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b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do MoçambiqueRosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos naserra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvorede umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Oscapitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecemimóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para acidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeiraversão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosárioacompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar desua presença.
27. Dados Históricos
Os primeiros oratórios datam dos primórdios da Idade Média. Pequenos armáriosque podiam guardar não só o santo protetor, mas tudo que se relaciona à devoçãocotidiana. Propiciando um ambiente adequado às reflexões e orações no interiordas residências. Os oratórios geralmente simulam pequenos templos, trazidos parao interior das casas para conferir aos seus donos segurança e intimidade com omundo do sagrado. Utilizados também em momentos festivos e em celebraçõescoletivas. Nos primeiros anos da colonização do Brasil, os oratórios exerceramimportante papel no exercício da fé, pois inexistindo igrejas, era diante desses nichosou armários de guardar santos que o povo fazia suas rezas. Deste modo as casasse constituíam no local mais reservado para a devoção religiosa.O oratório utilizadono Congado é o que designam por Esmoler ou oratório Itinerante ou de viagem.Estes oratórios são encontrados principalmente em espaços urbanos e utilizadospara arrecadar dinheiro para a edificação de um templo de uma irmandade e paraangariar recursos para a realização de festas religiosas.
28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas realizadas em visitas àresidência de Creuza Romão de Oliveira, quartel do terno Congo de SainhaCascudo,Luiz da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Edições de Ouro,1972Site: http://www.museudoratorio.com.brCD Rom “Álbum de Família: FamíliasAfro-descendentes em Uberlândia no Século XX” – Produzido por Fabíola BenficaMarra, com recurso da lei Municipal de Incentivo à Cultura, finalizado em 2005.
29. Informações Complementares:
O oratório cumpre uma importante função no Congado. Durante as campanhas ooratório fica na casa onde será realizada a novena e/ou o leilão. Quando o terno saipara as novenas, as mulheres vão à frente para rezar com os moradores da casa. Abateria chega quando a novena já encerrou.
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Uma virgem (geralmente criança menor de 10 anos) leva uma bandeira com a
imagem de São Benedito ou de Nossa Senhora do Rosário, ou ambos, “escoltados”
pela mãe e pela madrinha da bandeira e do terno à frente da guarda. Eles tocam
em saudação aos donos da casa que sai para recebê-los. A bandeira é saudada
com devoção e após passar sobre as cabeças das pessoas da casa é levada para
o interior da residência para que sejam abençoados todos os cômodos e todos os
moradores. Os dançadores também entram tocando e realizando suas performances
e logo se retiram. Após o terço é realizado o leilão das prendas arrecadadas pelo
morador da casa que está recebendo o oratório do terno. O oratório andor
permanece no interior da casa até que todas as prendas sejam compradas. Uma
“secretária”, geralmente uma das Madrinhas, anota em um caderno cada produto e
o valor arrematado e o nome do comprador. Os produtos geralmente são
arrematados por valores acima do valor real de mercado. Encerrado o leilão, o
terno toca para sair, agradece aos donos da casa, que em alguns casos também
oferecem um lanche. Os soldados descansam as caixas do lado de fora enquanto
as meninas rezam se despedindo. Os donos da casa se despedem dos santos e
do oratório que irá partir para abençoar outra casa. Quando a bandeira sai, o capitão
e seus soldados cantam e tocam se despedindo e as meninas levam dançando o
oratório andor com os santos e a bandeira para a casa onde será realizada a próxima
novena e/ou leilão. Ao chegar os soldados chamam o morador que sai até a porta
para receber a Bandeira (terno) e o oratório. Todos rezam e combinam o dia certo
para o leilão e/ou novena, que poderá ser no dia seguinte ou nos próximos. A
Bandeira (o terno) parte de volta para o quartel, onde ficará a bandeira (levada pela
virgem) e os instrumentos até o próximo leilão. O oratório com as imagens dos
santos é levado no dia da festa por alguns ternos.
30.Atualização das informações:NT
31. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
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ESTRUTURA ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
Fotos do Quartel Terno Congo de Sainha
Uberlândia/MG Ano 2007
04. Endereço: Rua Coronel Antônio Alves Pereira,
2475 - Saraiva
05. Propriedade: Privada
06. Responsável: Creuza Romão de Oliveira
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Designação: Quartel do
Terno Congo de Sainha
07. Histórico: Quando o terno é fundado na década de 1950, pelo José Rafael, o
quartel do terno funcionava na casa que residia com a mulher, Dona Abadia, na Rua
Emília Saraiva. Quando Dona Abadia falece, o imóvel é vendido e em um ano o
almoço do Congo de Sainha aconteceu numa quadra poli esportiva do bairro
Saraiva. Há três anos o quartel passou a ser na casa da Dona Creuza, que reside
neste domicílio desde a década de 1970.
08. Descrição:
O atual quartel do terno Congo de Sainha funciona no domicílio de Dona Creuza,
sendo que parte da família dela se queixa dessa utilização. A área construída ocupa
aproximadamente 70% do terreno de 12X30m. Dona Creuza e o marido são
coletores de materiais recicláveis, utilizando a área não construída do terreno como
depósito do material recolhido nas ruas. Um fogão à lenha é conservado no fundo
do terreno. Como Dona Creuza é benzedeira, um cantinho da casa é destinado a
um altar com diversas imagens de santos católicos. Durante o período de festa é
armada uma estrutura de lona na frente da casa para garantir abrigo aos soldados.
Os instrumentos ficam guardados na casa de José Eustáquio, saindo para o quartel
apenas no período de campanhas.
09. Documentação Fotográfica:
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
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Fotos do Quartel Terno Congo de Sainha
Uberlândia/MG Ano 2007
09. Documentação Fotográfica:
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10. Uso Atual:( x ) Residencial ( x ) Serviço( ) Comercial ( ) Institucional( ) Industrial ( ) Outros 11. Situação de Ocupação:( x ) Própria ( ) Alugada( ) Cedida ( ) Comodato( ) Outros12. Proteção Legal Existente( ) Tombamento( ) Municipal( ) Federal( ) Estadual( x ) Nenhuma13. Proteção Legal Proposta:( ) Tombamento Federal( ) Tombamento Estadual( ) Tombamento Municipal( ) Entorno de Bem Tombado( )Documentação Histórica( x ) Inventário( ) Tombamento Integral( ) Tombamento Parcial( ) Fachadas( ) Volumetria( ) Restrições de Uso e Ocupação
14. Análise do Entorno - Situação e Ambiência: Localiza-se em área plana com
com passeios, arborização, redes elétrica, rede de esgoto, rede de água tratada,
As edificações são predominantemente de volumetria simples apresentando
partidos retangulares, com vários “puxadinhos”, altimetria de um pavimento,
materiais de acabamento de alvenaria de tijolo cerâmico, pintura com grande
variação de cores e esquadrias de metalon ou alumínio, coberturas metálicas ou
com telhas cerâmicas.
15. Estado de Conservação:
( ) Excelente
( x ) Bom
( ) Regular
( ) Péssimo
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16. Análise do Estado de Conservação:
O estado de conservação da construção é bom, tendo inclusive, passado por recente
reforma para substituição de algumas esquadrias. Necessidade de repintura devido
a atual apresentar sinais de descolamento e bastante sujidade.
17. Fatores de Degradação:
Exposição às ações das intempéries.
18. Medidas de Conservação:
Manutenção preventiva.
19. Intervenções:
Troca de esquadrias
20. Referências Bibliográficas:
*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século
XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005,
através da lei municipal de Incentivo à Cultura.
*Slenes, Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família
escrava, Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
21. Informações Complementares:
Os quartéis são os locais onde os soldados de cada guarda se reúnem para fazer
as campanhas ou para sair em viagens. É também onde guardam os instrumentos
e realizam as refeições durante os dias de festa e fazem intervalos de descanso.
Todas as atividades do Congado começam e terminam no quartel. Geralmente o
quartel é o local de moradia da família do capitão ou da madrinha do terno. As
construções são o que se chamam colônias: diversas casas pequenas, construídas
em períodos distintos, dispostas umas ao lado das outras e com um pátio, uma
área comum, um terreiro no meio. A área não construída no meio é utilizada para
reunir o terno, para realizar as refeições coletivas, afinar instrumentos. Em muitos
casos, banheiros, tanques, pias e locais para passar roupas são de uso comum a
todos os moradores da colônia. Nos Quartéis, realizam grandes refeições conjuntas,
mesmo não sendo dia de festa Congado. O milagre multiplicador dos alimentos
promovido por São Benedito é realizado pelas matriarcas todos os dias e se estende
aos “praticamente filhos”, pois muitas crianças, jovens e adultos são atraídas para
o convívio das famílias de congo, estendendo os laços familiares para além dos
consangüíneos. O Congado que acontece na porta da igreja Católica é o ápice, o
momento máximo desta festa que dura praticamente o ano inteiro dentro dos terreiros
e quartéis. A família é festejada diariamente. Grandes matriarcas reúnem ao seu
redor seus muitos filhos todos os dias.
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Segundo Robert W. Slenes1, a palavra Senzala origina-se do dialeto Kimbundu e
significa “residência de serviçais em propriedade agrícola” ou ainda “moradia de
gente separada da casa principal”. Senzala também pode significar “Povoado” ou
“grupo de parentesco”. (p. 148). Enquanto a expressão Quilombo é utilizada para
designar “acampamento de guerreiros” (p. 173). Os Quartéis de Congado abriga
Soldados com suas caixas e seus Estandartes durante as Campanhas. No Congado,
os guerreiros conduzem caixas e são designados Soldados, organizados por
Capitães, seguem seus Estandartes e se abrigam no Quilombo chamado Quartel.
(Footnotes)
Slenes, Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família
escrava, Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
22. Atualização das informações:NT
23. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
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Secretaria Municipal de Cultura
CONGO DE SANTAIFIGÊNIA
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BENS IMATERIAIS
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Denominação: Terno
Congo de Santa Ifigênia
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
04. Natureza: Festas Populares/ Celebrações/
Cultos Afro-brasileiros
05. Responsável: José Alves (Zeca)
06. Informe Histórico:
O terno Congo de Santa Ifigênia, foi comandado por José João, o seu Zezão, até
julho de 2007, quando faleceu. Seu Zezão, nascido em 06/09/1942 em Cruzeiro da
Fortaleza, foi nosso principal informante sobre o Congo de Santa Ifigênia. Em
Cruzeiro da Fortaleza seu Zezão dançava no Moçambique de Nossa Senhora do
Rosário, que era comandado pelo seu pai, que era tirador de leite do fazendeiro
Pedro Luiz. Seu Zezão se muda para Uberlândia em 1954 e vai dançar no Congo
Branco que na época era dirigido pelo Panamá, quando esse terno acaba, ele vai
para o Congo Beira-Mar comandado pelo João Cabeçudo.
Segundo seu Zezão, o Congo de Santa Ifigênia começou a ser formado no dia 6 de
setembro de 1975, seu José Rafael, capitão do terno Congo de Sainha, deu a
primeira imagem de Santa Ifigênia para Seu Zezão, Siricoco, capitão do terno
Moçambique de Belém também ajuda, apóia e incentiva Seu Zezão e Tio Cândido,
a fundarem o terno Congo de Santa Ifigênia. Tio Cândido, também falecido, era
designado pela Irmandade Comandante Geral da Festa do Congado em louvor à
Nossa Senhora do Rosário, função que passou para o pesquisador Jeremias
Brasileiro, antes de seu falecimento. Apesar de sua estreita ligação com a
Irmandade do Rosário, comparecendo todo domingo nas missas da Igreja do
Rosário, tio Cândido era zelador de santo na tradição Omolokô, numa casa no
bairro Roosevelt. Tio Cândido auxilia seu Zezão a fundar o terno Congo de Santa
Ifigênia e se retira em 2002, fundando o terno Congo de São Domingos em 2003.
Segundo, José Herculano Cândido, presidente e primeiro capitão do Congo de
São Domingos, o terno Congo de Santa Ifigênia é fundado por Cândido Geraldo
Ananias, o tio Cândido, em 1968, como pagamento de uma promessa pela saúde
do filho José Herculano.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
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Fotos do Terno Congo Santa Ifigênia
Uberlândia/MG Ano 2007
07. Documentação fotográfica:
08. Descrição:
O terno Congo de Santa Ifigênia utiliza calça e sapatos brancos, camisa amarela
faixa verde na cintura e capa verde com franja branca. Alguns soldados utilizam
chapéus amarelos com bordados e com cordões de miçangas verdes que
pendem encobrindo os olhos. Na frente do terno vão quatro garotas vestidas
como rainhas, com vestidos brancos de mangas bufantes, com saia rodada e
diversos saiotes de tule por baixo para dar volume à saia, tiara na cabeça, meia-
luva. Uma das rainhas carrega um oratório com imagem de Santa Ifigênia, uma
outra a bandeira do terno. Segundo seu Zezão o terno leva uma rainha para cada
santo. Na frente das rainhas segue o capitão e um general indumentária
simulando uniforme da Marinha, calça e casaca branca com bordados de
cordões amarelos, quepe com bordados de miçangas brancas e azuis, bastão
verde e amarelo
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08. Descrição: Os soldados do Congo de São Benedito trajam calça branca,
camisa marrom, faixa amarela, capa branca com franja amarela, os capitães utilizam
calça e camisa branca e capa marrom. Um dos capitães utiliza uma capa marrom
com aplique de renda branca e franja de cetim branca, usa chapéu amarelo, com
fitas verdes, laço de fita branca, gotas sintéticas azuis e cordões de miçangas verde,
marrom, branca e amarela que encobrem todo o rosto e pendem até a altura dos
ombros.
Os instrumentos tocados pelos soldados do Congo de Santa Ifigênia são caixas
14, 20, 22, 24, 28 e chocalho. Segundo nos informou Douglas Henrique, neto de
seu Zezão, a caixa de bitola 14 é o chamado surdim e é o que faz o som mais
agudo, dando a marcação. O chamado maracanã é a caixa de bitola 28, que produz
o som mais grave e alto.
Segundo José Herculano, Santa Ifigênia foi canonizada por seus atos de
solidariedade e generosidade. Ifigênia era africana criada por alemães, convivendo
num ambiente requintado e luxuoso. Desde menina Ifigênia praticava caridade,
sendo conhecida como uma mulher que adotou os pobres. Santa Ifigênia, segundo
Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas
menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a
santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles
criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,
pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam
o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, ele colocou em seu terno o nome de Santa Ifigênia porque as
pessoas precisavam reconhecer que a festa é dela, de Santa Ifigênia. Seu Zezão
conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque somente os padres
sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do Rosário e
de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os brancos Chico
Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário,
comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora
do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é Jesus,
mas um menino branco comum. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os
negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com seu Zezão,
São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do Rosário como um soldado,
um general, para garantir o cumprimento da promessa de Nossa Senhora do
Rosário.
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Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a história de Chico Rei e tratade uma negociação entre os santos. Mas, o que mais chama atenção é a mudançado papel de São Benedito. Este, tido como mártir sempre foi referido como umafigura bondosa e que multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo Negro. AgoraSão Benedito é tomado como um militar frio, capaz de decapitar um bebê brancoem nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a confirmação destaversão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-se claramente aexistência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às críticas aospesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona a “ciência”dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos pesquisadorescomo pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos poucos detentoresdos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoastomam este comportamento como prática. Fazer o Congado sem “fundamento”seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve aprendizado constante e um“verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e aprender todas as liçõesantes de ousar montar o seu próprio terno.09. Grupos Sociais Envolvidos: Irmandade do Rosário, familiares de seu Zezão, moradores do bairro Brasil10. Organizadores:Presidente e capitão: José Alves (Zeca)Vice-presidente e segundo capitão: Antônio Francisco FelisbinoTesoureiro: Hugo SérgioSecretário: Robson da Silva 3ºCapitão: José MarcosDiretor Geral, fiscal: CarlosMadrinha: Dinésia, esposa de José Herculano CândidoCozinheira: Maria Helena11. Participantes:Aproximadamente 120 integrantes12. Local de Realização:O quartel do terno Congo de Santa Ifigênia se localiza na Av. Maranhão, 207 –Bairro Brasil13. Data/ periodicidade de ocorrência:A “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, começava por volta dodia 15 de setembro, atualmente ela começa por volta do dia 10 de agosto. Porcausa da mudança da data da festa de novembro para outubro, a campanha tambémcomeça mais cedo. A festa do Congado realizada na Igreja de Nossa Senhora doRosário no centro da cidade de Uberlândia, atualmente ocorre no segundo domingoe segunda-feira de outubro, antes era no segundo domingo e segunda-feira denovembro. Ocorre também uma festa na igreja de São Benedito, no bairro Planaltono mês de maio. Várias festas em outras cidades ocorrem em diversas datas aolongo do ano, sendo visitadas pelos ternos de Uberlândia.14. Informações Complementares:O Congado é um ritual afro-brasileiro que nasce dos cortejos de coroação de reis,do culto aos ancestrais africanos e das celebrações de santos da Igreja Católica.
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Uma dança ritual executada por guardas ou ternos de Congo, Moçambique, Marujo,Marinheiro e Catupé. Os dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora doRosário e a São Benedito, aos antepassados e aos santos de sua devoção,principalmente aos santos negros Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas tambémSão Domingos, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada ternose diferencia do outro nas cores das roupas e dos acessórios, nos ritmos dasmúsicas, nos instrumentos e na forma da dança.Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro Capitão,apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão e apitocomanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma sériede músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outrasaprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicasde cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” quenão podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas nocoração”, só são executadas em cerimônias reservadas.O trajeto do Congado é uma manifestação pública da fé, do pertencimento aomovimento cultural afro-brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompemos muros que cercam suas comunidades e ganham a cidade, comemorando amanutenção de suas famílias e de sua cultura. O ritual composto por elementos da cultura bantu é reelaborado no Brasil sobinfluência do contato com outros povos africanos, europeus e nativos. O Congadoem Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate da imagem de NossaSenhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a) Nossa Senhora doRosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,eles não acreditam.Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, elestentam tirá-la, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres e tentam levá-lapara uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem, então o ternode Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao serlevada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Um terno deMoçambique, todo vestido de branco, descalço, com gungas nos pés, canta paraela, que então submerge e lhes acompanha, eles então constroem uma capelapara ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique entãose retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão, contada por Maria ConceiçãoCardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma que ao tentar capturar escravosfugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupode negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frentea uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada numgalho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas elespermanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamamum padre para ir até o local verificar o fato.
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E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa
Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta, vestido de
branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.
O Moçambique é, por isso, a Guarda Real. Isto é, são os ternos de Moçambique os
responsáveis por conduzir as imagens dos santos, bem como os reis durante a
procissão. É responsável por levantar o mastro na porta da Igreja dando início ao
Congado, é quem geralmente conduz os casais reais até a procissão e também no
encerramento da festa. Ouvi de diversos capitães em Uberlândia, que quem conduz
o casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”. A coroa além de representar a
realeza, também é símbolo de Nossa Senhora e confere a quem a utiliza a autoridade
para conduzir os reis e santos. A coroa também está associada aos Pretos Velhos,
na Umbanda, representa o poder e a sabedoria dos anciões. O Catupé faz a guarda
do Moçambique e pode substituí-lo nessas funções.. As músicas, as roupas e
adereços e o trançar de fitas característico do terno de Marinheiros e Marujos, fazem
referência ao mar que traz os negros para o Brasil e de onde Nossa Senhora é
retirada, e às atividades do Marinheiro.Os ternos de Congo são de louvação, os
tocadores de maracanãs e caixas fazem performances saltando com os
instrumentos, mas esta performance, atualmente, também é reproduzida por outras
guardas.Segundo os integrantes do Marinheiro de São Benedito a performance
dos saltadores ou caixeiros de frente, em que os dançadores pulam com as caixas
revezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de significação.
Quando estão ajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando, estão
agradecendo as graças recebidas. Axé é energia vital, essencial para existência.
Uma das características diferenciadoras dos ternos de Congo que vem se
extinguindo em Uberlândia é o uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas
confeccionados em madeira e couro, percutidas com uma vareta), bem como o
uso de pandeiros, adufes e instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos,
banjos e sanfonas.
A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os modelos militares
ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado Capitão, mas em
outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras funções, tais como,
Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha do Terno, Madrinha
da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno para terno, tanto em
número como em funções e significações. “Antigamente” a função de Primeiro
Capitão era designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas,
o Presidente era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente,
vice-presidente geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo
capitão, madrinha.
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O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre bem comtodo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente éresponsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscaisprotegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha doterno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas tambémtransita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha dabandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmenteas mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.Os Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, naorganização dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente tambémimpunham um bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro eSecretários, exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelospróprios Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores edançadores. As Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendocoreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas.“Antigamente” esta função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitasmulheres relatam que se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro dabandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seriaa responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupase rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar.Desmaios e doenças dificultariam a execução da função. Caberia a menina seafastar quando não fosse mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. Hojeno entanto esta tradição não é mantida pela maioria dos ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha das cores, dos instrumentos, dosacessórios e dos ritmos, outros vêm nesses elementos traços distintivos dos ternos.As roupas e acessórios são usados apenas nos dias de festa, durante a campanha,cada um se veste a seu modo. As meninas geralmente fazem roupas que podemser usadas no cotidiano, já que todo ano elas fazem duas trocas de roupa: umapara o domingo e outra para a segunda. Alguns ternos modificam os modelos desuas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta dos homens durante algumperíodo. Constatei a preocupação de anciões quanto à manutenção das roupasconsideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que mais inova é a dasbandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementosidentificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quandoocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços.Os ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos –se estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia.Aqueles registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade.Um representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisõesda Irmandade.
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A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica e as subvençõesgovernamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data de realização da festa,faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horários de realização demissas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é na verdade umreinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosse um “reino”ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à um tipo deguarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui o seu“diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniões coma Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputatorna-se muito clara em muitos momentos.Disputam a ocupação do espaço na praça da igreja, qual a execução mais perfeitadas músicas, qual o maior número de componentes, qual a melhor organização edisposição dos soldados na apresentação, qual a melhor e mais bonita indumentária,ocorre disputa na demarcação do território onde realizaram sua campanha, etc.Em alguns momentos verdadeiras batalhas orquestrais ocorrem: os ternos seenfrentam com os instrumentos, o apito e a expressão corporal dos capitães deixamclara a luta enquanto os soldados rufam seus tambores.Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são confeccionadosou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam ensaios, novenas,leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria Municipal Afro-Racial(CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam outras cidades em festa.A campanha é o período que precede a festa.Geralmente é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável poragendar os leilões e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilõesarrecadam “prendas”, geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes,roupas, etc, que serão leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-se os instrumentos e cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e doapito de seus capitães realizando jornadas noturnas que extrapolam os limites dosbairros para realizar as novenas e os leilões. Estes deslocamentos pela cidadeenchem a noite com as sonoridades dos instrumentos. Algumas pessoas saem naporta das casas para ver os ternos passarem, nos seus ensaios para o dia dafesta.Cada terno possui o seu “território”, demarcado pelas casas dos amigos queoferecem prendas para o leilão ou solicitam a visita da bandeira para a realizaçãoda novena. Cada terno possui um quartel, que pode ser a casa de um dos capitãesou de pessoas ligadas ao terno. O “território” dos ternos extrapola, inclusive asfronteiras das cidades, pois cada terno possui uma agenda de festas e encontrosformando distintas redes de sociabilidade. Os ternos também costumam visitarsuas cidades de origem.
418
Quando um terno se encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos trêsações diferentes: 1 – se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;2 – se os ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida,poderá haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um ternoimpede o outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja.3 – se os ternos ainda não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantaremum para o outro saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haverneste caso uma espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente parasaber qual dos capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.O trajeto até a casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia dafesta. Durante o trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitãesensinam as músicas aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum acriação de músicas novas para apresentarem no dia da festa. A composição podeser feita por capitães, madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas amentores espirituais. Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não serexecutadas no dia da festa. Existem também músicas específicas para cadaocasião: para chamar o dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão,para abençoar o interior da casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito,em louvor a Nossa Senhora do Rosário, que relembram os antepassados, que falamde fenômenos climáticos, para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis eRainhas, de despedidas, para quando ocorre um encontro com outro terno seja eleamigo ou não e uma infinidade de outras possibilidades, variando de terno paraterno.Existem duas versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeiraconsidera o Distrito de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde seoriginaram os ternos de Congado do município, na época, o arraial de São Pedrode Uberabinha. Segundo Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o primeiro terno demoçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito pelosmoradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariampara o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,levando consigo as celebrações do Congado.A segunda versão indica que o movimento do Congado se iniciou no Sertão daFarinha Podre, por volta de 1874, através do “Mestre André”. Esse senhor reuniaos negros da região do Rio das Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto àNossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros, pedindo para libertá-los daescravidão. O início do movimento ocorre por volta de 1876, período de expectativae temor quanto à abolição da escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em1881 foi decretada a lei nº 2040, conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885a “Lei do Sexagenário” ou “Lei Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de umprocesso que culminou na própria abolição da escravatura, em 1888.
419
O município de Uberlândia se localiza na região do Triângulo Mineiro, área conhecida
no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha Podre. Esta região era denominada
de Sertão da Farinha Podre por causa dos sacos de palha com farinha, encontrados
pelos colonizadores, enterrados ou pendurados nas árvores. Das histórias contadas
sobre a origem deste nome, existe uma que afirma que quando as bandeiras se
aproximavam os indígenas e quilombolas que aqui habitavam escondiam sua
farinha, base de sua alimentação, com esperança de poderem voltar algum dia
para suas aldeias e ter alimentos até a nova plantação dar seus frutos. Eles se
refugiavam nas matas e esperavam os bandeirantes abandonarem suas moradias
após arrasá-las com saques e incêndios. Muitas aldeias tinham que mudar
constantemente sua localização, abandonando sacos de farinha pelo caminho de
sua fuga. Por causa de sua localização geográfica, o Sertão da Farinha Podre
passou a ser um entreposto para os avanços das bandeiras. Local de de descanso
e comércio de tropas uma parada na rota de tropeiros e mineradores em direção a
Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora escondida pelos quilombolas e/ou
indígenas apodrecia com a ação do tempo, e depois era encontrada pelos novos
habitantes do lugar. Por causa da grande quantidade de mantimentos apodrecidos
encontrados, a região da bacia do rio Paranaíba que abrange o atual Triângulo
Mineiro e parte do sul do estado do Goiás, ganhou o nome de Sertão da Farinha
Podre.
O Sertão da Farinha Podre era povoado por vários núcleos quilombolas distribuídos
como pontos de uma rede. Os documentos oficiais referem-se a diversos deles
como pertencentes ao Quilombo do Campo Grande. O Quilombo do Ambrósio,
localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio arqueológico é tombado pelo patrimônio
histórico, foi como uma célula central de onde partiam os integrantes que formavam
os outros núcleos da rede. A historiografia oficial considera que o Quilombo do
Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo referido como o maior núcleo,
comportando até mais de “mil negros, e grande número de negras e crias”. Os
documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e de “outros menores”
informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta “homens capazes, e dos
mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado (hoje Patrocínio), Sta
Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a destruição do Quilombo
do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois mais trezentos homens
da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José, Sabará e Vila Nova da
Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando que todas as
comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca”.
420
Embora, os documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição
destes quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando
um novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje
se localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821,
possuindo ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande. Mas a
construção de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios arqueológicos
destes quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas próximas aos rios
para se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de acordo com os
elementos oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes possibilitasse a
permanência (agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às tropas de
comerciantes e viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A região ainda
preserva na toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado e Quilombo).
A ocupação efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX,
sendo a produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois
possibilitaram a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam
vários municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial
da cidade de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição
de sesmarias do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O
marco inicial da atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a
João Pereira da Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque
para a “Alves Carrejo”, intensificou a ocupação da região.
Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após aquisição de área de dez alqueires entre
o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá, obteve, juntamente com Francisco Alves
Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de uma capela curada,
consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião da Barra. No ano de
1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha, pela lei provincial n.
602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da paróquia, em 1857,
ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela, composto de terras
doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido 100 alqueires da
Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do arraial se São
Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja Matriz, em terrenos
aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883 foram doados,
ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego Uberabinha, próximo
aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa Senhora da Abadia
(Lourenço, 1986:16)
421
Em 31 de agosto de 1888, a então freguesia foi transformada em vila, com o nome
de São Pedro do Uberabinha, tendo sido instalada oficialmente em 1891. Em 24
de maio de 1892, a vila foi elevada à categoria de cidade pela lei nº 23. Em 1895,
a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a cidade de Uberlândia e se verifica o
desenvolvimento da produção agropecuária e de indústrias, com destaque para a
produção de charque (Brasileiro, 2001: 253). “Nas duas primeiras décadas do século
XX foram instaladas em Uberlândia indústrias ligadas à produção rural. Têm-se
registro das seguintes indústrias, existentes em 1922: beneficiadoras de arroz e
algodão, serrarias, carpintarias, charqueadas, curtumes e outros estabelecimentos
de produção de couro e carne, além de fábricas de banha, sabão, calçados e
arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale ressaltar que o fornecimento de energia elétrica
teve início em 1909, aumentando a possibilidade da instalação de várias fábricas.
Em 1929, a cidade recebeu o nome de Uberlândia, através da lei nº 843. Na década
de 1930, a abertura de estradas de rodagem em direção às áreas de exploração
de diamantes do Rio Araguaia intensificou o desenvolvimento da área, que se tornou
ponto de troca e abastecimento de caravanas e compradores de diamantes . Em
1933 , iniciou -se a construção da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeira
Santa Terezinha foi escolhida para substituir os antigos padroeiros da cidade Nossa
Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolida
em 1943, dando lugar a estação Rodoviária, que hoje sedia a Biblioteca Municipal
. Em 1940, cidade passa por um rápido crescimento e adensamento populacional,
e desde então tem se configurado importante centro regional, localizado em local
estratégico, próximo a seis capitais (Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Belo
Horizonte, São Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seu crescimento anual do P I
B de 5, 09%, superior ao crescimento de Minas Gerais (2,17%) e do Brasil (2,28%).
Hoje, a cidade se destaca pelo desenvolvimento dos setores de agro industria,
tecnologia da informação, setor atacadista - distribuidor, e mais recentemente, de
biotecnologia, sendo também considerado pólo na área de ensino superior.
Há referências históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosário
tenha sido iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foi
concluída, tendo sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte.
Em decorrência do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu a
construção da nova Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobe
e telha comum, situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairro
General Osório (atual bairro fundinho).”
422
Já em meados de 1890, o então presidente da Irmandade do Rosário passou a
comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantas estimulou a participação da
comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem, 2001).
Com o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foi
composta uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolher
uma mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário. A capela anterior foi demolida
e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela com projeto de
autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a Capela Nossa Senhora do
Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi
tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e
entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com
apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de Nossa Senhora do Rosário
passou por processo de restauração no de 2006.
15. Referências:
* Anais da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –
Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El
Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,
Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/
98)
*Brasileiro, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2001.
* Laudo IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do Antigo
Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg
*Lucas, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado
Mineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP,
1999.
*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no
Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e
2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.
*Martins, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada
do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.
*Lima Jr., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.
423
*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores e
Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.
*Martins, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:
1997.
*Moura, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió:
Edufal, 2001.
*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,
1981
*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo
“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor,
São Paulo, 1998.
16. Atualização das informações:NT
17. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
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BENS MÓVEIS E INTEGRADOS
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Terno Congo de
Santa Ifigênia
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INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
04. Propriedade: Particular
05. Endereço: Av. Maranhão, 207 – Bairro Brasil
06. Responsável: José Alves (Zeca)
07. Designação: Estandarte do terno Congo de Santa Ifigênia
08. Localização Especifica: quando não está em época de campanha, o tecido
do estandarte fica guardado na casa da madrinha no bairro Jardim Brasília e a
estrutura de alumínio guardada junto com os instrumentos no quartel.
09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa
10. Época: final da década de 1990
11. Autoria: coletiva
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica: estrutura de alumínio solda, rebite, parafuso, braçadeira,
Imagem em cobre do Cristo sem o crucifixo, com os braços estendidos, tecido
cetim amarelo, letras bordadas com lantejoulas verdes, imagem de São Benedito
impressa em papel plastificado e costurado ao cetim, fitas verde e amarelo
15. Marcas / Inscrições / Legendas: Na frente Imagem de São Benedito e em
letras bordadas com lantejoulas verdes: “Salve Nossa Senhora do Rosário”, a
trás “Congo de Santa Ifigênia e São Benedito”.
16. Descrição: Estandarte com estrutura de alumínio com as quinas soldadas e
rebitadas, parafuso e braçadeira seguram haste Imagem em cobre do Cristo
sem o crucifixo, com os braços estendidos, preso com três parafusos num losango
de alumínio no alto do estandarte. A bandeira é em tecido cetim amarelo, com
letras bordadas com lantejoulas verdes e imagem de São Benedito impressa
em papel plastificado e costurado ao cetim, fitas verde e amarelo partem da
base superior da bandeira. Na face do estandarte Imagem de São Benedito e
em letras bordadas com lantejoulas verdes formam os dizeres “Salve Nossa
Senhora do Rosário”, a trás “Congo de Santa Ifigênia e São Benedito”.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
425
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
( x ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
Fotos do Terno Congo Santa Ifigênia
Uberlândia/MG Ano 2007
19- Documentação fotográfica
17- Condições de segurança:
( x ) Boa
( ) Razoável
( ) Ruim
Obs:
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente ( X ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
21- Dimensões:
Altura: 1,20m
Comprimento da haste: 0,90m
Largura: 0,80m
22. Análise do Estado de Conservação:
Estandarte em bom estado de conservação, sem sinais de desgaste por insetos
ou mofo.
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23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas: Dois estandartes com estrutura de madeira e
somente a bandeira do estandarte maior, elaborado com tecido veludo com imagem
religiosa impressa em papel plastificado. Na parte superior um babado bordado
com miçangas em formato de flor e lantejoulas; duas representações de capelas
com crucifixo e cordões de vidrilhos com moedas em fina chapa de alumínio com
face da Princesa Isabel prensada na ponta. Bordados à mão e acabamento da
imagem com cordões, letras bordadas com lantejoulas. Na parte de trás, aplique
de tecido bordados à máquina com representações religiosas.
25. Características Estilísticas:
Estilo popular (sem característica estilística específica).
26. Características Iconográficas:
Nos estandartes do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora
do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de Santa
Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.
Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que
os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo
Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas
menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a
santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles
criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,
pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam
o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu
terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a
festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os
pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa
Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade
de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito
que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário
algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.
427
De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.
Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.
O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.
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Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se
deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,
ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje
como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de
escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre
um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca
pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos
quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de
socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões
antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado
de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas
comunidades. Mas esta é uma outra história.
Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em
relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito
está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo
mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me
foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento.
429
É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,
é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado
popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de
qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e
participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma
bebida capaz de proteger a quem a ingere.
Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à
proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para
pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes
queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a
congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à
vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.
Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e
pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção
em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora:
“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,
eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”
O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de
Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:
a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,
chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,
que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,
mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da
água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem
então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,
mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um
terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;
430
b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do MoçambiqueRosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos naserra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvorede umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Oscapitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecemimóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para acidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeiraversão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosárioacompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar desua presença.27. Dados Históricos:As bandeiras têm suas origens nas insígnias, sinais distintivos de poder ou decomando, usadas desde a antiguidade e que poderiam ser figuras recortadas emmadeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras bandeiras da história dohomem costumavam representar um grupo sócio-cultural através de imagens e decores dotadas de significados, a que a comunidade respectiva confere alto valor.As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China e foram introduzidas noOcidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido, no mundo ocidental,foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium (insígnia, bandeira,estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros com imagens,carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande difusão do seu usofoi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu estandarte. Foi naIdade Média que bandeiras e estandartes começaram a representar reinos eregiões. As bandeiras foram usadas tanto em períodos de paz como de guerra.Sendo um símbolo identificador eram usados pelos exércitos aliados. Para não seconfundirem uns com os outros e evitarem o temido fogo amigo, usavam um pedaçode pano hasteado num estandarte, com as cores e sinais de identificação dobatalhão ou companhia envolvida.De acordo com seu tamanho ou uso, a bandeira tem uma palavra sinônima.Estandarte é utilizado para insígnias militares, mais especificamente para identificaros corpos de cavalaria. O Pendão é uma bandeira grande, armada em vara,atravessada horizontalmente sobre o mastro e levada em procissões. O Gonfalãoé uma bandeira de guerra com partes que prendem perpendicularmente a umahaste com três ou quatro pontas pendentes. Os Estandartes do Congado mesclamelementos das bandeiras militares e religiosas e são utilizados para identificar oterno que os conduz e para louvar os santos de sua devoção.28. Referências Documentais:Fotografias e entrevista realizada com seu Zezão no quartel do terno Congo deSanta Ifigênia
431
29. Informações Complementares:
O Estandarte é uma espécie de Bandeira e falar em Bandeira no congado é um
pouco complexo, pois possui pelo menos três significados. Bandeira pode se referir
à jornada, ao trajeto, à caminhada realizada nas campanhas e festas. Também
pode ser utilizado para se referir à bandeira em tecido no formato retangular de
aproximadamente 60 x 40 cm que trás estampado imagens dos santos, com um
cabo de madeira na extremidade superior por onde a bandeireira (virgem, menor
de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira sempre acompanha o terno, abrindo-
lhe os caminhos, tanto em dias de campanha quanto no dia da festa. Bandeira
também pode referir-se ao estandarte em formato retangular de aproximadamente
1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado por um mastro que o eleva à
aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas cujas pontas as Bandeireiras
seguram enquanto dançam e que traz identificações do terno e homenagens aos
santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só saem em dia de festa. As
Bandeireiras ou Andorinhas são meninas que conduzem as fitas do estandarte
fazendo coreografias. “Antigamente” esta função só era desempenhada pelas
garotas virgens. Muitas mulheres relatam que se a menina não fosse virgem e
levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa
Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo
poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações,
como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças também dificultariam a execução da
função. Caberia a menina se afastar quando não fosse mais “digna” de carregar a
bandeira do Congado. A execução desta função indevidamente poderia acarretar
problemas ainda maiores para os ternos, como esquecer música ou errar a “batida”.
Hoje, no entanto, esta tradição não é mantida pela maioria dos ternos.
30.Atualização das informações:NT
31. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
432
BENS MÓVEIS E INTEGRADOS
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Terno Congo de
Santa Ifigênia
ytfrhfhfhg
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
04. Propriedade: Particular
05. Endereço: Av. Maranhão, 207 – Bairro Brasil
06. Responsável: José Alves (Zeca)
07. Designação: Oratório de campanha
08. Localização Especifica: quando não está em época de campanha, fica em
cima de um armário num canto da sala da casa de seu Zezão
09. Espécie: Móvel religioso
10. Época: década de 1960
11. Autoria: Ignorada
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica: madeira peroba recortada, pregos, cola de contato, esmalte
sintético creme, tela com lantejoulas recobre o fundo, renda branca nas laterais,
flores de tecido, imagens de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário coladas
com cola de contato, terço de contas de plástico
15. Marcas / Inscrições / Legendas: NT
16. Descrição: Oratório elaborado em compensado, recortado, colado com cola
de madeira e pequenos pregos, coberto com esmalte sintético creme. Uma imagem
de São Benedito e uma, menor, de Santa Efigênia, ambas em gesso, coladas com
cola de contato. A primeira é envolta por dois terços de contas de plástico nas
cores rosa e branca, e a segunda por um de cor azul claro. Flores de tecido
vermelhas e brancas aos pés das imagens, mais flores brancas na tábua horizontal
que faz um compartimento interno, abaixo do telhado. Cetim verde na base interior,
e tela de lurex prateado cobrindo o fundo do oratório, que é vazado.
17- Condições de segurança:
( ) Boa
( x ) Razoável
( ) Ruim
Obs:
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
433
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
( x ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
Fotos do Terno Congo Santa Ifigênia
Uberlândia/MG Ano 2007
19- Documentação fotográfica
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente ( x ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
21- Dimensões:
Altura: 71cm
Profundidade: 15cm
Largura: 28cm
22. Análise do Estado de Conservação:
Oratório em bom estado de conservação, sem sinais de desgaste por insetos ou
rachaduras.
434
23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas:.
Oratório elaborado em compensado, recortado, colado com cola de madeira e
pequenos pregos, coberto com esmalte sintético. O telhado é coberto com tecido
cetim colado com cola de madeira, com franja nas bordas, um crucifixo de madeira
pintado com esmalte afixado com dois parafusos, na frente de um compartimento
no telhado, divido por uma tábua com franja na extremidade. Cordões circundam
as laterais da abertura frontal. Fita de cetim, flores de tecido em torno da imagem
religiosa em gesso colada com cola de contato.
25. Características Estilísticas:
Estilo popular (sem característica estilística específica).
26. Características Iconográficas:
Nos oratórios do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora
do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de Santa
Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.
Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que
os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo
Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas
menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a
santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles
criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,
pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam
o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu
terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a
festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os
pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa
Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade
de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito
que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário
algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.
435
De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.
Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.
O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.
436
Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se
deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,
ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje
como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de
escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre
um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca
pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos
quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de
socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões
antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado
de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas
comunidades. Mas esta é uma outra história.
Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em
relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito
está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo
mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me
foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento.
437
É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,
é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado
popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de
qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e
participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma
bebida capaz de proteger a quem a ingere.
Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à
proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para
pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes
queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a
congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à
vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.
Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e
pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção
em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora:
“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,
eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”
O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de
Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:
a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,
chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,
que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,
mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da
água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem
então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,
mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um
terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;
438
b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique
Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na
serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,
vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore
de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os
capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem
imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a
cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira
versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário
acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,
que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de
sua presença.
27. Dados Históricos Os primeiros oratórios datam dos primórdios da Idade Média.
Pequenos armários que podiam guardar não só o santo protetor, mas tudo que se
relaciona à devoção cotidiana. Propiciando um ambiente adequado às reflexões e
orações no interior das residências. Os oratórios geralmente simulam pequenos
templos, trazidos para o interior das casas para conferir aos seus donos segurança
e intimidade com o mundo do sagrado. Utilizados também em momentos festivos e
em celebrações coletivas. Nos primeiros anos da colonização do Brasil, os oratórios
exerceram importante papel no exercício da fé, pois inexistindo igrejas, era diante
desses nichos ou armários de guardar santos que o povo fazia suas rezas. Deste
modo as casas se constituíam no local mais reservado para a devoção religiosa.O
oratório utilizado no Congado é o que designam por Esmoler ou oratório Itinerante
ou de viagem. Estes oratórios são encontrados principalmente em espaços urbanos
e utilizados para arrecadar dinheiro para a edificação de um templo de uma
irmandade e para angariar recursos para a realização de festas religiosas.
28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas realizadas em visitas à
residência de José João, seu Zezão onde se localiza o quartel do terno Congo de
Santa IfigêniaSite: http://www.museudoratorio.com.brCD Rom “Álbum de Família:
Famílias Afro-descendentes em Uberlândia no Século XX” – Produzido por Fabíola
Benfica Marra, com recurso da lei Municipal de Incentivo à Cultura, finalizado em
2005.
29. Informações Complementares:
O oratório cumpre uma importante função no Congado. Durante as campanhas o
oratório fica na casa onde será realizada a novena e/ou o leilão. Quando o terno sai
para as novenas, as mulheres vão à frente para rezar com os moradores da casa.
439
A bateria chega quando a novena já encerrou. Uma virgem (geralmente criança
menor de 10 anos) leva uma bandeira com a imagem de São Benedito ou de Nossa
Senhora do Rosário, ou ambos, “escoltados” pela mãe e pela madrinha da bandeira
e do terno à frente da guarda. Eles tocam em saudação aos donos da casa que sai
para recebê-los. A bandeira é saudada com devoção e após passar sobre as
cabeças das pessoas da casa é levada para o interior da residência para que
sejam abençoados todos os cômodos e todos os moradores. Os dançadores
também entram tocando e realizando suas performances e logo se retiram. Após o
terço é realizado o leilão das prendas arrecadadas pelo morador da casa que está
recebendo o oratório do terno. O oratório andor permanece no interior da casa até
que todas as prendas sejam compradas. Uma “secretária”, geralmente uma das
Madrinhas, anota em um caderno cada produto e o valor arrematado e o nome do
comprador. Os produtos geralmente são arrematados por valores acima do valor
real de mercado. Encerrado o leilão, o terno toca para sair, agradece aos donos da
casa, que em alguns casos também oferecem um lanche. Os soldados descansam
as caixas do lado de fora enquanto as meninas rezam se despedindo. Os donos da
casa se despedem dos santos e do oratório que irá partir para abençoar outra
casa. Quando a bandeira sai, o capitão e seus soldados cantam e tocam se
despedindo e as meninas levam dançando o oratório andor com os santos e a
bandeira para a casa onde será realizada a próxima novena e/ou leilão. Ao chegar
os soldados chamam o morador que sai até a porta para receber a Bandeira (terno)
e o oratório. Todos rezam e combinam o dia certo para o leilão e/ou novena, que
poderá ser no dia seguinte ou nos próximos. A Bandeira (o terno) parte de volta
para o quartel, onde ficará a bandeira (levada pela virgem) e os instrumentos até o
próximo leilão. O oratório com as imagens dos santos é levado no dia da festa por
alguns ternos.
30.Atualização das informações:NT
31. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
440
BENS MÓVEIS E INTEGRADOS
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Terno Congo de
Santa Ifigênia
ytfrhfhfhg
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
04. Propriedade: Particular
05. Endereço: Av. Maranhão, 207 – Bairro Brasil
06. Responsável: José Alves (Zeca)
07. Designação: Oratório de festa
08. Localização Especifica: quando não está em época de campanha, fica em
cima de um armário num canto da sala da casa de seu Zezão
09. Espécie: Móvel religioso
10. Época: década de 1970
11. Autoria: Ignorada
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica: compensado, recortado, colado, pregos, coberto com
esmalte sintético creme e tecido cetim verde, crucifixo afixado com dois parafusos,
cordões verde e amarelo, franja creme e verde, fita de cetim azul, flores de tecido,
imagem em gesso de Santa Ifigênia colada com cola de contato.
15. Marcas / Inscrições / Legendas: crucifixo, proporcionalmente grande, afixado
na parte superior.
16. Descrição: Oratório elaborado em compensado, recortado, colado com cola
de madeira e pequenos pregos, coberto com esmalte sintético creme. O telhado é
coberto com tecido cetim verde colado com cola de madeira, com franja verde nas
bordas, um crucifixo de madeira pintado com esmalte prata afixado com dois
parafusos, na frente de um compartimento no telhado, divido por uma tábua com
franja creme na extremidade. Cordões verde e amarelo circundam as laterais da
abertura frontal. Fita de cetim azul, flores de tecido em torno da imagem em gesso
de Santa Ifigênia colada com cola de contato.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
441
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
( x ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
Fotos do Terno Congo Santa Ifigênia
Uberlândia/MG Ano 2007
19- Documentação fotográfica
17- Condições de segurança:
( x ) Boa
( ) Razoável
( ) Ruim
Obs:
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente ( x ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
21- Dimensões:
Altura: 57cm
Profundidade: 14cm
Largura: 23 cm
22. Análise do Estado de Conservação:
Bastão em bom estado de conservação, sem sinais de desgaste por insetos ourachaduras.
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23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas:.
Oratório elaborado em compensado, recortado, colado com cola de madeira e
pequenos pregos, coberto com esmalte sintético. O telhado é coberto com tecido
cetim colado com cola de madeira, com franja nas bordas, um crucifixo de madeira
pintado com esmalte afixado com dois parafusos, na frente de um compartimento
no telhado, divido por uma tábua com franja na extremidade. Cordões circundam
as laterais da abertura frontal. Fita de cetim, flores de tecido em torno da imagem
religiosa em gesso colada com cola de contato.
25. Características Estilísticas:
Estilo popular (sem característica estilística específica).
26. Características Iconográficas:
Nos oratórios do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora
do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de Santa
Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.
Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que
os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo
Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas
menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a
santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles
criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,
pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam
o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu
terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a
festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os
pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa
Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade
de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito
que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário
algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.
443
De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.
Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.
O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.
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Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se
deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,
ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje
como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de
escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre
um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca
pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos
quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de
socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões
antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado
de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas
comunidades. Mas esta é uma outra história.
Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em
relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito
está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo
mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me
foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento.
445
É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,
é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado
popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de
qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e
participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma
bebida capaz de proteger a quem a ingere.
Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à
proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para
pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes
queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a
congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à
vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.
Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e
pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção
em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora:
“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,
eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”
O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de
Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:
a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,
chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,
que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,
mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da
água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem
então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,
mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um
terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;
446
b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique
Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na
serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,
vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore
de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os
capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem
imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a
cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira
versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário
acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,
que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de
sua presença.
27. Dados Históricos Os primeiros oratórios datam dos primórdios da Idade Média.
Pequenos armários que podiam guardar não só o santo protetor, mas tudo que se
relaciona à devoção cotidiana. Propiciando um ambiente adequado às reflexões e
orações no interior das residências. Os oratórios geralmente simulam pequenos
templos, trazidos para o interior das casas para conferir aos seus donos segurança
e intimidade com o mundo do sagrado. Utilizados também em momentos festivos e
em celebrações coletivas. Nos primeiros anos da colonização do Brasil, os oratórios
exerceram importante papel no exercício da fé, pois inexistindo igrejas, era diante
desses nichos ou armários de guardar santos que o povo fazia suas rezas. Deste
modo as casas se constituíam no local mais reservado para a devoção religiosa.O
oratório utilizado no Congado é o que designam por Esmoler ou oratório Itinerante
ou de viagem. Estes oratórios são encontrados principalmente em espaços urbanos
e utilizados para arrecadar dinheiro para a edificação de um templo de uma
irmandade e para angariar recursos para a realização de festas religiosas.
28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas realizadas em visitas à
residência de José João, seu Zezão onde se localiza o quartel do terno Congo de
Santa IfigêniaSite: http://www.museudoratorio.com.brCD Rom “Álbum de Família:
Famílias Afro-descendentes em Uberlândia no Século XX” – Produzido por Fabíola
Benfica Marra, com recurso da lei Municipal de Incentivo à Cultura, finalizado em
2005.
29. Informações Complementares:
O oratório cumpre uma importante função no Congado. Durante as campanhas o
oratório fica na casa onde será realizada a novena e/ou o leilão. Quando o terno sai
para as novenas, as mulheres vão à frente para rezar com os moradores da casa.
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A bateria chega quando a novena já encerrou. Uma virgem (geralmente criança
menor de 10 anos) leva uma bandeira com a imagem de São Benedito ou de Nossa
Senhora do Rosário, ou ambos, “escoltados” pela mãe e pela madrinha da bandeira
e do terno à frente da guarda. Eles tocam em saudação aos donos da casa que sai
para recebê-los. A bandeira é saudada com devoção e após passar sobre as
cabeças das pessoas da casa é levada para o interior da residência para que
sejam abençoados todos os cômodos e todos os moradores. Os dançadores
também entram tocando e realizando suas performances e logo se retiram. Após o
terço é realizado o leilão das prendas arrecadadas pelo morador da casa que está
recebendo o oratório do terno. O oratório andor permanece no interior da casa até
que todas as prendas sejam compradas. Uma “secretária”, geralmente uma das
Madrinhas, anota em um caderno cada produto e o valor arrematado e o nome do
comprador. Os produtos geralmente são arrematados por valores acima do valor
real de mercado. Encerrado o leilão, o terno toca para sair, agradece aos donos da
casa, que em alguns casos também oferecem um lanche. Os soldados descansam
as caixas do lado de fora enquanto as meninas rezam se despedindo. Os donos da
casa se despedem dos santos e do oratório que irá partir para abençoar outra
casa. Quando a bandeira sai, o capitão e seus soldados cantam e tocam se
despedindo e as meninas levam dançando o oratório andor com os santos e a
bandeira para a casa onde será realizada a próxima novena e/ou leilão. Ao chegar
os soldados chamam o morador que sai até a porta para receber a Bandeira (terno)
e o oratório. Todos rezam e combinam o dia certo para o leilão e/ou novena, que
poderá ser no dia seguinte ou nos próximos. A Bandeira (o terno) parte de volta
para o quartel, onde ficará a bandeira (levada pela virgem) e os instrumentos até o
próximo leilão. O oratório com as imagens dos santos é levado no dia da festa por
alguns ternos.
30.Atualização das informações:NT
31. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
448
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Designação: Quartel
do Terno Congo de Santa
Ifigênia
04. Endereço: Av. Maranhão, 207 – Bairro Brasil
05. Propriedade: Privada
06. Responsável: José Alves (Zeca)
ESTRUTURA ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
07. Histórico:
O domicílio onde funciona o quartel do terno Congo de Santa Ifigênia é de
propriedade da família de Sebastiana Nascimento, sogra de seu Zezão, falecida
em 1973. O terreno é adquirido pela família de Sebastiana em 1936, mas o registro
é de 1966. Quando seu Zezão se casa em 1962 constroem casa nos fundos do
terreno, sendo que a primeira residência, localizada na frente do terreno é da época
da aquisição do terreno. Em 1968 constroem o domicílio da direita, onde se
encontram os oratórios, residência de seu Zezão até seu falecimento,
08. Descrição:
O quartel do terno Congo de Santa Ifigênia é um tipo de construção chamada de
colônia, onde diversas pequenas casas se alinham nas extremidades, deixando
uma área sem construção no centro de terreno, chamada de terreiro. O terreiro é
um local de passagem, único acesso a todas as casas, dois tanques de lavar roupas,
se localizam nos cantos do terreiro. O terreiro ganhou uma cobertura de telhas de
amianto, recentemente. É no terreiro que se reúnem os soldados para as campanhas
do Congado. Um cômodo ao lado da casa de seu Zezão foi construído
exclusivamente para guardar os instrumentos e as vasilhas da cozinha do Congado.
09. Documentação Fotográfica:
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
449
Fotos do Quartel Terno Congo de Santa Ifigênia
Uberlândia/MG Ano 2007
09. Documentação Fotográfica:
450
10. Uso Atual:( x ) Residencial ( ) Serviço( ) Comercial ( ) Institucional( ) Industrial ( ) Outros 11. Situação de Ocupação:( x ) Própria ( ) Alugada( ) Cedida ( ) Comodato( ) Outros12. Proteção Legal Existente( ) Tombamento( ) Municipal( ) Federal( ) Estadual( x ) Nenhuma13. Proteção Legal Proposta:( ) Tombamento Federal( ) Tombamento Estadual( ) Tombamento Municipal( ) Entorno de Bem Tombado( )Documentação Histórica( x ) Inventário( ) Tombamento Integral( ) Tombamento Parcial( ) Fachadas( ) Volumetria( ) Restrições de Uso e Ocupação
14. Análise do Entorno - Situação e Ambiência: Localiza-se em área plana com
com passeios, arborização, redes elétrica, rede de esgoto, rede de água tratada,
As edificações são predominantemente de volumetria simples apresentando
partidos retangulares, com vários “puxadinhos”, altimetria de um pavimento,
materiais de acabamento de alvenaria de tijolo cerâmico, pintura com grande
variação de cores e esquadrias de metalon ou alumínio, coberturas metálicas ou
com telhas cerâmicas.
15. Estado de Conservação:
( ) Excelente
( ) Bom
( x ) Regular
( ) Péssimo
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16. Análise do Estado de Conservação:A casa encontra-se com algumas áreas
de reboco caindo, telhado com telhas de amianto deslocadas e quebradas
17. Fatores de Degradação:Infiltrações, falta de manutenção.
18. Medidas de Conservação:Além das obras reparadoras para sanar os danos
descritos, obras preventivas para a manutenção de sua integridade. Troca das telhas,
execução de novo reboco nas áreas danificadas, reparo das trincas existentes em
toda a construção, nova pintura.
19. Intervenções:Não identificadas
20. Referências Bibliográficas:*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família:
Famílias Afro-descendentes no Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido
entre os anos de 2004 e 2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.*Slenes,
Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família escrava,
Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
21. Informações Complementares:
Os quartéis são os locais onde os soldados de cada guarda se reúnem para fazer
as campanhas ou para sair em viagens. É também onde guardam os instrumentos
e realizam as refeições durante os dias de festa e fazem intervalos de descanso.
Todas as atividades do Congado começam e terminam no quartel. Geralmente o
quartel é o local de moradia da família do capitão ou da madrinha do terno. As
construções são o que se chamam colônias: diversas casas pequenas, construídas
em períodos distintos, dispostas umas ao lado das outras e com um pátio, uma
área comum, um terreiro no meio. A área não construída no meio é utilizada para
reunir o terno, para realizar as refeições coletivas, afinar instrumentos. Em muitos
casos, banheiros, tanques, pias e locais para passar roupas são de uso comum a
todos os moradores da colônia. Nos Quartéis, realizam grandes refeições conjuntas,
mesmo não sendo dia de festa Congado. O milagre multiplicador dos alimentos
promovido por São Benedito é realizado pelas matriarcas todos os dias e se estende
aos “praticamente filhos”, pois muitas crianças, jovens e adultos são atraídas para
o convívio das famílias de congo, estendendo os laços familiares para além dos
consangüíneos. O Congado que acontece na porta da igreja Católica é o ápice, o
momento máximo desta festa que dura praticamente o ano inteiro dentro dos terreiros
e quartéis. A família é festejada diariamente. Grandes matriarcas reúnem ao seu
redor seus muitos filhos todos os dias.
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Segundo Robert W. Slenes1, a palavra Senzala origina-se do dialeto Kimbundu e
significa “residência de serviçais em propriedade agrícola” ou ainda “moradia de
gente separada da casa principal”. Senzala também pode significar “Povoado” ou
“grupo de parentesco”. (p. 148). Enquanto a expressão Quilombo é utilizada para
designar “acampamento de guerreiros” (p. 173). Os Quartéis de Congado abriga
Soldados com suas caixas e seus Estandartes durante as Campanhas. No Congado,
os guerreiros conduzem caixas e são designados Soldados, organizados por
Capitães, seguem seus Estandartes e se abrigam no Quilombo chamado Quartel.
(Footnotes)
Slenes, Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família
escrava, Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
22. Atualização das informações:NT
23. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
CONGO DE SÃOBENEDITO
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BENS IMATERIAIS
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Denominação: Terno
Congo de São Benedito
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
Fotos do Terno Congo de São Benedito
Uberlândia/MG Ano 2007
04. Natureza: Festas Populares/ Celebrações/
Cultos Afro-brasileiros
05. Responsável: Antônio Dama Neto (Bombeiro)
06. Informe Histórico:
Segundo Lorraine Alves Ferreira, madrinha auxiliar do Congo de São Benedito, o
foi fundado pela família, sob o comando do Bombeiro, em 2000. Antes de montar o
próprio terno, o Bombeiro passou pelos ternos Camisa Verde e Congo Branco.
07. Documentação fotográfica:
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
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08. Descrição: Os soldados do Congo de São Benedito trajam calça branca,
camisa marrom, faixa amarela, capa branca com franja amarela, os capitães utilizam
calça e camisa branca e capa marrom. Um dos capitães utiliza uma capa marrom
com aplique de renda branca e franja de cetim branca, usa chapéu amarelo, com
fitas verdes, laço de fita branca, gotas sintéticas azuis e cordões de miçangas verde,
marrom, branca e amarela que encobrem todo o rosto e pendem até a altura dos
ombros.
09. Grupos Sociais Envolvidos:Familiares de Antônio Dama Neto, o Bombeiro
e Moradores dos bairros Tibery e Canaã
10. Organizadores:
Presidente: Antônio Dama Neto (Bombeiro)
Primeiro capitão: Rosemberg
Segundo Capitão: Carlos Alexandre
Capitães auxiliares: Nenê, Fábio, Luiz Carlos
Madrinha: Lucrecia, Lorraine Alves Ferreira
11. Participantes:Aproximadamente 80 integrantes
12. Local de Realização: o quartel do terno Congo de São Benedito se localiza
na Av. África, 205 - Tibery
13. Data/ periodicidade de ocorrência: A “campanha” do Congado, como os
congadeiros dizem, começava por volta do dia 15 de setembro, atualmente ela
começa por volta do dia 10 de agosto. Por causa da mudança da data da festa de
novembro para outubro, a campanha também começa mais cedo. A festa do
Congado realizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário no centro da cidade de
Uberlândia, atualmente ocorre no último domingo e segunda-feira de outubro, antes
era no segundo domingo e segunda-feira de novembro. Ocorre também uma festa
na igreja de São Benedito, no bairro Planalto no mês de maio. Várias festas em
outras cidades ocorrem em diversas datas ao longo do ano, sendo visitadas pelos
ternos de Uberlândia.
14. Informações Complementares:
O Congado é um ritual afro-brasileiro que nasce dos cortejos de coroação de reis,
do culto aos ancestrais africanos e das celebrações de santos da Igreja Católica.
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Uma dança ritual executada por guardas ou ternos de Congo, Moçambique, Marujo,Marinheiro e Catupé. Os dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora doRosário e a São Benedito, aos antepassados e aos santos de sua devoção,principalmente aos santos negros Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas tambémSão Domingos, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada ternose diferencia do outro nas cores das roupas e dos acessórios, nos ritmos dasmúsicas, nos instrumentos e na forma da dança.Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro Capitão,apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão e apitocomanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma sériede músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outrasaprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicasde cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” quenão podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas nocoração”, só são executadas em cerimônias reservadas.O trajeto do Congado é uma manifestação pública da fé, do pertencimento aomovimento cultural afro-brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompemos muros que cercam suas comunidades e ganham a cidade, comemorando amanutenção de suas famílias e de sua cultura. O ritual composto por elementos da cultura bantu é reelaborado no Brasil sobinfluência do contato com outros povos africanos, europeus e nativos. O Congadoem Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate da imagem de NossaSenhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a) Nossa Senhora doRosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,eles não acreditam.Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, elestentam tirá-la, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres e tentam levá-lapara uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem, então o ternode Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao serlevada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Um terno deMoçambique, todo vestido de branco, descalço, com gungas nos pés, canta paraela, que então submerge e lhes acompanha, eles então constroem uma capelapara ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique entãose retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão, contada por Maria ConceiçãoCardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma que ao tentar capturar escravosfugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupode negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frentea uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada numgalho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas elespermanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamamum padre para ir até o local verificar o fato.
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E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa
Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta, vestido de
branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.
O Moçambique é, por isso, a Guarda Real. Isto é, são os ternos de Moçambique os
responsáveis por conduzir as imagens dos santos, bem como os reis durante a
procissão. É responsável por levantar o mastro na porta da Igreja dando início ao
Congado, é quem geralmente conduz os casais reais até a procissão e também no
encerramento da festa. Ouvi de diversos capitães em Uberlândia, que quem conduz
o casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”. A coroa além de representar a
realeza, também é símbolo de Nossa Senhora e confere a quem a utiliza a autoridade
para conduzir os reis e santos. A coroa também está associada aos Pretos Velhos,
na Umbanda, representa o poder e a sabedoria dos anciões. O Catupé faz a guarda
do Moçambique e pode substituí-lo nessas funções.. As músicas, as roupas e
adereços e o trançar de fitas característico do terno de Marinheiros e Marujos, fazem
referência ao mar que traz os negros para o Brasil e de onde Nossa Senhora é
retirada, e às atividades do Marinheiro.Os ternos de Congo são de louvação, os
tocadores de maracanãs e caixas fazem performances saltando com os
instrumentos, mas esta performance, atualmente, também é reproduzida por outras
guardas.Segundo os integrantes do Marinheiro de São Benedito a performance
dos saltadores ou caixeiros de frente, em que os dançadores pulam com as caixas
revezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de significação.
Quando estão ajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando, estão
agradecendo as graças recebidas. Axé é energia vital, essencial para existência.
Uma das características diferenciadoras dos ternos de Congo que vem se
extinguindo em Uberlândia é o uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas
confeccionados em madeira e couro, percutidas com uma vareta), bem como o
uso de pandeiros, adufes e instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos,
banjos e sanfonas.
A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os modelos militares
ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado Capitão, mas em
outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras funções, tais como,
Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha do Terno, Madrinha
da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno para terno, tanto em
número como em funções e significações. “Antigamente” a função de Primeiro
Capitão era designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas,
o Presidente era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente,
vice-presidente geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo
capitão, madrinha.
458
O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre bem comtodo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente éresponsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscaisprotegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha doterno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas tambémtransita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha dabandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmenteas mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.Os Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, naorganização dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente tambémimpunham um bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro eSecretários, exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelospróprios Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores edançadores. As Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendocoreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas.“Antigamente” esta função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitasmulheres relatam que se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro dabandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seriaa responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupase rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar.Desmaios e doenças dificultariam a execução da função. Caberia a menina seafastar quando não fosse mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. Hojeno entanto esta tradição não é mantida pela maioria dos ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha das cores, dos instrumentos, dosacessórios e dos ritmos, outros vêm nesses elementos traços distintivos dos ternos.As roupas e acessórios são usados apenas nos dias de festa, durante a campanha,cada um se veste a seu modo. As meninas geralmente fazem roupas que podemser usadas no cotidiano, já que todo ano elas fazem duas trocas de roupa: umapara o domingo e outra para a segunda. Alguns ternos modificam os modelos desuas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta dos homens durante algumperíodo. Constatei a preocupação de anciões quanto à manutenção das roupasconsideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que mais inova é a dasbandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementosidentificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quandoocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços.Os ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos –se estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia.Aqueles registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade.Um representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisõesda Irmandade.
459
A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica e as subvençõesgovernamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data de realização da festa,faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horários de realização demissas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é na verdade umreinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosse um “reino”ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à um tipo deguarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui o seu“diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniões coma Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputatorna-se muito clara em muitos momentos.Disputam a ocupação do espaço na praça da igreja, qual a execução mais perfeitadas músicas, qual o maior número de componentes, qual a melhor organização edisposição dos soldados na apresentação, qual a melhor e mais bonita indumentária,ocorre disputa na demarcação do território onde realizaram sua campanha, etc.Em alguns momentos verdadeiras batalhas orquestrais ocorrem: os ternos seenfrentam com os instrumentos, o apito e a expressão corporal dos capitães deixamclara a luta enquanto os soldados rufam seus tambores.Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são confeccionadosou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam ensaios, novenas,leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria Municipal Afro-Racial(CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam outras cidades em festa.A campanha é o período que precede a festa.Geralmente é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável poragendar os leilões e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilõesarrecadam “prendas”, geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes,roupas, etc, que serão leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-se os instrumentos e cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e doapito de seus capitães realizando jornadas noturnas que extrapolam os limites dosbairros para realizar as novenas e os leilões. Estes deslocamentos pela cidadeenchem a noite com as sonoridades dos instrumentos. Algumas pessoas saem naporta das casas para ver os ternos passarem, nos seus ensaios para o dia dafesta.Cada terno possui o seu “território”, demarcado pelas casas dos amigos queoferecem prendas para o leilão ou solicitam a visita da bandeira para a realizaçãoda novena. Cada terno possui um quartel, que pode ser a casa de um dos capitãesou de pessoas ligadas ao terno. O “território” dos ternos extrapola, inclusive asfronteiras das cidades, pois cada terno possui uma agenda de festas e encontrosformando distintas redes de sociabilidade. Os ternos também costumam visitarsuas cidades de origem.
460
Quando um terno se encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos trêsações diferentes: 1 – se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;2 – se os ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida,poderá haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um ternoimpede o outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja.3 – se os ternos ainda não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantaremum para o outro saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haverneste caso uma espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente parasaber qual dos capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.O trajeto até a casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia dafesta. Durante o trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitãesensinam as músicas aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum acriação de músicas novas para apresentarem no dia da festa. A composição podeser feita por capitães, madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas amentores espirituais. Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não serexecutadas no dia da festa. Existem também músicas específicas para cadaocasião: para chamar o dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão,para abençoar o interior da casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito,em louvor a Nossa Senhora do Rosário, que relembram os antepassados, que falamde fenômenos climáticos, para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis eRainhas, de despedidas, para quando ocorre um encontro com outro terno seja eleamigo ou não e uma infinidade de outras possibilidades, variando de terno paraterno.Existem duas versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeiraconsidera o Distrito de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde seoriginaram os ternos de Congado do município, na época, o arraial de São Pedrode Uberabinha. Segundo Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o primeiro terno demoçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito pelosmoradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariampara o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,levando consigo as celebrações do Congado.A segunda versão indica que o movimento do Congado se iniciou no Sertão daFarinha Podre, por volta de 1874, através do “Mestre André”. Esse senhor reuniaos negros da região do Rio das Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto àNossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros, pedindo para libertá-los daescravidão. O início do movimento ocorre por volta de 1876, período de expectativae temor quanto à abolição da escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em1881 foi decretada a lei nº 2040, conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885a “Lei do Sexagenário” ou “Lei Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de umprocesso que culminou na própria abolição da escravatura, em 1888.
461
O município de Uberlândia se localiza na região do Triângulo Mineiro, área conhecida
no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha Podre. Esta região era denominada
de Sertão da Farinha Podre por causa dos sacos de palha com farinha, encontrados
pelos colonizadores, enterrados ou pendurados nas árvores. Das histórias contadas
sobre a origem deste nome, existe uma que afirma que quando as bandeiras se
aproximavam os indígenas e quilombolas que aqui habitavam escondiam sua
farinha, base de sua alimentação, com esperança de poderem voltar algum dia
para suas aldeias e ter alimentos até a nova plantação dar seus frutos. Eles se
refugiavam nas matas e esperavam os bandeirantes abandonarem suas moradias
após arrasá-las com saques e incêndios. Muitas aldeias tinham que mudar
constantemente sua localização, abandonando sacos de farinha pelo caminho de
sua fuga. Por causa de sua localização geográfica, o Sertão da Farinha Podre
passou a ser um entreposto para os avanços das bandeiras. Local de de descanso
e comércio de tropas uma parada na rota de tropeiros e mineradores em direção a
Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora escondida pelos quilombolas e/ou
indígenas apodrecia com a ação do tempo, e depois era encontrada pelos novos
habitantes do lugar. Por causa da grande quantidade de mantimentos apodrecidos
encontrados, a região da bacia do rio Paranaíba que abrange o atual Triângulo
Mineiro e parte do sul do estado do Goiás, ganhou o nome de Sertão da Farinha
Podre.
O Sertão da Farinha Podre era povoado por vários núcleos quilombolas distribuídos
como pontos de uma rede. Os documentos oficiais referem-se a diversos deles
como pertencentes ao Quilombo do Campo Grande. O Quilombo do Ambrósio,
localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio arqueológico é tombado pelo patrimônio
histórico, foi como uma célula central de onde partiam os integrantes que formavam
os outros núcleos da rede. A historiografia oficial considera que o Quilombo do
Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo referido como o maior núcleo,
comportando até mais de “mil negros, e grande número de negras e crias”. Os
documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e de “outros menores”
informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta “homens capazes, e dos
mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado (hoje Patrocínio), Sta
Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a destruição do Quilombo
do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois mais trezentos homens
da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José, Sabará e Vila Nova da
Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando que todas as
comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca”.
462
Embora, os documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição
destes quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando
um novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje
se localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821,
possuindo ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande. Mas a
construção de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios arqueológicos
destes quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas próximas aos rios
para se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de acordo com os
elementos oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes possibilitasse a
permanência (agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às tropas de
comerciantes e viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A região ainda
preserva na toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado e Quilombo).
A ocupação efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX,
sendo a produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois
possibilitaram a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam
vários municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial
da cidade de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição
de sesmarias do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O
marco inicial da atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a
João Pereira da Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque
para a “Alves Carrejo”, intensificou a ocupação da região.
Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após aquisição de área de dez alqueires entre
o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá, obteve, juntamente com Francisco Alves
Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de uma capela curada,
consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião da Barra. No ano de
1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha, pela lei provincial n.
602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da paróquia, em 1857,
ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela, composto de terras
doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido 100 alqueires da
Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do arraial se São
Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja Matriz, em terrenos
aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883 foram doados,
ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego Uberabinha, próximo
aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa Senhora da Abadia
(Lourenço, 1986:16)
463
Em 31 de agosto de 1888, a então freguesia foi transformada em vila, com o nome
de São Pedro do Uberabinha, tendo sido instalada oficialmente em 1891. Em 24
de maio de 1892, a vila foi elevada à categoria de cidade pela lei nº 23. Em 1895,
a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a cidade de Uberlândia e se verifica o
desenvolvimento da produção agropecuária e de indústrias, com destaque para a
produção de charque (Brasileiro, 2001: 253). “Nas duas primeiras décadas do século
XX foram instaladas em Uberlândia indústrias ligadas à produção rural. Têm-se
registro das seguintes indústrias, existentes em 1922: beneficiadoras de arroz e
algodão, serrarias, carpintarias, charqueadas, curtumes e outros estabelecimentos
de produção de couro e carne, além de fábricas de banha, sabão, calçados e
arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale ressaltar que o fornecimento de energia elétrica
teve início em 1909, aumentando a possibilidade da instalação de várias fábricas.
Em 1929, a cidade recebeu o nome de Uberlândia, através da lei nº 843. Na década
de 1930, a abertura de estradas de rodagem em direção às áreas de exploração
de diamantes do Rio Araguaia intensificou o desenvolvimento da área, que se tornou
ponto de troca e abastecimento de caravanas e compradores de diamantes . Em
1933 , iniciou -se a construção da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeira
Santa Terezinha foi escolhida para substituir os antigos padroeiros da cidade Nossa
Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolida
em 1943, dando lugar a estação Rodoviária, que hoje sedia a Biblioteca Municipal
. Em 1940, cidade passa por um rápido crescimento e adensamento populacional,
e desde então tem se configurado importante centro regional, localizado em local
estratégico, próximo a seis capitais (Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Belo
Horizonte, São Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seu crescimento anual do P I
B de 5, 09%, superior ao crescimento de Minas Gerais (2,17%) e do Brasil (2,28%).
Hoje, a cidade se destaca pelo desenvolvimento dos setores de agro industria,
tecnologia da informação, setor atacadista - distribuidor, e mais recentemente, de
biotecnologia, sendo também considerado pólo na área de ensino superior.
Há referências históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosário
tenha sido iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foi
concluída, tendo sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte.
Em decorrência do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu a
construção da nova Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobe
e telha comum, situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairro
General Osório (atual bairro fundinho).”
464
Já em meados de 1890, o então presidente da Irmandade do Rosário passou a
comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantas estimulou a participação da
comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem, 2001).
Com o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foi
composta uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolher
uma mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário. A capela anterior foi demolida
e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela com projeto de
autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a Capela Nossa Senhora do
Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi
tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e
entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com
apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de Nossa Senhora do Rosário
passou por processo de restauração no de 2006.
15. Referências:
* Anais da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –
Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El
Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,
Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/
98)
*Brasileiro, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2001.
* Laudo IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do Antigo
Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg
*Lucas, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado
Mineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP,
1999.
*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no
Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e
2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.
*Martins, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada
do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.
*Lima Jr., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.
465
*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores e
Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.
*Martins, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:
1997.
*Moura, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió:
Edufal, 2001.
*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,
1981
*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo
“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor,
São Paulo, 1998.
16. Atualização das informações:NT
17. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
466
BENS MÓVEIS E INTEGRADOS
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Congo de São
Benedito
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INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
04. Propriedade: Particular
05. Endereço: Av. África, 205 – Bairro Tibery e bairro
Canaã
06. Responsável: Antônio Dama Neto (Bombeiro)
07. Designação: Bastão
08. Localização Especifica: quando não está em época de campanha fica junto
com os instrumentos
09. Espécie: Objeto ritualístico
10. Época: 2004
11. Autoria: Coletiva
12. Origem: Uberlândia
13. Procedência: Uberlândia
14. Material / Técnica: madeira, esmalte sintético,coroa metálica, cabeça de
plástico, miçangas, massa epoxi
15. Marcas / Inscrições / Legendas: adereços destacados na extremidade
superior.
16. Descrição: Os bastões são de madeira com esmalte sintético e massa epóxi
cobrindo mironga. O nº1 possui coroa metálica na parte superior e ponteira de
plástico na base e pertence ao Bombeiro. O nº 2 possui cabeça de Preta Velha
elaborada em plástico e pertence ao Nenê. O nº 4 e o nº5 possuem miçangas.
17- Condições de segurança:
( ) Boa
( x) Razoável
( ) Ruim
Obs:
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
467
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
( x ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
Fotos do Terno de Congo São Benedito
Uberlândia/MG
Ano 2007
19- Documentação fotográfica
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente ( ) Bom
( x ) Regular ( ) Péssimo
Obs:
468
21- Dimensões:
Comprimento: nº1 = 1m nº2 = 0,98m nº3 = 0,86m
nº4 = 0,80 nº5 = 0,80m nº6 = 0,92m
22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,
sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.
23. Intervenções – Responsável / Data: NT
24. Características Técnicas: Os bastões são de madeira com esmalte sintético
e massa epóxi cobrindo mironga. O nº1 possui coroa metálica na parte superior e
ponteira de plástico na base e pertence ao Bombeiro. O nº 2 possui cabeça de
Preta Velha elaborada em plástico. O nº 4 e o nº5 possuem miçangas.
25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística
específica).
26. Características Iconográficas:
Nos bastões do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora
do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de Santa
Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.
Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que
os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo
Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas
menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a
santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles
criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,
pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam
o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.
Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu
terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a
festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque
somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa
Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os
pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa
Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade
de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito
que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário
algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.
469
De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.
Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.
O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.
470
Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se
deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,
ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje
como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de
escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre
um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca
pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos
quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de
socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões
antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado
de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas
comunidades. Mas esta é uma outra história.
Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em
relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito
está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo
mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me
foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento.
471
É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,
é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado
popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de
qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e
participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma
bebida capaz de proteger a quem a ingere.
Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à
proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para
pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes
queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a
congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à
vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.
Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e
pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção
em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora:
“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,
eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”
O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de
Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:
a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,
chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,
que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,
mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da
água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem
então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,
mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um
terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;
472
b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique
Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na
serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,
vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore
de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os
capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem
imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a
cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira
versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário
acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,
que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de
sua presença.
27. Dados Históricos:
Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos ritualísticos utilizados
pelas mais diversas religiões com os mais diferentes significados. O cedro é símbolo
de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado pelos pastores como apoio nas
caminhadas e é símbolo de magia como na história bíblica de Moisés que utiliza
seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de
ataque e de defesa e também simboliza a detenção do comando de uma situação.
Um símbolo fálico, emblema de poder e controle do poder, representa a vontade e
a força dominante. Utilizado como instrumento de invocação e também para dirigir,
controlar e cortar energias. O bastão com estrias no sentido diagonal e com uma
serpente enrolada é símbolo do mito grego Esculápio e representa a sabedoria, a
renovação do conhecimento e o poder de curar, adotado pela medicina e pela
farmácia como seu símbolo. No mito de Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos
ladrões e dos trapaceiros, protetor da magia e da adivinhação e responsável pelos
golpes de sorte e pelas súbitas mudanças de vida”, duas serpentes enroladas
simbolizam os opostos: o bem e o mal, masculino e o feminino. O símbolo da
eternidade na mitologia egípcia é um cajado com incisões, fissuras que lembram o
entalhe de um reco-reco.
28. Referências Documentais:
Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô Mitológico – São Paulo: Siciliano,
1988
473
29. Informações Complementares:
Os bastões e os apitos são os instrumentos utilizados pelos capitães de Congado
para conduzir seus soldados e reger as músicas executadas pelos tambores. Nos
ternos de Moçambique os bastões são utilizados não apenas por capitães como
acontece na maioria dos ternos, mas por muitos dançantes, que formam uma ala
fazendo coreografias. . Em muitas guardas, fiscais e madrinhas utilizam os bastões
alinhados ao final do desfile, fechando a apresentação do terno. Alguns bastões
são em formato de cobra, outros com carrancas de Pretos Velhos, outros com
imagens de Nossa Senhora Aparecida, Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos
e inscrições diversas, fitas de cetim, alguns enfeitados com contas de lágrima, com
ervas (alecrim, arruda, espada de são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos
centros de Umbanda pratica-se uma dança-ritual muito parecida com a realizada
pelos moçambiqueiros: tocam as pontas dos bastões no alto, revezando com
batidas no chão, dançando em círculo. Quando hasteiam os mastros dando início à
festa do Congado, os moçambiqueiros tocam os mastros com seus bastões. Alguns
ternos realizam coreografias colocando suas coroas nos bastões e erguendo acima
da cabeça. A condução de reis e rainhas, bem como dos santos numa procissão
pode em alguns casos vir dentro de um espaço delimitado por condutores de
bastões. Quando se quer delimitar um espaço com bastões, os dançantes os
colocam na horizontal e com as mãos o moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão
do outro, formando uma corrente.
30.Atualização das informações:NT
31. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
474
BENS MÓVEIS E INTEGRADOS
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Acervo: Congo de São
Benedito
ytfrhfhfhg
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
04. Propriedade: Particular
05. Endereço: Av. África, 205 – Bairro Tibery e bairro
Canaã
06. Responsável: Antônio Dama Neto (Bombeiro)
07. Designação: Estandarte08. Localização Especifica: quando não está em campanha, a estrutura de madeirafica no quartel, no local destinado aos instrumentos do Congado e o tecido dabandeira fica na casa do Bombeiro no bairro Canaã09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa10. Época: 2004, 200411. Autoria: Antônio Dama Neto (Bombeiro)12. Origem: Uberlândia13. Procedência: Uberlândia14. Material / Técnica: estrutura de madeira, tecido veludo, imagem de SãoBenedito impressa em papel plastificado, miçangas, vidrilhos, cordões, fitas decetim, moedas em fina chapa de alumínio com face da Princesa Isabel prensada,letras bordadas com lantejoulas douradas, bordados à mão, bordados à máquina,aplique de tecido marrom para representar a taça da eucaristia.15. Marcas / Inscrições / Legendas: Inscrição “São Benedito” e imagem do santo,e outras representações religiosas16. Descrição: O Congo de São Benedito carrega dois estandarte, um com asmeninas mais velhas, adolescentes e jovens e outro menor com as crianças. Navisita que fiz ao quartel, me foi apresentado as duas estruturas de madeira e somentea bandeira do estandarte maior, elaborado com tecido veludo branco com imagemde São Benedito impressa em papel plastificado. Na parte superior um babadobordado com miçangas em formato de flor e lantejoulas douradas e cor de rosa,duas representações de capelas com crucifixo e cordões de vidrilhos em diversostons de amarelo e marrom com moedas em fina chapa de alumínio com face daPrincesa Isabel prensada na ponta. Bordados à mão e acabamento da imagemcom cordões, letras bordadas “SÃO BENEDITO” com lantejoulas douradas. Naparte de trás, aplique de tecido marrom para representar a taça da eucaristia ebordados à máquina representando trigo, uva, hóstia e as letras JHS.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
475
18- Proteção Legal:
( ) Federal
( ) Estadual
( ) Municipal
( x ) Nenhuma
( ) Tombamento Isolado
( ) Tombamento em Conjunto
Fotos do Terno de Congo São Benedito
Uberlândia/MG
Ano 2007
19- Documentação fotográfica
17- Condições de segurança:
( x ) Boa
( ) Razoável
( ) Ruim
Obs:
20- Estado de Conservação:
( ) Excelente ( X ) Bom
( ) Regular ( ) Péssimo
Obs
476
21- Dimensões: Maior MenorAltura: 1,20m 1,10mComprimento da haste: 0,82m 0,75mLargura: 0,88m 0,90m22. Análise do Estado de Conservação: Estandarte em bom estado deconservação, sem sinais de desgaste por insetos ou mofo.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: Dois estandartes com estrutura de madeira esomente a bandeira do estandarte maior, elaborado com tecido veludo com imagemreligiosa impressa em papel plastificado. Na parte superior um babado bordadocom miçangas em formato de flor e lantejoulas; duas representações de capelascom crucifixo e cordões de vidrilhos com moedas em fina chapa de alumínio comface da Princesa Isabel prensada na ponta. Bordados à mão e acabamento daimagem com cordões, letras bordadas com lantejoulas. Na parte de trás, apliquede tecido bordados à máquina com representações religiosas.25. Características Estilísticas:Estilo popular (sem característica estilística específica).26. Características Iconográficas:Nos estandartes do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhorado Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de SantaIfigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo queos congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundoCâmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoasmenos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, asanta negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse elescriam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegamo rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora doPerpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seuterno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que afesta é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porquesomente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de NossaSenhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre ospretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar NossaSenhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidadede Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Beneditoque não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosárioalgum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino.
477
De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhorado Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de SeuZezão introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos.
Mas, o que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tidocomo mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava osalimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como ummilitar frio, capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros.Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando seconversa com seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelocapital simbólico. Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentessobre o congado ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de suaprática ritual tanto pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos.Insinuando ser ele um dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como“fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas tomam este comportamentocomo prática. Fazer o Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nosquartéis envolve aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passarpor esta escola e aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprioterno.
O lendário Chico Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais,era rei em Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendidocomo escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram osconhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam osinvasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser umgrande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro aalforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à SantaIfigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disseque não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho eparentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Maistarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo CâmaraCascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinhamcom as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedraexistente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro serviapara a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” queno Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera acondição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negrosse mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei paraa libertação de seu povo.
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Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se
deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,
ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje
como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de
escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre
um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca
pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos
quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de
socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões
antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado
de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas
comunidades. Mas esta é uma outra história.
Voltando aos mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em
relação à alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito
está mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo
mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me
foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de
Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,
que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou
que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a
provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão
eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo
Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne
de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar
a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora
retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os
escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e
dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,
foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.
O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não
acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o
São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto
“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada
pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo
que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,
da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na
casa não falte o alimento.
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É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,
é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado
popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de
qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e
participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma
bebida capaz de proteger a quem a ingere.
Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à
proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para
pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes
queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a
congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à
vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.
Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e
pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção
em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas
mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,
mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música
muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o
aspecto protetor de Nossa Senhora:
“No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia,
eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.”
O mito fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de
Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas:
a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir,
chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros,
que também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas,
mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da
água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem
então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge,
mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um
terno de Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então
submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem
uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique
então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência;
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b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso, do MoçambiqueRosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos naserra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros,vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvorede umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Oscapitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecemimóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para acidade e chamam um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeiraversão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosárioacompanha apenas o Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços,que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar desua presença.27. Dados Históricos:As bandeiras têm suas origens nas insígnias, sinais distintivos de poder ou decomando, usadas desde a antiguidade e que poderiam ser figuras recortadas emmadeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras bandeiras da história dohomem costumavam representar um grupo sócio-cultural através de imagens e decores dotadas de significados, a que a comunidade respectiva confere alto valor.As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China e foram introduzidas noOcidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido, no mundo ocidental,foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium (insígnia, bandeira,estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros com imagens,carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande difusão do seu usofoi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu estandarte. Foi naIdade Média que bandeiras e estandartes começaram a representar reinos eregiões. As bandeiras foram usadas tanto em períodos de paz como de guerra.Sendo um símbolo identificador eram usados pelos exércitos aliados. Para não seconfundirem uns com os outros e evitarem o temido fogo amigo, usavam um pedaçode pano hasteado num estandarte, com as cores e sinais de identificação dobatalhão ou companhia envolvida.De acordo com seu tamanho ou uso, a bandeira tem uma palavra sinônima.Estandarte é utilizado para insígnias militares, mais especificamente para identificaros corpos de cavalaria. O Pendão é uma bandeira grande, armada em vara,atravessada horizontalmente sobre o mastro e levada em procissões. O Gonfalãoé uma bandeira de guerra com partes que prendem perpendicularmente a umahaste com três ou quatro pontas pendentes. Os Estandartes do Congado mesclamelementos das bandeiras militares e religiosas e são utilizados para identificar oterno que os conduz e para louvar os santos de sua devoção.
481
28. Referências Documentais: * Entrevista e fotografias realizadas no trabalhode campo no quartel do Congo de São Benedito*Fotografias do Congado dos anos2004 e 2006*MARRA, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre osanos de 2004 e 2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.29. InformaçõesComplementares: O Estandarte é uma espécie de Bandeira e falar em Bandeirano congado é um pouco complexo, pois possui pelo menos três significados.Bandeira pode se referir à jornada, ao trajeto, à caminhada realizada nas campanhase festas. Também pode ser utilizado para se referir à bandeira em tecido no formatoretangular de aproximadamente 60 x 40 cm que trás estampado imagens dos santos,com um cabo de madeira na extremidade superior por onde a bandeireira (virgem,menor de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira sempre acompanha o terno,abrindo-lhe os caminhos, tanto em dias de campanha quanto no dia da festa.Bandeira também pode referir-se ao estandarte em formato retangular deaproximadamente 1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado por um mastroque o eleva à aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas cujas pontasas Bandeireiras seguram enquanto dançam e que traz identificações do terno ehomenagens aos santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só saem emdia de festa. As Bandeireiras ou Andorinhas são meninas que conduzem as fitasdo estandarte fazendo coreografias. “Antigamente” esta função só eradesempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que se a meninanão fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos acidentes poderiamacontecer. Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa.Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderiasofrer danificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças tambémdificultariam a execução da função. Caberia a menina se afastar quando não fossemais “digna” de carregar a bandeira do Congado. A execução desta funçãoindevidamente poderia acarretar problemas ainda maiores para os ternos, comoesquecer música ou errar a “batida”. Hoje, no entanto, esta tradição não é mantidapela maioria dos ternos.30.Atualização das informações:NT31. Ficha TécnicaLevantamento Data: Abril de 2007Fabíola Benfica Marra (Historiadora)Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)Elaboração Data: Abril de 2007Fabíola Benfica Marra (Historiadora)Revisão Data: Abril de 2007Anderson Henrique Ferreira (Historiador)Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
482
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
03. Designação: Quartel
do Terno Congo de São
Benedito
04. Endereço: Av. África, 205 – Tibery
05. Propriedade: Privada
06. Responsável: Maria Síria Ferreira (irmã do
Bombeiro, cozinheira do terno)
ESTRUTURA ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
07. Histórico:
Há aproximadamente 35 anos Maria Síria Ferreira que irmã do Bombeiro e
cozinheira do terno, reide no domicilio onde funciona o quartel do terno Congo de
São Benedito com o marido Sandoval Carlos Ferreira que se aposentou como
maquinista de beneficiadora de arroz. Desde a fundação do terno em 2000, o quartel
funciona na residência da Av. África.
08. Descrição:
Com área construída ocupando aproximadamente 80% do terreno de 12 x 30 m.
Possui um local construído especificamente para abrigar os instrumentos do Congo,
com ampla área coberta com telha de amianto utilizada como garagem, ao lado da
casa principal e área de serviço nos fundos da residência, que durante as campanhas
são utilizadas pelos soldados para descansar e fazer as refeições.
09. Documentação Fotográfica:
Fotos do Quartel Terno Congo de São Benedito
Uberlândia/MG
Ano 2007
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
483
Fotos do Quartel Terno Congo de São Benedito
Uberlândia/MG
Ano 2007
09. Documentação Fotográfica:
484
10. Uso Atual:( x ) Residencial ( ) Serviço( ) Comercial ( ) Institucional( ) Industrial ( ) Outros 11. Situação de Ocupação:( x ) Própria ( ) Alugada( ) Cedida ( ) Comodato( ) Outros12. Proteção Legal Existente( ) Tombamento( ) Municipal( ) Federal( ) Estadual( x ) Nenhuma13. Proteção Legal Proposta:( ) Tombamento Federal( ) Tombamento Estadual( ) Tombamento Municipal( ) Entorno de Bem Tombado( )Documentação Histórica( x ) Inventário( ) Tombamento Integral( ) Tombamento Parcial( ) Fachadas( ) Volumetria( ) Restrições de Uso e Ocupação
14. Análise do Entorno - Situação e Ambiência: Localiza-se em área plana com
com passeios, arborização, redes elétrica, rede de esgoto, rede de água tratada,
As edificações são predominantemente de volumetria simples apresentando
partidos retangulares, com vários “puxadinhos”, altimetria de um pavimento,
materiais de acabamento de alvenaria de tijolo cerâmico, pintura com grande
variação de cores e esquadrias de metalon ou alumínio, coberturas metálicas ou
com telhas cerâmicas.
15. Estado de Conservação:
( ) Excelente
( x ) Bom
( ) Regular
( ) Péssimo
485
16. Análise do Estado de Conservação:
A casa encontra-se em bom estado de conservação, necessitando de pequenos
reparos.
17. Fatores de Degradação:
Danos causados pela ação das intempéries
18. Medidas de Conservação:
Manutenção preventiva
19. Intervenções:
Não identificadas
20. Referências Bibliográficas:
*MARRA, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século
XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005,
através da lei municipal de Incentivo à Cultura.
*Slenes, Robert W. “Na Senzala uma flor: esperanças e recordações da família
escrava, Brasil Sudeste, Século XIX” Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
21. Informações Complementares:Os quartéis são os locais onde os soldados
de cada guarda se reúnem para fazer as campanhas ou para sair em viagens. É
também onde guardam os instrumentos e realizam as refeições durante os dias de
festa e fazem intervalos de descanso. Todas as atividades do Congado começam
e terminam no quartel. Geralmente o quartel é o local de moradia da família do
capitão ou da madrinha do terno. As construções são o que se chamam colônias:
diversas casas pequenas, construídas em períodos distintos, dispostas umas ao
lado das outras e com um pátio, uma área comum, um terreiro no meio. A área não
construída no meio é utilizada para reunir o terno, para realizar as refeições coletivas,
afinar instrumentos. Em muitos casos, banheiros, tanques, pias e locais para passar
roupas são de uso comum a todos os moradores da colônia. Nos Quartéis, realizam
grandes refeições conjuntas, mesmo não sendo dia de festa Congado. O milagre
multiplicador dos alimentos promovido por São Benedito é realizado pelas
matriarcas todos os dias e se estende aos “praticamente filhos”, pois muitas
crianças, jovens e adultos são atraídas para o convívio das famílias de congo,
estendendo os laços familiares para além dos consangüíneos. O Congado que
acontece na porta da igreja Católica é o ápice, o momento máximo desta festa que
dura praticamente o ano inteiro dentro dos terreiros e quartéis. A família é festejada
diariamente.
486
Grandes matriarcas reúnem ao seu redor seus muitos filhos todos os dias.Segundo
Robert W. Slenes1, a palavra Senzala origina-se do dialeto Kimbundu e significa
“residência de serviçais em propriedade agrícola” ou ainda “moradia de gente
separada da casa principal”. Senzala também pode significar “Povoado” ou “grupo
de parentesco”. (p. 148). Enquanto a expressão Quilombo é utilizada para designar
“acampamento de guerreiros” (p. 173). Os Quartéis de Congado abriga Soldados
com suas caixas e seus Estandartes durante as Campanhas. No Congado, os
guerreiros conduzem caixas e são designados Soldados, organizados por Capitães,
seguem seus Estandartes e se abrigam no Quilombo chamado Quartel. (Footnotes)
22. Atualização das informações:NT
23. Ficha Técnica
Levantamento Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)
Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)
Elaboração Data: Abril de 2007
Fabíola Benfica Marra (Historiadora)
Revisão Data: Abril de 2007
Anderson Henrique Ferreira (Historiador)
Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)
CONGO
PRATA
488
01. Município: Uberlândia
02. Distrito: Sede
3. Designação: Quartel do Terno Congo Prata
04. Responsável: Vanderson da Silva
BENS IMATERIAIS
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL
Minas Gerais-MG
05. Natureza: Festas Populares/ Celebrações/ Cultos Afro-brasileiros
06. Informe Histórico:
O Congo Prata é comandado por Vanderson da Silva, nascido em 09/08/1974,
atualmente trabalhando como açougueiro no supermercado Sinhá. Filho de
Venceslanda da Silva e Valdivino Farias da Silva, Vanderson participou primeiro
do Catupé do Martins (Congo Catupé de N. S. do Rosário e S. Benedito), pois seu
pai era um dos capitães daquele terno. Aos 16 anos vai dançar no Marujo Azul de
Maio, fica quatro anos e vai para o Congo de Camisa Verde, ficando mais quatro
anos até fundar o terno Congo Prata no ano de 2003, a primeira aparição do terno
acontece na festa de São Benedito em maio de 2004, a primeira subvenção
municipal é recebida em 2005.
Os outros capitães que auxiliam Vanderson na condução do Congo Prata tiveram
suas trajetórias pessoais separadas, até formarem o terno, mas em comum, em
algum momento, todos passaram pelo terno Congo Catupé de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito. O terceiro Capitão Jander Roberto Arantes é filho da
Marlene, da Tenda Coração de Jesus, bisneto de Irene Rosa, a umbandista mais
influente, participante e incentivadora da manifestação do Congado em Uberlândia.
07. Documentação fotográfica:
Madrinhas, Capitão e Bandeireiras do Congo Prata, em 2006 e Soldados na procissão em 2004.
SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA
489
Documentação Fotográfica:
Capitães com seus bastões, Bandeireiras e soldados do Congo Prata em 2006
08. Descrição:
Os soldados do terno Congo Prata trajam calça, camisa e sapatos brancos, capa
de cetim prateada com bordado feito à maquina com representação de um terço
com um perfil de mulher, no interior, elaborados com linha amarelo ouro, longa franja
de cetim branca nas extremidades. Alguns soldados utilizam chapéus cobertos por
cetim prateado com cordões de miçangas que pendem encobrindo os olhos, com
detalhes bordados em amarelo ouro, outros utilizam lenço prateado amarrado na
cabeça.
490
As meninas da bandeira “modernizaram” a indumentária, introduzindo a calça, no
lugar das tradicionais saias e vestidos. Em 2004 usavam meia luva e faixa branca
no cabelo, blusa amarela e macacão branco. Em 2006, as meninas usavam calça
legue e camiseta e sandália de amarrar na perna brancas, lenço prata amarrado na
cintura. Os instrumentos, fabricados pelo Tii Fii, o Enildon do Catupé Azul e Rosa,
são as caixas bitolas 10 e 11 (repilique), 20 (surdo) 22, 24, 26 e 28 (maracanã) e o
chocalho.
09. Grupos Sociais Envolvidos:
Familiares dos capitães, moradores do bairro Martins
10. Organizadores:
Presidente e primeiro capitão: Vanderson da Silva
Vice-presidente e segundo capitão: José Roberto Souza
Primeira secretária: Clebiene Messias dos Reis
Segunda secretária e madrinha: Venceslanda da Silva
Primeira tesoureira: Alexandra Nascimento Leão Silva
Segunda tesoureira e madrinha: Elaine da Silva
Terceiro capitão: Jander Roberto Arantes
Quarto capitão: Ciro Dias
Quinta capitão: Anderson Farias da Silva
Sexto capitão: Emerson da Silva
Sétimo capitão: Bruno Silva de Oliveira
Madrinhas: Cláudia Cristina da Silva, Idelvanda Aparecida Farias da Silva
11. Participantes:
Aproximadamente 90 integrantes
12. Local de Realização:
O quartel do terno se localiza na rua Bueno Brandão, 949 - Martins
13. Data/ periodicidade de ocorrência:
A “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, começava por volta do
dia 15 de setembro, atualmente ela começa por volta do dia 10 de agosto. Por
causa da mudança da data da festa de novembro para outubro, a campanha também
começa mais cedo.
491
A festa do Congado realizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário no centro da
cidade de Uberlândia, atualmente ocorre no segundo domingo e na segunda-feira
de outubro, antes era no segundo domingo e segunda-feira de novembro. Ocorre
também uma festa na igreja de São Benedito, no bairro Planalto no mês de maio.
Várias festas em outras cidades ocorrem em diversas datas ao longo do ano, sendo
visitadas pelos ternos de Uberlândia.
14. Informações Complementares:
O Congado é um ritual afro-brasileiro que nasce dos cortejos de coroação de reis,
do culto aos ancestrais africanos e das celebrações de santos da Igreja Católica.
Uma dança ritual executada por guardas ou ternos de Congo, Moçambique, Marujo,
Marinheiro e Catupé. Os dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora do
Rosário e a São Benedito, aos antepassados e aos santos de sua devoção,
principalmente aos santos negros Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas também
São Domingos, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada terno
se diferencia do outro nas cores das roupas e dos acessórios, nos ritmos das
músicas, nos instrumentos e na forma da dança.
Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro Capitão,
apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão e apito
comanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma série
de músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outras
aprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são
“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicas
de cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” que
não podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas no
coração”, só são executadas em cerimônias reservadas.
O trajeto do Congado é uma manifestação pública da fé, do pertencimento ao
movimento cultural afro-brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompem
os muros que cercam suas comunidades e ganham a cidade, comemorando a
manutenção de suas famílias e de sua cultura.
O ritual composto por elementos da cultura bantu é reelaborado no Brasil sob
influência do contato com outros povos africanos, europeus e nativos. O Congado
em Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate da imagem de Nossa
Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a) Nossa Senhora do
Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,
eles não acreditam.
492
Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, elestentam tirá-la, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres e tentam levá-lapara uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem, então o ternode Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao serlevada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Um terno deMoçambique, todo vestido de branco, descalço, com gungas nos pés, canta paraela, que então submerge e lhes acompanha, eles então constroem uma capelapara ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique entãose retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão, contada por Maria ConceiçãoCardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma que ao tentar capturar escravosfugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupode negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frentea uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada numgalho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas elespermanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamamum padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos eCongos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas oMoçambique que canta, vestido de branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dáas costas ao se retirar de sua presença.O Moçambique é, por isso, a Guarda Real. Isto é, são os ternos de Moçambique osresponsáveis por conduzir as imagens dos santos, bem como os reis durante aprocissão. É responsável por levantar o mastro na porta da Igreja dando início aoCongado, é quem geralmente conduz os casais reais até a procissão e também noencerramento da festa. Ouvi de diversos capitães em Uberlândia, que quem conduzo casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”. A coroa além de representar arealeza, também é símbolo de Nossa Senhora e confere a quem a utiliza a autoridadepara conduzir os reis e santos. A coroa também está associada aos Pretos Velhos,na Umbanda, representa o poder e a sabedoria dos anciões. O Catupé faz a guardado Moçambique e pode substituí-lo nessas funções. As músicas, as roupas eadereços e o trançar de fitas característico do terno de Marinheiros e Marujos, fazemreferência ao mar que traz os negros para o Brasil e de onde Nossa Senhora éretirada, e às atividades do Marinheiro. Os ternos de Congo são de louvação, ostocadores de maracanãs e caixas fazem performances saltando com osinstrumentos, mas esta performance, atualmente, também é reproduzida por outrasguardas. Segundo os integrantes do Marinheiro de São Benedito a performancedos saltadores ou caixeiros de frente, em que os dançadores pulam com as caixasrevezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de significação. Quando estãoajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando, estão agradecendo asgraças recebidas.
493
Axé é energia vital, essencial para existência. Uma das características
diferenciadoras dos ternos de Congo que vem se extinguindo em Uberlândia é o
uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas confeccionados em madeira e
couro, percutidas com uma vareta), bem como o uso de pandeiros, adufes e
instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos, banjos e sanfonas.
A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os modelos militares
ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado Capitão, mas em
outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras funções, tais como,
Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha do Terno, Madrinha
da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno para terno, tanto em
número como em funções e significações. “Antigamente” a função de Primeiro
Capitão era designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas,
o Presidente era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente,
vice-presidente geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo
capitão, madrinha.
O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre bem com
todo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente é
responsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscais
protegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha do
terno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas também
transita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha da
bandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,
no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmente
as mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.
Os Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, na
organização dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente também
impunham um bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro e
Secretários, exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelos
próprios Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores e
dançadores.
As Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendo
coreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas. “Antigamente” esta
função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que
se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos
acidentes poderiam acontecer.
494
Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa. Adereços decabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderia sofrerdanificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças dificultariam a execuçãoda função. Caberia a menina se afastar quando não fosse mais “digna” de carregara bandeira do Congado. Hoje no entanto esta tradição não é mantida pela maioriados ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha das cores, dos instrumentos, dosacessórios e dos ritmos, outros vêm nesses elementos traços distintivos dos ternos.As roupas e acessórios são usados apenas nos dias de festa, durante a campanha,cada um se veste a seu modo. As meninas geralmente fazem roupas que podemser usadas no cotidiano, já que todo ano elas fazem duas trocas de roupa: umapara o domingo e outra para a segunda. Alguns ternos modificam os modelos desuas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta dos homens durante algumperíodo. Constatei a preocupação de anciões quanto à manutenção das roupasconsideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que mais inova é a dasbandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementosidentificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quandoocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços.Os ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos –se estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia.Aqueles registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade.Um representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisõesda Irmandade. A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica eas subvenções governamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data derealização da festa, faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horáriosde realização de missas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é naverdade um reinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosseum “reino” ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à umtipo de guarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui oseu “diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniõescom a Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputatorna-se muito clara em muitos momentos. Disputam a ocupação do espaço napraça da igreja, qual a execução mais perfeita das músicas, qual o maior númerode componentes, qual a melhor organização e disposição dos soldados naapresentação, qual a melhor e mais bonita indumentária, ocorre disputa nademarcação do território onde realizaram sua campanha, etc.
495
. Em alguns momentos verdadeiras batalhas orquestrais ocorrem: os ternos se
enfrentam com os instrumentos, o apito e a expressão corporal dos capitães deixam
clara a luta enquanto os soldados rufam seus tambores.
Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são confeccionados
ou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam ensaios, novenas,
leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria Municipal Afro-Racial
(CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam outras cidades em festa.
A campanha é o período que precede a festa.
Geralmente é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável por
agendar os leilões e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilões
arrecadam “prendas”, geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes,
roupas, etc, que serão leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-
se os instrumentos e cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e do
apito de seus capitães realizando jornadas noturnas que extrapolam os limites dos
bairros para realizar as novenas e os leilões. Estes deslocamentos pela cidade
enchem a noite com as sonoridades dos instrumentos. Algumas pessoas saem na
porta das casas para ver os ternos passarem, nos seus ensaios para o dia da
festa.
Cada terno possui o seu “território”, demarcado pelas casas dos amigos que
oferecem prendas para o leilão ou solicitam a visita da bandeira para a realização
da novena. Cada terno possui um quartel, que pode ser a casa de um dos capitães
ou de pessoas ligadas ao terno. O “território” dos ternos extrapola, inclusive as
fronteiras das cidades, pois cada terno possui uma agenda de festas e encontros
formando distintas redes de sociabilidade. Os ternos também costumam visitar
suas cidades de origem.
Quando um terno se encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos três
ações diferentes:
1 – se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;
2 – se os ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida,
poderá haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um terno
impede o outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja.
3 – se os ternos ainda não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantarem
um para o outro saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haver
neste caso uma espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente para
saber qual dos capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.
496
O trajeto até a casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia da
festa. Durante o trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitães
ensinam as músicas aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum a
criação de músicas novas para apresentarem no dia da festa. A composição pode
ser feita por capitães, madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas a
mentores espirituais. Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não ser
executadas no dia da festa. Existem também músicas específicas para cada
ocasião: para chamar o dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão,
para abençoar o interior da casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito,
em louvor a Nossa Senhora do Rosário, que relembram os antepassados, que falam
de fenômenos climáticos, para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis e
Rainhas, de despedidas, para quando ocorre um encontro com outro terno seja ele
amigo ou não e uma infinidade de outras possibilidades, variando de terno para
terno.
Existem duas versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeira
considera o Distrito de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde se
originaram os ternos de Congado do município, na época, o arraial de São Pedro
de Uberabinha. Segundo Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o primeiro terno de
moçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito pelos
moradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,
construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariam
para o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,
levando consigo as celebrações do Congado.
A segunda versão indica que o movimento do Congado se iniciou no Sertão da
Farinha Podre, por volta de 1874, através do “Mestre André”. Esse senhor reunia
os negros da região do Rio das Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto à
Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros, pedindo para libertá-los da
escravidão. O início do movimento ocorre por volta de 1876, período de expectativa
e temor quanto à abolição da escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em
1881 foi decretada a lei nº 2040, conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885
a “Lei do Sexagenário” ou “Lei Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de um
processo que culminou na própria abolição da escravatura, em 1888.
O município de Uberlândia se localiza na região do Triângulo Mineiro, área conhecida
no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha Podre. Esta região era denominada
de Sertão da Farinha Podre por causa dos sacos de palha com farinha, encontrados
pelos colonizadores, enterrados ou pendurados nas árvores
497
Das histórias contadas sobre a origem deste nome, existe uma que afirma que
quando as bandeiras se aproximavam os indígenas e quilombolas que aqui
habitavam escondiam sua farinha, base de sua alimentação, com esperança de
poderem voltar algum dia para suas aldeias e ter alimentos até a nova plantação
dar seus frutos. Eles se refugiavam nas matas e esperavam os bandeirantes
abandonarem suas moradias após arrasá-las com saques e incêndios. Muitas
aldeias tinham que mudar constantemente sua localização, abandonando sacos
de farinha pelo caminho de sua fuga. Por causa de sua localização geográfica, o
Sertão da Farinha Podre passou a ser um entreposto para os avanços das
bandeiras. Local de de descanso e comércio de tropas uma parada na rota de
tropeiros e mineradores em direção a Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora
escondida pelos quilombolas e/ou indígenas apodrecia com a ação do tempo, e
depois era encontrada pelos novos habitantes do lugar. Por causa da grande
quantidade de mantimentos apodrecidos encontrados, a região da bacia do rio
Paranaíba que abrange o atual Triângulo Mineiro e parte do sul do estado do Goiás,
ganhou o nome de Sertão da Farinha Podre.
O Sertão da Farinha Podre era povoado por vários núcleos quilombolas distribuídos
como pontos de uma rede. Os documentos oficiais referem-se a diversos deles
como pertencentes ao Quilombo do Campo Grande. O Quilombo do Ambrósio,
localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio arqueológico é tombado pelo patrimônio
histórico, foi como uma célula central de onde partiam os integrantes que formavam
os outros núcleos da rede. A historiografia oficial considera que o Quilombo do
Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo referido como o maior núcleo,
comportando até mais de “mil negros, e grande número de negras e crias”. Os
documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e de “outros menores”
informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta “homens capazes, e dos
mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado (hoje Patrocínio), Sta
Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a destruição do Quilombo
do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois mais trezentos homens
da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José, Sabará e Vila Nova da
Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando que todas as
comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca” Embora, os
documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição destes
quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando um
novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje se
localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821, possuindo
ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande.
498
Mas a construção de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios
arqueológicos destes quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas
próximas aos rios para se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de
acordo com os elementos oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes
possibilitasse a permanência (agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às
tropas de comerciantes e viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A
região ainda preserva na toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado
e Quilombo).
A ocupação efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX,
sendo a produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois
possibilitaram a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam
vários municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial
da cidade de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição
de sesmarias do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O
marco inicial da atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a
João Pereira da Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque
para a “Alves Carrejo”, intensificou a ocupação da região.
Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após aquisição de área de dez alqueires entre
o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá, obteve, juntamente com Francisco Alves
Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de uma capela curada,
consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião da Barra. No ano de
1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha, pela lei provincial n.
602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da paróquia, em 1857,
ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela, composto de terras
doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido 100 alqueires da
Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do arraial se São
Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja Matriz, em terrenos
aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883 foram doados,
ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego Uberabinha, próximo
aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa Senhora da Abadia
(Lourenço, 1986:16). Em 31 de agosto de 1888, a então freguesia foi transformada
em vila, com o nome de São Pedro do Uberabinha, tendo sido instalada oficialmente
em 1891. Em 24 de maio de 1892, a vila foi elevada à categoria de cidade pela lei
nº 23. Em 1895, a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a cidade de Uberlândia e se
verifica o desenvolvimento da produção agropecuária e de indústrias, com destaque
para a produção de charque (Brasileiro, 2001: 253). “Nas duas primeiras décadas
do século XX foram instaladas em Uberlândia indústrias ligadas à produção rural.
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Têm-se registro das seguintes indústrias, existentes em 1922: beneficiadoras dearroz e algodão, serrarias, carpintarias, charqueadas, curtumes e outrosestabelecimentos de produção de couro e carne, além de fábricas de banha, sabão,calçados e arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale ressaltar que o fornecimento deenergia elétrica teve início em 1909, aumentando a possibilidade da instalação devárias fábricas.Em 1929, a cidade recebeu o nome de Uberlândia, através da lei nº 843. Na décadade 1930, a abertura de estradas de rodagem em direção às áreas de exploraçãode diamantes do Rio Araguaia intensificou o desenvolvimento da área, que se tornouponto de troca e abastecimento de caravanas e compradores de diamantes . Em1933 , iniciou -se a construção da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeiraSanta Terezinha foi escolhida para substituir os antigos padroeiros da cidade NossaSenhora do Carmo e São Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolidaem 1943, dando lugar a estação Rodoviária, que hojesedia a Biblioteca Municipal . Em 1940, cidade passa por um rápido crescimentoe adensamento populacional, e desde então tem se configurado importante centroregional, localizado em local estratégico, próximo a seis capitais (Campo Grande,Cuiabá, Goiânia, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seucrescimento anual do P I B de 5, 09%, superior ao crescimento de Minas Gerais(2,17%) e do Brasil (2,28%). Hoje, a cidade se destaca pelo desenvolvimento dossetores de agro industria, tecnologia da informação, setor atacadista - distribuidor,e mais recentemente, de biotecnologia, sendo também considerado pólo na áreade ensino superior.Há referências históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosáriotenha sido iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foiconcluída, tendo sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte.Em decorrência do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu aconstrução da nova Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobee telha comum, situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairroGeneral Osório (atual bairro fundinho).” Já em meados de 1890, o então presidenteda Irmandade do Rosário passou a comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantasestimulou a participação da comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem,2001).Com o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foicomposta uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolheruma mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário.A capela anterior foi demolida e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construídauma nova capela com projeto de autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, aCapela Nossa Senhora do Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de NossaSenhora do Rosário foi tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263,de 9 de setembro) e entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Culturado Município com apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de NossaSenhora do Rosário passou por processo de restauração no de 2006.
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15. Referências:* ANAIS da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de ElRey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/98)*BRASILEIRO, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação CulturalPalmares, 2001.* LAUDO IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do AntigoQuilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg*LUCAS, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do CongadoMineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP, 1999.*MARRA, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no SéculoXX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005,através da lei municipal de Incentivo à Cultura.*MARTINS, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de MinasRoubada do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.*LIMA JR., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores eMoçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.*MARTINS, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:1997.*MOURA, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió: Edufal,2001.*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,1981*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura eUrbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor, SãoPaulo, 1998.16. Atualização das informações:NT17. Ficha TécnicaLevantamento Data: Abril de 2007Fabíola Benfica Marra (Historiadora)Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)Elaboração Data: Abril de 2007Fabíola Benfica Marra (Historiadora)Revisão Data: Abril de 2007Anderson Henrique Ferreira (Historiador)Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)