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etude de cas Rio de Janeiro

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[2Km]² do ENGENHO DE DENTROConectividade, uso e legibilidade de um fragmento da Zona Norte Metropolitana

O caso em estudo trata de um bairro localizado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro - o Engenho de Dentro - que vem exibindo sinais de centralidade crescente quando comparado a outras áreas da cidade-metropolitana.

De antigo engenho de açúcar tornou-se, entre fins do século XIX e meados do século XX, um subúrbio industrial constituído ao longo da mais antiga linha férrea do país – a Central do Brasil. Com o baixo investimento na modernização das vias férreas, complementarmente os serviços de bondes (tramways) e depois de ônibus passaram o propiciar a conectividade entre o bairro e diversas áreas da cidade.

As lógicas metropolitanas começaram a se impor com a inauguração em 1986 do Norte Shopping e se aceleraram a partir 1997 com a abertura ao tráfego rápido da chamada de Linha Amarela e com a inauguração, em 2007, do Estádio João Havelange. também chamado de Engenhão.

Não se pode falar de colapso na conectividade do bairro, mas, desde fins dos anos 1980 o Engenho de Dentro vem se adensando e recebendo as pressões do mercado imobiliário. Por outro lado, o uso das suas ruas e dos próprios meios de transporte que o cruzam oscilam entre o ritmo da vida suburbana parada no tempo e o dos 47000 torcedores de futebol ou espectadores de shows que assistem aos grandes evento organizados no Estádio João Havelange

Em um quadrado de 2km por 2km, ou seja, 2Km]², foram selecionadas e analisadas quatro vias do bairro. Os temas estudados são a conectividade que essa área oferece ou permite em torno das vias, relacionado-a a outros usos, com o objetivo de entender como os fluxos de diferentes vias e os transportes que aí se articulam garantem a mobilidade e a legibilidade urbana e como fazem dialogar, competir ou, simplesmente compartilhar diferentes escalas da vida da metrópole.

Engenho de Dentro - um bairro

O nome do bairro se refere às primeiras atividades econômicas globalizadas do Rio de Janeiro no século XVII: o cultivo e o fabrico da cana de açúcar em engenhos, geralmente situados às margem de cursos d’água. No caso às margens dos rios Rios Faria, Timbó e dos

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Frangos, situados “dentro das terras” em relação a outros situados mais próximos da Baía da Guanabara e dos seus ancoradouros e portos de embarque de produtos. No século XVIII, com o declínio da cana e a expulsão dos jesuítas donos das terras, os antigos engenhos de produção de açúcar da região foram desmembrados em fazendas.

A retomada da ocupação da área no século XIX, foi provocada pela expansão dos transportes ferroviários em direção à Minas Gerais e São Paulo, buscando caminho entre estreitas faixa de planície entre os maciços da Carioca, do Gericinó e da Pedra Branca. A implantação da Estrada de Ferro Dom Pedro II(1858), posteriormente chamada Estrada de Ferro Central do Brasil(1889) foi o principal vetor de expansão da cidade em direção à sua Zona Norte e a estação do Engenho de Dentro, inaugurada em 10 de dezembro 1873, foi uma primeiras etapas inauguradas.

A ocupação dos terrenos situados entre os rios Faria, Timbó e Frangos e que balizam grosso modo os limites da zona da estação do Engenho de Dentro no data de 1871, quando começaram as obras de construção de um grande Complexo Ferroviário e os trens começaram a parar no trecho. O Complexo era composto por edifícios que atendiam a infraestrutura da própria expansão da rede ferroviária - oficinas, prédio para escritórios, residências para funcionários, hotel para visitantes e uma escola – e foi considerado um dos mais importantes da América Latina no período.

Em 1924 a estação original foi demolida para ampliação e em 1937 é novamente modernizada como parte do projeto de eletrificação das linhas férreas, sendo considerada como uma das mais importantes do sistema de trens dos subúrbios. Este fator alavancou o processo de subdivisão das fazendas, conformando um significativo aglomerado urbano em torno da estação. A estação existente até os dias de hoje se constitui em uma referência para o bairro, e comparativamente às outras estações da linha, por ser uma cobertura em estrutura de ferro em arco treliçado, vencendo um vão de 50metros de largura e com 6 metros de altura.

A urbanização da Zona Norte da cidade se deu de forma descontínua, formando-se a partir de núcleos isolados, de início próximos às paradas e estações dos trens e que foram – com a difusão dos automóveis e serviços de ônibus e com o loteamento dos terrenos rurais - se adensando, dando origem a uma extensa zona suburbana. Este crescimento não obedece a nenhum plano de conjunto, tendo-se realizado pela soma de inúmeros loteamentos

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particulares a partir do desmembramento de fazendas, sítios e chácaras.

As ruas da zona norte foram sendo criadas sem planejamento entre áreas agrícolas, e posteriormente industriais. Dessa forma, nem sempre existe continuidade entre as vias e as conexões internas não são favorecidas, o que é reforçado pela presença da linha férrea que tornou-se, assim, uma espécie de grande barreira que corta um a um os bairros que atravessa dividindo-os em duas partes com características, com frequência, diferentes. No Engenho de Dentro não é diferente mas a própria importância que a estação teve no passado e sua dimensões ainda hoje, permitindo além de servir à linha Central do Brasil- Deodoro a conexão para dois outros ramais ferroviários – os de Santa Cruz e Japeri - amplia esse efeito.

Mais recentemente foram criadas vias expressas elevadas, como a Linha Amarela (1997) que se superpuseram à malha urbana existente. A conectividade das alças de ligação entre a Linha Amarela e o bairro não foi objeto de atenção e muito menos de desenho e exibe total falta de aderência às ruas do bairro. Entretanto, assim como ocorreu com a linha do trem é a Linha Amarela que vem sendo responsável por novamente impulsionar o crescimento dos bairros que ela toca e, particularmente o Engenho de Dentro.

De fato, com o encurtamento das distâncias em relação ao centro e aos demais bairros periféricos, viabilizado pelas vias expressas, a área vem sendo objeto de intensa renovação urbana pelo mercado imobiliário. Contrastando com as temporalidades mais antigas do bairro, formadas por residências unifamiliares, algumas vilas e edifícios baixos, surgem condomínios fechados com edifícios altos e isolados em centro de terreno.

Entre vias novas e antigas passaram a surgir também grandes equipamentos no bairro. A implantação destes equipamentos se deu na maioria das vezes em grandes terrenos disponibilizados pela desindustrialização. De dimensões significativas, eles também contrastam com as edificações baixas e as vias locais, mas são importantes atrativos e novos ícones para a região. Dentre estes, além do estádio de futebol João Havelange, o “Engenhão”, já citado, se destaca nas proximidades o Norte Shopping, inaugurado em 1986.

Com 245.028 m² o Norte Shopping é o segundo maior do Brasil e possuí além de estacionamento para 4.000 veículos, mais de 300 lojas, 1 centro médico, 1 teatro (Teatro Miguel Falabella), 1 faculdade (Estácio de Sá - Campus Norte Shop), 1 escola (Centro Educacional da

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Lagoa) , 2 cursos de idioma (Aliança Francesa e CCAA) 1 pista de kart indoor, 1 pista de patinação no gelo, 1 boliche e recebe mais de 2,4 milhões de pessoas por mês.

Desde a construção do Norte Shopping e da Linha Amarela que veio também servir-lhe, e da construção do estádio João Havelange, o futuro do bairro está bastante ligado à atratividade destes equipamentos. Com a aproximação da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, que acontecerão no Rio de Janeiro, um novo vetor de expansão imobiliária já se estabelece, uma vez que no estádio se realizarão muitas atividades.

O reposicionamento do bairro nessa equação e no interior do diagrama da Zona Norte Metropolitana parece exigir uma nova reflexão sobre o potencial da área, suas infraestruturas e um programa de investimentos – financeiros e afetivos - que saibam associar as qualidades de vizinhança do bairro, o bom desenho das ruas e das faixas de preservação ambiental e ainda a eficiência no projeto e gerenciamento de grandes fluxos urbanos. Pelo menos estas parecem ser exigências desejáveis tanto para o bom funcionamento dos grandes eventos quanto para o dia a dia dos seus antigos e novos moradores.

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O trecho escolhido para o estudo é o core do bairro e abrange um recorte de 2km por 2Km onde estão inscritas além da Via Férrea e da Estação Engenho de Dentro, quatro vias que estruturam o bairro – Avenidas Archias Cordeiro e Amaro Cavalcanti, a Linha Amarela e a Avenida D. Helder Câmara (antiga Avenida Suburbana). Também limitam a área de estudo os dois equipamentos de dimensões metropolitanas aí instalados - o Engenhão e o Norte Shopping.

Neste recorte temos uma amostra de diferentes camadas de temporalidades e modos de vida dos antigos subúrbios do Rio de Janeiro. Podemos avaliar as relações que entretêm entre si diferentes eixos de expansão ou conexão e observar como dialogam com as vias locais. Pode-se medir ainda o impacto positivo e negativo dos grandes equipamentos tendo em vista os fluxos internos e externos ou constatar a falta de um plano de mobilidade para a área, refletida no abandono de investimentos, inclusive projetual, das vias e no contraste entre tipologias e escalas construtivas. Por fim, é possível se interrogar sobre a legibilidade da cidade e de seus conectores: trens, ônibus, vans, táxis, bicicletas.

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Serviços de transporte coletivos

A linha férrea que corta o Engenho de Dentro vai desde a Central do Brasil (centro do Rio de Janeiro), até o bairro de Marechal Hermes, na Zona Norte Metropolitana e possui em total aproximadamente 22Km. O trecho desta linha que está dentro da área de estudo, percorre 2,13 Km.

O trem continua a ser um modo de transporte importante nesta área. Contudo, se ele foi o responsável como vimos pela própria intensificação da urbanização desta área da cidade os serviços foram sendo cada vez mais desmantelado, sobretudo após a segunda metade do século XX. Abandonados em benefício da lógica automobilística até serem privatizados, estes serviços públicos outrora assegurados pela Rede Ferroviária Federal, desde 1998 são explorados pela concessionária espanhola Supervia e encontram-se hoje em péssimas condições de serviço. Não oferecem regularidade, segurança ou comodidade aos seus usuários.

Em contrapartida, a área estudada é hoje bastante irrigada por linhas de ônibus e é a que melhor se conecta com o centro por este modo de transporte. Das 698 linhas de ônibus que cruzam a cidade 53 linhas passam pelas vias estudadas do Engenho de Dentro o que significa dizer:

Linhas de ônibus Total Trafegam na Zona Norte

Trafegam no [2Km]²

Trafegam no [2Km]² (%)

MunicipaisInternorte 224 224 29 12,94Intersul 126 48 2 4,16Transcarioca 148 62 15 24,19Santa-Cruz 200 39 4 10,25IntermunicipaisBaixadaLeste MetropolitanoFundo Baía??

Se os números surpreendem positivamente, os serviços não correspondem às expectativas: sobrecargas de trajetos, veículos vetustos, obsoletos, desconfortáveis para o uso de pessoas com mobilidade reduzida, poluentes, barulhentos, pouco amigáveis.

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As vias e suas formas

A Avenida Dom Helder Câmara, antiga Avenida Suburbana e como ainda é popularmente chamada, é o principal eixo viário da Zona Norte. Seu surgimento remonta ao Caminho Imperial, que conectava o Município da Corte à Sepetiba. A via tem 11Km de extensão, sendo que 1,78 Km se encontram dentro do recorte dos [2km]². Conecta os bairros de Benfica (à norte do Engenho de Dentro) à Cascadura (à oeste do Engenho de Dentro), passando pelo Jacarezinho, Maria da Graça, Pilares,  Abolição, Piedade  e  Quintino Bocaiúva.

Dentro do recorte de estudo, a Avenida Dom Helder Câmara é servida por 19 linhas de ônibus que trafegam em dois sentidos com três faixas em cada um deles. O uso da avenida é predominantemente comercial, com alguns comércios de grande porte. Registra-se também um inicio de um processo de verticalização nos recentes condomínios residenciais construídos nessa rua. Nela, dentro da área estudada, estão o Norte Shopping (com 245.028 m², maior centro comercial do rio de janeiro e 2º maior no ranking dos centros comerciais no Brasil) e o Info Norte (shopping center de informática).

Devido ao processo de loteamento da área muitas vias transversais à Avenida D. Helder Câmara não possuem continuidade e o traçado em diagonal de algumas delas retrata a longa herança das iniciativas individuais na formação do arruamento que, assim, não segue em suas imediações qualquer plano de conjunto.

Ao Sul dos [2Km]² correm paralelas à linha férrea duas das vias mais importantes da área e que são, ainda hoje, uma prova da competitividade que no passado, com o advento do automóvel, passaram a fazer ao serviços de trens suburbanos. São elas as ruas Archias (hoje grafada Arquias) Cordeiro, já existente desde os primórdios da ocupação do bairro do Engenho de Dentro e por onde corria o bonde da Light Praça XV- Engenho de Dentro e a Avenida Amaro Cavalcanti aberta mais tarde em 1918, e que recebeu o nome do então Prefeito da cidade.

Antes da abertura dessas vias, as linhas férreas estavam mais presentes na paisagem do bairro. A construção dos muros ao longo das vias férreas foi um marco do crescimento progressivo do bairro e com eles a separação dos seus dois lados começou a ser acentuada, sobretudo após a modernização da estação em 1937.

A Rua Arquias Cordeiro, tem aproximadamente 3km de extensão, dos quais 1,10 Km estão dentro dos 2KM2. É servida por 14 linhas de

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ônibus que trafegam no sentido zona norte-centro. Possui três faixas de rolamento, calçadas estreitas em ambos os lados, chegando a não possuir calçadas em alguns momentos. É uma via com uso principalmente residencial unifamiliar.

A Avenida Amaro Cavalcanti, no lado sul da via férrea, é um importante eixo da cidade que atravessa parte dos bairros suburbanos de Todos os Santos, Engenho de Dentro e Méier. Desde o bairro do Méier (ao sul do Engenho de Dentro), após a rua Dias da Cruz, até o encontro com a Linha Amarela possui 3km de extensão até mudar de nome. Destes 2,5 Km estão inscritos dentro dos 2KM2.

Pela avenida trafegam ônibus de 20 linhas urbanas e possuí dois sentidos de trânsito e duas faixas em cada sentido no trecho Meier-Estação do Engenho de Dentro. Em direção a Todos os Santos torna-se mais estreita e com apenas um sentido e três faixas. Suas calçadas são muito estreitas e provavelmente foram diminuídas para aumentar a caixa de rua. A paisagem da Avenida Amaro Cavalcanti é marcada por longas extensões dos muros da linha férrea por um lado, e por outro, por residências e alguns comércios.

Pode-se dizer que a Avenida Amaro Cavalcanti e a Rua Arquias Cordeiro são fragmentos dos eixos rodoviários que se desenvolvem em paralelo ao ramal de Queimados da Estrada de Ferro Central do Brasil.

A última via estudada é a Linha Amarela. Inaugurada em 1997 para conectar a Cidade de Deus à Ilha do Fundão sem ter que passar pela Zona Sul, é uma via expressa estruturadora da circulação da cidade. Possui 25km de extensão, na maior parte elevada sob os bairros, sem criar qualquer aderência com os seus traçados urbanos antigos. 2Km da Linha Amarela cortam os 2KM2 em estudo no Engenho de Dentro e as alças de conexão com o bairro ignoraram completamente as lógicas locais de mobilidade e de tráfego.

Seu projeto fez parte das propostas feitas no Plano “Guanabara – a plan for urban development” de autoria do escritório Doxiadis Associates (1965), realizado no Governo do Estado da Guanabara de Carlos Lacerda (1960-1965). Esse plano propôs a criação de uma malha rodoviária para estruturar o crescimento urbano do Rio de Janeiro. Embora não tenha sido concluído em sua totalidade, muitas de suas propostas foram incorporadas desde então, sem qualquer revisão ou debate.

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Uma primeira pergunta que fica é como potencializar essas infraestruturas existentes e melhorar as suas aderências e conexões no bairro?

Margareth da Silva Pereira/ Fabiana Izaga

Pesquisa: Ana