2b-Construindo a Identidade Messianica de Jesus

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CONSTRUINDO A IDENTIDADE MESSIÂNICA DE JESUS UMA LEITURA SÓCIO-SEMIÓTICA DE MARCOS 1,1 - 3,35 Júlio Paulo Tavares Zabatiero Resumo Este artigo oferece uma discussão dos processos semióticos de construção da identidade messiânica de Jesus no Evangelho de Marcos, capítulos 1 a 3. Inicia com uma breve discussão sobre o conceito de identidade e os processos de construção identitária, e perspectiva semiótica. A seguir, discute-se a obra “Evangelho de Marcos” enquanto expressão significativa da construção da identidade de Jesus pelo autor e sua comunidade. Passa-se à análise semiótica do texto marcano. Três são as características marcantes da identidade messiânica de Jesus no Evangelho: a filialdade de Jesus e sua correspondente fidelidade ao Pai que o enviou; a solidariedade do Messias Jesus com as pessoas impuras e pecadoras e a oposição de Jesus à identidade legitimadora do Judaísmo de seu tempo. A conclusão aponta para as diferenças e pontos de contato entre a metodologia semiótica e a exegese histórico-crítica. Abstract This article offers a discussion about the messianic identity of Jesus Christ in the Gospel of Mark, chapters 1 to 3. It starts with a brief description of the concept of identity and the aspects of the semiotic methodology used in the article to analyze the procedures of the identity elaboration. After that, comments on the significance of the “Gospel of Mark”, as literary work, in the historical processes of designing the messianic identity of Jesus. The central part of the article offers a semiotic analysis of the initial chapters of the Gospel. Three are the marks of the messianic identity of Jesus: his condition as son of God and its consequent loyalty to his Father; Jesus’ solidarity to the impure and sinful people of his time, and his opposition to the legitimating identity of contemporary Jewish religion. It ends with brief methodological remarks. Palavras-Chave Identidade, Marcos, Cristologia, Semiótica, Messianismo.

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  • CONSTRUINDO A IDENTIDADE MESSINICA DE JESUS

    UMA LEITURA SCIO-SEMITICA DE MARCOS 1,1 - 3,35

    Jlio Paulo Tavares Zabatiero

    Resumo

    Este artigo oferece uma discusso dos processos semiticos de construo da identidade messinica

    de Jesus no Evangelho de Marcos, captulos 1 a 3. Inicia com uma breve discusso sobre o conceito

    de identidade e os processos de construo identitria, e perspectiva semitica. A seguir, discute-se

    a obra Evangelho de Marcos enquanto expresso significativa da construo da identidade de

    Jesus pelo autor e sua comunidade. Passa-se anlise semitica do texto marcano. Trs so as

    caractersticas marcantes da identidade messinica de Jesus no Evangelho: a filialdade de Jesus e

    sua correspondente fidelidade ao Pai que o enviou; a solidariedade do Messias Jesus com as

    pessoas impuras e pecadoras e a oposio de Jesus identidade legitimadora do Judasmo de seu

    tempo. A concluso aponta para as diferenas e pontos de contato entre a metodologia semitica e a

    exegese histrico-crtica.

    Abstract

    This article offers a discussion about the messianic identity of Jesus Christ in the Gospel of Mark,

    chapters 1 to 3. It starts with a brief description of the concept of identity and the aspects of the

    semiotic methodology used in the article to analyze the procedures of the identity elaboration. After

    that, comments on the significance of the Gospel of Mark, as literary work, in the historical

    processes of designing the messianic identity of Jesus. The central part of the article offers a

    semiotic analysis of the initial chapters of the Gospel. Three are the marks of the messianic identity

    of Jesus: his condition as son of God and its consequent loyalty to his Father; Jesus solidarity to the

    impure and sinful people of his time, and his opposition to the legitimating identity of contemporary

    Jewish religion. It ends with brief methodological remarks.

    Palavras-Chave

    Identidade, Marcos, Cristologia, Semitica, Messianismo.

  • 1. Identidade e sua construo

    Identidade um conceito de difcil definio. Literalmente, significa a caracterstica de ser

    idntico a, e, enquanto tal, se presta a concepes essencialistas e no-essencialistas. Nas

    concepes essencialistas, a identidade algo permanente, fixo, estvel. uma espcie de

    transcendncia que define uma pessoa ou grupo social e o distingue de todos os demais de uma

    maneira imutvel, indiscutvel. Neste sentido, sinnimo do conceito metafsico de natureza, que

    foi amplamente usado como base para a cristologia, especialmente em compndios e ensaios

    influenciados pelo Iluminismo e, paradoxalmente, em textos conservadores e fundamentalistas, que

    se constituam contrariamente aos chamados liberais ou racionalistas. Em ambos os tipos de

    textos, a pergunta pela identidade de Jesus era, de fato, pergunta pela natureza de Jesus, e a resposta

    servia tambm para confirmar a prpria concepo de sujeito dos formuladores da cristologia.1

    Neste ensaio adoto uma outra concepo de identidade, no-essencialista, reconhecendo-a

    como um processo scio-discursivo. Desta forma, perguntar pela identidade de Jesus no Evangelho

    de Marcos significa perguntar pelos processos e/ou mecanismos mediante os quais Marcos, em sua

    comunidade, atravs de seu texto, construiu a identidade de Jesus como o Messias. Uma das

    funes deste tipo de pergunta nos ajudar a analisar criticamente os processos contemporneos de

    construo de identidade pessoal, eclesial e teolgica, adotando uma atitude crtica com relao ao

    possvel uso legitimador da pesquisa histrico-teolgica para com a nossa prpria identidade.

    Em uma perspectiva no essencialista da identidade, esta fruto de um processo no qual se

    firmam as diferenas em relao s quais nossa identidade se delineia, bem como as identificaes

    necessrias para que tal identidade seja efetivamente nossa. Como processo social, a construo da

    identidade tambm se configura como uma prtica de poder2, o poder de classificar, de diferenciar,

    de identificar, no s de dizer quem eu sou, mas tambm de dizer quem pertence a ns e quem

    pertence aos outros:

    A identidade no uma essncia; no um dado ou um fato [...] a identidade no fixa,

    estvel, coerente, unificada, permanente. A identidade tampouco homognea, definitiva, acabada,

    1 O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepo da pessoa humana como um indivduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razo, de conscincia e de ao, cujo centro consistia num ncleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo contnuo ou idntico a ele ao longo da existncia do indivduo. O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. (HALL, S. A identidade cultural na ps-modernidade. Rio de Janeiro. DP&A: 1998, p. 10-11)2 Todas as prticas de significao que produzem significados envolvem relaes de poder, incluindo o poder para definir quem includo e quem excludo. [...] Somos constrangidos, entretanto, no apenas pela gama de possibilidades que a cultura oferece, isto , pela variedade de representaes simblicas, mas tambm pelas relaes sociais. [...] A identidade marca o encontro de nosso passado com as relaes sociais, culturais e econmicas nas quais vivemos agora [...] a identidade a interseco de nossas vidas cotidianas com as relaes econmicas e polticas de subordinao e dominao. (Rutherford, 1990, p. 19-20). WOODWARD, K. Identidade e diferena: uma introduo terica e conceitual in SILVA, T. T. da (org.) Identidade e diferena. A perspectiva dos Estudos Culturais, Petrpolis, Vozes, 2000, p. 18s.

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  • idntica, transcendental [...] podemos dizer que a identidade uma construo, um efeito, um

    processo de produo, uma relao, um ato performativo. A identidade instvel, contraditria,

    fragmentada, inconsistente, inacabada. A identidade est ligada a estruturas discursivas e narrativas.

    A identidade est ligada a sistemas de representao. A identidade tem estreitas conexes com

    relaes de poder.3

    Quanto aos meios da construo da identidade, se a diferenciao o processo mediante o

    qual uma pessoa ou um grupo social constri discursivamente os seus outros, a identificao o

    processo mediante o qual um se constri a auto-imagem, mediante o qual a pessoa ou grupo se

    associa a um conjunto de representaes, a um discurso a respeito de si mesmo. Neste sentido,

    identificao e diferenciao so processos comunicativos, discursivos, que operam

    simultaneamente. Mitos de origem, genealogias e etiologias, e narrativas, por exemplo, so

    mecanismos de construo do outro e do si mesmo. A criao de sistemas classificatrios outro

    mecanismo de construo identitria. Os sistemas classificatrios tendem a ser binrios

    (sagrado/profano; puro/impuro; amigos/inimigos; ns/eles) e, embora possam parecer permanentes,

    esses binarismos no devem ser entendidos de forma a-histrica ou a-social. So construdos e

    desconstrudos ao longo do tempo e espao.

    Ao se reconhecer o papel central da linguagem na construo da identidade, deve-se

    constatar que, na tica da lingstica ps-Saussure, a linguagem primariamente um sistema de

    diferenas4, pelo que, pode-se afirmar que a diferenciao o principal processo de construo

    identitria, ou de construo do sujeito5. A diferenciao tem, assim, prioridade sobre a

    identificao, a qual passa a operar aps a construo discursiva do outro, ainda que nos relatos

    identitrios esta precedncia no esteja explcita. A diferena pode ser construda negativamente -

    por meio da excluso ou marginalizao daquelas pessoas que so consideradas como outros ou

    forasteiros. Por outro lado, ela pode ser celebrada como fonte de diversidade, heterogeneidade e

    hibridismo, sendo vista como enriquecedora6.

    A diferena construda negativamente por meio de oposies binrias, dualismos ticos,

    tnicos, religiosos, ou sociais, que so percebidas como permanentes. Identidades permanentes

    3 SILVA, T. T. da A produo social da identidade e da diferena in SILVA, T. T. da (org.) Identidade e diferena. A perspectiva dos Estudos Culturais, Petrpolis, Vozes, 2000, p. 96s.4 Na lngua, sabe-se desde Saussure, s se podem identificar unidades, seja no plano fonolgico ou semntico, pela observao das diferenas que as interdefinem: fonemas e semas resultam de relaes subjacentes, formando sistema, e no so termos primrios definveis em si mesmos, substancialmente. LANDOWSKI, E. Presenas do Outro. Ensaios de sociossemitica. So Paulo: Perspectiva, 2002, p. 3.5 Tambm ele condenado, aparentemente, a s poder construir-se pela diferena, o sujeito tem necessidade de um ele dos outros (eles) para chegar existncia semitica, e isso por duas razes. Com efeito, o que d forma minha prpria identidade no s a maneira pela qual, reflexivamente, eu me defino (ou tento me definir) em relao imagem que outrem me envia de mim mesmo; tambm a maneira pela qual, transitivamente, objetivo a alteridade do outro atribuindo um contedo especfico diferena que me separa dele. LANDOWSKI, E. idem, p. 4.6 WOODWARD, op. cit., p. 50.

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  • podem por sua vez, ser classificadas como legitimadoras7 garantindo a validade e a legitimidade

    de uma dada estruturao do poder. Diante de situaes em que uma determinada identidade ocupa

    posio dominante em uma sociedade, resistncias e conflitos surgiro. Nesses casos, comum um

    estgio de construo negativa da diferena, que pode anteceder uma viso positiva da mesma, ou

    se cristalizar negativamente, reproduzindo, dessa maneira, mecanismos da identidade legitimadora.

    Um processo de construo da identidade que afirma e celebra a diferena, reconhecendo o seu

    valor, em oposio s formas legitimadoras de identidade, pode ser denominado de emancipatrio.

    Se entendemos, ento, a identidade como um processo que se realiza nas interaes

    pessoais, se concretiza nas instituies, campos e estruturas da sociedade, e se manifesta

    principalmente atravs de textos,8 a abordagem metodolgica mais adequada ao estudo das formas

    identitrias histricas dever provir do campo amplo das anlises do discurso (ou prticas

    discursivas). Dentre as vrias opes existentes no campo acadmico, minha preferncia recai sobre

    a semitica greimasiana que, em seu estgio atual, tem incorporado ao seu modo de ler elementos e

    conceitos provenientes de diversas fontes lingsticas e filosficas contemporneas.9

    De acordo com E. Landowski, o sentido est em toda parte, tanto nos discursos como em

    nossas prticas, tanto nos objetos culturais que produzimos como nas realidades naturais que

    interpretamos [...] para o semioticista tratar-se-, na realidade de tentar explicitar a emergncia do

    sentido no mbito da comunicao em geral, qualquer que seja seu campo de exerccio - social,

    inter-individual ou mesmo puramente 'interior' - e quaisquer que sejam tambm os tipos de

    suportes: lingstico, evidentemente, mas tambm plstico, gestual, espacial, etc.10 Esta uma

    descrio apta da abordagem semitica, conforme a pratico, qual eu acrescentaria apenas a

    circulao do sentido na sociedade como um tema de estudo importante.

    Na teoria semitica aqui utilizada, o termo discurso ir se referir a duas realidades distintas.

    Por um lado, o conjunto de dizeres ou de representaes da realidade formulado histrica e

    socialmente, que delimita as possibilidades de interpretar e agir no mundo, e que existe em formas

    mltiplas em cada sociedade, relacionando-se entre si de diferentes maneiras, sejam polmicas ou

    no11. Por outro lado, discurso um dos patamares do percurso gerativo do sentido12, no qual se

    7 A terminologia inspirada em CASTELLS, M. O poder da identidade. A era da informao: economia, sociedade e cultura. Vol. 2. So Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 23.8 Por texto, aqui, no me restrinjo ao produto da linguagem escrita, mas uso a palavra para me referir a todo e qualquer tipo de forma simblica que produza sentido e, assim, se preste apropriao social.9 No cabe, aqui, justificar epistemologicamente a opo metodolgica. Por mais importante que seja o mtodo, ele no passa de uma ferramenta construda para atingir determinados fins. Uma opo metodolgica no pode ser concebida, portanto, de forma metafsica, ou absoluta, como se apenas o mtodo escolhido seja capaz de realizar os fins desejados na pesquisa. A semitica greimasiana por mim praticada tem, tambm, suas peculiaridades em relao apropriao da mesma por outras e outros pesquisadores.10 LANDOWSKI, E. A sociedade refletida. Ensaios de Sociossemitica. So Paulo: EDUC/Pontes, 1992, p. 58.6011 Esta acepo similar de formao discursiva foucaultiana e empregada na chamada Anlise do Discurso francesa, de M. Pcheux e outros.12 Percurso gerativo do sentido um dos conceitos fundamentais da semitica greimasiana, que visa explicar e permitir a anlise do processo scio-cultural de constituio do sentido. um construto terico que, na prtica da leitura, pode

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  • concretizam, articulada ou estruturadamente, as representaes do sujeito em ao, tempo e espao;

    as significaes atribudas ao mundo seja em formas figurativas, seja temticas e os mecanismos

    retrico-argumentativos que visam convencer, persuadir os destinatrios do texto.

    Nos dois casos, um elemento fundamental para a compreenso do discurso a percepo do

    que se convencionou chamar de heterogeneidade constitutiva do discurso. A heterogeneidade

    construda mediante a interdiscursividade, conceito que afirma a diferena como processo fundante

    na constituio do discurso, e no a identidade do discurso consigo mesmo. 'Dizer que a

    interdiscursividade constitutiva tambm dizer que um discurso no nasce, como em geral ele o

    pretende, de algum retorno s coisas mesmas, [...] mas de um trabalho sobre outros discursos'

    (MAINGUENEAU, 1987:88). Ou seja, um discurso no se refere imediatamente s coisas de que fala,

    mas indiretamente, mediado por outros discursos, e assim sucessivamente, por meio de um processo

    de semiose infinita. Os mecanismos semiticos de construo e anlise da heterogeneidade so os

    da intertextualidade (a heterogeneidade presente no texto, ou plano de expresso)13 e da

    interdiscursividade (a heterogeneidade presente no nvel discursivo)14.

    2. O Evangelho de Marcos como expresso da construo identitria

    Um primeiro, e relativamente bvio, dado a se considerar que no Evangelho de Marcos

    encontramos uma narrativa mtica de origem. Necessrio se faz explicar esta descrio do livro

    marcano. Por mito de origem entendo, no uma construo falsificada da realidade histrica, mas a

    expresso da memria coletiva15 de um grupo (ou povo) que, ao permitir a elaborao de narrativas

    ser melhor entendido como a aplicao de diferentes olhares ou diferentes conjuntos de perguntas ao texto: olhar discursivo, olhar narrativo e olhar fundamental (o terceiro nvel do percurso gerativo, que tem a ver com as estruturas mais abstratas da constituio do sentido). O texto , ento, definido como o plano de expresso do percurso gerativo, que entendido como o plano do contedo.13 "A intertextualidade o processo de incorporao de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transform-lo. H de haver trs processos de intertextualidade: a citao, a aluso, a estilizao. [...] O primeiro processo - a citao - pode confirmar ou alterar o sentido do texto citado [...] a citao tambm pode ser feita em outra semitica ... [na aluso] reproduzem-se construes sintticas em que certas figuras so substitudas por outras, sendo que todas mantm relaes hiperonmicas com o mesmo hipernimo ou so figurativizaes do mesmo tema. [...] A estilizao a reproduo do conjunto dos procedimentos do 'discurso de outrem', isto , do estilo de outrem. Estilos devem ser entendidos aqui como o conjunto das recorrncias formais tanto no plano da expresso quanto no plano do contedo (manifestado, claro) que produzem ume feito de sentido de individualizao." (FIORIN, J. L. Polifonia textual e discursiva in BARROS, D. P. & FIORIN, J. L. (orgs.) Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. Em torno de Bakthin. So Paulo: EDUSP, 1994, p. 30-31.14 "A interdiscursividade o processo em que se incorporam percursos temticos e/ou percursos figurativos, temas e/ou figuras de um discurso em outro. H dois processos interdiscursivos: a citao e a aluso. A citao ocorre quando um discurso repete 'idias', isto , percursos temticos e/ou percursos figurativos de outros [...] a aluso que ocorre quando se incorporam temas e/ou figuras de um discurso que vai servir de contexto (unidade maior) para a compreenso do que foi incorporado." (FIORIN, op. cit., p. 33s.)15 Conforme o uso da expresso por Maurice Halbwachs, em La mmoire collective. Paris: PUF, 1968, 2a. edio.

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  • sobre suas origens, estabelece os principais contornos da sua identidade16. A memria coletiva,

    segundo Halbwachs, distingue-se da histria em dois aspectos principais: (a) formula uma estria

    contnua, das origens poca de sua formulao escrita, e s preserva aquilo que interessa ao grupo,

    de tal maneira que as fronteiras entre o presente e o passado do grupo so pouco ntidas; e (b) um

    povo possui vrias expresses da sua memria coletiva, no s ao longo do tempo, mas tambm ao

    longo das divises internas desse povo ou grupo social17. Em outras palavras, a memria coletiva

    possui interesses e critrios de construo distintos dos da pesquisa histrica. No se pode, por isso,

    contrapor memria e histria, como se a primeira fosse falsa e a segunda verdadeira. So, melhor

    dizendo, duas formas distintas de pensar o passado em sua relao com o presente, cada uma das

    quais com suas respectivas formas e critrios de validade.

    No Evangelho de Marcos, assim, encontramos uma das expresses da memria coletiva

    dos primeiros cristos. Conquanto se possa dizer com alguma certeza que o Evangelho foi redigido

    por um nico escritor, sua autoria deve ser percebida como mltipla a condensao por escrito

    da auto-compreenso de um dado segmento das igrejas crists no primeiro sculo. Entendido o

    Evangelho como narrativa mtica de origem, a pesquisa sobre o processo histrico de sua

    elaborao, desde a tradio oral at a forma final, pode ser tambm articulada como a pergunta

    sobre os mecanismos e processos de demarcao da identidade de um grupo cristo a partir de

    uma memria coletiva mais ampla e expressa de diferentes maneiras orais e escritas , ao invs de

    se focar exclusivamente a pesquisa nas distines entre o histrico e o teolgico, ou o que

    realmente aconteceu e o que as comunidades inventaram, como se fossem dois universos

    antagnicos lembrando-se de que na memria coletiva as fronteiras entre o passado e o presente

    identitrios do grupo no so ntidas. Com esta perspectiva em mente, o mais importante buscar os

    critrios mediante os quais essa parcela das igrejas crists selecionou os aspectos a serem

    lembrados e os que deveriam ser esquecidos. Um desses, possivelmente o mais determinante, era a

    necessidade de diferenciao entre pessoas que reconheciam Jesus como Messias e as que no o

    reconheciam dessa forma (especialmente judeus). A partir desse reconhecimento, os seguidores do

    Messias Jesus poderiam se identificar enquanto tal, em contra-distino aos no-seguidores do

    Messias Jesus (distino especialmente vlida para judeus, mas no s em relao a eles).

    Outra caracterstica importante para se analisar o Evangelho como expresso do processo de

    construo identitria a prpria auto-definio dessa narrativa mtica de origens. Ao caracterizar o

    tema do livro como euaggelion (Mc 1,1), o texto nos aponta para duas caractersticas fundamentais:

    16 Divirjo, por exemplo, da interpretao que Bultmann deu ao termo mito, bem como da interpretao das origens crists desenvolvida por Burton Mack, especialmente em A Myth of Innocence: Mark and Christian Origins. Minneapolis: Fortress Press, 1991.17 Ver a obra de Halbwachs, nota 13, acima, e tambm FERREIRA, L. M. A. & ORRICO, E. G. D. (orgs.) Linguagem, identidade e memria social. Novas fronteiras, novas articulaes. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. Quanto ao segundo aspecto da memria coletiva, a existncia de vrios evangelhos um exemplo da multiplicidade de memrias coletivas de um grupo ou povo.

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  • (1) nos convida a l-lo na seqncia da compreenso de evangelho presente em Isaas 40-66,

    especialmente nos caps. 40-55 que, alis, so bastante citados no conjunto do livro marcano. Ao

    fazer isto, o texto demarca uma identificao: com a linha de pensamento messinico derivada da

    interpretao do texto de Isaas e uma diferenciao: com relao s demais correntes messinicas

    do judasmo de seu tempo, especialmente as que identificavam o Messias com as figuras do rei

    conquistador, do revolucionrio nacionalista, ou do sumo-sacerdote; e (2) tambm nos convida a l-

    lo em relao ideologia imperial romana que utilizava a boa-nova como uma da suas

    representaes legitimadoras de seu domnio sobre os povos conquistados. Temos, ento, outra

    identificao: a comunidade de seguidores do Messias Jesus se identifica, usando nossa

    terminologia, com as vtimas do Imprio Romano e dos imperialismos em geral (que se pode

    depreender da utilizao do Dutero-Isaas, mas tambm da literatura apocalptica e sua

    mentalidade), e sua correspondente diferenciao: o Messias Jesus e a sua comunidade no exercem

    o poder da mesma forma como o exercem os senhores (imprios) humanos (cf. Mc 10,35-45).18

    Certamente, esta interpretao precisa ser confirmada e penso que o pelo conjunto do livro,

    que aponta nessa dupla direo na definio do ns e dos outros: a comunidade de cristos, de um

    lado, e o Judasmo e o Imprio Romano, de outro. Deve-se destacar o fato de que, como gnero

    textual, o evangelho uma novidade crist, o que tambm pode ser percebido como um mecanismo

    do processo de construo identitria. Em tais processos, a criao de novas formas de expresso

    verbal. pictrica ou literria pode ocupar lugar importante, na medida em que: A partir de Bakhtin,

    gnero pensado como um evento recorrente de comunicao em que uma determinada atividade

    humana, envolvendo papis e relaes sociais, mediada pela linguagem. [...] Estudamos gneros

    para poder compreender com mais clareza o que acontece quando usamos linguagem para interagir

    em grupos sociais, uma vez que realizamos aes na sociedade, por meio de processos estveis de

    escrever/ler, falar/ouvir, incorporando formas estveis de enunciados.19

    Se reconhecemos a dupla face do outro contra o qual a comunidade marcana constitui sua

    identidade no Evangelho, necessrio constatar que a linha mais comum na pesquisa exegtica tem

    sido a de focar quase que exclusivamente na face-outro mais prxima, a judaica o que pode ser

    explicado mediante (a) a constatao de que, sendo uma narrativa sobre Jesus, seu ambiente

    judaico, (b) a concentrao da pesquisa sobre o Jesus histrico, e (c) a decorrente abundncia de

    citaes das Escrituras judaicas e de formas de linguagem e expresso tpicos da cultura judaica.

    Entretanto, estudos mais recentes comeam a apontar tambm mais intensamente na direo dos

    18 H ampla bibliografia sobre o gnero evangelho e seu lugar social. Remeto apenas, por economia de espao, a MYERS, C. Binding the strong man. A political reading of Marks Story of Jesus. Maryknoll: Orbis Books, 1988, e BERGER, K. As formas literrias do Novo Testamento. So Paulo: Loyola, 1998 e suas respectivas bibliografias.19 MEURER, J. L. & MOTTA-ROTH, D. Introduo in MEURER, J. L. & MOTTA-ROTH, D. (orgs.) Gneros textuais e prticas discursivas. Bauru: EDUSC, 2002, p.11-12. A nova literatura especializada em gneros textuais deveria servir de apoio para uma urgente e necessria reviso dos estudos da crtica das formas no mbito da exegese bblica.

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  • contatos do evangelho marcano com o seu outro romano.20 Esta dupla face do outro marcano no

    deveria ser vista com estranheza. Nada mais natural naquele tempo, independentemente da

    localizao exata da comunidade e da redao do Evangelho. Seja originrio da Palestina, seja da

    Sria, ou, ainda, de Roma conforme antigas tradies a comunidade marcana certamente teria

    tido contatos com ambos os mundos culturais mais significativos de seu entrono: o judaico e o

    greco-romano. Neste caso, no necessrio postular que o escritor do livro tenha tido uma

    formao literria especfica, basta reconhecer a dinmica das trocas culturais que ocorriam no

    cotidiano dos contatos entre membros da comunidade e as pessoas de seu contexto.21

    Por fim, os aspectos formais e o contedo do Evangelho de Marcos sugerem que o mesmo

    seja interpretado como expresso de um processo emancipatrio de construo de identidade. Ora,

    os outros contra os quais a identidade da comunidade formada j possuem uma identidade

    bastante fixada, e, certamente, com fora de contedo e institucional suficientes para imp-las como

    dominantes sobre grupos contrrios. Tanto o Judasmo oficial quanto o Imprio Romano podem ser

    classificados, na tica da identidade, como formas de identidade legitimadora. Diante de

    identidades poderosas como essas, a comunidade marcana e as demais comunidades crists na

    poca teria como alternativas, ou a submisso identidade dominante, ou a resistncia mesma

    com a construo de uma nova identidade, de cunho emancipatrio22. Claramente, a existncia do

    Evangelho aponta para a segunda opo como a efetuada pela comunidade. Qualquer tenha sido a

    ocasio da elaborao do Evangelho seja o perodo entre 66 e 70 d.c. (que me parece mais

    plausvel), seja o perodo ps-70 d.c. a forma e o contedo do Evangelho indicam enfaticamente o

    carter emancipatrio da construo da identidade da comunidade marcana, que afirma seu direito

    de existir e de constituir sua prpria identidade sem se subjugar s formas identitrias legitimadoras

    presentes em seu contexto.

    Aps estas observaes de carter mais formal, est na hora de adentrarmos ao texto do

    Evangelho de Marcos para analisar como o mesmo constri a identidade messinica de Jesus. A

    identidade de Jesus ser o modelo para a identidade da prpria comunidade e a identidade da

    comunidade servir como veculo para a construo da identidade de Jesus. Neste artigo, meu

    enfoque recai no segundo processo, mas podemos reconstruir os contornos da identidade da

    comunidade marcana a partir dos traos definidores da identidade messinica de Jesus.

    20 Ver, por exemplo, ROBBINS, V. K. Jesus the Teacher. A socio-rhetorical interpretation of Mark. Philadelphia: Fortress Press, 1984; ROBBINS, V. K. & MACK, B. L. Patterns of Persuasion in the Gospels. Sonoma: Polebridge Press, 1989; e MACK, B. L. Rhetoric and the New Testament. Minneapolis: Fortress Press, 1990.21 Neste ponto importante apontar para a linha de pesquisa inaugurada por Bakhtin e seguida por muitos estudiosos da lingstica, literatura e da histria. No campo da histria, por exemplo, pode-se remontar noo de circularidade cultural, muito cara ao micro-historiador Carlo Ginzburg, presente em vrios de seus livros, por exemplo O queijo e os vermes: o cotidiano e as idias de um moleiro perseguido pela inquisio. So Paulo: Companhia das Letras, 1987.22 Sobre o conceito de poder emancipatrio, ver HABERMAS, J. O conceito de poder de Hannah Arendt in FREITAG, B. & ROUANET, S. P. (orgs.) Habermas: Sociologia. So Paulo: tica, 1980, p. 100-118.

    8

  • 3. Construindo a identidade messinica de Jesus em Mc 1,1 3,35

    Filialdade-Fidelidade

    A primeira caracterstica da identidade messinica de Jesus a sua filialdade fiel, ou sua

    fidelidade filial. Duas declaraes da filialdade de Jesus emolduram o Evangelho de Marcos: a

    introduo temtica em Mc 1,123 e a exclamao do centurio romano em Mc 15,39. No prlogo do

    Evangelho, alm da afirmao inicial no ttulo, Jesus chamado de filho (1,11b) pela voz do cu.

    interessante destacar que neste verso o prprio Pai de Jesus quem cita as Escrituras24: Tu s o

    meu filho amado [nico]25, em ti tenho prazer. A forma da citao merece destaque, pois temos a

    juno de pelo menos trs textos escritursticos: Gn 22,2 (12.16); Sl 2,7 e Is 42,1. O que este

    sincretismo textual nos conta sobre a identificao de Jesus como filho de Deus?

    (a) Como filho amado/nico o novo Isaque ele encarna o verdadeiro Israel, na condio

    daquele que ir sofrer pelo povo, tal como um cordeiro pascal: como Isaque, o cordeiro pascal, e

    servo sofredor, Jesus dar pleno prazer ao Pai nos cus somente quando enfrentar um embate brutal

    como nada menos do que a prpria morte. A equao midrxica subjacente ao anncio celestial de

    Mc 1,11 e paralelos explicita a teologia da eleio que est na base da j antiga e bem-estabelecida

    idia do filho amado: o eleito separado para a exaltao e a humilhao, para a glria e para a

    morte, mas o confronto com a morte vem em primeiro lugar.26 No toa que a ltima ocorrncia

    da expresso, no Evangelho de Marcos, se d na voz terrestre do centurio romano. A voz celestial

    e a voz terrestre confirmam a filialdade de Jesus, ambas destacando a sua trajetria da morte para a

    glorificao;

    (b) Esta interpretao reforada pela presena de Is 42,1 em Marcos. O filho do Pai

    celestial age como o servo (Marcos poderia ter usado o termo ambguo pais, mas sua preferncia

    por huios devida ao papel que o ttulo ocupa na estrutura do Evangelho), no s como aquele que

    traz justia a Israel e a todas as naes, mas tambm como aquele que rejeitado, sofre e morre

    para cumprir sua vocao e misso. claro que, no Evangelho, a rejeio, sofrimento e morte de

    Jesus somente so explicitados na segunda parte, embora j nos primeiros trs captulos tenhamos

    anncios prolpticos da sua paixo como este verso e Mc 3,6, bem como as indicaes sutis de 23 A autenticidade da expresso discutvel. No caso de sua ausncia do manuscrito original, porm, a funo da expresso como moldura para o livro permanece, a partir de sua ocorrncia em 1,11.24 O efeito de sentido parece ser o do reforo da autoridade das passagens escritursticas citadas, que desembocaria na validao mais intensa da interpretao que a comunidade marcana deu a esses textos bblicos nas suas polmicas teolgicas.25 luz da tradio judaica sobre Isaque, o termo agapts deve ser entendido nessa dupla acepo de filho amado e nico. Ver, entre outros, LEVENSON, J. D. The Death and Resurrection of the Beloved Son: The Transformation of Child Sacrifice in Judaism and Christianity. New Haven: Yale University Press, 1993. Leve-se em considerao, tambm, que no grego da LXX, quase metade de todos os usos de agaptos, amado, com filho, significa nico. (MANN, C. S., Mark. A new translation with introduction and commentary. New York: Doubleday, 1986, p. 201).26 LEVENSON, op. cit., p. 202.

    9

  • seu destino s mos dos governantes judaicos presentes nas controvrsias de Jesus com os fariseus,

    no captulo 3. Se, na citao de Gn 22, se apresente Jesus como o novo Isaque, agora ele

    apresentado como novo profeta e novo Moiss, o servo que dirige o povo de Israel em seu novo

    xodo.27

    (c) A estas identificaes, temos a adio do novo Davi28, mediante a citao do Salmo 2,7.

    A dimenso rgia da identidade messinica de Jesus qualificada pelas identificaes anteriores

    derivadas da citao sincrtica. Este um rei que efetivamente governa como libertador dos pobres,

    e no como conquistador das naes, o que demonstrado no Evangelho pelas aes de Jesus, mas

    tambm pela interpretao dessas aes em Mc 10,35-45. A tradio davidida da corte retomada

    aqui e deslocada em seu significado, com uma radical inverso que j pode ser vista parcialmente

    no Dutero-Isaas que, em certo sentido, democratiza a eleio de Davi (cf. Is 55,5) a qual pode

    apontar para a preferncia da comunidade marcana pelo davidismo popular (cf. Mq 5,1-4, etc.).29

    Como filho, Jesus fiel ao seu Pai. De vrias maneiras Mc 1-3 constri esta caracterstica

    da identidade messinica de Jesus. A primeira o prprio batismo de Jesus que, sob este tema,

    mostra a aceitao da vocao divina que o Pai lhe fizera, e que confirmada pela voz celestial.

    Logo a seguir, o relato extremamente conciso da tentao de Jesus (1,12-13)30, no qual a fidelidade

    de Jesus apresentada metaforicamente pela expresso estava com as feras e os anjos o serviam,

    e a clara implicao de que Jesus no aceitou a tentao de Satans, ou seja, no se desviou da

    vontade do Pai para ele. Aluses so feitas, neste pequeno trecho, ao sofrimento de J, tradio de

    Isaque no Judasmo (cf. Jubileus 17,15-16 onde Mastema induz Deus a provar Abrao), ao novo

    tempo messinico (Is 11,6-8; 65,25) e, talvez, ao jardim admico31. De novo ressalta o mecanismo

    usado por Marcos para dar validade sua interpretao da messianidade de Jesus, em contraposio

    s interpretaes judaica e greco-romana.

    A seguir vem a sntese da pregao de Jesus, em Mc 1,14s, que explicita que Jesus prega a

    boa-notcia do Pai, o Deus que reina. A linguagem desses versos plena de aluses, tanto

    apocalptica quanto profecia vtero-testamentria (cf. Is 40,9-11; 52,7-10; Ez 7,12; Dn 12,4.9;

    27 No necessrio aceitar toda a interpretao de Baltzer, mas fundamental que levemos em considerao a releitura do xodo no Dutero-Isaas e a vinculao do servo com Moiss. BALTZER, K. Deutero-Isaiah. A commentary on Isaiah 40-55. Minneapolis: Fortress Press, 1999, p. 20.28 Ver, e.g., SCHWANTES, M. Esperanas messinicas e davdicas. Estudos Bblicos Vol./No. 23. Petrpolis: Vozes, 1989, p. 18-29, e SCHWANTES, M. Elementos de um projeto econmico e poltico do messianismo de Jud. Gnesis 49, 8-12. Uma antiga voz judata interpretada no contexto da Histria da Ascenso de Davi ao Poder (1Samuel 16 at 2Samuel 5), RIBLA n.48. Petrpolis: Vozes, 2004, p.25-3329 Schnackenburg enxerga aqui, tambm, a possibilidade da figura sacerdotal: (2) Sumo sacerdote messinico, segundo a conexo entre Sl 2,7 e Is 42,1, que levara expectativa de um messias sacerdotal, talvez ao lado do Messias davdico poltico (cf. os textos de Qumran 1QS 9,11; CD 19,10; 20,1 e, no Testamento dos doze Patriarcas, o Test.Lev 4,2; 17,2;18,6s). SCHNACKENBURG, R. Jesus Cristo nos Quatro Evangelhos. So Leopoldo: Editora Unisinos, 2001, p. 61.30 O mesmo Esprito de Deus que desce sobre Jesus, no batismo, agora o impele ao deserto para ser tentado. A direo do Esprito sobre a vida de Jesus, filho de Deus, outro sinal de sua fidelidade ao Pai e da peculiaridade da sua condio de filho de Deus, em contra-distino com as noes mais correntes no contexto da poca.31 Sobre a possvel presena de uma tipologia admica aqui, ver MANN, C. S. op. cit., p. 204.

    10

  • etc.), e destaca a fidelidade do filho ao Pai, que no s anuncia o evangelho dele, mas tambm lhe

    obedece e segue o seu plano para a histria da humanidade. Enfim, os primeiros atos messinicos de

    Jesus demonstram sua fidelidade ao Pai, na medida em que ele realiza aes que correspondem ao

    carter e agir de Deus-Pai, e as faz em obedincia ao Seu governo real: elege o novo Israel (1,16-

    20+3,13-19; 2,13-17.18-22; 3.31-35), derrota os inimigos do Pai demnios (1,21-28.34b.39; 3,11-

    12.20-35), doenas e impureza (1.2-31.32-34a.40-48; 2,1-12; 3,1-6.10) , ora e busca foras do Pai

    (1,35), e faz a vontade dele (cf. 3,35).32

    Cabe um retorno primeira percope do Evangelho (1,2-8) sobre o precursor de Jesus33.

    Joo Batista identificado como o preparador para a chegada do Messias atravs de diferentes

    mecanismos textuais: (a) citao sincrtica de Ex 23,20 (LXX); Ml 3,1 (TM) e Is 40,3 (LXX) que

    aponta para caractersticas significativas, ligadas aos temas do novo xodo e da purificao de

    Israel. A combinao de x 23,20 e Ml 3,1 j aparece no pensamento rabnico, bem como na forma

    da traduo de ambos os textos pela LXX. Isso talvez ajude a explicar porque o texto apresenta as

    citaes como sendo apenas de Isaas. Por um lado, a juno de do texto de Isaas aos outros dois

    a novidade marcana; por outro, forma uma adequada moldura para o prlogo, pois Mc 1,14-15

    marcado tambm pela linguagem e iderio de Isaas 40-55. Destaque-se o fato de que ele prepara o

    caminho do Senhor, ou seja, de Deus o caminho do Messias subsidirio do caminho de Deus;

    (b) a caracterizao proftica de Joo, ao estilo de Elias, pregando batismo de volta para Deus, no

    deserto, vestido de forma tpica; e (c) a fala do prprio Joo, que reconhece ser apenas um precursor

    daquele que mais forte do que ele (v. 7), vocbulo que ir retornar na controvrsia entre Jesus e os

    escribas por ocasio da acusao dele expulsar demnios pelo poder de Belzebu (3,27 claramente,

    Jesus o mais forte que expulsa o homem forte). O conjunto destas identificaes e diferenciaes

    constri a fidelidade de Jesus ao Pai. Mediante a caracterizao de Jesus como filho-servo fiel, a sua

    messianidade apresentada de forma mais plausvel para o outro-judeu, na medida em que (a) esta

    era uma qualidade esperada do Ungido hebreu, e (b) a noo da messianidade de Jesus possui tons

    sincrticos, revestindo-se de diversas figuras tpicas do Messias Isaque, Davi, Moiss, Ado,

    profeta.34

    32 Se o foco recasse sobre a identidade da comunidade marcana, deveramos discutir as implicaes deste tpico para com a diferenciao da comunidade em relao ao Imprio Romano.33 Que no livro marcano Joo precursor de Jesus independe do sentido das palavras do prprio Joo, que podem no se referir ao Messias cfe. a discusso em GUELICH, R. Mark 1-8:26. Dallas: Word Books, 1989, p. 22-24.34 Tendo em vista que a noo de filho de Deus era comum no Judasmo e no mundo gentlico, com vrios sentidos, e faz, assim, parte do campo semntico-teolgico da filialdade messinica de Jesus como seus outros , o Evangelho constri esta caracterstica com especial riqueza de detalhes.

    11

  • Solidariedade com pessoas impuras e pecadoras35

    Este Messias filho-fiel ao Pai , simultaneamente, solidrio com pessoas impuras e

    pecadoras36. A primeira ao concretizadora dessa solidariedade o batismo de Jesus por Joo (1,9-

    11). Jesus desce da Galilia e se apresenta a Joo para ser batizado note o contraste entre a fala de

    Joo sobre Jesus e a submisso de Jesus ao batismo de Joo. Ao ser batizado, Jesus assume

    simbolicamente a condio de pecador, de pessoa impura, de membro do povo que precisava da

    salvao e da vinda do Messias de Deus. Essa solidariedade messinica tambm marco de

    esperana, pois na sua pecaminosidade simblica, o Messias afirma a pecaminosidade do sistema

    que mantm o povo judeu debaixo da servido, e torna iminente a sua destruio. Isto reforado

    pela ida de Jesus, lanado pelo Esprito, ao deserto para ser tentado. Assume, assim, a condio do

    povo que sofre, da pessoa que tentada na sua finitude, do Israel que teima em desobedecer a Deus.

    Ao vencer a tentao, porm, a solidariedade messinica de Jesus abre as portas para a aurora do

    Reino, para a vitria sobre o sofrimento e o pecado, para o fim do sistema classificatrio da

    impureza, e para a unidade da humanidade admica. Devem-se notar as diversas aluses

    interdiscursivas destas percopes: o deserto um smbolo amplamente usado nas Escrituras como

    lugar da provao, da solido, da travessia para a libertao; a companhia de animais pode aludir a

    Ado com os animais em Gn 2,1-7, e os anjos servindo a Jesus podem ser uma aluso a episdio da

    vida de Elias, em I Rs 19,1-8. Poderamos, ento, falar de Jesus tambm como novo Moiss, que

    lidera o povo no deserto, o novo Ado que participa da nova criao de Deus, e o novo Elias que

    mantm a fidelidade a Deus mesmo em meio pior idolatria. O estilo da narrativa marcana deve ser

    visto, assim, como altamente sugestivo.

    Da Galilia ao Jordo, deste ao deserto, ento, de volta Galilia. O percurso geogrfico

    de Jesus o percurso da impureza. Mateus refora este aspecto com uma citao escriturstica.

    Marcos deixa para seus leitores a percepo do significado do incio do ministrio do Messias se dar

    na Galilia, na regio desprezada e estigmatizada pelo Judasmo oficial. Terra de pessoas impuras e

    pecadoras a terra onde Jesus comea seu ministrio messinico, pois, afinal de contas, ele no

    veio para chamar justos, mas pecadores (Mc 2,17). na Galilia que se afirma, pela primeira vez, a

    chegada do Reino de Deus, o que contrasta com o livro-texto de Marcos, Isaas 40-55, em que o

    Reino de Deus vem a Jerusalm. Este deslocamento operado na relao interdiscursiva, doutra

    forma sempre contratual, no deveria passar desapercebido, pois um importante indicativo da

    35 Na bibliografia especializada, mais comum se falar de Jesus como proclamador do Reino de Deus. Este tpico, bem como o prximo, retoma essa atividade de Jesus, mas a interpreta diferentemente, luz da construo identitria, e no luz da atividade ministerial de Jesus.36 Nos comentrios e cristologias mais tpicos, o ttulo filho de Deus interpretado de forma especial como destacando a fidelidade de Jesus ao Pai em sua caminhada para a morte. Raramente se destaca a sua fidelidade na solidariedade com as pessoas impuras e pecadoras em sua caminhada terrena cotidiana. E.g. O ttulo Filho de Deus preenche, para Marcos, uma viso resumida daquele Jesus atuante na terra, equipado por Deus com Esprito e poder, palmilhando, no entanto, na obedincia, seu caminho at a cruz. SCHNACKENBURG, R. op. cit., p. 66.

    12

  • opo de Jesus pelas pessoas impuras e pecadoras, bem como de sua oposio identidade

    legitimadora de seu tempo.

    A boa notcia da chegada do Reino deve ser recebida com arrependimento e converso,

    uma hendadis que muitas vezes tem sido desconsiderada, e seus termos interpretados isoladamente.

    tentador ver aqui um outro deslocamento e jogo de palavras interdiscursivo com relao a Is

    52,7ss: ao invs de sair da terra impura para voltar a Jerusalm e receber o Reino, na prpria terra

    impura que se pode voltar para Deus, que nela inaugura o seu Reino. Ainda que este deslocamento

    no seja prprio ao texto, no se deve ler a hendadis arrependimento e converso nos moldes

    morais ou conversionistas mais tpicos do Cristianismo moderno. Essa leitura erra ao identificar o

    chamado de Jesus volta para Deus com o chamado de Joo Batista para o perdo dos pecados. O

    convite de Jesus para a liberdade: pessoas impuras e pecadoras so convidadas a, alegremente,

    voltar para Deus que se volta para elas, o que significa ser libertado das cadeias que aprisionam e

    mantm a pessoa longe de Deus. O pecado a ser vencido no , aqui, o pecado pessoalmente

    cometido, mas o pecado enquanto estruturado em sistemas identitrios que impedem o acesso ao

    reino de Deus.37

    A escolha dos discpulos outro meio do texto marcano demonstrar a solidariedade de

    Jesus com pessoas impuras e pecadoras, especialmente em 1,16-20 e 2,13-17, mas tambm em

    3,13-19. J conhecimento comum de que uma das diferenas entre Jesus e os rabinos judeus o

    ato de escolher os discpulos, ao invs de ser escolhido por eles. Do ponto de vista formal, Mc 1,16-

    20 remete alusivamente ao chamado de Eliseu (I Rs 19,19-21), texto que parece estar no pano de

    fundo de vrios dos textos que tratam do relacionamento de Jesus com seus discpulos. Sendo Jesus

    um novo Elias, tal aluso naturalmente esperada. Ressalte-se o fato de que os primeiros novos

    patriarcas do novo Israel virem da Galilia e serem pescadores no s vinham da terra impura,

    mas tambm eram membros de grupo social explorado economicamente.38 Levi, o publicano e

    pecador (2,13-17) tambm chamado por Jesus para o discipulado, e a refeio com os impuros em

    sua casa um dos pontos altos da controvrsia jesunica com o Judasmo. O chamado dos Doze,

    segundo Mc 3,13-17, tambm se d na Galilia, em uma montanha, e expressa numericamente o

    simbolismo do novo Israel, cuja libertao e salvao se daria, no a partir de Jerusalm, mas da

    Galilia. No conjunto, estes trs textos apontam para o caminho da salvao como um caminho

    construdo juntamente com pessoas impuras e pecadoras. No da sala de visitas, mas do poro que

    brota a libertao trazida pelo Reino de Deus.

    37 Interpretao similar pode ser encontrada em OLIVA, J. R. O caminho do mais forte. Breve comentrio sobre o prlogo do Evangelho de Marcos, Estudos Bblicos n. 64. Petrpolis: Vozes, 1999, p. 49.38 Ver HANSON, K. C. & OAKMAN, D. E. Palestine in the time of Jesus. Social structures and social conflicts. Minneapolis: Fortress Press, 1998, p. 106-110.

    13

  • Em 1,21-45 (retomado sinteticamente em 3,7-12) encontramos uma forte concentrao de

    aes de Jesus, retratando em rpidas pinceladas seu ministrio na Galilia. Ressaltam, aqui, os

    exorcismos e as curas como a mais forte expresso da solidariedade de Jesus com impuros e

    pecadores. A primeira cura relatada a de uma mulher, em casa, e a linguagem de 1,29-31 tpica

    de relatos de cura e exorcismo39. Do ponto de vista da construo da identidade de Jesus a nfase

    deve ser posta na mulher que curada e, depois, serve a Jesus uma refeio pois ela representa

    no s a parcela da populao marginalizada na religio, como tambm a casa, como lugar sagrado,

    ento rejeitado pela identidade legitimadora que circulava pelo Templo e sinagogas.40

    Depois dos sumrios sobre a pregao, curas e exorcismos de Jesus na Galilia, a seo

    encerrada com o relato da cura de um leproso (1,4-45). Nenhuma doena poderia exemplificar

    melhor a condio de impureza do que a lepra, na medida em que estava classificada na Escritura

    (Lv 13-14), e concretizada na excluso dos portadores da doena do convcio religioso e social

    normal. Freqentemente considerada como punio divina para pecados srios, esta doena

    pertencia ao rol dos piores males que afligiam algum, morte em vida, cuja cura equivalia

    ressurreio (2 Rs 5,7; Str.-B., 4:745).41 A linguagem da percope acentua ao extremo esta

    caracterstica: a impureza o tema da splica do leproso, que Jesus aceita e concretiza a

    purificao. Jesus ordena que o homem seja limpo e que a lepra saia dele, e ele ficou limpo - note,

    novamente, a relao entre cura e exorcismo, na ordem para a doena sair. Tendo tornado o homem

    puro, Jesus o instrui a receber a declarao de pureza do sacerdcio, conforme Moiss, com vistas

    sua plena reinsero social. Jesus purifica o leproso no s mediante a palavra de ordem, mas

    tambm mediante o toque. Ao toc-lo, Jesus expressa enfaticamente a sua solidariedade com

    pessoas impuras, pois quebrou severo tabu e seus correspondentes medo e preconceito. A percope

    conclui com uma expresso altamente simblica da solidariedade de Jesus: assim como o leproso,

    ele no podia mais entrar publicamente nas cidades, e permanecia em lugares ermos. E de toda

    parte as pessoas iam procur-lo. As pessoas comeam a perceber que a oferta da vida est com

    Jesus, fora da sociedade injusta, na periferia, e no no centro, no Templo, com os sacerdotes e

    doutores da Lei. Estes no tardaro a reagir, pois comeam a perder o controle: a lei da pureza, que

    consideram intocvel, foi violada no s por Jesus, mas tambm pelas pessoas que acorrem a Ele.42

    A solidariedade de Jesus est intimamente ligada sua oposio identidade legitimadora,

    pelo que, tratarei da percope sobre o exorcismo (1,21-28) e da seo sobre as controvrsias de

    39 Ver GUELICH, op. cit., p. 62s; THEISSEN, G. The Miracle Stories of the Early Christian Tradition. Edinburgh: T & T Clark, 1971.40 Para uma interpretao dos espaos em Marcos, v. SOARES, S. A. G. Casa e caminho: a boa-notcia se faz corpo em nossos corpos, Estudos Bblicos n. 64. Petrpolis: Vozes, 1999, p. 23-35.41 GUELICH, op. cit., p. 73.42 BALANCIN, E. M. Como ler o Evangelho de Marcos. Quem Jesus? So Paulo: Paulinas, 1991, p. 38.

    14

  • Jesus (2,1-3,6) no prximo tpico, embora tais textos tambm pudessem ser discutidos nesta seo.

    Semelhantemente, as percopes que abordei nesta seo no sero rediscutidas a seguir.

    Oposio identidade legitimadora

    Ao construir a identidade de Jesus como um Messias no-ortodoxo para os padres da

    leitura bblica da identidade legitimadora e cuja prxis solidria o identificava com impuros e

    pecadores, a oposio a essa identidade uma decorrncia lgica. A fim de evitar ampliao

    demasiada do tamanho deste ensaio, nesta seo apenas discutirei as percopes ainda no abordadas,

    deixando a voc, leitora ou leitor, a tarefa de perceber este tema nas percopes tratadas nas sees

    anteriores. A identidade legitimadora naquele contexto estava sistematizada em torno das noes de

    dbito e impureza, e institucionalizada no Templo e sinagogas, com saduceus e fariseus disputando

    e ocupando o lugar de verdadeiros intrpretes da Escritura e dirigentes do povo de Deus.43

    Em Mc 1,21-28 lemos o relato do primeiro exorcismo de Jesus, que ocorre em uma

    sinagoga em Cafarnaum. A passagem familiar: na sinagoga irrompe um esprito impuro que

    expulso por Jesus, que, com isso, provoca uma admirada reao da audincia sinagogal, que o

    reconhece como portador de um novo ensino, com autoridade, diferentemente do dos escribas. O

    ato pode ser visto como provocatrio. No espao-tempo (sbado na sinagoga) institucional da

    identidade legitimadora, na casa dos mestres-fariseus, Jesus anuncia um novo ensino, e se

    qualifica como um mestre legitimado por Deus, j que possui autoridade para expulsar demnios. O

    tema decisivo, aqui, no deve ser o da didtica de Jesus, ou do seu poder de efetuar exorcismos,

    como se tem destacado em vrios comentrios e interpretaes da percope. O tema decisivo , sim,

    a frontal oposio de Jesus identidade legitimadora, expressa textualmente pela presena e

    expulso do esprito impuro, e a reao da audincia44. A oposio pureza-impureza , neste

    episdio, invertida totalmente o espao da pureza (sinagoga), encravado no espao da impureza

    (Galilia) , de fato, o espao da impureza, e vice-versa (cf. Mc 1,14-15). Jesus que pode ser

    chamado de o santo de Deus (ttulo no-messinico, que alude tanto aos nazireus, quanto a

    Eliseu45), e no o Templo, a sinagoga, ou seus representantes. Que a verdade saia da boca de um

    esprito impuro ironia no mais elevado estilo. O novo ensino de Jesus visto como a grande

    ameaa, pois subverte a ordem simblica, e desafia a identidade legitimadora.

    43 Sigo, com algumas modificaes, a interpretao de F. Belo, A materialist reading of the Gospel of Mark. Maryknoll: Orbis Books, 1981, p. 37-59 e sua releitura em MYERS, C. O Evangelho de So Marcos. So Paulo: Paulinas, 1992, p. 101-113. 44 Na terminologia greimasiana, a reao da audincia e o exorcismo so objetos modais (que modalizam o sujeito, ou seja, dotam o sujeito de meios para realizar seus fins) e no os objetos-valor na percope. O objeto-valor a oposio ao sistema de pureza-impureza, o exorcismo e a reao da audincia so meios necessrios para se alcanar esse objeto-valor.45 Ver MANN, op. cit., p. 212-213.

    15

  • A diferena fundamental entre as curas e exorcismos de Jesus, em relao s realizadas por

    outros mestres judeus, ou milagreiros gentios, no est nos milagres enquanto tal, mas na sua

    significao perante a identidade legitimadora. Como a cura, o exorcismo representa ato de

    confronto na guerra de mitos em que Jesus afirma sua autoridade alternativa. Somente essa

    interpretao pode explicar por que o exorcismo est em jogo no contra-ataque dos escribas dirigido

    a Jesus posteriormente em 3,22ss.46 Mediante estes atos que concretizam a sua solidariedade com

    impuros e pecadores, Jesus denuncia a falsidade da identidade legitimadora e convida o povo

    construo de uma nova identidade, de um novo Israel, este sim fiel Escritura dos hebreus.

    A polmica narrada em 3,20-35 remete diretamente a esta percope inaugural dos

    exorcismos de Jesus, bem como identidade de Jesus como o mais forte em Mc 1,7 e vitria de

    Jesus sobre Satans, no deserto, em Mc 1,12-13. A estrutura da seo bastante conhecida: a

    polmica entre escribas e Jesus (22-30) emoldurada pela controvrsia sobre a famlia de Jesus (20-

    21+31-35). A questo sobre a famlia de Jesus simboliza o novo Israel pertence a Israel quem

    pratica a vontade de Deus, assim como Jesus a praticava e no quem pode traar a sua genealogia

    s origens adequadas. A preocupao, emocionalmente compreensvel, de familiares de Jesus

    transformada, textualmente, na base da polmica contra o sistema de parentesco, vinculado ao da

    pureza, que regia o acesso das famlias terra e a Deus.47 interessante constatar que a

    categorizao de Jesus como louco similar caracterizao da loucura de Deus, por Paulo, em I

    Co 1,18ss.

    Estamos em Cafarnaum e Jesus veio para casa (v. 20). Escribas de Jerusalm partem para a

    polmica, e acusam Jesus de ser possesso por Belzebu (para o nome, v. 2 Rs 1,2ss)48, o que lhe

    conferiria autoridade para expulsar demnios. Ao invs de o santo de Deus, Jesus caracterizado

    pela identidade legitimadora como um impuro, diferenciando, assim, sua posio identitria diante

    do ensino e da prxis de Jesus no visto como portador do reino de Deus, mas como portador do

    reino demonaco Jesus o outro negado, ou, demonizado49. Diz o texto que Jesus respondeu

    parabolicamente50 aos escribas. Na primeira parte de sua resposta, Jesus se recusa a usar o nome

    pejorativo Belzebu e, usando o termo mais prprio, Satans, apresenta discusso dois exemplos,

    tpicos da sabedoria popular: como poderiam sobreviver um reino ou uma casa divididos

    internamente? claro que a resposta negativa. Dessas perguntas retricas decorre a questo 46 MYERS, op. cit., p. 183.47 Ver KIPPENBERG, H. G. Religio e formao de classes na Antiga Judia. So Paulo: Paulinas, 1988, p. 22-39 para traar as origens destes vnculos no perodo do Segundo Templo.48 No necessrio, aqui, discutir a forma textual, a traduo e o sentido do termo. Ver Guelich e Mann, por exemplo, para detalhes e bibliografia.49 Em discusses sobre a identidade e a diferena se tornou uma metfora comum a expresso demonizar, que indica o mais elevado grau de discriminao e negao do outro.50 Ser necessrio entender o modo parablico aqui empregado por Jesus como equivalente ao seu ensino parablico aos discpulos? No vejo necessidade de pressionar o texto por uma resposta a esta pergunta. Basta destacar que esse modo de falar de cunho enigmtico, ou seja, no-literal e provoca uma resposta no s intelectual, mas tambm existencial da parte de quem recebe a parbola.

    16

  • decisiva: como poderia ele, Jesus, expulsar demnios por Satans? Isto seria um ato contra o

    prprio reino satnico que seria conduzido ao seu trmino. claro que esta resposta de Jesus

    assume a validade das concepes judaicas do mundo espiritual, especialmente a noo da

    hierarquia entre os anjos e demnios, o que necessrio para o bom funcionamento de uma

    parbola.

    Na segunda parte da resposta de Jesus encontramos uma apropriao de Isaas 49,24-25,

    cuja relevncia ressaltada pelo uso da palavra forte, que retoma a identificao de Jesus como o

    mais forte, em Mc 1,2ss. interessante que esse texto seja usado em uma parbola sobre o roubo de

    uma casa (a figura de Jesus como um ladro tambm aparece em Mt 24,43; I Ts 5,2ss, etc.), pois

    em Isaas est num contexto de libertao nacional. Possivelmente temos aqui um jogo duplo de

    palavras com os ditos da primeira parte da resposta de Jesus reino e casa o vnculo com reino

    deriva do texto isainico, o vnculo com a casa das prprias palavras de Jesus no texto marcano.

    No se pode resistir ao convite para ver nesses dois termos aluses ao aparato institucional da

    identidade legitimadora poder poltico (reino) e poder religioso (casa). O reino de Jesus um

    reino de plena libertao, e retrata a identidade legitimadora como usurpao da identidade

    tradicional do povo de Deus, conforme a Escritura e o agir de Deus..

    A terceira parte da resposta de Jesus usando linguagem solene e hiperblica constri

    um clmax apropriado denncia do carter opressivo da identidade legitimadora: quem atribui os

    exorcismos de Jesus ao poder satnico est blasfemando (v. Lv 24,15-16 para o carter hediondo da

    blasfmia contra Deus, texto que pode estar no pano-de-fundo deste trecho de Marcos) contra o

    Esprito Santo51, e no tem perdo pecado para a eternidade. No h salvao no estilo de vida

    definido pela identidade legitimadora. Permanecer nela ficar fora do alcance do reino de Deus,

    que a subverte e promove uma nova e emancipadora identidade. A pregao do reino de Deus,

    segundo Mc 1,14-15, demanda uma resposta alegre e comprometida de voltar-se para o Deus da

    liberdade e libertao, para o Deus da solidariedade com os que clamam. Blasfemar contra o

    Esprito que acompanhou o ministrio de Jesus equivale a rejeitar a mensagem do evangelho, a

    recusar-se a entrar no reino de Deus, voltando para o caminho inaugurado para o povo judeu

    pelo Senhor no xodo. Jesus quem caminha no trilho da verdadeira f no Deus dos hebreus.

    importante perceber o vnculo entre esta declarao de no-perdo com a declarao de perdo em

    Mc 2,1-12. Jesus, o Filho do Homem, divino Messias, no s tem poder para perdoar pecados, mas

    tambm para reter a culpa!

    Para finalizar este breve ensaio, volto minha ateno a Marcos 2,1-3,6 um conjunto de

    cinco percopes articuladas literariamente de forma quistica: as percopes da moldura externa

    tratam de curas de portadores de deficincias fsicas (2,1-12 e 3,1-6), as duas da moldura interna

    51 Que o Esprito Santo seja o objeto da blasfmia um claro indicativo da linguagem da comunidade crist.

    17

  • tratam de refeies proibidas (2,13-17 e 2,23-28), sendo que a percope central (2,18-22), tratando

    de jejum, tematiza a novidade trazida por Jesus.52 Mantendo o olhar focado na questo identitria,

    da oposio identidade legitimadora, os seguintes aspectos devem ser enfatizados.

    Em 2,1-12 Marcos identifica Jesus como o Filho do Homem, conferindo a esse ttulo uma

    dignidade apocalptico-messinica incomum, chegando a identificar o Filho do Homem, Jesus, com

    o prprio Deus.53 O episdio destaca a rejeio da fundamentao identitria na pureza e no dbito.

    O sistema classificatrio binrio da identidade legitimadora aqui subvertido de forma enftica

    mediante a declarao de perdo ao portador da deficincia fsica classificado como pessoa

    impura, assaltada por graves pecados. Os escribas entendem essa declarao de Jesus como uma

    usurpao da prerrogativa divina de perdoar pecados (cf., e.g., Is 43,25; 44,22 embora nesses

    textos no seja explcito que s Deus perdoa pecados), uma declarao blsfema note que em

    3,21ss Jesus quem acusa os escribas de blasfemadores. objeo dos escribas Jesus responde

    com a cura do paraltico, e o famoso dito da autoridade do Filho do Homem.

    O paralelo com Mc 1,21-28 ressalta vista. Em ambos a autoridade (exousa) de Jesus

    que est em jogo. Naquela ocasio, a autoridade para ensinar. Aqui, para perdoar pecados. O

    novo ensino de Jesus, a nova identidade por ele proposta, invalida o ensino e a identidade baseada

    na interpretao da Tor pelos escribas. Claramente um termo poltico, a exousa de Jesus nega a

    legitimidade da autoridade poltica judaica por isso, provavelmente, a nfase de na terra,

    atribuda autoridade do Filho do Homem (uma figura celestial em Daniel captulo 7). Que o Filho

    do Homem, em Dn 7, personificao celeste de Israel pode ter implicao interessante aqui os

    seguidores de Jesus, o Filho do Homem, tambm tm autoridade para perdoar pecados, ou: o novo

    Israel inaugurado por Jesus suplanta o velho Israel da identidade legitimadora. O perdo, mediante a

    f (v. 5), substitui o dbito pela ddiva54; a cura, transforma a impureza em pureza.

    A percope paralela (3,1-6) tambm toca na ferida. Jesus oferece uma nova interpretao da

    Tor, com relao ao sbado, um tpico especialmente importante na identidade legitimadora. Ao

    desafiar a interpretao oficial e quebrar a lei dentro da sinagoga, na casa de seus adversrios,

    Jesus abertamente rejeita e deslegitima a sua verso da identidade do povo de Deus. Tambm aqui a

    cura o sinal visvel da autoridade messinica de Jesus. A reao dos fariseus retoma a dos escribas

    em 2,1-12. Conspiram com os herodianos para matar Jesus e ser a acusao de blasfmia (Mc

    14,64) o libelo condenatrio de Jesus.

    52 Como em outros casos, no fao aqui crtica literria, nem tento traar a trajetria destas percopes na histria das comunidades crists primitivas, tarefas importantes que cabem em outros espaos. 53 Semelhantemente, no discuto o processo histrico de constituio do ttulo, nem as questes filolgicas e gramaticais cercando a traduo do termo grego mas certamente as tenho levado em considerao. Para tanto, veja-se os comentrios e ensaios especializados.54 Sobre a ddiva como sistema simblico, v. por exemplo, GODELIER, M. O enigma do dom. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001 uma atualizada discusso baseada no clssico de Marcel Mauss.

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  • Os episdios da moldura interna, vinculados a refeies proibidas, trazem mais dois

    mecanismos de rejeio da identidade legitimadora: (1) ao manter comunho de mesa com

    publicanos e pecadores, Jesus rompe as fronteiras delimitadoras do ns/outros do sistema oficial.

    Os que eram o outro demonizado e sem acesso ao reino de Deus, passam a ser o ns em comunho

    com o Messias e com acesso aberto ao reino divino. Ao antigo ns s resta uma alternativa:

    reconhecer-se como pecadores (romper com a lgica do dbito/pureza) e aceitar a oferta messinica

    de perdo e comunho.55 (2) A resposta de Jesus acusao dos fariseus aos seus discpulos, usando

    um episdio de I Sm 21 para interpretar Dt 23,26 o ato de Davi como um precedente para no

    cumprir um mandamento da lei pode ser interpretada de maneira mais forte do que apenas dizer

    que Jesus usou o precedente da pessoa importante para justificar o ato de seus discpulos (cf. Mann,

    entre outros). Ao ler um trecho da Tor a partir de um trecho dos Profetas, o ato de Jesus pode,

    talvez, ser interpretado como uma recusa da hierarquia cannica, que permitia aos fariseus proteger

    o seu sistema interpretativo da Tor de ataques com autoridade escriturstica. Se isso for possvel, a

    deslegitimao da identidade legitimadora evidente.

    Independente de (2), acima, o dito de Mc 2,27s suficientemente forte para indicar a no

    validade da identidade legitimadora. O tema do sbado, j vimos, era crucial para o sistema do

    dbito. O ser humano obrigado a guardar o sbado pois esse um ndice da obrigao de

    guardar toda a lei do dever, do dbito da pessoa para com a Lei divina. Se, porm, o sbado que

    tem obrigao para com o ser humano ele fora feito por Deus para benefcio do ser humano para

    descansar do trabalho que oprime, o sistema de dbito se transforma em sistema de ddiva: a Lei

    deve ser interpretada a partir da misericrdia, da graa divina, e no da severidade divina. Esta

    lgica da graa j est presente, e.g., no Deuteronmio porque Jav deu a terra ao povo que ele

    deve seguir a lei de Jav. O novo Israel, com sua nova identidade emancipatria, continua vinculado

    lei de seu Deus, mas esta lhe serve como guia da justia libertadora, e no da justia retributiva da

    identidade legitimadora.56

    Chegamos, assim, percope central deste bloco. O jejum, outro tema caro tradio

    farisaica, serve de motivo para um ensino de Jesus sobre a novidade. Focando exclusivamente na

    questo identitria, poderamos dizer, sinteticamente, que a nova identidade no suporta a antiga,

    no possvel o sistema da ddiva conviver com o do dbito um anula o outro. Estaria, por detrs

    destas afirmaes, uma leitura de Isaas 58 sobre o jejum agradvel a Deus? tentador pensar que

    sim, mas impossvel provar. De qualquer modo, o sentido da passagem no contexto do Evangelho

    claro: novo e velho no podem conviver. A liberdade no casa com sistema classificatrio baseado

    55 No so adequadas as interpretaes psicologizantes dos justos no dito jesunico as pessoas que se auto-consideram justas. O contraste hiperblico e deve ser mantido assim. Justos e pecadores enquanto justos e pecadores concretos, no sistema simblico de ento.56 Sobre possveis implicaes econmicas e de ao social, v. o comentrio de Ched Myers sobre a percope.

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  • em dvidas e estados quase-imutveis de impureza-pureza. Na lgica da identidade emancipatria

    do Messias Jesus, todas as pessoas so igual e simultaneamente puras e impuras, anulando-se,

    assim, a lgica do sistema. Como diria Paulo, se todos so pecadores, no h privilegiados, no h

    sentido em se pensar numa distino classificatria entre puros e impuros. A noo jesunica de

    pecado em Marcos, como a paulina, nivela todas as pessoas sob o signo da misericrdia de Deus,

    concretizada na solidariedade do Messias com as pessoas impuras e pecadoras. As portas do reino

    esto abertas a quem quiser entrar, mas s a quem quiser seguir a Jesus.

    Concluso

    Ter ficado claro aos leitores e leitoras acostumados com a pesquisa acadmica, que no

    segui a trajetria das crticas genticas do paradigma histrico-crtico de interpretao da Bblia. O

    que fiz, ao ler o texto em sua forma final, no contexto da autoria e da comunidade marcana, se

    aproxima mais do que seria a crtica da redao no chega a ser crtica da redao, claro, pois

    faltam passos importantes do mtodo e tambm porque optei por no considerar o aspecto

    redacional da obra marcana. Ler o texto em sua forma final, como fao aqui, implica em focar no

    livro como fruto de um processo autoral, e interpretado desvinculadamente dos aspectos genticos

    subjacentes. No h, neste procedimento, nem uma rejeio dos mtodos histrico-crticos, muito

    menos uma aceitao da metodologia da exegese cannica. Simplesmente, ao fazer uma pergunta

    diferente ao texto, uso um mtodo diferente. No custa, ainda, reenfatizar que nesta perspectiva no

    h nenhuma preocupao com a chamada auto-conscincia messinica de Jesus. Quando uso o

    termo Jesus como sujeito de sentenas tais como Jesus fez ou falou isto e aquilo, refiro-me

    sempre ao Jesus personagem do Evangelho, e no pessoa histrica de Jesus.

    Considero que a pergunta pelos processos de construo identitria uma pergunta

    importante e relevante para a pesquisa acadmica da Escritura. Apresento este ensaio com a

    expectativa de que, aceita essa importncia, outras pessoas trilhem caminhos similares e

    aperfeioem este empreendimento inicial e parcial. Inicial, na medida em que no considero um

    modelo perfeito de pesquisa identitria. Parcial, no s porque no abordei todo o Evangelho de

    Marcos, mas tambm porque, por razes de tempo, no toquei nas relaes da nova identidade de

    Jesus em Marcos com as propostas identitrias no mundo gentlico de ento. H, ainda, muito

    trabalho a ser feito tanto do ponto de vista da metodologia, quanto do ponto de vista do prprio

    objeto da pesquisa identitria. Espero que outras e outros colegas tambm percorram este caminho.

    20

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