2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE...

44
Alfabetização

Transcript of 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE...

Page 1: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

Alfabetização

Page 2: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

ERA UMA VEZ UMA CIDADE QUE POSSUÍA UMA COMUNIDADE, QUE POSSUÍA UMA ESCOLA. MAS OS MUROS DESSA ESCOLAERAM FECHADOS A ESSA COMUNIDADE. DE REPENTE, CAÍRAM-SE OS MUROS E NÃO SE SABIA MAIS ONDE TERMINAVA A ESCOLA, ONDE COMEÇAVA A COMUNIDADE. E A CIDADE PASSOU A SER UMA GRANDE AVENTURA DO

CONHECIMENTO.

Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização daAssociação Cidade Escola Aprendiz, em parceria com a UNICEF.

Page 3: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

Alfabetização

SÉRIECADERNOS PEDAGÓGICOS2 ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪ ▪

Page 4: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização
Page 5: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

123

54

6

A Série Mais Educação 05

07

08

09

13

13

Apresentação do Caderno

Uma pequena introdução ou histórias para quem gosta de refletir…

Alguns apontamentos para a construção de uma proposta de alfabetização

Alfabetizar é possível

Por que há um contingente tão grande de crianças e também de jovens e de adultos que frequentam a escola, ano após ano, e não aprendem a ler e a escrever?

Será que a questão é o método?7 14

89

10

1211

13

Mas… O que aconteceu?

A inscrição simbólica das pessoas na cultura escrita é que possibilita que elas encontrem sentidos e finalidades na alfabetização.

Outro jeito de olhar aluno e alfabetização

Alguns princípios importantes

14

1615

1718

Entendendo como pensam os alfabetizandos

O que pensa o aluno que compreende a escrita pré-silabicamente?

Orientações didáticas para o trabalho com alunos que fazem hipótese pré-silábica de escrita

O que pensa o aluno que compreende a escrita silabicamente?

O que pensa o aluno que escreve alfabeticamente?

Orientações didáticas para o trabalho com alunos que fazem hipóteses alfabética de escrita

Objetivos de aprendizagem para os alunos que fazem hipóteses alfabéticas de escrita

16

19

20

21

22

23

25

27

30

31

32

19 O trabalho por grupos diferenciados 33

Page 6: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

2021

Jogos na alfabetização

Construindo um ambiente favorável à educação

35

36

22 Referências 39

Page 7: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

05

P ensar na elaboração de uma proposta de Educação Integral como política pública das escolas brasileiras é refletir sobre a transformação do currículo escolar ainda tão impregnado das práticas disciplinares da modernidade. O processo educativo, que se dinamiza na vida social contemporânea, não pode continuar sustentando a certeza de

que a educação é uma tarefa restrita ao espaço físico, ao tempo escolar e aos saberes sistematizados do conhecimento universal. Também não é mais possível acreditar que o sucesso da educação está em uma proposta curricular homogênea e descontextualizada da vida do estudante.

Romper esses limites político-pedagógicos que enclausuram o processo educacional na perspectiva da escolarização restrita é tarefa fundamental do Programa Mais Educação. Este Programa, ao assumir o compromisso de induzir a agenda de uma jornada escolar ampliada, como proposta de Educação Integral, reafirma a importância que assumem a família e a sociedade no dever de também garantir o direito à educação, conforme determina a Constituição Federal de 1988:

Nesse sentido, abraçando a tarefa de contribuir com o processo de requalificar as práticas, tempos e espaços educativos, o Programa Mais Educação convida as escolas, na figura de seus gestores, professores, estudantes, funcionários e toda a comunidade escolar, a refletir sobre o processo educacional como uma prática educativa vinculada com a própria vida. Essa tarefa exige, principalmente, um olhar atento e cuidadoso ao Projeto Político-Pedagógico da escola, pois é a partir dele que será possível promover a ampliação das experiências educadoras sintonizadas com o currículo e com os desafios acadêmicos.

Isso significa que a ampliação do tempo do estudante na escola precisa estar acompanhada de outras extensões, como os espaços e as experiências educacionais que acontecem dentro e fora dos limites físicos da escola e a intervenção de novos atores no processo educativo de crianças, adolescentes e jovens. O Programa Mais Educação entende que a escola deve compartilhar sua responsabilidade pela educação, sem perder seu papel de protagonista, porque sua ação é necessária e insubstituível, mas não é suficiente para dar conta da tarefa da formação integral.

Para contribuir com o processo de implementação da política de Educação Integral, o Programa Mais Educação, dando continuidade a Série Mais Educação (MEC), lançada no ano de 2009 e composta da trilogia: Texto Referência para o Debate Nacional, Rede de Saberes: pressupostos para projetos pedagógicos de Educação Integral e Gestão Intersetorial no Território, apresenta os Cadernos Pedagógicos do Programa Mais Educação pensados e elaborados para contribuir com o Projeto Político-Pedagógico da escola e a reorganização do seu tempo escolar sob a perspectiva da Educação Integral.

Esta série apresenta uma reflexão sobre cada uma das temáticas que compõem as possibilidades educativas oferecidas pelo Programa Mais Educação, quais sejam:

1A Série Mais Educação

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da socie-

dade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação

para o trabalho”. (Art. 205, CF)

Page 8: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

06 ▪ Acompanhamento Pedagógico;

▪ Alfabetização; ▪ Educação Ambiental; ▪ Esporte e Lazer; ▪ Direitos Humanos em Educação; ▪ Cultura e Artes; ▪ Cultura Digital; ▪ Promoção da Saúde; ▪ Comunicação e Uso de Mídias; ▪ Investigação no Campo das Ciências da Natureza; ▪ Educação Econômica.

Em cada um dos cadernos apresentados, sugere-se caminhos para a elaboração de propostas pedagógicas a partir do diálogo entre os saberes acadêmicos e os saberes da comunidade. A ideia de produção deste material surgiu da necessidade de contribuir para o fortalecimento e o desenvolvimento da organização didático-metodológica das atividades voltadas para a jornada escolar integral. Essa ideia ainda é reforçada pela reflexão sobre o modo como o desenvolvimento dessas atividades pode dialogar com as áreas de conhecimento presentes na LDB (Lei 9394/96) e a organização escolar visualizando a cidade e a comunidade como locais potencialmente educadores.

Outros três volumes acompanham esta Série, a fim de subsidiar debates acerca dos temas:

▪ Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva; ▪ Territórios Educativos para a Educação Integral: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos

da escola e da cidade;▪ Educação Integral no Campo.

Faz-se necessário salientar que as proposições deste conjunto de cadernos temáticos não devem ser entendidas como uma apresentação de modelos prontos para serem colocados em prática, ao contrário, destinam-se a provocar uma reflexão embasada na realidade de cada comunidade educativa, incentivando a atenção para constantes reformulações. Portanto, estes volumes não têm a pretensão de esgotar a discussão sobre cada uma das áreas, mas sim qualificar o debate para a afirmação de uma política de Educação Integral.

Desejamos a todos uma boa leitura e que este material contribua para a reinvenção da educação pública brasileira!

Page 9: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

072Apresentação do Caderno

E ste caderno compõe o conjunto de textos do macrocampo Acompanhamento Pedagógico. Embora se apresente, separadamente, na sua forma física, articula-se com a proposta, compartilha das ideias, dos projetos que envolvem as diferentes áreas do conhecimento, que constituem o referido macrocampo e dialoga com as múltiplas

autorias.

O acompanhamento pedagógico, na jornada ampliada, integra-se ao universo escolar, não se trata de oferecer “mais do mesmo”, porque o turno dito regular transforma-se dentro do Programa Mais Educação/Educação Integral, conectando-se ao “turno inverso”. Neste texto, coerentemente, com a ideia de educação integral e integradora do Programa, trataremos do processo de alfabetização, como um modo de viver a leitura e escrita, fazendo-se vida nos tempos e espaços escolares e não escolares. Imaginemos, assim, um projeto integrando turnos regulares e extensões de turno. Seria um projeto de ações conjuntas entre professores, oficineiros, bolsistas, enfim, entre todos os profissionais envolvidos nos enredos do ensinar e aprender, e neste caso, nos enredos das aprendizagens da leitura e da escrita.

Com relação ao acompanhamento pedagógico de que tratam esses cadernos, afasta-se a ideia do que se chamou reforço – nada reforçamos – não há o que reforçar, há o que significar e, nesse caso, significar a escrita, a leitura, nos entremeios da dança, da música, do mundo midiático, do esporte, dos múltiplos textos vinculados às diferentes áreas do conhecimento, tanto no turno considerado como regular como em sua extensão.

Os sentidos da leitura e da escrita vão se produzindo nos trânsitos pelos espaços do bairro, da comunidade, da cidade, na busca de uma leitura do mundo, de corpo inteiro, quando se lê a palavra. E a palavra é a palavra-texto, palavra-vida. Suzana Pacheco, em sua abordagem sobre letramento no caderno Acompanhamento Pedagógico do qual este texto faz parte, nos fala do “livro da vida”. O ler, o escrever, o pensar, a escrita compõem a vida, narram a vida, então, não faz sentido tratar a alfabetização como algo fragmentado, em partes desconectadas – as letras, os sons, juntar as letras, “dar as letras”.

O seguir etapas rígidas, com todos ao mesmo tempo, pode ser uma das causas dos insucessos e, a partir dos quais se criam os mitos – das dificuldades, das impossibilidades de aprendizagens das crianças. Aprendemos com Ferreiro (2001) que as crianças são facilmente alfabetizáveis e temos comprovado isso cotidianamente. Parece, então, que as chamadas “dificuldades” vão sendo geradas no desencontro entre o que fazem, pensam as crianças, em seus saberes constituídos, e aquilo que, usualmente, acontece em algumas escolas – enfadonhos rituais de leitura e de escrita que se desenvolvem em descompasso com os momentos de aprendizagem de cada criança e com suas expectativas de ler e de escrever.

Pensar nos mitos das dificuldades levou-nos a organizar este texto, abordando o problema dos insucessos, trazendo referenciais explicativos, aspectos históricos e algumas concepções teóricas, mas, sobretudo, tratando a questão pelo seu reverso – o das possibilidades de sucesso e apontando para práticas pedagógicas que, acreditamos, possam ser propulsoras de aprendizagens bem sucedidas. Como histórias podem ser sempre apaixonantes em qualquer idade, começaremos contando algumas.

Page 10: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

E ra uma vez uma professora, num lugar muito distante e há muito, muito tempo atrás. Todos os dias ela colocava a data no quadro para as crianças “candidatas à alfabetização” copiarem. Algumas ficavam muito tempo e não conseguiam copiar. Aí chegava a hora do recreio e elas não haviam copiado…

Então, a professora decidiu, mais ou menos no mês de abril, que essas crianças seriam reprovadas, pois não conseguiam nem copiar a data. Eram crianças com “dificuldades de aprendizagem”.

E o tempo, como na letra da música “A linda rosa juvenil”, correu a passar, a passar e aquelas crianças foram se tornando “repetentes de não saber copiar a data”.

O curioso é que elas entraram na escola cheias de esperança, porque iriam aprender a ler e a escrever, iriam penetrar os insondáveis mistérios daqueles risquinhos que as pessoas transformam em histórias, notícias, rezas, cantorias e tantas outras coisas.

Que coisas interessantes essas crianças reprovadas sabiam e que nunca puderam mostrar? O que elas pensavam sobre a escrita?

Como essa história é real e, no seu desenrolar, não apareceu nenhuma fada mágica, não saberemos jamais de seus saberes – somente que eram incapazes de copiar a data.

As pesquisadoras Ferreiro e Teberosky, com seus estudos, bastante divulgados nas décadas de 80 e 90, nos ensinaram que as crianças pensam sobre a escrita, têm suas hipóteses e nos mostram isso, quando contam com um ambiente propício para suas manifestações.

Assim como as pesquisadoras, nós precisamos, como boas professoras, ter um constante olhar investigador para as ações dos aprendizes da vida, do mundo e, neste mundo, o da escrita.

É este olhar de aprendizes que nos permite ir colecionando histórias que podem nos ajudar a compreender o modo como as crianças aprendem a ler e a escrever, e direcionar nossas práticas, para que esse processo seja bem sucedido.

Teríamos muitas histórias a contar, neste texto, mas selecionamos algumas.

Camila tem três anos. Tem uma irmã em idade escolar e vive num ambiente que se pode considerar muito rico em eventos de letramento, mas não parecia estar interessada pelo mundo da escrita.

0608 3 Uma pequena introdução ou histórias para quem gosta de refletir…

Certa noite, ela estava no banheiro escovando os dentes. Sua irmã pegou o tubo de pasta dental e apontou para a marca, perguntando:— Tem alguma coisa escrita aqui?Ela olhou bem, passou o dedinho por cima das letras e disse:— Pasta de dente. Escove bem os dentes e passe o fio dental.

Page 11: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

Agora que nos tornamos cúmplices de suas aventuras de leitura, conseguimos enxergar como Camila empresta significações aos textos que estão em muitos lugares por onde ela anda e em materiais escritos com os quais ela convive: sinais de trânsito, placas, cartazes, revistas, objetos, rótulos, embalagens…

Essa história nos leva a outra, a de Pedro, também de três anos, que disse, andando pela rua com a avó, enquanto esta caminhava e ele insistia em ficar parado:

— Para um pouquinho, vó. Eu estou lendo.— Lendo? Quê?

E a criança , diante da propaganda política:

— Vote em… – e seguiu com a leitura.

Que tal nos tornarmos cúmplices das aventuras de leitura e de escrita de todas as crianças, explorando, valorizando o que sabem e trabalhando, a partir daí, para que avancem em suas hipóteses?

Essas são histórias singelas, pois fatos como esses acontecem a todo o momento. Basta que tenhamos “olhos de ver” o que parece banal, com curiosidade de pesquisadores.

Todos os profissionais, que atuam em sala de aula ou em outros espaços educativos nas extensões de turno, nas diferentes áreas de conhecimento, têm muitas histórias para contar.

Quando falamos de escola, em se tratando de educação integral, estamos falando do espaço escolar propriamente dito, mas incluímos também o entorno, a comunidade, o bairro, a cidade, enfim os múltiplos espaços onde pode acontecer a educação.

São responsáveis pelos processos de aprendizagens e, por conseguinte, também pela alfabetização, todos os educadores que atuam no Programa, assim como todos os espaços são educativos, letradores e alfabetizadores, desde que assim os entendamos.

O s atos de leitura realizados por Camila e Pedro, quando ainda nem reconheciam letras ou sons são indícios de que a significação precede a decifração, e isto foi muito bem demonstrado por Ferreiro e Teberoski no capítulo III, do livro Psicogênese da Língua Escrita, publicado, pela primeira vez, em 1985. As crianças buscam sentidos

para os escritos – palavras ou textos. Assim, acreditamos que o texto é a base de tudo – devemos partir sempre do texto em nossas intervenções didáticas, na sala de aula ou fora dela, em outros

09

4Alguns apontamentos para a construção de uma proposta de alfabetização

Ela já estava imersano mundo da escrita,

construindo suas hipóteses de leitura,

apenas não havia sido provocada para

mostrar seus conhecimentos

Page 12: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

10 espaços onde muitos textos se oferecem à leitura e convidam ao diálogo, prontos para serem significados.

Cenas, objetos, eventos se fazem textos, transformam-se em dizeres, quando colocados como convite a produções de sentido, para uma criança que os toma como objeto de sua atenção, do seu desejo de descobrir os mistérios do que chamamos leitura.

Mas não só o texto, tal como o entendemos como unidade linguística, mas as palavras também estão na base de toda escrita. Assim como falou Neruda:

Trazer reflexões acerca do texto e da palavra remete-nos à importância da presença de todas as unidades linguísticas no processo de alfabetização: os textos, as palavras, as letras, os sons. Então, como vimos:

Mas como podem ser trabalhadas essas diferentes unidades linguísticas? Nossos olhares investigativos têm nos mostrado que, para aprender a ler e a escrever, é preciso produção de significados, estabelecimento de relações, mas também identificação e memorização. No esquema, que se segue, tentamos demonstrar as possibilidades de vivência das diferentes unidades linguísticas.

Para aprender a ler e a escrever é preciso conviver com as diferentes unidades linguísticas que devem, portanto, ser trabalhadas em todos os espaços educativos.

[…] Tudo está na palavra… Uma ideia inteira muda, porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que lhe obedeceu. As palavras têm peso, plumas, pelos, têm tudo que se

lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ter raízes… São antiguíssimas e recentíssimas […]

(NERUDA, P. In: NETO, A.G. A produção de textos na escola, 1988.)

Múltiplas Unidades

Linguísticas

Memorizar, construir

um repertóriosignificativo de

palavras e textos

Identificar,reconhecer,

comparar, analisar

Copiar, “ler”,cantar,

declamar

Page 13: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

11

Aprender a lere a escreveré também...

Cantar, Dançar,Brincar, Jogar

Olhar, Sentir,Descobrir

Ler quandoainda não se sabe ler,recorrendo a letras

de música e qualquertexto memorizado, emmúltiplos portadoresde textos e tipologias

textuais

Conviver,Compartilhar,

Cooperar

Aprender com o corpo inteiro, com o espaço, com diversos

materiais, com textos, com palavras e letras.

Explorar múltiplos materiais deleitura – roteiros mapas, embalagens

rótulos, jornais, revistas, bulas deremédio, quadrinhos, bilhetes, receitas,

cartas, Bíblias, folheto de oração, folders,cartazes, canções de igreja, cantigas de

roda e letras de música

Algumas possibilidades

de viver os processosde ler e escrever

Escrever mesmo quando ainda

não se sabe escrever

Viver a sala de aula, ou outros espaços, como um

grande livro de texto

Trabalhar, jogar e brincar com palavras e letras

móveis.

Produzir e explorar texto, quando já se

sabeler. Compartilhar

Leituras

Construir textos coletivos e realizar leituras orientadas

Page 14: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

12 Tantas possibilidades, tantos jeitos de viver a leitura e a escrita nos caminhos da alfabetização/letramento não se dão desvinculados dos múltiplos campos do saber e estes, estão intimamente relacionados aos diferentes macrocampos que compõem o trabalho do Programa Mais Educação.

O acompanhamento pedagógico, trabalhado no caderno do qual este texto é integrante, aborda Ciências, Matemática, História, Geografia, Letramento, propondo um projeto focalizando a importância da água na natureza. Todas as ações, aqui propostas, podem ser realizadas, interligadas nesse projeto ou em outros escolhidos pela escola ou pela equipe de turno e extensão de turno, quando trabalhando em conjunto.

Se considerarmos, ainda, o macrocampo Comunicação e Uso de Mídias, abre-se um leque de possibilidades de se viver o letramento – conhecer e analisar jornais, reconhecer e memorizar manchetes, letras iniciais e finais; na medida em que as crianças avançam na alfabetização, produzem jornais, revistas da turma, da escola – podem acompanhar e produzir programas radiofônicos. Se pensarmos em televisão, ainda, que rico meio de leitura, tanto de imagens quando de palavras, textos…

Estabelecer relações entre diferentes macrocampos deve ser a tônica de quem trabalha com Educação Integral.

Sobre o que ler, escrever, pensar o quê e como nos diferentes macrocampos, ver o que escreve Suzana Pacheco no texto sobre letramento. Com certeza, o que lá está proposto vale também para a alfabetização e pode provocar a criação de outras propostas.

Nestes apontamentos de possibilidades de ações pedagógicas há alguns princípios importantes a considerar, visto que são quase definidores das possibilidades de avanço das crianças.

MúltiplosTemas: ricas

possibilidades deler e de escrever

Esporte e LazerPromoção da

Saúde

Comunicação e Uso de Mídias

Cultura Digital

Cultura e ArtesDireitos Humanos em Educação

EducaçãoEconômica

EducaçãoAmbiental

Investigação no Campodas Ciências da Natureza

Page 15: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

13

A história das crianças que copiavam a data nos remete a reprovações, insucessos e esta é uma das questões que nos inquietam hoje na educação. A pergunta que se coloca em relação à escola é:

Por que tantas crianças não aprendem na escola o que se pensa que deveriam aprender? No caso da alfabetização isso se agrava, porque é uma responsabilidade básica da educação a de que as crianças, que frequentam a escola, aprendam, pelo menos, a ler e a escrever, além, é claro, da construção de outros conhecimentos ligados aos diferentes campos do saber. Entretanto, isso, muitas vezes, não acontece e a interrogação persiste.

E ste não é um problema somente da atualidade. Ao longo da história da Pedagogia, esse tema foi objeto de muitas tentativas de explicar o que se convencionou chamar de “fracasso escolar”, conceito tão polêmico que, para alguns estudiosos, dentre os quais Charlot (2000), na obra “Da relação com o saber”, fracasso escolar, como tal, não existe.

Esses fenômenos rotulados de fracasso escolar, para Charlot (2000) são mais bem explicados por correlações entre situação social e econômica e escolarização do que relações de causa e efeito. O fato de o aluno ter determinada posição social e econômica não determina seus resultados escolares.

Talvez devêssemos examinar essa questão pelo seu avesso:O que leva esses alunos a terem sucesso no seu processo de alfabetização?

Para começar a pensar sobre isso, convém assumir, primeiramente, um conceito de alfabetização dentre outros possíveis. Optamos pela concepção de Freire (1985), para o processo de leitura da palavra, na leitura do mundo, ou precedido pela leitura do mundo.

▪ Todas as crianças podem aprender – as crianças são facilmente alfabetizáveis.▪ Os alunos estão em momentos diferentes de suas aprendizagens.▪ O espaço tem sua poética, e, por isso, é fundamental criar ambientes favoráveis para a aprendizagem:

- organizados- agradáveis- bonitos- provocadores de sentimentos, de identidades e construção de laços de pertencimento

5Alfabetizar é possível

Por que há um contingente tão grande de crianças e também de jovens e de adultos que frequentam a escola, ano após ano, e

não aprendem a ler e a escrever?

6

Page 16: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

14 Além disso, tratamos a alfabetização como um processo em permanente construção, que não se inicia em um momento determinado e nem se restringe a rituais repetitivos de leitura e de escrita, mas começa na própria vida, quando as crianças gesticulam, esboçam sorrisos, movimentam seu corpo, situam-se no espaço, no tempo, fazem a leitura de si mesmas, de suas mãos, de seus gestos, de gestos de outros, leem outros sorrisos, expressões de aprovação, desaprovação, processo esse, que segue pelos caminhos do lúdico, de práticas sociais de leitura e escrita, que se relacionam ao grau de letramento da instituição familiar ou da instituição escolar ou pré-escolar e dos espaços por onde anda a criança e ao modo como se estabelecem as interações.

A divulgação dos resultados das avaliações a que vem sendo submetida à educação, no Brasil, tornou a dar destaque à alfabetização pelos resultados obtidos pelo país em várias escolas. Em consequência disso, a discussão sobre a melhor maneira de alfabetizar voltou a se acender.

Uma corrente, estranhamente, defende o retorno aos métodos fônicos que, quando eram hegemônicos produziram os escandalosos índices de reprovação que tanto nos mobilizaram por mudanças nos anos 60, 70 e 80.

Outra declara que os maus resultados atuais são o resultado das práticas chamadas “construtivistas”, muito divulgadas entre nós nos últimos 30 anos. (Como? Se eles foram uma busca de alternativa ao insucesso anterior?).

Um grupo de educadores declara com força que a volta aos métodos fônicos é um retrocesso por não valorizar os contextos sociais e culturais em que a aprendizagem se dá. Além disso, argumenta que a proposta baseada nas pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita, de Ferreiro e Teberosky, foi muito mais divulgada do que posta em prática no Brasil. A realidade é que, em nosso país, na maioria das salas de aula de todas as regiões, os métodos de orientação fônica seguiram dominando nas últimas décadas.

Já que há um retorno a essa discussão, faremos um breve passeio pela história dos métodos. Os métodos de alfabetização situam-se, em síntese, em duas categorias:

▪ os sintéticos, que partem das partes das palavras para o todo; ▪ os analíticos, que fazem o inverso, partindo do todo para as partes.

Mortatti (2000), diz que, no Brasil, a disputa entre os métodos de alfabetização, tanto sintéticos, quanto analíticos é mais antiga do que as políticas de implantação de educação pública e democrática.

Entre os anos 1870 e 1880, o debate dava-se entre a “Cartilha Nacional Hilário Ribeiro”, que ensinava os valores fônicos das letras, pois, segundo o autor, “é com o valor que se há de ler e não com o nome das letras”, e a “Cartilha da Infância”, de Thomás Galhardo, que preferia o método da silabação, porque considerava que “não se deve consentir que as crianças soletrem, mas que pronunciem as sílabas”.

Em 1880, a “Cartilha Maternal ou Arte da Leitura”, de João de Deus, poeta português, até hoje editada e utilizada em Portugal, tornava-se conhecida entre nós. (MORTATTI, 2000)

7 Será que a questão é o método?

Page 17: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

15MUITA CALMA, ENTÃO!!!

Se a solução dos problemas de alfabetização, no Brasil, dependesse apenas da escolha do “método certo”, como vimos antes, já seria para termos zerado a produção de analfabetos.

No entanto, ao longo da história da Pedagogia, muitas foram as discussões sobre os métodos, sendo ora um, ora outro colocado no banco dos réus. Esgotadas as polêmicas dos métodos, pelo final da década de 70, passou-se a responsabilizar as crianças, sua família, seu grupo social por suas ‘não aprendências’ – fenômeno que ficou conhecido, na literatura sobre o tema, como o de responsabilizar a vítima pelo próprio fracasso.

Superadas essas abordagens, ainda que teoricamente, pela década de 80 começa a se desenvolver uma grande produção acadêmica científica que agrega novas perspectivas de análise aos estudos psicogenéticos, com orientações variadas, desde antropológicas, psico e sociolinguísticas, até sociológicas –, inclusive, já fazendo crítica à perspectiva psicogenética, quando tomada, por si só, como a única resposta para a questão da alfabetização. Tais estudos consideram-na generalista demais e desconsideradora das outras variáveis que, seguramente, interferem no processo de alfabetização como prática sócio-cultural. Já fizemos referência a essa crítica anteriormente e consideramos, como já afirmamos, que a psicogênese, por si só, não resolve todas as questões, mas desempenha relevante papel, se, devidamente estudada e tomada como uma base teórica importante, para orientar práticas pedagógicas que considerem também outros campos de estudos.

Até as descobertas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky nos explicarem como uma pessoa, ainda “não alfabetizada”, compreende e opera com a escrita, pensávamos que o analfabetismo era homogêneo e que todos os alunos ingressantes na escola partiriam do mesmo ponto, rumo ao mesmo destino: do analfabetismo à alfabetização. À escola caberia, portanto, apenas sistematizar o ensino da escrita – e aí reside o grande problema dos chamados insucessos.

A TRAJETÓRIA DAS CRIANÇAS NO PROCESSO DE ALFABETIZAR-SE

Alguns estudos têm nos ajudado a entender mellhor como as crianças aprendem a ler e a escrever, trilhando um percurso que pode começar muito antes de sua entrada na instituição escolar. Os trabalhos de Jean Piaget sobre a formação de símbolo nas crianças nos apontaram o caminho percorrido por elas, por meio das etapas da imitação, da imitação diferida e do jogo simbólico até a constituição do processo de simbolização. Vygotsky estudou a relação entre pensamento, linguagem oral e escrita. Emília Ferreiro e suas colaboradoras provaram que as crianças constroem e reconstroem hipóteses sobre a língua escrita, na interação com este objeto cultural e com os falantes de sua língua, desde que a escrita se torne objeto de sua atenção. As pesquisadoras descobriram fases no desenvolvimento da compreensão da escrita a que deram os nomes de pré-alfabéticas (pré-silábica e silábica), alfabéticas e pós-alfabéticas (já incluindo ortográfica) as “etapas” percorridas pela criança até a contrução do sistema de escrita alfabético.

Page 18: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

16

Trocamos os métodos pelos discursos que criticam os métodos

Saíram os métodos, ao invés de saírem as concepções que atribuíam a eles toda a responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da tarefa de alfabetizar. Entrou a concepção de que o conhecimento da escrita constrói-se na interação entre os sujeitos e o mundo da escrita.

Essa última ideia, aliás, bastante evidente, diz respeito ao processo mais amplo de inserção na cultura escrita através do investimento em sentidos e significados sociais: o letramento. Não se trata da questão específica do aprendizado das habilidades de leitura e escrita.

Por que isso aconteceu?

Os métodos tradicionais de alfabetização, tanto sintéticos quanto analíticos, constituíam sequências rígidas de apresentação da escrita sem levar em consideração o sujeito da aprendizagem. Era comum em conversas informais entre os alfabetizadores ouvir frases como:

Na verdade, à escola e aos educadores cabe entender que há muitos jeitos de não estar ainda alfabetizado, porque as pessoas constroem diferentes hipóteses sobre o que seja a escrita e sobre como se escreve e como se lê, ou seja, há múltiplos pontos de partida e são também, múltiplos os caminhos para a chegada.

8 Mas… O que aconteceu?

Eu já estou “no queijo”.

Eles estão

“na vaca”.

Você ainda nãodeu “a lata”?

Page 19: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

17Com isso, os docentes estavam referindo-se à sequência das lições da cartilha e em que ponto dela se encontravam. Quanto aos alunos e ao que estariam compreendendo, só se podia supor que eles estivessem acompanhando os passos dos professores ou as lições de casa.

Constituíam-se como sequências rígidas, de passos a serem seguidos no processo de alfabetização, desconsiderando o ator principal – o sujeito da aprendizagem, logo, quem não acompanhava “ou era “fraco” ou tinha “dificuldades de aprendizagem”.

Na poesia, “O Quadro Negro”, de Cecília Meireles é explorada a perspectiva de um estudante que relata quão pouco fica de uma aula em que se “demonstra” o conhecimento.

Então, como ficamos?

Infelizmente, confusões entre teoria e prática, quase conseguiram promover certo esvaziamento do enorme poder desmitificador do modelo teórico psicogenético de Ferreiro que conseguiu explicitar as diferenças de “capital cultural” que os alunos trazem para a sala de aula e que explicam muito de suas diferenças de desempenho no processo de aprendizagem na alfabetização.

Foi absolutamente transgressora a possibilidade que essa explicação teórica nos deu a entender, na prática, a razão principal do histórico fracasso escolar em alfabetizar as camadas populares que conquistaram acesso à educação formal.

O Quadro NegroCecília Meireles

Depois que os teoremas ficam demonstrados,quando as equações se tiverem transformado,desenvolvido, revelado;e o mistério das palavras estiver todo aberto em flores;

quando todos os nomes e números se acharem escritose supostamente compreendidos,com vagaroso e leve movimentoo Professor passará uma silenciosa esponjasobre as coisas escritas:

e nos sentiremos outra vez cegos,sem podermos recordar o que julgávamos ter aprendido,e que apenas entrevíramos,com em sonho.

Page 20: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

18

A psicogênese da língua escrita estabeleceu uma ruptura epistemológica que ainda é difícil de dimensionar no campo dos estudos da alfabetização. Foi através da compreensão da psicogênese da língua escrita, que conseguimos estabelecer uma ponte entre os processos psicológicos e sociais de aprendizagem e as concepções freireanas sobre a educação.

A crítica adequada à velha disputa, entre os métodos de alfabetização, deveria partir do fato de que a opção por qualquer um deles jamais foi condição suficiente para garantir o sucesso ou o insucesso dos alfabetizandos.

Além disso, avanços na compreensão em vários campos de investigação que subsidiam a educação vêm demonstrando insistentemente a importância do sentido, do significado da contextualização dos saberes a serem ensinados, para que ocorra aprendizagem.

Em “Pensamento e linguagem”, Vygotsky (1989) já alertava para os riscos de um ensino da escrita fechado em si mesmo. São dele as palavras no quadro abaixo:

Em outras palavras, Vygotsky (1989) já apontava para a relação necessária entre os processos de alfabetização e de inserção das pessoas nas práticas sociais escritas, na cultura escrita, o letramento ou a cultura escrita.

Quando a psicogênese da língua escrita colocou as concepções sobre a escrita do sujeito não alfabetizado no centro do processo de alfabetização, passou a não fazer mais sentido respeitar a rígida ordem proposta pelos métodos, porque se percebeu que só seria possível ensinar indo ao encontro do que os alunos pensavam.

O inestimável valor da psicogênese da língua escrita é nos permitir saber quais são os saberes prévios necessários à alfabetização que os alunos concretamente trazem ou não desde fora da escola.

A psicogênese da língua escrita não é um método, mas sim, uma teoria psicológica que oferece um modelo de explicação de como se dá a construção da compreensão dos princípios que regem a natureza e o funcionamento do sistema alfabético.

Diferentemente do ensino da linguagem falada, no qual a criança pode se desenvolver por si mesma, o ensino da linguagem escrita depende de um treinamento artificial. Tal treinamento requer atenção e esforços enormes, por parte do professor e do aluno, podendo-se, dessa forma, tornar fechado em si mesmo, relegando a linguagem escrita viva ao segundo plano. (…)

Essa situação lembra muito o processo de desenvolvimento de uma habilidade técnica, como, por exemplo, o tocar piano: o aluno desenvolve a destreza de seus dedos e aprende quais teclas deve tocar ao mesmo tempo em que lê a partitura; no entanto, ele não está, de forma nenhuma, envolvido na essência da própria música.

Page 21: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

19

P aulo Freire disse que a língua é produtiva e não reflexiva da realidade social. Isso significa questionar o pressuposto de que nós usamos a língua apenas para organizar e expressar ideias e experiências. Ao contrário, a língua é uma das práticas sociais mais importantes, uma prática de significação como também um espaço para o confronto

cultural. Ela nos marca na nossa subjetividade, na nossa maneira de ser e estar no mundo. Nós “dizemos” o mundo e, ao dizê-lo, nós o construímos. A alfabetização precisa ser encarada como a “relação entre os educandos e o mundo, mediada pela prática transformadora desse mundo, que tem lugar precisamente no ambiente em que se movem os educandos” (FREIRE, 1990, p. 101). A leitura pode ser um trabalho difícil e infrutífero, quando o aluno só tem as letras para tentar entender o texto, isto é: só dominam a capacidade de decodificação do que está escrito.

Nessa situação, o conteúdo do texto não pode provocar nenhuma pergunta, crítica, ideia ou reflexão nele. Práticas sociais e de significação através da linguagem dizem respeito ao letramento, tema que já foi muito bem abordado por Suzana Pacheco nesses cadernos. Por isso, faremos apenas breves referências a ele, com o intuito de mantermos a sequência de ideias deste texto e reafirmarmos alguns conceitos.

LETRAMENTO é o exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita

Exige competências variadas, como:

Capacidades de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos: informar ou informar-se,

Interagir com outros, interagir no imaginário, no estético, ampliar conhecimentos, seduzir ou

induzir, divertir-se, orientar-se, para apoio à memória, para catarse;

Habilidades de interpretar e produzir diferentes tipos e gêneros de textos; habilidade de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos ao escrever;

Atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor.

[In: RIBEIRO, Vera Masagão (org.). Letramento no Brasil – reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo, Global, 2003.]

A inscrição simbólica das pessoas na cultura escrita é que

possibilita que elas encontrem sentidos e finalidades na alfabetização

9

Tudo isso?”, “Que letrinha pequenininha!”,“Quantas folhas tem “isso”?”

“Qual é a parte que “tem de ler”?

Page 22: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

20

Por isso Ângela Kleiman diz que “aprender a ler e a escrever é um processo de aculturação, de aprendizagem das práticas sociais de um grupo social diferente do grupo ao qual pertencem os jovens e adultos não escolarizados”. (KLEIMAN, 2001, p. 236)

E como se faz isso?

Ângela Kleiman nos fala da necessidade de construirmos um projeto de letramento, independente da etapa de escolarização em que se encontrem. Por Projeto de Letramento, Kleiman (2001) entende:

As críticas às cartilhas de modelo fônico tradicionais deveriam dizer tanto respeito ao uso contumaz de pseudo-linguagem e à separação completa entre os processos de alfabetização e letramento.

A teoria psicogenética é um modelo explicativo do processo por que passam as pessoas, até descobrirem que, numa língua alfabética, a escrita registra os sons das palavras e não aquilo a que as palavras se referem.

Um aprendiz encontra-se na chamada etapa alfabética quando: entende que escrever é registrar sons e não coisas e consegue discriminar os diferentes fonemas que constituem as sílabas orais.

Depois que ele compreendeu a natureza e o funcionamento do sistema alfabético, ou seja, quando construiu a hipótese alfabética de escrita, ainda há um longo caminho a ser percorrido até a completa alfabetização, no sentido estrito do termo.

Na escola, avaliado, que o aluno construiu essa compreensão, a sequência didático-pedagógica precisa ser o investimento em todo um trabalho sistemático de estabelecimento de relações entre as letras do alfabeto e seus sons na construção de palavras e textos significativos e com função sociocultural.

Por isso, um bom trabalho didático de alfabetização precisa propor:

Um conjunto de atividades que se origine de um interesse real na vida dos alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a a leitura de textos que de fato circulam na sociedade e a produção de textos que serão lidos, em um trabalho coletivo de alunos e professores, cada um segundo a sua capacidade. É uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita (a aprendizagem dos aspectos formais apenas), transformando objetivos curriculares como “escrever para aprender a escrever” e “ler para aprender a ler” em que “ler e escrever para compreender e aprender aquilo que for relevante para o desenvolvimento e realização do projeto. (2001, p.238)

Outro jeito de olhar aluno e alfabetização

Page 23: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

21

O quê?▪ Situações didáticas com sentido e significado social para os alunos.▪ Atividades contextualizadas e diversificadas com as letras do alfabeto.▪ Produção e análise fonética das palavras e suas sílabas.▪ Produção de escrita com sentido e função social.

Quando e como?▪ Diariamente.▪ De forma sistemática, contínua e produtiva.

Por que?▪ Porque sem isso a alfabetização não acontece.

U ma abordagem psicogenética do processo de alfabetização tem, como referência teórica principal, a epistemologia genética de Jean Piaget aplicada por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky à investigação da aprendizagem da escrita.

É comum que as práticas pedagógicas que assumem essa perspectiva agreguem também uma compreensão interacionista da aprendizagem baseada na concepção de construção social da mente de Vygotsky e a na pedagogia de Paulo Freire.

Em termos didáticos, isso significa assumir três princípios no planejamento cotidiano das intervenções junto aos aprendizes.

?Alguns princípios importantes

PRIMEIRO: para poder planejar intervenções didáticas eficazes o professor precisa reconstituir os conhecimentos implícitos na ação do aluno, ou seja, avaliar em que nível psicogenético ele se encontra.1SEGUNDO: a partir do reconhecimento do nível psicogenético de cada um, é necessário propor situações didáticas que provoquem a desestabilização das suas concepções de escrita a fim de levá-los a compreender fenômenos e conceitos novos e adquirir novas competências, ou seja, avançar de nível. 2TERCEIRO: propor atividades nas quais a escrita tenha sentido para os alunos e a partilha de saberes entre as crianças seja não apenas permitida, como estimulada, assim como a consulta a várias fontes.3

Page 24: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

22 Conforme, Emília Ferreiro, “a escola não sabe lidar com as diferenças, não sabe como trabalhar a

partir das diferenças assumidas como dado inevitável, e não como castigo”. (FERREIRO, 2001, p. 38)

No caso da alfabetização não é diferente.

Muitos educadores, ainda hoje, quando se deparam com uma turma de alfabetização constituída, totalmente ou em parte, por alunos que viveram, até então, excluídos da cultura letrada e que têm, consequentemente, diferentes respostas para as perguntas referidas, porque têm diferentes compreensões da natureza e do funcionamento da escrita, não sabem lidar com essa diferença.

Tudo que esses educadores têm para oferecer é um método que sempre serviu para aqueles que já sabem qual é a natureza, qual o mecanismo de produção e de funcionamento do código alfabético e que atribuem aos textos escritos sentidos e finalidades.

PSICOGÊNESE LÍNGUA ESCRITA

Se entendermos que a psicogênese da escrita é o processo pelo qual um sujeito, num dado grupo social, numa dada cultura, passa até a apropriação da escrita, no sentido de saber usar como própria, então, precisaremos compreender o que isso implica:

Na escola, muitas vezes, se continua esperando uma inexistente classe homogênea em que todos os alunos compreendem perguntas como “o que começa com “b” e sabem qual a palavra que tem mais letras: “borboleta” (um bichinho tão pequeno) ou “boi” (um animal tão grande).

Entendendo como pensam os alfabetizandos

▪ Períodos de equilíbrio em que o sujeito mantém certa compreensão de como se escreve (os níveis ou fases).

▪ Períodos de conflito, frutos do desequilíbrio da sua teoria pela apresentação de um problema para o qual ela não dá solução (os conflitos cognitivos que impulsionam a aprendizagem).

▪ Reequilíbrio em novo nível, mais completo do que o anterior, depois de assimilar e acomodar o novo ao seu esquema cognitivo anterior (hipóteses de como se escreve).

Exige:▪ Compreender a realidade como processo e não como resultado de transmissão apenas.▪ Compreender os erros construtivos para a demonstração de como o aluno entende a natureza e os

mecanismos de funcionamento do código alfabético (é bom lembrar que nem todo erro é “construtivo”, somente aquele que nos informa como o aluno está pensando);

▪ Aproveitar esse tipo de erro do aluno para planejar as aulas, propondo atividades que vão ao encontro do que os alunos necessitam para avançar na compreensão e na habilidade de usar a escrita.

Page 25: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

23 A teoria psicogenética de construção da língua escrita proposta por Emília Ferreiro e Ana

Teberosky é: um modelo explicativo do processo por que passam as pessoas até descobrirem que, numa língua alfabética, a escrita registra os sons das palavras e não aquilo a que as palavras se referem.

Elas concebem esse processo organizado em três grandes fases ou níveis caracterizados pela predominância de um esquema de pensamento para compreender e operar com a escrita.

Na fase pré-silábica, a estabilidade da ordem e do sentido das letras não é condição para que algo esteja escrito, porque a relação entre os signos e os significados não é tão arbitrária quanto no código alfabético. Sua compreensão da escrita se sustenta sobre outros tipos de relação que não a letra/som, mesmo que a pessoa já tenha deixado de ser figurativista e recorra a símbolos na tentativa de escrever.

Para selecionar e organizar os signos que emprega para escrever, ela recorre aos critérios de variedade interna e quantidade mínima de caracteres, em geral, algo em torno de três. Ela também tenta estabelecer algum tipo de relação gráfica entre a coisa representada e sua representação escrita, associando, por exemplo, coisas grandes com nomes grandes e coisas pequenas com nomes pequenos.

Numa segunda etapa, o alfabetizando descobre qual é a natureza do código alfabético e que ele se refere à transcrição de sons orais, mas, ainda, associa cada símbolo a uma sílaba oral das palavras, de modo que, para ele, palavras trissílabas têm 3 letras; dissílabas têm 2 e, assim, sucessivamente.

O aprendiz vai se encontrar na chamada etapa alfabética quando conseguir discriminar os diferentes fonemas que constituem as sílabas orais e representá-los por escrito.

A concepção pré-silábica da escrita não é uma maneira incompleta ou inferior de entendimento do sistema alfabético de escrita, como o prefixo “pré” pode fazer parecer. Trata-se do emprego de outro sistema para escrever cuja lógica não é a alfabética, e que se pauta por outro tipo de relações entre significante e significado.

De acordo com essa forma de entendimento, a estabilidade da ordem e do sentido das letras não é condição, para que algo esteja escrito, porque a relação entre os signos e os significados não tem a arbitrariedade do código alfabético. A compreensão da escrita pré-silábica, portanto, se sustenta sobre outros tipos de relação que não a letra/som, embora já possa tender a deixar de ser figurativista e passe a recorrer a símbolos. Para selecionar e organizar os signos que emprega para escrever, o sujeito nessa fase:

▪ Recorre aos critérios de variedade interna e quantidade mínima de caracteres, em geral, algo em torno de três.

▪ Tenta estabelecer algum tipo de relação gráfica entre a coisa representada e sua representação escrita, associando, por exemplo, coisas grandes com nomes grandes e coisas pequenas com nomes pequenos.

O que pensa o aluno que compreende a escrita pré-silabicamente?

Page 26: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

24 Exemplo de escrita pré-silábica:

Por isso, um professor alfabetizador precisa criar situações didáticas que oportunizem que seus alunos em nível pré-silábico descubram que, na nossa língua alfabética, escrever implica registrar foneticamente as palavras e não aquilo a que as palavras se referem, ou seja, a escrita se relaciona às falas e não aos objetos representados.

COMO SE FAZ ISSO?

Para que nosso aluno mude seu esquema de pensamento e abandone a hipótese pré-silábica, precisamos fazê-lo descobrir:

▪ que a forma e a posição das letras são arbitrárias e convencionais;▪ o que representam as letras do código alfabético;▪ que a representação gráfica das palavras é estável, isto é, que se escreve uma palavra sempre do

mesmo jeito;▪ que, em português, se escreve da esquerda para a direita e de cima para baixo e se deixa espaços

entre as palavras.

Page 27: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

25

Atividades com o alfabeto▪ Reconhecer as letras do alfabeto▪ Analisar e comparar seus aspectos gráficos, de forma e posição.▪ Estabelecer relações entre as letras e os sons que representam por meio de múltiplas atividades

que destaquem as iniciais de palavras significativas.

Atividades com palavras▪ Fazer análises não silábicas da constituição das palavras: letras iniciais e finais, quantidade,

ordem e sentido das letras.▪ Associar palavras escritas a objetos e imagens .▪ Memorizar palavras significativas.▪ Comparar palavras significativas.▪ Discriminar oralmente as sílabas das palavras, acompanhando-as com palmas, batidas de pé,

instrumentos musicais, etc.

Atividades com textos▪ Relacionar o discurso oral e o texto escrito por meio da leitura diária para eles e com eles.▪ Distinguir entre imagem e escrita.▪ Interagir com diferentes tipos de textos e suas funções sociais.▪ Analisar a distribuição espacial dos textos e a orientação das fases (da esquerda para a direita,

de cima para baixo, o espaçamento entre as palavras).▪ Perceber as letras, as palavras e os sinais de pontuação como constituintes dos textos.

Considerações particulares

▪ Selecionar as palavras para trabalhar por escrito em jogos e atividades didáticas dentre substantivos concretos. Com isso se possibilita sua representação gráfica por imagem com menos ambiguidade o que permite a alunos que não sabem ler, pensar sobre a escrita.

▪ Trabalhar bastante a leitura com textos cujo conteúdo os alunos tenham memorizado: produções coletivas, pequenas histórias, letras de música, versos, bilhetes, piadas, parlendas, dentre outros.

▪ Fazer os alunos produzirem escrita espontânea diariamente , respeitando sua hipótese de compreensão dos mecanismos de produção da mesma.

Orientações didáticas para o trabalho com alunos que fazem hipótese pré-silábica de escrita

OBJETIVOS PRINCIPAIS

Possibilitar aos alunos...

Reconhecer o alfabeto como um código de representaçãoda linguagem baseado na transcrição fonológica

Reconhecer a arbitrariedade da escrita (letras e palavras)

Conservar a escrita das palavras, reconhecendo aestabilidade da escrita

Page 28: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

26

Relacionar discurso oral

e texto escrito

Associar palavras e objetos

ou imagens

Distinguir entre

Imagem e Escrita

Participar da leitura

coletiva detextos

Memorizarpalavras

significativas

Reconhecer o caráter arbitrário

dos signos linguísticos

Interagir com múltiplosabecedáriosReconhecer diferentesgêneros de textose suas funções sociais

Escrever diariamenteconforme seu nível

psicogenético

Destacar as iniciais

de palavras significativas

Conservar a escritas daspalavras

Reconhecer as letrase os sinais de pontuação

Analisar a distribuição espacial dos textos

e a orientação das frases

Analisar as le

tras do alfabeto

em todos seus aspecto

s

Realizar variadas análises não silábicas de

palavrascomparando umas com

outras

Reconhecer caráter linear

dos signos linguísticos

Estabelecer relações entreos sons que representam

Participar da escritade textos coletivos

Objetivos de aprendizagem para os alunos que fazem hipóteses

pré-silábicas sobre a escrita

Page 29: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

27

O sujeito que faz hipótese silábica para compreender a escrita já a relaciona com a fala e não com os objetos do mundo real. No dizer de Vygostky (1989), passa a ver no sistema alfabético um “código de signos de 2ª ordem”, ou seja, um código que remete a outro código (no caso, à fala) decorrendo daí que:

▪ ao escrever palavras soltas, o sujeito faz corresponder um símbolo gráfico para cada sílaba oral que consegue perceber.

▪ percebe que não pode escrever as letras como quer, mas precisa seguir os sons da pronúncia das palavras e respeitar sua ordem, o que leva a que as palavras sejam escritas sempre da mesma maneira (estabilidade e permanência da escrita).

▪ pode utilizar letras ou outros signos, conforme seu conhecimento.▪ pode relacionar convenientemente cada letra ao seu som ou não, conforme seu conhecimento

(silábicos com e sem valor sonoro, que escrevem somente com vogais, só com consoantes ou com ambas).

▪ ao escrever frases, inicialmente, representa cada palavra por um sinal gráfico; só posteriormente passa a atribuir um sinal para cada sílaba oral, permite-se escrever qualquer palavra (não mais apenas os nomes), mas não assegura a leitura de terceiros nem a sua própria.

Exemplo de escrita silábica:

Uma pessoa que escreve silabicamente percorreu um longo e significativo caminho na gênese da escrita e fez um grande avanço no processo de escrita.

O que pensa o aluno que compreende a escrita silabicamente?

Page 30: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

28

Atividades com o alfabeto▪ Reconhecer todas as letras do alfabeto, relacionando-as aos seus sons pela análise da primeira

sílaba de palavra variada.▪ Prosseguir o estudo das formas e da posição das letras.

Atividades com palavras▪ Construir, analisar e trabalhar com paradigmas silábicos, quando se dá ênfase à primeira letra

no contexto da sílaba inicial de palavras significativas extraídas de um contexto com sentido e significado: pato, peru, pinto, porco e pulga. Lagarto, leão, lince, lobo e lula. Farinha, fermento, figo, fogo e fubá; por exemplo.

▪ Comparar palavras memorizadas com a hipótese silábica: contagem do número de letras, desmembramento oral das sílabas, contagem das letra se hipóteses de repartição de palavras escritas.

Atividades com textos▪ Reconhecer diferentes tipos de textos e suas funções sociais.▪ “Ler” textos de conteúdo memorizado de antemão: letras de música, versos, textos coletivos,

dentre outros.▪ Pesquisas palavras no texto, incluindo qualquer categoria morfológica: verbos, adjetivos,

pronomes.▪ Escrever textos variados diariamente, conforme sua compreensão silábica do sistema alfabético.

OBJETIVOS PRINCIPAIS

Possibilitar aos alunos...

Desenvolver a consciência fonológica, procurando discriminar os fonemas constituintes das sílabas,por meio do trabalho com paradigmas silábicos

Relacionar as letras aos sons que representam.

Page 31: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

29

Objetivos de aprendizagem para

os alunos que fazemhipóteses silábicas

sobre a escrita

Destacaroralmente assílabas das

palavras

Propor hipótesesde repartição de

sílabas de palavrasescritas

Construir e reconhecer paradigmas silábicos,

quando se dá ênfase à primeira letra no contexto da sílaba inicial

de palavras significativasextraídas de um contexto com

sentido e significado

Analisare compararparadigmas

silábicos

Destacar assílabas iniciais

de palavrassignificativas

Reconhecer os diferentessuportes dos diferentes tipos de

textos e suas funções sociais

Desenvolver a consciênciafonológica através da

discriminação dos fonemasconstituintes das sílabas notrabalho com paradigmas

silábicos

Realizardiariamente

escrita espontâneaindividual, conforme

seu nívelpsicogenético

Participar daescrita de muitos e

variados textoscoletivos

Reconhecer todas as letrasdo alfabeto, relacionando-as

aos seus sons através daanálise da primeira sílaba de

palavras variadas

Page 32: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

30 O que pensa o aluno que escreve

alfabeticamente?

Q uando o aluno atinge a compreensão dos mecanismos de produção e funcionamento da escrita alfabética, ele se encontra na fase de mesmo nome. Por um bom tempo, ainda, ele vai tender a achar que a escrita é a transcrição exata da fala. Começa a escrever algumas sílabas foneticamente, mas na grafia de outras permanece silábico

e não tem quaisquer preocupações formais com a escrita: como separação de palavras, pontos, margens, parágrafos. É “atropelado” pelo seu discurso interior, durante os atos de escrita, porque seu pensamento ainda é infinitamente mais rápido do que sua capacidade de registrá-lo por escrito. Tende, muitas vezes, a generalizar que as sílabas escritas, principalmente as iniciais, são constituídas de duas letras porque seu universo visual de palavras escritas ainda é restrito e sílabas assim são mais frequentes na língua portuguesa (ex.: biriga, porofesora).

Por vezes, generaliza, indevidamente, que, na escrita, as consoantes sempre devem preceder as vogais pelas mesmas razões expostas acima (ex.: secola para “escola” e, setela para “estrela”).

Além disso, tem um desempenho muito melhor na escrita de palavras soltas do que no texto, onde, comumente, nos primeiros tempos, produz silábico-alfabeticamente ou até silabicamente. Tudo isto significa que os alunos vêm fazendo avanços, e não têm ‘falhas’ ou ‘faltas’ nos acréscimos de seus conceitos, sobre escrita, embora não estejam, ainda, no desejável status de ‘alfabéticos’.

Exemplo de escrita alfabética:

Page 33: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

31

Atividades com o alfabeto▪ Relacionar as letras do alfabeto aos seus sons, discriminando os pares com pontos de articulação

próximos como p/b, t/d, f/v, etc.▪ Trabalhar o emprego das letras de acordo com o sistema ortográfico.

Atividades com palavras▪ Abordar os chamados “erros ortográficos” não pela ênfase nas palavras grafadas

equivocadamente pelos alunos, mas organizando propostas didáticas que problematizem as cencepções de escrita que explicam por que as crianças cometem determinados “erros”.

Erros motivados por transcrição da fala:Exemplos: nuveim, leiti, cadera, estrupo, muinto, bardi, trabissero, fiume, aumofada, etc.

Erros motivados por trocas de letras com pontos de articulação próximos:Exemplos: feneno, feluto, adifocato, petra, petiu, metroso, poneca, sanque, chujeira, emjimento, etc.

Erros motivados por dificuldades na grafia de sílabas complexas – encontros consonantais, letras “mudas”:Exemplos: peneu, adivogado, subistância, sequessualidade, interpletação, pissicologia, intersequição, repuguinância, etc.

Erros motivados por supercorreção (quando o aluno generaliza indevidamente alguma regra como, por exemplo, “pronuncia-se ‘u’, mas escreve-se ‘i’”)Exemplo: cél, cail, trofél, fogio, pal, professoura, eletrecidade, etc.

Orientações didáticas para o trabalho com alunos que fazem hipóteses alfabética de escrita

Assim, conforme Nunes e Bryant (1985), podemos categorizar os erros ortográficos de maneira a desenvolver o trabalho pedagógico.

OBJETIVOS PRINCIPAIS

Possibilitar aos alunos...

Escrever ortograficamente

Ler com compreensão textos de seu nível

Desenvolver a consciência fonológica, procurando discriminar os fonemas constituintes das sílabas

Page 34: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

Erros motivados por desconsideração das regras contextuais:Exemplos: sanba, fogete, tereno, canpo, pesegero, empurão, etc.

Erros motivados por dificuldades no assinalamento da nasalisação das vogais:Exemplos: transformarão, diserão, influência, inconstância, igênuo, ifundado, image, figido, etc.

Erros de separação entre palavras nas frases ou entre sílabas de palavras:Exemplos: da quela, em contro, fugi se, ama se, de finição, com petição, a genda, a sembleia, um bigo, etc.

Atividades com textos▪ Reconhecer, ler e escrever diferentes tipos de textos com diferentes funções sociais, de acordo

com seu nível.▪ Observar e utilizar os espaços entre as palavras e os sinais de pontuação.▪ Expressar de formas variadas, por meio de linguagem verbal e não verbal, sua compreensão

dos textos lidos.▪ Escrever textos variados diariamente.

Objetivos de aprendizagem para os alunos que fazem hipóteses alfabéticas de escrita

32

• Superar a ideia de que a escrita é a transcrição da fala através da confrontação de textos orais e escritos e suas especifidades e pela comparação entre a grafia e a pronúncia de várias palavras;

• Escrever todas as sílabas das palavras foneticamente, desenvolvendo a consciência fonológica e superando a hipótese silábica;

• Separar as palavras nos textos;• Perceber e compreender as funções dos aspectos formais da

escrita;• Escrever ortograficamente;• Desenvolver as habilidades de produção de textos espontâneos,

onde, comumente, nos primeiros tempos, produz silábico-alfabeticamente ou até silabicamente.

Page 35: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

33

A igualdade e a diversidade constituem o cotidiano de qualquer sala de aula. A igualdade pode ser entendida como a condição de possibilidade para aprender e o direito à aprendizagem. A diversidade se refere aos diferentes momentos da aprendizagem em que se encontra cada criança de acordo com sua história, suas

vivências, experiências, interações.

Emília Ferreiro e suas colaboradoras já nos mostraram que as crianças ingressam na escola em diferentes momentos de suas aprendizagens e, portanto, vão avançando na construção de seus conhecimentos sobre a língua escrita de formas e em tempos diferentes, tal como já destacou anteriormente.

Como consequência dessa inevitável heterogeneidade de níveis psicogenéticos, saberes, experiências de letramento e culturas que constituem uma turma de alfabetização, não se poderia falar seriamente de um binômio “ensino-aprendizagem”.

As propostas e ações de ensino docente, muitas vezes, não encontram correspondência nas aprendizagens dos alunos. Em algumas oportunidades, geram efeitos que não eram esperados e nos deixam intrigados com as respostas produzidas por esses alunos. Em outras, não logramos aparentemente nenhum resultado que signifique avanço, no entanto estão ocorrendo aprendizagens coerentes com as condições de possibilidades de cada um.

A teoria de Jean Piaget sobre a construção do conhecimento ajuda-nos a compreender esta não relação direta entre ensino e aprendizagem. Considerando-se a etapa do processo de construção do conhecimento de cada indivíduo, o que se tenta “ensinar” vai produzir efeitos de sentido diferentes em cada um.

Quando se trata da alfabetização, essa diversidade apresenta-se de maneira particularmente nítida e precisa ser considerada permanentemente pelo educador sob pena de o fracasso em ensinar ser seu resultado mais visível.

Por isso, o grande desafio de alfabetizar todos os alunos de uma classe não pode ser enfrentado por nenhum método em especial. Trata-se de enfrentar a diversidade que existe sob a aparente homogeneidade, fazendo-se propostas didaticamente pensadas para irem ao encontro das necessidades de aprendizagem de cada aluno, em particular de cada grupo e da turma como um todo.

Diante dessa tarefa, a avaliação diagnóstica constitui-se num dos pontos mais importante do processo de ensinar a ler e escrever.

Essa avaliação praticada cotidianamente é a busca permanente de estabelecer diagnósticos tão precisos quanto possível sobre como os alunos estão compreendendo o sistema de escrita, seus mecanismos de produção e funcionamento, suas funções sociais e como resolvem seus problemas que envolvem escrita, isto é, como fazem para ler e escrever.

Para poder alfabetizar, os educadores precisam saber quais as necessidades que se colocam, para que cada um de seus alunos avance. Isso implica organizar a sala de aula de outra forma, com um olhar que, ao mesmo tempo em que não perde o grupo como um todo, volta-se para cada um e promove agrupamentos flexíveis que são montados, de acordo com propostas didáticas e diferenciadas.

O trabalho por grupos diferenciados

Page 36: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

34 Assim, deve-se estar atento para oportunizar momentos de atividades coletivas, envolvendo

todo o grupo, como num jogo de bingo ou numa contação de história, por exemplo: momentos em pequenos grupos para realização de tarefas que se insiram num projeto mais amplo, mas tenham como objetivo específico a construção da escrita e da leitura; e momentos individuais ou em duplas em que se proponham outros tipos de atividades.

Essa forma de atuar na sala de aula exige mais trabalho dos educadores na hora de planejar e nos momentos iniciais, quando o grupo não está ainda habituado a essa forma de organização das ações pedagógicas. Gradativamente, entretanto, passa a demandar bem menos trabalho, na medida em que os alunos vão se tornando mais autônomos para se organizar e realizar as tarefas, passam a compreender melhor o que está acontecendo em aula e se sentem aprendendo e atendidos nas suas necessidades individuais e específicas.

Não são poucos os testemunhos de educadores de que trabalhar pedagogicamente, de modo a contemplar a diversidade promove o abrandamento das questões “disciplinares”. Alunos considerados “difíceis” parecem integrar-se mais nas atividades, deixando de promover tantas situações conflitivas e de envolver-se em brigas e agressões, passando a participar, trabalhar agrupados, quando, antes, negavam-se a fazê-lo.

Nessa caminhada, nunca se perde de vista os objetivos de promover a autoestima e o autorespeito das crianças, a valorização dos saberes que já trazem e dos que vão se constituindo. Os avanços perseguidos por educandos e educadores não se restringem a aprendizagens dos conteúdos, mas se traduzem também em mudanças de ações dentro do grupo – os pequenos grandes avanços que vão, desde passar a entender-se como “alguém que conta” no grupo, a falar com coragem e senso de oportunidade, a respeitar regras de convivência e a escutar o outro.

Propostas didático-pedagógicas planejadas para serem executadas em grupos produzem um nível de comprometimento maior com os resultados, combatem a evasão e oportunizam a troca de saberes heterogêneos. Claro que, para que isso aconteça, essas propostas têm de ser cuidadosamente planejadas, os recursos disponibilizados e a heterogeneidade dos parceiros de trabalho devidamente avaliada pelo educador.

O planejamento para grupos diferenciados está diretamente relacionado ao processo de avaliação diagnóstica planejada de acordo com as necessidades cognitivas de cada grupo. Por exemplo: um grupo de crianças que já está no nível alfabético, pode trabalhar com leitura, produção de texto, busca de fluência na leitura oral, organizar um coral ou jogral falado, produzir uma história coletiva, enquanto um grupo que necessita desafios para o pensamento silábico trabalha com jogos adequados para esta etapa e, ainda, outro joga com letras móveis.

OS PEQUENOS GRUPOS DE TRABALHO

Nos pequenos grupos os alunos têm oportunidade de trocar ideias, ouvir alternativas de solução e de problemas diferentes das suas e ouvir críticas que são bem mais aceitas no contexto do engajamento numa obra coletiva. Há um impulso difícil de quantificar no processo de aprendizagem de todos nessas oportunidades e, quando avaliamos as situações didáticas planejadas e executadas de maneira a tirar proveito da socialização entre os aprendizes, constatamos o quanto aprender pode ser uma experiência social.

Page 37: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

35

A educação escolar é responsável pelo desenvolvimento das potencialidades de cada criança e pela sua inserção gradual no mundo da cultura e da socialização. Um bom trabalho de alfabetização procura, sempre que possível, inserir a criança no mundo das letras por meio da brincadeira, do jogo e da arte.

A cultura lúdica é a forma própria de conhecer e interagir das crianças. Se o educador consegue respeitar essa característica e aproveitá-la para desencadear aprendizagens de ordens diversas, obterá resultados muito mais expressivos e isso se torna pleno de possibilidades no Programa Mais Educação pela via do planejamento integrado entre os turnos e entre os diferentes macrocampos.

Quando as crianças são submetidas muito cedo a uma formalização excessiva, perdem-se incontáveis oportunidades de promover seu desenvolvimento através do que é mais característico dos processos de aprendizagem na infância: o brincar.

São exemplos de jogos excelentes para promover o letramento dos pequenos: o bingo (de letras, de nomes das crianças), a memória, os dominós, os quebra-cabeças, a “amarelinha”, os do tipo “devagar se vai ao longe” em que se avançam casas numa trilha com o auxílio de um dado (pode ser de letras ou palavras significativas, os baralhos com letras para jogos tipo “mico” ou “bate-bate” em que, em roda, vai-se “cantando” o alfabeto e jogando uma carta na mesa por vez). Quando houver coincidência entre o nome da letra “cantada” e alguma das cartas jogadas, quem primeiro perceber, e for rápido, fica com todas as cartas da mesa.

Jogos com rimas, parlendas e cantigas de roda são excelentes também; o importante é aproveitar, ao máximo, todas as formas criativas disponíveis, para que as crianças possam brincar e aprender.

O conjunto de materiais didáticos adquiridos pela escola, a partir das sugestões da equipe do Programa Mais Educação, constitui-se como um excelente recurso para realização de propostas de Alfabetização e Letramento apresentadas neste texto. Podemos citar, como exemplo, o uso das letras móveis para identificação, memorização de letras, construção da ordem alfabética, formação e transformação de palavras, dentre outras possibilidades. Com criatividade, imaginação e considerando o que está proposto neste texto, é possível valorizar o material didático, realizando inúmeras atividades que podem ser promotoras de momentos lúdicos e de efetivas aprendizagens.

Jogos na alfabetização

USEE

ABUSE Jogo da Memóriade Sílabas

Baralho de

Letras e palavrasDominó de

Leitura e escrita Alfabeto Móvel

Varal de Letras

Cartas

para

DitadoBingo

de Letras

Page 38: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

36 Construindo um ambiente favorável

à educação

S e entendemos, a partir de Ferreiro e sustentados pela teoria de Piaget que construir conhecimentos é estabelecer o máximo de relações possíveis entre fatos, eventos, situações, conceitos – parece que uma possibilidade de aprendizagem da leitura e da escrita embasa-se no estabelecimento de múltiplas relações: então, desde o início,

desde sempre, enfatizando o que já dissemos, anteriormente – coloca-se a possibilidade de as crianças trabalharem, vivenciarem textos, palavras, frases, imagens, letras, sílabas – isto, então, ocorre em qualquer momento do processo de conhecimento da escrita. O texto é a base de tudo.

Faz-se necessário que a criança vá construindo um repertório de letras, palavras e textos.

A sala de aula, a escola como um todo – o pátio, o refeitório, os corredores – devem ser um ambiente rico de estímulos a eventos de letramento variados através de cartazes, publicações, avisos, sinalizações, murais, convites, lembretes, escritos variados dos alunos, das alunas e de outras pessoas, dentre muitas outras possibilidades.

A LEITURA

É com esse tipo de leitura pré-alfabética que tantas pessoas adultas não alfabetizadas conseguem desenvolver estratégias bastante boas de autonomia vivendo numa cultura letrada.

A memória, recurso fundamental de preservação de culturas não letradas, desempenha, nesse período, um papel primordial, utilizando, para o reconhecimento de escritas, os mesmos aportes de que se utiliza para o registro de enunciados orais: ritmo, rimas, o caráter mais ou menos similar ao de formular diferenças entre imagens. Atingido o patamar alfabético na escrita, o aluno entra numa outra etapa da leitura em que a pessoa, diante dos estímulos escritos, tenta “ouvir para ver”. É aquele momento em que a leitura é puro decifrado, totalmente apoiado no reconhecimento acústico das letras.

Muitas vezes, a pessoa já é capaz de escrever alfabeticamente, mas ainda não consegue executar esse tipo de leitura. Que alfabetizador já não ouviu, de um ou mais de seus alunos, em algum ponto do seu processo de aprendizagem: Eu sei todas essas letras, só não sei juntar?

Depois que se aprende a ler, torna-se impossível calar as vozes silenciosas que nos dizem coisas, desde os cartazes e as placas nas ruas, as fachadas das casas e os muros, os jornais expostos nas esquinas, os rótulos nos supermercados, e todo e qualquer espaço que sirva de suporte para escritas no cotidiano urbano.

Existe o que poderíamos chamar de período pré-alfabético de leitura que engloba os procedimentos, as estratégias, os esquemas do sujeito para lidar com a necessidade da leitura, numa sociedade letrada, antes de ele se alfabetizar. Essa leitura se dá ainda de forma logográfica, isto é, o candidato a leitor aprende as palavras ou quaisquer partes, já que isso não faz sentido para ele. Ele recorre a indícios, contexto e conhecimento da função social que aquele determinado portador de texto exerce na vida que lhe são familiares.

Page 39: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

37 Isso não significa, contudo, que a leitura passe, daí por diante, a fazer parte do dia-a-dia do sujeito alfabetizado para muito além do tipo de interação com estímulos escritos, aos quais ele está constantemente submetido numa sociedade letrada.

São muitas e variadas as funções sociais que a escrita veio assumindo, ao longo da História, das mudanças culturais e espaciais. Diferentemente do que acontecia nas culturas exclusivamente orais, muitos tipos de textos escritos fundamentam-se em conceitos e não em personagens, usam mais verbos relacionais e menos de ação, argumentos e não descrições. Além disso, eles não se apoiam na memória como é comum à tradição oral e têm padrões próprios de construção, coesão e coerência internas. Tudo isso é o aprendizado da escrita, da cultura escrita.

ESTRATÉGIAS DE LEITURA

1. A leitura depende daquilo que o leitor já sabe

O bom leitor lança mão das seguintes competências: a) tem um domínio situacional e relacional das condições de produção, de recepção e de

circulação dos textos que ele visa (sabe quem os redige, por que e para quem, em que campo de investigação, em relação a que outros textos, sabe onde obtê-los e em que lhe dizem respeito);

b) tem um domínio referencial geral na área de conhecimento considerado (sabe de que assunto se trata, com quais conceitos opera, conhece as palavras-chave e seu modo de funcionamento);

c) tem um domínio textual de escritos com aquela configuração (formato, paginação, organização geral, tipos de ilustrações, subtítulos, etc.). Sabe procurar e encontrar “pistas”.

2. A leitura depende da informação não visual

Qualquer coisa que possa reduzir o número de alternativas que o cérebro deve considerar à medida que lemos: o tipo de texto, seu portador, seus objetivos e finalidades, o autor, o conhecimento do assunto, o reconhecimento do tipo de diagramação e ilustrações, a utilização das informações do índice, o reconhecimento de palavras-chave etc.

3. Aprende-se a ler lendo

Ninguém que esteja lendo para obter um sentido da leitura pode confundir bom com dom, ou ema com ame, em um contexto significativo. Infelizmente as crianças apontadas como tendo “problema de reversão”, ou seja, que confundem “b” e “d”, por exemplo, frequentemente recebem exercícios centrados na distinção de pares de palavras isoladamente, aumentando sua apreensão e confusão.

Há índices que o leitor busca inconscientemente no texto na busca de confirmação de suas hipóteses de significado: identificação de letras, identificação de palavras (dependendo de estratégias semânticas, sintáticas e pragmáticas).

As regras fonéticas e ortográficas parecem imensamente simples para quem já conhece a palavra. O sujeito que pronuncia ou escreve uma palavra corretamente já a conhece inteira e não sílaba por sílaba.

Page 40: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

38

IMPORTANTE

As crianças dominam a fonética e a ortografia como um resultado de aprenderem a ler e a escrever, e não o contrário disso, ou seja, fonética e ortografia não se constituem como pré-requisitos para a aprendizagem da leitura e da escrita.O modo mais fácil de aprender a ler não é com palavras individuais, mas com passagens significativas de textos, embora, como já vimos neste caderno, as palavras também possam estar carregadas de sentidos e se tornarem palavras-texto.

ler não é essa entrada em espaços desconhecidos,como certa tradição o subentendeu; é, mais

precisamente, a procura de uma confirmação, o acionamento de protocolos de leitura já constituídos, em presença

de textos já repertoriados.(VIGNER, 1988)

Page 41: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

39

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.

FERREIRO, Emilia & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FERREIRO, Emília. Cultura escrita e educação. Porto Alegre: Artmed, 2001.

FREIRE, Paulo e MACEDO, Donaldo. Alfabetização – leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de Ler. São Paulo: Contexto, 1985.

KLEIMAN, Ângela B., SIGNORINI, Inês e Cols. O ensino e a formação do professor – alfabetização de jovens e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2001.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: UNESP, 2000.

NERUDA, Pablo In: NETO, Antonio Gil. A produção de textos na escola. São Paulo: Edições Loyola, 1988.

NUNES, BUARQUE & BRYANT. Dificuldades de aprendizagem da leitura: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 1985.

RIBEIRO, Vera Masagão (org.). Letramento no Brasil – reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo, Global, 2003.

SNYDERS. Georges. Alunos felizes: reflexões sobre a alegria na escola a partir de textos literários. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. 204p.

SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera Masagão (org.). Letramento no Brasil – reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003. Disponível em: www.educacaointegral.df.gov.br/

VIGNER, Gerard. O texto - leitura e escrita. São Paulo: Pontes, 1988.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

WEISZ, Telma. De boas intenções o inferno está cheio. Ou: Quem se responsabiliza pelas crianças que estão na escola e não estão aprendendo? PATIO – Revista Pedagógica. V.4, nº.14,pp.10-13.Porto Alegre: Artmed, ago./out./2000.Disponível em: http://docslide.com.br/documents/telma-weisz.html

Referências

Page 42: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização

40

Realização:

Série Mais Educação

Cadernos Pedagógicos Mais EducaçãoAlfabetização

Agência Traço Leal Comunicação:

Secretaria de Educação BásicaEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Sala 500CEP 70.047-900 - Brasília, DFSítio: portal.mec.gov.br/sebE-mail: [email protected]

Organização:Jaqueline MollCoordenação Editorial:Gesuína de Fátima Elias LeclercLeandro da Costa FialhoRevisão Pedagógica:Danise VivianSamira Bandeira de Miranda Lima

Elaboração de texto e edição:Ivany Souza ÁvilaMaria Luiza MoreiraRevisão de textosEllen Neves

Projeto GráficoCarol LuzArte da CapaDiego GomesConrado Rezende Soares DiagramaçãoCarol Luz Conrado Rezende Soares Diego Gomes

CADERNO ALFABETIZAÇÃO

Page 43: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização
Page 44: 2CADERNOS PEDAGÓGICOSeducacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/pme/alfabetizacao.pdf · GRANDE AVENTURA DO CONHECIMENTO. Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização