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ATIVISMO JUDICIAL Alan P. A. M. Bechtold* & Marcos Antonio M. de M. Martins** * Pós-graduado em Direito Constitucional e Político pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (São Paulo). Advogado. ** Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC São Paulo. Mestre em Direito da Sociedade da Informação pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU São Paulo. Pós-graduado em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV Rio de Janeiro. Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia – São Paulo. Professor de cursos de graduação e pós-graduação de Direito das FMU São Paulo. Coordenador da Escola Superior de Advocacia. Advogado. RESUMO O ativismo judicial é caracterizado como uma intervenção política da função judicial no que se refere à aplicabilidade das normas constitucionais e infraconstitucionais na solução de conflitos, na exata medida em que, ao aplicar uma norma a um caso concreto, o julgador se valera da atividade interpretativa, descobrindo o verdadeiro sentido da norma e a sua aplicação para solução da lide. Palavras-chave: Ativismo Judicial. Intervenção do Poder Judiciário. Ativismo no Supremo Tribunal Federal. Postura Política do Judiciário. Interpretação Normativa. ABSTRACT Judicial activism is characterized as a political intervention of the judicial function regarding the applicability of the constitutional and infra conflict resolution, the exact extent that by applying a standard to a case, if the judge had been worth the interpretative activity discovering the true meaning of the rule and its application to solution of the dispute. Keywords: Judicial Activism. Intervention of the Judiciary. Activism on the Supreme Court. Policy Stance of the judiciary. Interpretation Rule.

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Ativismo Judicial

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  • ATIVISMO JUDICIAL Alan P. A. M. Bechtold* & Marcos Antonio M. de M. Martins**

    * Ps-graduado em Direito Constitucional e Poltico pelas Faculdades Metropolitanas Unidas FMU (So Paulo). Advogado. ** Doutorando em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC So Paulo. Mestre em Direito da Sociedade da Informao pelas Faculdades Metropolitanas Unidas FMU So Paulo. Ps-graduado em Gesto Empresarial pela Fundao Getlio Vargas FGV Rio de Janeiro. Ps-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia So Paulo. Professor de cursos de graduao e ps-graduao de Direito das FMU So Paulo. Coordenador da Escola Superior de Advocacia. Advogado.

    RESUMO

    O ativismo judicial caracterizado

    como uma interveno poltica da funo

    judicial no que se refere aplicabilidade das

    normas constitucionais e infraconstitucionais

    na soluo de conflitos, na exata medida em

    que, ao aplicar uma norma a um caso

    concreto, o julgador se valera da atividade

    interpretativa, descobrindo o verdadeiro

    sentido da norma e a sua aplicao para

    soluo da lide.

    Palavras-chave: Ativismo Judicial. Interveno do Poder Judicirio. Ativismo no Supremo Tribunal Federal. Postura Poltica do Judicirio. Interpretao Normativa.

    ABSTRACT

    Judicial activism is characterized as a

    political intervention of the judicial function

    regarding the applicability of the

    constitutional and infra conflict resolution, the

    exact extent that by applying a standard to a

    case, if the judge had been worth the

    interpretative activity discovering the true

    meaning of the rule and its application to

    solution of the dispute.

    Keywords: Judicial Activism. Intervention of the Judiciary. Activism on the Supreme Court. Policy Stance of the judiciary. Interpretation Rule.

  • ATIVISMO JUDICIAL Alan P. A. M. Bechtold & Marcos Antonio M. de M. Martins

    Revista FMU Direito. So Paulo, ano 26, n. 38, p.11-24, 2012. ISSN: 2316-1515. 12

    Introduo

    Julgar fazer um juzo de valor sobre situao, coisa ou ato. Julgar um atributo intrnseco natureza humana, seja quando o homem julga a si mesmo ou quando o faz em relao aos seus pares, atribuindo valorao positiva ou negativa aos seus atos de acordo com algum conjunto normativo ou moral que lhe inato ou ainda, um sistema legal que se serve sociedade sob a denominao de direito.

    Julgar em si um poder e uma responsabilidade. Aquele que detm tal poder deve estar preparado para usar deste atributo com parcimnia, legitimidade, razoabilidade e controle, sempre buscando estar mais prximo do ideal supremo e inatingvel da Justia, respeitando os valores democrticos do Estado de Direito.

    Em nosso ordenamento jurdico, a Funo Judicial , igualmente Executiva e Legislativa, um dos sustentculos do Estado Democrtico de Direito. Referida Funo oriunda de um poder uno que pertence ao Estado. Conforme determina o artigo 92 da Constituio Federal a personificao da Funo Judicial se afigura na existncia Juzes, Desembargadores, Ministros dos Tribunais Superiores, Tribunais, Tribunais Superiores, etc.

    Entretanto, preciso reafirmar a ideia de Estado Democrtico de Direito para investigarmos o tema que aqui propomos, num intuito de oferecer meios para esclarecer o que se entende por ativismo judicial, bem como suas implicaes, sendo que a misso de trazer respostas elucidativas a este quebra-cabea sistmico dever ser cumprida com o tempo pelos Juristas, Juzes, Advogados, Promotores e demais entes da sociedade que integram nossa jovem democracia.

    Como se sabe, para ser levado aos fins, um Estado Democrtico de Direito exige que todo e qualquer ato oriundo de sua vontade seja pautado em lei. Em suma, trata-se de um imprio da lei, onde a soberania da vontade popular expressa pelo diploma legal deve ser respeitada.

    Entretanto, a lei no tem o condo de se auto-aplicar, uma vez que letra fria, abstrata

    e desprovida de vida. A sua aplicao se d mediante atividade interpretativa dos Julgadores que, mediante suas decises, trazem a lume o que a lei quis determinar e qual a soluo que se coaduna com os casos concretos colocados anlise.

    Tal atividade se mostra complexa e cheia de armadilhas, uma vez que a abstrao, a frieza e, muitas vezes, por ser vaga e incompleta, a lei d margem a interpretaes subjetivistas que podem levar o Julgador cometer alguns excessos, sendo o ativismo judicial uma de suas facetas.

    A importncia do tema se demonstra quando verificamos no dia a dia a necessidade dos nossos Tribunais de decidir casos cada vez mais controversos e que envolvem principalmente direitos fundamentais que, para serem respeitados em seu grau mximo, entram em conflito aparente com outros princpios constitucionais e leis infraconstitucionais, tornando a jurisdio a virtude e a maldio da Funo Judicial, uma vez que esta deve estar atenta para no execrar uma das pilastras da organizao do Estado brasileiro, qual seja, a Separao das Funes do Estado, independentes, autnomas, mas que devem agir em harmonia entre si.

    Algumas decises dos membros da Funo Judicial podem estar imantadas de um carter eminentemente poltico, o que duramente criticado pela doutrina. Entretanto, entendemos ser necessrio observar o tema com cautela, analisando cada deciso que possa estar eivada de um carter poltico, para verificar suas benesses ou ms intenes, sob pena de se ingressar num estado paranoico de conspirao, onde uma Funo Judicial tentaria sobrepor-se s demais. neste contexto que passamos a analisar o tema.

    1. Ativismo Judicial

    1.1. Origem Segundo Luis Roberto Barroso 1

    1 BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrtica. Disponvel em:

    , o ativismo judicial tem suas origens arraigadas no direito norte americano por volta do final do sculo XIX. Referida postura do Judicirio

    http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em: 10 jan. 2011

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    Norte Americano era evidenciada pela atuao da Suprema Corte relativamente segregao racial, intervencionismo estatal, direitos dos negros e, atualmente, direito privacidade e interrupo da gestao.

    Luiz Flvio Gomes 2

    1.2. Conceito

    aduz que a expresso ativismo judicial foi mencionada pela primeira vez em 1947, pelo jornalista americano Arthur Schlesinger quando este fazia uma reportagem sobre a Corte Suprema dos Estados Unidos da Amrica, sendo que utilizou tal denominao para justificar a postura do juiz que se v no dever de interpretar a Constituio no sentido de garantir direitos.

    O ativismo judicial uma expresso utilizada para identificar uma postura da Funo Judicial (representada pelos Julgadores) quanto determinao da aplicabilidade de uma deciso poltica que, em tese, extrapolaria os limites da democracia, o que leva a considerar uma postura visionria e at mesmo ditatorial, no sentido da Funo Judicial sobrepor-se em relao as outras Funes dentro de seus campos privativos de atuao.

    Por ativismo judicial, entende Inocncio Martires Coelho 3

    Ainda, segundo o doutrinador, referida postura no deve ser confundida com a criao judicial do direito, uma vez que este seria o exerccio regular do poder-dever, que incumbe aos juzes, de transformar o direito legislado em direito interpretado/aplicado,

    , o exerccio da funo jurisdicional para alm dos limites impostos pelo prprio ordenamento que incumbe, institucionalmente ao Poder Judicirio fazer atuar, resolvendo litgios de feies subjetivas (conflitos de interesses) e controvrsias jurdicas de natureza objetiva (conflitos normativos).

    2 GOMES, Luis Flvio. O STF est assumindo um ativismo judicial sem precedentes?. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2164, 4 jun. 2009. Disponvel em: HTTP://jus.uol.com.br/revista/texto/12921. Acesso em: 2 jan. 2011 3 COELHO, Inocncio Martires. Ativismo Judicial ou criao judicial do direito?. Disponvel em: HTTP://www.osconstitucionalistas.com.br/ativismo-judicial-ou-criao-judicial-do-direito . Acesso em: 04 jan. 2011

    caminhando do geral e abstrato da lei ao singular e concreto da prestao jurisdicional, a fim de realizar a justia em sentido material, que dar a cada um o que for ser, conceito este suplantado por Aristteles e Ulpiano.

    Luis Roberto Barroso 4

    De igual modo, diferencia a postura ativista da postura de judicializao, postura esta que explicita a necessidade da Funo Judicial de decidir as causas que lhe so postas, dirimindo os conflitos e trazendo a paz social, uma vez que, se a norma constitucional permite que dela se deduza uma pretenso, subjetiva ou objetiva, ao Juiz cabe dela conhecer, decidindo a matria.

    afirma que a ideia de ativismo judicial est associada a uma participao mais ampla e intensa do Judicirio na concretizao dos valores e fins constitucionais, com maior interferncia no espao de atuao dos outros dois Poderes.

    A bem da verdade, o entendimento deste autor se verifica na aceitao do ativismo judicial tendo em vista que este procura extrair o mximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da criao livre do Direito.

    1.3. Identificao da postura ativista Segundo Luiz Roberto Barroso 5

    Em que pese concordarmos com o ilustre jurista, no se trata de um esgotamento da identificao da postura ativista judicial, uma vez que, em tese, qualquer postura que leve imposio do Judicirio de normas criadas por

    , a postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: a) a aplicao direta da Constituio a situaes no expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestao do legislador ordinrio; b) a declarao de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critrios menos rgidos que os de patente e ostensiva violao da Constituio; c) a imposio de condutas ou de abstenes ao Poder Pblico, notadamente em matria de polticas pblicas.

    4 BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrtica. Disponvel em: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em: 10 jan. 2011 5 Ibidem.

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    ele, ou at mesmo, retirando a validade de atos das outras funes estatais, poderemos estar lidando com o assunto.

    A identificao no fcil. Infinitamente superior a dificuldade de enfrentar o tema com cientificismo necessrio e no se deixar levar por teses que mais parecem teorias da conspirao do que pesquisa cientfico-jurdica.

    A princpio, deparamos com uma postura ativista quando h interferncia da Funo Judicial nas outras funes ou quando vai alm do que lhe permitida no exerccio de suas atribuies tpicas. Entretanto, como exporemos a seguir, no se deve considerar tal assertiva como a regra, seno a exceo de toda a fundamentao do Estado Democrtico de Direito que, alm dos princpios da segurana jurdica e separao de poderes, reafirmar o sistema de freios e contra-pesos to difundido na doutrina e na vida prtica do direito.

    Segundo Ronald Dworkin6

    Tal postura nos leva a algumas indagaes inevitveis: at que ponto o ativismo judicial afronta ou promove a democracia? Estaramos sobre uma ditadura da Funo Judicial exercida sobre o sofisma de uma aparente tcnica de interpretao normativa a qual visa aplicar princpios do direito que gozam de maior importncia sobre leis em sentido estrito, apenas por estar prevista na Constituio Federal? Poderamos considerar que uma deciso ativista est ferindo o princpio constitucional da segurana jurdica?

    : o ativismo uma forma virulenta de pragmatismo jurdico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituio, a histria de sua promulgao, as decises anteriores da Suprema Corte que buscaram interpret-la e as duradouras tradies de nossa cultura poltica, impondo a outros poderes do Estado seu prprio ponto de vista sobre o que a justia exige.

    So tais perguntam que nos movem a trazer quais fatores entendemos como determinantes para que um julgador use do ativismo judicial como forma de aplicao mais parelha da Justia. 6 DOWRKIN, Ronald. O Imprio do direito. So Paulo: Martins Fones, 2007. pp. 315.

    1.4. Ativismo e Auto-Restrio O contrrio de ativismo, postura

    amplamente criticada pela doutrina, a auto-restrio 7

    Entendemos que referida postura to extremista quanto considerar que o Estado deve ser governado pela elite pensante personificada nos operadores do direito e, especificamente, na figura institucional do Supremo Tribunal Federal, por suas decises que interpretam e asseguram a guarda da Constituio.

    do magistrado revela uma postura que se identifica de forma evasiva, uma verdadeira absteno da Funo Judicial em relao a casos em que, por falta de previso legislativa minuciosa, no se manifesta, decide, ou traz norte para que o conflito de interesses se solucione, sob a justificativa de que, se no h lei, direito no h.

    Um extremo leva a outro extremo. O que, certamente, no tem espao numa democracia cujo sentido est umbilicalmente ligado proteo das minorias e de suas liberdades, at mesmo em detrimento da vontade majoritria da populao e, at mesmo, do Estado.

    A auto-restrio uma postura que, embora deva ser admitida em alguns casos, sob pena de se incorrer num ativismo judicial nocivo, remdio de exceo, uma vez que, num sentido lato, pode ser considerada como uma afronta todo sentido de direito e da misso institucional determinada Funo Judicial, qual seja, dizer o direito.

    Desta forma, segundo Carlos Eduardo Arajo de Carvalho 8

    7 CARVALHO, Carlos Eduardo Arajo de. Ativismo Judicial em crise. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2137, 8 maio 2009. Disponvel em: HTTP://jus.uol.com.br/revista/texto/12781 . Acesso em: 2. Jan. 2011.

    , adotando a auto-restrio os Julgadores: (i) evitam aplicar diretamente a Constituio a situaes que no estejam no seu mbito de incidncia expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinrio; (ii) utilizam critrios rgidos e conservadores para a declarao de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstm-se de interferir na definio das polticas pblicas. At o advento da Constituio de 1988, essa era a inequvoca

    8 Ibidem.

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    linha de atuao do Judicirio no Brasil. A principal diferena metodolgica entre as duas posies est em que, em princpio, o ativismo judicial procura extrair o mximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da criao livre do Direito. A auto-restrio, por sua vez, restringe o espao de incidncia da Constituio em favor das instncias tipicamente polticas.

    O binmio ativismo x auto-restrio judicial est presente na maior parte dos pases que adotam o modelo de supremas cortes ou tribunais constitucionais com competncia para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos do Poder Pblico.

    No Brasil ps-ditadura, a Funo Executiva na figura do Presidente da Repblica, desfruta de inegvel popularidade. Salvo por questes ligadas ao uso excessivo de medidas provisrias, rara a superposio entre a Funo Executiva e Judicial. No assim, porm, no que toca ao Congresso Nacional.

    Nos ltimos anos, uma persistente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no mbito da Funo Legislativa tem alimentado a expanso da Funo Judicial nessa direo, em nome da Constituio, com a prolao de decises que suprem omisses e, por vezes, inovam na ordem jurdica, com carter normativo geral.

    O fenmeno tem uma face positiva: a Funo Judicial est atendendo as necessidades do povo que no puderam ser satisfeitas pela Funo Legislativa, em temas como consagrao e efetividade dos direitos humanos, eliminao do nepotismo, elaborao de artifcios normativos para acabar fortificar os Partidos Polticos. O aspecto negativo que ele exibe as dificuldades enfrentadas pela Funo Legislativa. A adiada reforma poltica uma necessidade dramtica no pas, para fomentar autenticidade partidria, estimular vocaes e reaproximar a classe poltica da sociedade civil.

    Decises ativistas devem ser eventuais, em momentos histricos determinados. Mas no h democracia slida sem atividade poltica intensa e saudvel, nem tampouco sem Congresso atuante e investido de credibilidade.

    Por outro lado, reconhecemos que no s a Constituio Federal determina tal misso aos magistrados e tribunais, mas outros diplomas infraconstitucionais prestam supedneo para que um julgador decida o conflito de interesses mesmo que no haja lei especfica sobre o assunto, valendo-se principalmente de princpios constitucionais e, at mesmo, dos bons costumes sociais, como assim o faz a Lei de Introduo ao Cdigo Civil9

    Quanto a esta ltima, em que pese tratar-se de uma lei de introduo a um diploma legal infraconstitucional especfico, a doutrina reconhece como base para todo o ordenamento jurdico, uma vez que trata-se de norma sobre aplicao de normas no espao e no tempo, bem como alberga um sistema de integrao de normas que, objetivamente, impedem que um caso levado ao Judicirio fique sem soluo.

    .

    Sendo assim, reconhece Carlos Roberto Gonalves o fato de que a Lei de Introduo ao Cdigo Civil dirige-se a todos os ramos do direito, salvo naquilo que for regulado de forma diferente na legislao especfica. Assim, o dispositivo que manda aplicar a analogia, os costumes e os princpios gerais do direito aos casos omissos aplica-se a todo o ordenamento jurdico, exceto ao direito penal e ao direito tributrio, que contm normas especficas a esse respeito. 10

    Aceitar que a Funo Judicial seja levada aos fins da doutrina que a originou como Montesquieu quis, reconhecer que a sociedade no evolui e com ela o direito fica estagnado no tempo, o que, data maxima venia, sabemos que impossvel aceitar.

    Consideramos ainda que seria uma afronta ao prprio princpio da segurana jurdica, uma vez que o magistrado se evadiria de sua misso constitucional, trazendo instabilidade, medo, insegurana e descrdito no apenas Funo Judicial, mas tambm ao Estado como um todo.

    9 Decreto-lei n 4.657, de 04 de setembro de 1942. 10 GONALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: volume 1. So Paulo: Saraiva, 2003. pp. 27-28

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    Conforme aduz Carlos Eduardo Arajo de Carvalho11

    a) Perfeccionismo: representada na figura de Ronald Dworkin

    , o dilema entre ativismo judicial e auto-restrio judicial movimentou a doutrina a se posicionar em trs diferentes correntes de pensamento, as quais, de seu modo, julgam como mtodo mais correto de exerccio da Funo Judicial, quais sejam:

    12

    Minimalismo: desenvolvida por Cass Sunstein

    , tal concepo se baseia na assertiva de que a Constituio um diploma poltico vinculante, a qual, por ser uma norma fundamental, deve ser lapidada para que se extraia dela o verdadeiro sentido de justia. Tal lapidao viria da interpretao de suas normas abstratas de um modo que sejam captados os seus ideais de uma forma verdadeira e justa.

    13

    A primeira est ligada ideia de que os juristas devem seguir uma srie de recomendaes de carter formal, evitando ao mximo a utilizao de argumentos filosoficamente profundos e controversos ao formular e fundamentar suas decises judiciais concretas.

    , referida teoria visa, alm de combater o perfeccionismo de Dworkin, demonstrar que, na verdade, a postura mais correta a ser adotada est sedimentada em duas pilastras de sustentao: procedimental e substancial.

    J a segunda relaciona-se com a promoo de um contedo especfico nas decises, ou melhor, pr-condies para o bom funcionamento de uma democracia constitucional, o que, em outras palavras, significa dizer que os tribunais devem evitar de se pronunciar sobre questes que no

    11 CARVALHO, Carlos Eduardo Arajo de. Ativismo Judicial em crise. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2137, 8 maio 2009. Disponvel em: HTTP://jus.uol.com.br/revista/texto/12781 . Acesso em: 2. Jan. 2011. 12 DOWRKIN, Ronald. O Imprio do direito. So Paulo: Martins Fones, 2007. 13 SUNSTEIN, Cass e VERMEULLE Adrian. Interpretation and Institutons, Public and Legal Theory Workin. Disponvel em: < http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=320245 >. Acesso em 05 de janeiro de 2011.

    so imprescindveis para o caso que tem em mos. Procedimentalismo: na figura de Dierle Nunes Coelho 14

    Reconhecendo que do juiz exigida uma altssima produtividade de decises no menor espao-tempo processual possvel, chegando-se a torn-la critrio constitucional objetivo de promoo por merecimento, lhe exigida tambm uma capacidade mpar de antever os impactos de suas decises, o que reafirma tratar-se de tarefa responsvel.

    que referida postura quanto atividade jurisdicional se desenvolve.

    1.5. A Judicializao e o Ativismo Judicial no valoroso entendimento do professor

    Luis Roberto Barroso 15

    Em artigo cientfico publicado pelo referido jusdoutrinador, fica demonstrado que embora paream tratar das mesmas posturas, so completamente diferentes.

    que faremos deste captulo o mago de todo o trabalho desenvolvido at ento, correlacionando os fenmenos da judicializao e do ativismo judicial.

    Judicializao significa que algumas questes de larga repercusso poltica ou social esto sendo decididas por rgos da Funo Judicial, e no pelas instncias polticas tradicionais: o Congresso Nacional e a Funo Executiva em cujo mbito se encontram o Presidente da Repblica, seus ministrios e a administrao pblica em geral.

    Na verdade, a judicializao envolve uma transferncia de poder para juzes e tribunais, com alteraes significativas na linguagem, na argumentao e no modo de participao da sociedade.

    A primeira grande causa da judicializao foi a redemocratizao do pas, a qual culminou na promulgao da Constituio de 1988. Nas ltimas dcadas, com a recuperao das garantias da magistratura, a Funo Judicial deixou de ser 14 COELHO, Dierle Nunes. Processo Jurisdicional Democrtico: Uma anlise crtica das reformas processuais. Curitiba: Juru. 2008 15 BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrtica. Disponvel em: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em: 10 jan. 2011

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    um brao da Funo Executiva e se transformou em um verdadeiro poder poltico, capaz de fazer valer a Constituio e as leis, inclusive em confronto com as outras Funes

    No Supremo Tribunal Federal, uma gerao de novos Ministros j no deve seu ttulo de investidura ao regime militar.

    Alm disto, o ambiente democrtico reavivou a cidadania, dando maior nvel de informao e de conscincia de direitos a amplos segmentos da populao.

    Em suma: a redemocratizao fortaleceu e expandiu a Funo Judicial, bem como aumentou a demanda por justia na sociedade brasileira.

    A segunda causa foi a constitucionalizao abrangente, que trouxe para a Constituio inmeras matrias que antes eram deixadas para o processo poltico majoritrio e para a legislao ordinria.

    A carta brasileira analtica, ambiciosa, desconfiada do legislador. Como intuitivo, constitucionalizar uma matria significa transformar Poltica em Direito. Na medida em que uma questo seja um direito individual, uma prestao estatal ou um fim pblico disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretenso jurdica, que pode ser formulada sob a forma de ao judicial.

    A terceira e ltima causa de judicializao, a ser examinada aqui, o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo. Referido como hbrido ou ecltico, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu. Assim, desde o incio da Repblica, adota-se entre ns a formula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo europeu o controle por ao direta, que permite que determinadas matrias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal.

    Investigando o passado pode-se constatar que nos ltimos anos, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se ou iniciou a discusso em temas como: (i) Polticas governamentais, envolvendo a

    constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma da Previdncia (contribuio de inativos) e da Reforma da Funo Judicial (Emenda Constitucional n 45); (ii) Relaes entre Funes, com a determinao dos limites legtimos de atuao das Comisses Parlamentares de Inqurito (como quebras de sigilos e decretao de priso) e do papel do Ministrio Pblico na investigao criminal; (iii) Direitos fundamentais, incluindo limites liberdade de expresso no caso de racismo e a possibilidade de progresso de regime para os condenados pela prtica de crimes hediondos.

    importante assinalar que em todas as decises referidas acima, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar de forma legtima e o fez nos limites dos pedidos formulados. No se pode imputar aos Ministros do referido tribunal a ambio ou a pretenso, em face dos precedentes referidos, de criar um modelo de sobreposio judicial.

    Conforme assegura Lus Roberto Barroso 16

    Portanto, a judicializao, no contexto brasileiro, um fato, uma circunstncia que decorre do modelo constitucional que se adotou, e no um exerccio deliberado de vontade poltica. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretenso, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matria.

    : a judicializao, que de fato existe, no decorreu de uma opo ideolgica, filosfica ou metodolgica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente.

    J o ativismo judicial uma atitude proativa de interpretar a Constituio, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situaes de retratao da Funo Legislativa, de um certo deslocamento entre a classe poltica e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas em seus anseios e necessidades, descumprindo os objetivos fundamentais descritos na prpria Constituio Federal. 16 BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrtica. Disponvel em: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em: 10 jan. 2011

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    A ideia de ativismo judicial est associada a uma participao mais ampla e intensa da Funo Judicial na concretizao dos valores e fins constitucionais, com maior interferncia no espao de atuao dos outros di poderes.

    2. Interpretao Jurdica

    A atividade interpretativa fruto da inteligncia humana para compreenso do instrumento utilizado para comunicar algo. No caso do direito, a palavra escrita, expressa pela lei, o objeto de interpretao humana para aplicao na vida concreta. Neste sentido, interpretar explicar a inteno, o sentido, buscando a traduo da palavra escrita e a decodificao do que lhe atribuda.

    Neste sentido, define Paulo Hamilton Siqueira Jnior 17

    O fundamento da interpretao jurdica a lei. Esta, abstrata e genrica, objeto da atividade interpretativa realizada pelos operadores do direito para se chegar soluo do conflito instalado na sociedade.

    : a interpretao jurdica consiste em determinar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma jurdica.

    A necessidade de interpretao das leis est relacionada ao fato de que h insegurana gerada pela dvida quanto ao teor da norma, seja pela linguagem normativa, seja pela aplicao exata do comando normativo ao caso concreto.

    A interpretao um mtodo dialtico de compreenso, alm do ser um ato poltico e ideolgico, uma vez que o intrprete condicionado pela sua vivncia, suas crenas e formas de entender as situaes da vida. Da ento o reconhecimento de que o direito bom aquele que no engessa a sociedade, mas sim aquele que se coaduna com os anseios sociais e o movimento evolutivo do homem. Neste aspecto, a interpretao o meio pelo qual o intrprete traduz a soluo para um caso concreto, devendo ajustar a letra fria da lei necessidade do apaziguamento do conflito de interesses, procurando atingir as beiradas do ideal de Justia.

    17 SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton Siqueira. Lies de Introduo ao Direito. So Paulo: Oliveira Mendes, 1998. Pp. 133.

    Conforme afirma Barroso 18

    A interpretao deve ser observada em dois sentidos, um lato e um strictu. quele fica a misso apenas de compreender o contedo da norma, quando a este, h o reconhecimento de que os signos lingusticos no revelam com clareza o exato sentido, portanto, a compreenso fica prejudicada num primeiro momento.

    , a interpretao um ato de construo, transpassando a atividade prtica de revelar o contedo e alcance das normas.

    A interpretao jurdica requer a observncia de alguns vetores: contexto lingustico (a linguagem jurdica apresenta ambiguidades, pouca clareza, vaga e imprecisa), contexto sistmico (desarmonia entre normas) e contexto funcional (mltiplas funes que conflitam entre si).

    A complexidade da atividade interpretativa aumenta quando passamos a tratar de normas constitucionais, sendo quase impossvel estabelecer critrios absolutos de interpretao.

    Tratamos o vernculo interpretao no seu sentido genrico. Contudo, o cientificismo nos impe trazer a lume os mtodos interpretativos mais comuns e amplamente reconhecidos pela doutrina, a fim de demonstrar como se chegam s decises judiciais, bem como reconhecer se estas tiveram um condo ativista ou no.

    Cumpre ressaltar tambm que interpretao mtodo no se confundem.

    Mtodos so caminhos, frmulas para se atingir uma finalidade que se busca. No caso do direito, a interpretao da norma ser feita por um mtodo, cuja finalidade atingir o mago do contedo normativo analisado, trazendo seu esprito ao mundo ftico, pondo fim ao conflito de interesse e fazendo imperar o direito.

    Entretanto, antes de nos debruar sobre os mtodos, necessrio se faz ponderar quais so os critrios utilizados para a interpretao normativa sob a tica da Teoria Geral do Direito, quais sejam: a) quanto s fontes; b) 18 BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrtica. Disponvel em: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em: 10 jan. 2011

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    quanto aos meios utilizados; e c) quanto aos resultados19

    a) Quanto s fontes: a interpretao pode vir do legislador, do juiz ou dos juristas. Quando proveniente do legislador, dizemos que se trata de interpretao autntica, e assim age quando o rgo legislativo produz uma outra norma visado melhor clarificar a primeira. Quando oriunda do Juiz, diz-se tratar de interpretao jurdica, observada no teor das sentenas e acrdos exarados pelos julgadores. Quando emana do jurista, dizemos que se trata de interpretao doutrinria, vinda da reflexo e produo intelectiva destes que tratam do direito como cincia.

    .

    b) Quanto aos meios utilizados: podendo ser gramatical, lgica ou analgica. gramatical quando se refere ao texto da lei, demonstrando o cunho estritamente formalista deste meio. Falamos da lgica quando vida investigar a relao entre as normas, investiga origens, razes e intenes do legislador. Trata-se da analgica quando, por no haver norma aplicvel, aplica-se uma semelhante. c) Quanto aos resultados alcanados: pode ser declarativa, extensiva ou restritiva. declarativa quando apenas declara o que est expresso na lei, apenas repete-se ipsis litteris a gramtica da lei. extensiva quando se verifica que o legislador escreveu menos do que queria dizer. restritiva quando o legislador escreveu mais do que deveria.

    Embora os referidos mtodos sejam aplicados a todo direito, por serem objeto do ramo cientfico Teoria Geral do Direito, imperioso reconhecer que as normas constitucionais, por serem especficas, exigem uma transcendncia interpretativa em razo de sua superioridade hierrquica, seu cunho poltico e sua linguagem, tudo isso em relao a normas infraconstitucionais. 19 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. So Paulo: Malheiros, 1996. Pp. 398-404.

    A Constituio Federal a norma fundamental do Estado, verdadeiro norte a ser seguido pelas demais normas infraconstitucionais, a base de todo ordenamento jurdico, sendo, ento o grau supremo do escalonamento hipottico-sistmico de normas.

    Sendo assim, as normas que a compe prestam verdadeiro supedneo s demais normas, o que exige interpretao de maior importncia e destreza.

    A linguagem das normas constitucionais especfica, seu texto poucas vezes apresenta enunciados particularizados, possuindo vocbulos sem preciso, com maior grau de abstrao e permissiva de subjetivismos. Tanto que verdadeira fonte de princpios e estes, como se sabe, se diferenciam das regras.

    A complexidade quanto interpretao constitucional se torna mais evidente quando analisamos seu contedo, o qual transpassa a mera classificao de corpo normativo instituindo normas pr-estabelecendo comportamentos e determinados direitos e deveres, uma vez que traz a lume o prprio arqutipo do Estado, instituindo seus rgos componentes, bem como reconhecendo a autonomia dos entes federativos unidos para a formao do Brasil.

    O cunho poltico de suas normas evidente, uma vez que reconhece desde o seu prembulo, passando pelos primeiros artigos que tratam dos objetivos fundamentais do Estado, at os dispositivos mais longnquos, visando progressividade e o bem comum do povo brasileiro.

    2.1. Interpretao versus Hermenutica chegado o momento de realizar uma

    breve abordagem didtica sobre a diferenciao entre hermenutica e interpretao, pois, embora alguns entendam serem sinnimos, possuem diferenas.

    A hermenutica uma cincia mais geral, que estuda a interpretao como atividade humana. Portanto a interpretao seria espcie do gnero hermenutica.

    Por sua vez, a interpretao em sua essncia concreta, uma vez que trata de uma situao de fato, real ou hipottica.

    A hermenutica delineada por um carter tcnico-jurdico, uma vez que traduz

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    regras para se aplicar regras, ao passo que a interpretao pragmtica, no sentido de estar mais conectada com o que concreto, no caso, algo que merea deciso e possvel de aplicao de um contedo normativo.

    2.1.2. Mtodos Clssicos de Interpretao

    Normativa20

    Nos estudos do eminente professor Paulo Bonavides, trazemos a classificao clssica soa mtodos de interpretao conhecidos pela doutrina:

    1. Mtodo Lgico-sistemtico: uma norma no deve ser interpretada isoladamente, seno conjuntamente a outras normas que pertenam ao mesmo sistema normativo. Sendo assim, uma norma constitucional no deve ser interpretada em si, sendo necessariamente interpret-la no contexto em que se insere, ou seja, no todo da Constituio Federal. 2. Mtodo Histrico-teleolgico: fundamenta-se na observncia do nascimento da lei que se quer interpretar, onde o intrprete dever observar o contexto em que se originou, sua histria, os debates que giraram ao torno dela, os fatores polticos e econmicos, e, principalmente, os fins almejados pela lei quando de sua criao. Ocorre que, tal mtodo deve ser utilizado com certa retido, sob pena de se incorrer num engessamento do ordenamento jurdico e da sociedade. 3. Mtodo da Teoria pura do Direito: a essncia da interpretao est ligada vontade do intrprete e no da razo. Para Hans Kelsen a norma jurdica se assemelha a um quadro, no qual aparecem vrias possibilidades de execuo. Assim, a interpretao normativa no deve levar, necessariamente a uma nica deciso correta, mas a vrias, de modo que todas tinham uma

    20 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. So Paulo: Malheiros, 1996. Pp. 398-404.pp. 405-407.

    mesma validade, mesmo que apenas uma venha positivar-se.

    Entretanto, as insatisfaes contra o exagerado apego ao legalismo e as mudanas operadas na base histrica, sobretudo dos pases europeus, condicionaram reaes crticas ao modelo clssico de interpretao, dando margem para o surgimento de novas preposies interpretativas, que passaram a se chamar de clssicas ou modernas.

    A emergncia desse novo paradigma de interpretao normativa situa-se historicamente, na crise experimentada pelo Estado Liberal e gradual ascenso, no cenrio poltico e econmico, do Estado Social.

    2.1.3. Os Mtodos de Interpretao da Nova Hermenutica21

    Com supedneo nos brilhantes estudos desenvolvidos pelos renomados juristas Paulo Bonavides e Canotilho, a doutrina moderna elaborou a classificao da novel metodologia interpretativa nas seguintes espcies:

    Mtodo Tpico-Problemtico: considera que a lei constitucional norma fragmentria, aberta e indeterminada e, atravs da discusso sobre os diversos pontos de vista sobre uma norma constitucional que se chega a uma soluo ao caso concreto.

    A norma constitucional o tpico, o caso concreto a problemtica, a interpretao o liame do resultado da discusso dos diversos pontos de vista que podem se ter de uma norma constitucional.

    Mtodo Hermenutico-Concretizador: exige a pr-compreenso do significado da norma para posterior preenchimento de sentido juridicamente criativo, onde o intrprete concretiza a norma, com base em situao histrica dada, visando aplic-la a um caso concreto.22

    Mtodo Cientfico-Espiritual: o intrprete deve levar em conta o sistema de valores existentes na constituio, o mtodo visa clarificar o sentido e o contexto da lei constitucional, atravs da sua articulao com

    21 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. So Paulo: Malheiros, 1996. Pp. 434-438. 22 CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 6 ed. Coimbra (Portugal): Almedina, 2002. Pp. 1181-1227.

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    os valores espirituais da comunidade e com a realidade estatal.

    Mtodo Normativo-Estruturante: visa pesquisar as diversas funes de realizao do Direito Constitucional administrativa, legislativa e jurisdicional -, a fim de captar as transformaes operadas nas normas que sero aplicadas ao caso concreto. Para tanto, preocupa-se com a estrutura da norma e do texto normativo, na perspectiva da normatividade e da concretizao, e da ligao entre esta concretizao normativa e as funes jurdico-prticas da norma.23

    A concretizao normativa deve levar em conta os seguintes elementos: aqueles resultantes da interpretao do texto, correspondendo ao elemento literal, e o elemento de concretizao resultante da pesquisa sobre a referida normatividade.

    3. Objees ao Ativismo24

    3.1. Riscos para a legitimidade democrtica

    Os membros da Funo Judicial no so eleitos pelo povo, em que pese desempenharem um poder poltico.

    Neste passo, como se pode considerar legtima a sobreposio desta Funo em relao s outras duas?

    Sob um aspecto normativo, considera-se que a Funo Judicial usa de uma parcela do poder poltico por determinao da prpria Constituio, de uma forma tcnica e imparcial, cabe aos magistrados concretizar a Carta Magna e as leis em suas decises, diplomas legislativos estes que existem por vontade do povo, representado diretamente pelos membros da Funo Legislativa. Entretanto, no se trata de uma viso mecanicista, uma vez que o intrprete se depara com expresses muitas vezes vagas e indeterminadas que exigem uma atribuio de sentido e alcance como, verbi gratia, a dignidade da pessoa humana.

    Sob um aspecto filosfico, considerando que a Constituio Federal uma limitao de poderes e o respeito aos direitos fundamentais 23 Ibidem. 24 BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrtica. Disponvel em: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em: 10 jan. 2011

    e que a democracia est fundada na vontade do povo (sua maioria). Cabe Funo Judicial a misso de equilibrar o binmio vontade geral x respeito aos direitos das minorias. Desta forma, preserva valores que, embora possam pertencer a uma determinada minoria, no podem ser suplantadas. Da sem o grande sentido de Estado democrtico e Social de direito.

    3.2. Risco de interferncia de ordem poltica nas demais funes

    Direito no poltica, na verdade se aproxima muito mais tica! No possvel ignorar, porm, que a linha divisora entre Direito e Poltica nebulosa e pode gerar confuses, como tem gerado muitas vezes ao classificar como ativista, uma deciso que, na verdade no .

    Direito e poltica no sentido de que: a) sua criao produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituio e nas leis; b) sua aplicao no dissociada da realidade poltica, dos efeitos que produz no meio social e dos sentidos e expectativas dos cidados; c) juzes no so seres sem memria e desejos, libertos do prprio inconsciente e de qualquer ideologia e, consequentemente, sua subjetividade h de interferir com os juzos de valor que formula.

    A interpretao da Constituio Federal, sempre ter uma dimenso poltica, ainda que lapidada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento vigente.

    Evidentemente, Direito no poltica no sentido de admitir escolhas livres, tendenciosas ou particularizadas. Uma deciso judicial jamais ser poltica no sentido de livre escolha de discricionariedade plena. Mesmo nas situaes que, em tese, comportam mais de uma soluo plausvel, o juiz dever buscar a que seja mais correta, mais justa, luz dos elementos do caso concreto.

    O Juiz s deve agir em nome da Constituio e das leis, e no por vontade prpria. A interveno do Judicirio, nesses casos, sanando uma omisso legislativa ou invalidando uma lei inconstitucional, d-se a favor e no contra a democracia.

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    3.3. A capacidade institucional da Funo Judicial e seus limites

    O Brasil adotou o princpio da Separao de Poderes. As Funes exercem um controle recproco sobre as atividades de cada um, de modo a impedir o surgimento de instncias hegemnicas, capazes de oferecer riscos para a democracia e para os direitos fundamentais.

    No arranjo institucional em vigor, em caso de divergncia na interpretao das normas constitucionais ou legais, a palavra final da Funo Judicial. Essa primazia no significa, porm, que toda e qualquer matria deva ser decidida em um tribunal nem muito menos legitima a arrogncia judicial.

    Dois fatores de igual importncia devem ser observados: capacidade institucional e a proporo dos efeitos sistmicos.

    A capacidade institucional envolve a determinao de qual Funo est mais habilitada a produzir a melhor deciso em determinada matria. Aos membros da Funo Judicial sempre conservaro a sua competncia para o pronunciamento definitivo, mas, devendo prestigiar as manifestaes das Funes: Legislativa ou da Executiva, cedendo o passo para juzos discricionrios dotados de razoabilidade.

    Tambm o risco de efeitos sistmicos imprevisveis e indesejados pode recomendar, em certos casos, uma posio de cautela e deferncia por parte da Funo Judicial. Seus membros nem sempre dispe das informaes, do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de determinadas decises, proferidas em processos individuais, sobre a realidade de um segmento econmico ou sobre a prestao de um servio pblico.

    A Funo Judicial quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliao criteriosa da prpria capacidade institucional e optar por no exercer o poder, em auto-limitao espontnea, antes eleva do que diminui.

    Concluso

    A evoluo do panorama constitucional no Brasil e num vasto conjunto de pases soberanos demonstra a dificuldade de se

    interpretar normas com o fito de um melhor aproveitamento de seu contedo.

    Quando nos referimos s normas constitucionais a importncia de uma interpretao coerente se torna mais clara. Uma vez que, por se tratarem de normas com um maio grau de abstrao, permitem que o intrprete (e, neste nterim, os julgadores) construa o sentido da norma que mais lhe parecer justo ao solucionar um conflito de interesses.

    Interpretar uma tarefa por vezes complexa e de uma importncia mpar, uma vez que o Julgador deve atentar quanto aos reflexos de sua deciso, bem como se no est extrapolando os limites constitucionais que lhe foram estabelecidos e que devem ser respeitados.

    Quando observamos a Funo Judicial exarando decises que parecem terem um aspecto poltico, prejudicando as demais Funes do Estado, verificamos que, em sua maioria, tratam-se de decises legtimas e que se pautam pelo bom senso do julgador quando de sua atividade interpretativa.

    A interveno da Funo Judiciria em aspectos polticos que dizem respeito s Funes Legislativa e Executiva necessria quando se tratam de direitos humanos de carter poltico, muitas vezes determinaes constitucionais que so desprezadas e omitidas pelas Funes que deveriam fazer s vezes.

    evidente que a Funo Legislativa e a Funo Executiva falham quando no do cumprimento ao que determina a Constituio Federal. Entretanto, a omisso destas funes pode e deve ser suprida pela Funo Judicial e esta o faz quando, por meio de suas decises, interpreta em benefcio dos direitos assegurados pela carta maior.

    Neste diapaso, entendemos ser legtima a deciso de um Julgador que determina a um ente federativo a disponibilizao de determinado medicamento para tratamento de cidado, mesmo que a compra deste medicamento comprometa parte de um oramento que em tese seria usado para beneficiar outras pessoas que dependem do atendimento pblico da rede de sade.

    Tanto a Funo Legislativa quanto a Executiva no podem valer-se desta justificativa. A bem da verdade, as funes

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    devem estar preparadas para tais casos, uma vez que misso determinada pela Carta Suprema de nosso pas e, data venia, seus dispositivos no so novidade.

    Entendemos ainda que referida interveno legtima, uma vez que faz parte do sistema de freios e contrapesos constitucional. A Funo Judicial est apenas dando cumprimento ao que determina a Carta Constitucional em prol da maior efetividade de seus postulados.

    Por outro lado, necessrio observar com retido as decises que estejam eivadas de uma postura ativista, uma vez que excessos devem ser evitados, sob pena de incorrermos numa verdadeira ditadura da Funo Judicial em detrimento das Funes Legislativa e Executiva.

    Entendemos que a m qualidade da produo legislativa e compulsria emisso de

    Medidas Provisrias oriundas da Funo Executiva so aspectos determinantes na adoo de posturas ativistas pela Funo Judicial, uma vez que est responsvel no apenas por trazer soluo ao litgio, mas tambm firmar o entendimento de qual o melhor aspecto material que a norma abstrata quis trazer.

    Sendo assim, reconhecemos que a atividade interpretativa deveras complexa, muitas vezes colocando o Julgador em dilemas de difcil soluo. A observncia de critrios metodolgicos necessria, bem como a viso dos efeitos de sua deciso, tentando captar ao mximo o reflexo social, assegurando os direitos de todos, pautados numa interpretao que permita uma efetividade prtica na sociedade.

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    Introduo1. Ativismo Judicial1.1. Origem1.2. Conceito1.3. Identificao da postura ativista1.4. Ativismo e Auto-Restrio1.5. A Judicializao e o Ativismo Judicial

    2. Interpretao Jurdica2.1. Interpretao versus Hermenutica2.1.3. Os Mtodos de Interpretao da Nova Hermenutica20F

    3. Objees ao Ativismo23F3.1. Riscos para a legitimidade democrtica3.2. Risco de interferncia de ordem poltica nas demais funes3.3. A capacidade institucional da Funo Judicial e seus limites

    Concluso