido muito mais lato que «a nossa casa, a
nossa rua, a nossa terra, a nossa estrada, a nossa escola»54
. Por conseguinte, para que os
portugueses não permanecessem na ignorância da sua Nação, competia ao Secretariado
«elevar o espírito da gente», moldando uma nova mentalidade, baseada nas certezas
ideológicas do Regime.
Essas grandes “certezas” eram passadas através de um discurso simples e
objectivo, com ideias claras e incontroversas, que só podiam levar à concordância geral,
pois não havia o que discutir. Como dizia o próprio Salazar: «às almas dilaceradas pela
52
Embora Salazar tenha necessidade de esclarecer que a Propaganda em Portugal nada tinha a ver com a
que acontecia na Alemanha ou Itália, repleta de «teatrais efeitos». (Salazar, vol.I:262). 53
Palavras proferidas por Oliveira Salazar no discurso de inauguração do novo Departamento. (Nogueira,
1977, vol.II: 242). 54
Idem, ibidem.
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dúvida e o negativismo do século procurámos restituir o conforto das grandes certezas.
Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua História; não
discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não
discutimos a glória no trabalho e o seu dever» (Salazar, II:130).
Estas eram verdades insofismáveis pois, segundo Salazar, foi nelas que
assentaram os pilares que permitiram construir «a paz, a ordem, a união dos
portugueses, o Estado forte, a autoridade prestigiada, a administração honesta, o
revigoramento da economia, o sentimento patriótico, a organização corporativa e o
império colonial» (Salazar, II: 136).
Contudo, a convicção destes grandes princípios não chegou para que vingassem
por si, daí ser necessário inculcá-los no espírito dos portugueses a toda a hora.. Para isso
foram criados organismos ligados a todos os sectores da vida quotidiana, subordinados
ao Estado, que tinha a sua propaganda própria e direccionada ao seu público-alvo:
famílias, jovens, trabalhadores, através da organização de confraternizações,
congressos, excursões, missas, comícios, paradas (Rosas, 1994: 292).
A propaganda nacional era um complemento da propaganda sectorial e estava
voltada para a cultura, a educação e as grandes mobilizações políticas como as
campanhas eleitorais, grandes comemorações, manifestações de apoio a Carmona ou
Salazar, organizadas conjuntamente com o partido único.
As encenações culturais tinham igualmente finalidade de promoção política
como os “salões de pintura”, os prémios literários, as exposições coloniais, os pavilhões
nas exposições internacionais, a Grande Exposição do mundo Português.
O SPN cuidava também da preparação cénica dos actos de inaugurações: de
hospitais, barragens, bairros nacionais e estádios, mostrando a grandeza histórica
reencontrada do país, após as “trevas” do liberalismo (Rosas, 1994: 293). E tudo isso
graças ao verdadeiro nacionalismo do Estado Novo.
Enfim, não havia um acto público que não estivesse enquadrado dentro dos
paradigmas ideológicos do sistema, desde os culturais passando pelos militares até os
religiosos.
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Em 1957 apareceu outro media – a Televisão. Só que Salazar não lhe deu a
devida importância e raramente a utilizou, não só por causa do seu carácter avesso à
publicidade mas porque não conseguia ver o alcance deste novo meio de
comunicação55
, contrariamente ao seu “delfim” Marcelo Caetano, na altura Ministro da
Presidência.
António de Oliveira Salazar poucas vezes foi visto na televisão. Apareceu na
recepção à Rainha Isabel II, em Fevereiro de 1957. No aeroporto, na despedida de
Craveiro Lopes, em Junho do mesmo ano, no encontro com Franco em Ciudad-Rodrigo,
e pouco mais.
Mas, apesar da sua misantropia não lhe permitir se auto promover, não o
impediu de controlar este novo media e utilizá-lo para enaltecer o Regime. A
informação televisiva era quase uma agenda do Governo, com um discurso oficioso e
protocolar. As notícias vindas do estrangeiro eram cuidadosamente verificadas e muitas
não passavam na censura.
A partir de 1959, Salazar aparece um pouco mais na TV, mas em visitas de
circunstância, continuava avesso à representação mediática, e a televisão continua um
instrumento do Estado. Nos anos sessenta não referiu a crise que atravessava o Regime:
evasões de Henrique Galvão e Álvaro Cunhal da cadeia; exílio do Bispo do Porto;
grandes manifestações do 1º de Maio.
Era Marcelo Caetano quem aparecia com frequência no novo meio de
comunicação a representar o Governo, enquanto foi Ministro da Presidência, e Salazar
permanecia na sombra. O curioso neste personagem é o facto de com tão pouco
protagonismo político mediático ter aguentado um Regime criado à sua imagem durante
tanto tempo.
A importância política da Comunicação Social para Caetano
Marcelo Caetano cedo se apercebeu das potencialidades dos meios de
comunicação para a política, especialmente da televisão, daí que, desde as primeiras
emissões regulares, a partir de Março de 1957, aparecia com frequência no pequeno
55
Na entrevista ao Fígaro, 2 e 3 de Setembro de 1958, já com emissões regulares na RTP, Salazar
continuava a priveligiar a imprensa e a considerar os outros media menores.
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ecrã a falar ao país. O próprio referiu que «fui o primeiro membro do Governo a utilizar
a TV para expor ao País, em Junho de 1957, problemas de interesse geral. Não oculto
que segui os primeiros passos da Radiotelevisão portuguesa com profundo interesse e
entusiasmo até. Não imaginava que, anos depois, como Chefe de Governo, ela me seria
de tanta utilidade para o estabelecimento de uma corrente de comunicação entre mim e
o povo português. Mas sabia, desde o início, que era o instrumento ideal para um
Governo se tornar popular...se o merecesse» (Caetano, 1977:472).
Pouco tempo depois do nascimento da televisão em Portugal, Caetano foi
substituído no cargo e só voltaria ao Governo em 23 de Setembro de 1968, após Salazar
ter ficado incapacitado de governar, indigitado por Américo Tomás, para Presidente do
Conselho. Quatro dias depois já se apresentava ao país, através dos Media, para a sua
primeira mensagem, em que diz aos portugueses que está animado mas que precisa do
seu apoio: «não me falta ânimo para enfrentar os ciclópicos trabalhos que antevejo. Mas
seria estulta pretensão de os levar a cabo sem o apoio do País».
Consciente do “poder” que a TV podia exercer, em particular num período de
fragilidade do Estado Novo e de grandes mudanças sociais, Caetano preparou a entrada
de Ramiro Valadão para a presidência da RTP, um homem que lhe era afecto, iniciando-
se, então, uma nova estratégia de comunicação, centrada no próprio Presidente do
Conselho. É Caetano a imagem do Regime e, como tal, é ele que estabelece a
comunicação directa com os portugueses através de um programa televisivo, da autoria
de Valadão, denominado Conversas em Família.
A primeira emissão foi para o ar em 8 de Janeiro de 1969 e seguir-se-lhe-iam
mais 15, a última das quais realizada em 28 de Março de 1974, esta já proferida num
tom amargo, por causa da sublevação das Caldas, e como que antevendo o futuro que
lhe estava reservado.
A partir de 1969 a Televisão montou outra grande estratégia de propaganda
política a propósito das eleições para a Assembleia nacional. A campanha começou dois
meses antes com uma série de editoriais diários em que se tentava demonstrar que «só
uma política é possível», numa tentativa desesperada de legitimar a evolução na
continuidade.
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A manipulação televisiva era clara, mesmo sem campanhas eleitorais. A
transmissão do protocolo oficial sobrepunha-se a qualquer efeméride, até de um feito da
relevância para a humanidade como a chegada do homem à Lua.
Marcelo Caetano, apesar das expectativas de mudança que representou para a
sociedade portuguesa, ao falar de mudança política e ao permitir que o Bispo do Porto e
Mário Soares regressassem do exílio, não pretendia caminhar para a democracia
somente “modernizar” a ditadura. Por consequência, em relação aos media, não aboliu
de imediato o artigo 3º do Decreto-Lei de 11 de Abril de 1933, o que só veio a
acontecer em 1972, continuando, entretanto, a vigorar a censura (Carvalho, 1999:45).
No entanto, o país havia mudado em termos económicos, sociais e culturais
(Loff, 2007: 153-154), a própria conjuntura internacional estava modificada, os
americanos já não apoiavam a ditadura nem a nossa política colonial, bem como a CEE,
pelo que as margens de tolerância informativa também se alargaram. É um período em
que a imprensa começa a utilizar muitas metáforas e a caricatura para falar de assuntos
até então intocáveis, nomeadamente os políticos (Carvalho, 1999: 58-59).
O governo de Caetano demonstra, desta forma, uma certa “abertura” de
comunicação ao permitir que se divulguem mais notícias do estrangeiro ou que se
publiquem opiniões de exilados contra o Governo, mas no fundo o que revela é um
maior conhecimento dos órgãos de informação e uma maior capacidade de
instrumentalizá-los para a prossecução de objectivos políticos.
Note-se que, ainda em 1973, era frequente os telejornais abrirem com o
comentário pessoal do Secretário de Estado da Informação e Turismo, César Moreira
Baptista, e o serviço noticioso era o aspecto mais importante da programação da RTP,
devido ao seu papel político. O próprio Ramiro Valadão numa reunião do Conselho de
Programas em 1971 afirmava que:«... o Telejornal pode contribuir, dada a sua
excepcional difusão, para que sejam atingidos os objectivos do Governo da Nação»56
.
O controle exercido pelo Marcelismo sobre os media, especialmente sobre a
televisão, era evidente e Marcelo Caetano não se cansava de repetir ao seu amigo
56
“Projecto de Acta da 45ª Reunião do Conselho de Programas da RTP”, de 7/1/1971. Comissão do Livro
Negro. Lisboa, 1980, p.240-242.
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Valadão: «...A televisão é nos tempos que correm um instrumento de acção política e
nós não podemos hesitar na sua utilização»57
.
Atendendo à evolução das mentalidades, parece que Marcelo Caetano foi ainda
mais manipulador dos meios de comunicação do que Salazar. O primeiro fê-lo de uma
forma consciente como parte da sua estratégia política, enquanto Salazar foi mais por
uma questão moralista, para difundir a verdade, como uma pedagogia nacionalista.
O papel dos Media na instauração da Democracia
A revolução que conduziu Portugal à democracia começou com a apropriação
dos meios de comunicação social, Rádio clube Português, Emissora Nacional e RTP,
pelos militares do Movimento das Forças Armadas (MFA).
A revolta começou quando o locutor João Paulo Dinis, dos Emissores
Associados de Lisboa, de acordo com as instruções recebidas de Otelo Saraiva de
Carvalho, 5 minutos antes das 23 horas, do dia 24 de Abril de 1974, pôs a tocar a
música “E depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho (Ferreira, 1993: 24). Era o sinal
para as tropas avançarem, o que fizeram com extrema rapidez. O capitão Salgueiro
Maia à frente das tropas da Escola Prática de Cavalaria de Santarém chegou a Lisboa
em tempo recorde, duas horas (Ferreira, 1993: 32). Às 0h25 a Rádio Renascença punha
no ar a canção “Grândola Vila Morena”, da autoria de Zeca Afonso. Era a confirmação
de que tudo estava a correr como o planeado.
Por volta das 3 da madrugada já os outros órgãos de comunicação estavam em
poder dos militares, e eram lidos constantemente comunicados que apelavam às pessoas
para se manterem em casa, com calma, à espera de notícias sobre a revolução que tinha
sido desencadeada pelos militares para porem fim ao Regime.
À tomada da Rádio, o Governo só reagiu de manhã, ordenando o corte de
energia eléctrica e dos telefones do Rádio Clube (Ferreira, 1993:33).
O problema foi rapidamente solucionado pelos revoltosos e os comunicados
continuavam na rádio e mais tarde na televisão.
57
“A política de informação no Regime Fascista”. Comissão do Livro Negro sobre o Regime. Lisboa,
1980, p.239.
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Na verdade, a táctica dos estrategas da operação «Fim-Regime», de utilizar os
media para emitir constantes comunicados à população, funcionou na perfeição, pois
conseguiram convencer a população que veio para a rua apoiar os militares.
Pode-se dizer que a queda do Regime se deveu grandemente ao controle dos
meios de comunicação.
Uma vez consumada a revolução, a Junta de Salvação Nacional, que assume o
poder, utiliza novamente a televisão para a apresentação ao país do seu presidente
(General Spínola), dos seus membros e do seu programa. Só após a leitura do seu
programa na RTP é que o texto é distribuído para ser publicado nos jornais.
Um país que viveu sob um autoritarismo político durante quase meio século
estava depauperado de forças políticas, daí que fique ainda durante algum tempo sob a
tutela militar, e estes, continuaram a servir-se dos media para a difusão da sua
propaganda política.
Os anos que se seguiram foram complicados e a liberdade trouxe a agitação
social e política e os governos provisórios sucederam-se, passando todos os
acontecimentos políticos pelos meios de comunicação, em especial a televisão que serve
de veículo entre os governos e o povo, seja para demissões ou tomadas de posse. Tudo
acontece na RTP.
À medida que as forças políticas se vão organizando, os órgãos de comunicação
social ganham cada vez mais importância, pois quer governo quer oposição se socorrem
destes meios para a divulgação das suas mensagens. Entretanto, com a liberdade de
expressão surgem cada vez mais publicações, abordando as mais diversas temáticas e
géneros jornalísticos. No entanto, ainda foi preciso um longo caminho de democracia
para se poder falar de isenção dos media em relação ao poder político, principalmente
em relação à RTP, que até os anos 90 era o único canal televisivo e sob a tutela do
Estado.
Conclusão
O poder político sempre que pôde tentou o controlo dos meios de comunicação,
pelo que, a sua utilização com finalidade política não foi uma exclusividade do Estado
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Novo. Praticamente desde a descoberta da imprensa que isso aconteceu, sendo esse
domínio refinado à medida que as sociedades foram evoluindo.
Com a instauração da Democracia e o conjunto de liberdades que lhe estão
inerentes, a liberdade de expressão e informação passou a ser incontestável. Contudo,
isso não significou que o poder político, governo ou facções partidárias da oposição,
não os tenha usado ou tentado manipular, uma vez que, a existência de democracia não
implica sempre o uso de métodos democráticos.
No nosso país, depois dos órgãos de comunicação social terem ajudado a cair
um Regime, quase sem derramar sangue, ninguém duvidava da sua importância, que
veio em crescendo até aos nossos dias, não sendo de admirar que os media sejam
considerados o 4º poder.
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