(2º Semestre de 2013 1) - centropsicanalise.com.br · com o texto “Construções em analise”....

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Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã Aluno: Christian Mathias Fernandez 1 2º Semestre de 2013 Ciclo II – Quarta-feira – Manhã Aluno: Christian Mathias Fernandez Tema: O FIM DE UMA ANÁLISE: Prólogo: Na hora clinica da turma do segundo ciclo do curso de Psicanálise levantou-se a seguinte questão: Como o analista deve trabalhar a decisão de alta de um paciente. Caso esse paciente resolva voltar, deve/pode o analista retomar o trabalho? E no caso dos pais não terem condições de custear a análise de dois filhos. Deve-se colocar um por algum tempo (até um ano de tratamento) e depois retirá-lo a fim de que o outro possa ter a mesma oportunidade. Levantada esta questão passamos a comentar nossa visão sobre o assunto. A primeira colega disse que acredita que o trabalho analítico, uma vez iniciado, reverbera por toda a vida. Assim, mesmo que a pessoa encerre o tratamento seu interlocutor interno, que foi desenvolvido na análise, o acompanhará. O assunto prosseguiu de maneira bem instigante. Achei que foi uma hora clínica bastante rica, talvez por que tenha suscitado em mim tantas emoções e a possibilidade de ouvir diversas visões

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Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 1

2º Semestre de 2013

Ciclo II – Quarta-feira – Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez

Tema: O FIM DE UMA ANÁLISE:

• Prólogo:

Na hora clinica da turma do segundo ciclo do curso de Psicanálise

levantou-se a seguinte questão: Como o analista deve trabalhar a decisão de

alta de um paciente. Caso esse paciente resolva voltar, deve/pode o analista

retomar o trabalho? E no caso dos pais não terem condições de custear a

análise de dois filhos. Deve-se colocar um por algum tempo (até um ano de

tratamento) e depois retirá-lo a fim de que o outro possa ter a mesma

oportunidade.

Levantada esta questão passamos a comentar nossa visão sobre o

assunto. A primeira colega disse que acredita que o trabalho analítico, uma vez

iniciado, reverbera por toda a vida. Assim, mesmo que a pessoa encerre o

tratamento seu interlocutor interno, que foi desenvolvido na análise, o

acompanhará. O assunto prosseguiu de maneira bem instigante.

Achei que foi uma hora clínica bastante rica, talvez por que tenha

suscitado em mim tantas emoções e a possibilidade de ouvir diversas visões

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 2

do assunto e ver como aquelas visões e percepções a posteriori reverberavam

em mim.

Após essa breve introdução procuraremos abordar o tema do fim da

análise em Freud em com base no que aprendemos até o presente momento e

em alguns textos que não tivemos em nossa bibliografia, mas que fazem

menção ao assunto tratado em nossa hora clinica.

• A análise terminável e interminável:

Em 1937 Freud publicou “Análise terminável e interminável”, juntamente

com o texto “Construções em analise”. Vale ressaltar que esses textos foram

um dos últimos escritos do grande fundador desta nova forma de conhecimento

que ele nomeou de Psicanalise. O editor da edição standard chamou a atenção

para mudança de percepção de Freud em relação ao “poder profilático” ou a

cura completa da neurose tratada neste texto. Em sua nova visão, Freud

mudou sua percepção a esse respeito neste último texto e acreditava que não

há garantias de que o paciente que teve alta, que conseguiu passar pelo

tratamento terapêutico, apesar do fortalecimento do ego no processo, não corra

o risco de ter alguma recaída, dada a condições novas da realidade.

Quando Freud iniciou seu trabalho, por meio da clínica com casos de

histeria, o médico neurologista buscou uma maneira mais eficaz que as

praticadas pelos seus contemporâneos de curar a histeria e, depois, a neurose.

Este era, portanto, o objetivo inicial da psicanalise. Na época da publicação

deste texto, Freud o inicia com o seguinte trecho:

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“A experiência nos ensinou que a terapia psicanalítica

– a libertação de alguém de seus sintomas, inibições

e anormalidades de caráter neuróticas – é um assunto

que consome muito tempo.”

O leitor perceber qual o escopo da terapia analítica para Freud –

“Libertação de alguém de seus sintomas, inibições e anormalidades de caráter

neuróticas” - bem como sua percepção de que este tratamento consome muito

tempo. Sabendo que a psicanalise fora criada por um médico e tinha como

escopo a cura e, ademais, quando buscou um reconhecimento internacional

teve uma boa repercussão nos Estados Unidos, país conhecido pelo

pragmatismo e pela busca de resultados sempre rápidos; percebemos que

ainda hoje há um enorme resquício desta origem e da influencia americana,

não só na psicanalise como também na nossa cultura. A cultura do fast-food,

dos tratamentos breves e de um sentimento de pressa, de urgência desmedida

tem influenciado a discussão sobre o lento processo da analise e maneiras de

acelera-lo.

Hoje já podemos afirmar com mais convicção que não há uma cura

neste processo. Até por que não mais vemos as manifestações, inibições e

sintomas como doença. Há casos de doença, sem dúvida, que hoje são

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

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descritos pelo DSM e são trabalhados com a psicanálise, mas há também

assuntos abordados na análise que não se configuram como doença no

sentido técnico do termo. Há pessoas que não estão enfermas com algum

sintoma postulado no DSM e que ainda assim buscam análise e tem nela um

caminho de autoconhecimento e descobertas que muito contribuem para uma

significativa melhora na qualidade de vida.

Isto posto, não há que se falar em um neurótico curado. E podemos

dizer que a psicanalise, antes usada para curar neuróticos, tem sido uma

ferramenta muito útil e aceita no tratamento de diversas estruturas, tais como

psicóticos, perversos, etc.

Ainda em relação ao texto, Freud, talvez seduzido pela busca de

agilidade no tratamento, de um modelo mais curto, empregou uma nova técnica

a fim de acelerar o tratamento de seus pacientes. Sua justificativa para a nova

técnica foi a de que um sucesso parcial de tratamento deixava o analisando em

uma zona de conforto que o impedia de avançar.

Assim, buscando agilidade e quebra de resistências fixou um limite de

tempo para o fim da análise e comunicou ao analisando. Fez isso mais de uma

vez e conclui que ele tem uma eficácia no sentido de acelerar e “quebrar”

algumas resistências, mas não se pode garantir a realização completa da

tarefa. Percebeu também que uma parte do material ficou acessível frente à

chantagem enquanto que outra “ficará sepultada”. Um erro de calculo não pode

ser retificado. Sua conclusão não foi favorável ao emprego da nova técnica.

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• O que é de fato o término da análise?

No segundo capítulo do texto Freud inicia da seguinte maneira:

“A discussão do problema técnico de saber como

acelerar o lento progresso de uma análise nos conduz

a outra questão, mais profundamente interessante:

existe algo que se possa chamar de término de uma

análise – Há alguma possibilidade de levar uma

análise a tal término?”

Por meio desta colocação, se amplia um pouco o horizonte da questão

inicial e busca-se determinar o que se poderia chamar de fim de análise. Freud

coloca que uma resposta inicial, prática e objetiva seria de que o fim da análise

se dá com o fim das sessões entre analista e analisando. Isso pode ocorrer de

duas formas; A primeira, para chegar a este fim, o paciente deve ter superado

suas ansiedades, inibições e não apresentar seus antigos sintomas. Mais que

isso, é necessário que o analista acredite que tenha vencido diversas

resistências, tornado muito material consciente ao analisando que o risco de

uma repetição do processo patológico é pequeno.

Num segundo fim de análise, sem que este quadro acima tenha sido

preenchido, pode ocorrer em função de dificuldades externas (financeira, de

mobilidade, de agenda...) tornando o processo de analise "incompleto” ou

"inacabado”, frente um fim desta natureza.

Em seguida Freud coloca um sentido mais ambicioso no termo fim da

analise, qual seja: chegar a uma “normalidade psíquica absoluta”. Ele coloca

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 6

esta ideia para refletirmos, contudo acha que isso seria o ideal, mas não

alcançável. Neste ponto há uma alteração de percurso. Freud coloca que a

busca não deveria se dar na cura pela análise, mas sim nos obstáculos que se

colocam no caminho da cura. Apresenta dois casos clínicos de alta de

pacientes que teve ao longo de sua carreira e que anos mais tarde tiveram

recaídas.

Coloca-se que há quem defenda que a analise da época dos exemplos

avançou muito e que hoje pode curar completamente as pessoas e há aqueles

que acreditam que não há garantias. Contudo, Freud diz que independente da

corrente otimista ou cética não há espaço para buscar um abreviamento do

tratamento, em especial para aqueles que buscam um término de análise do

primeiro tipo – Sem sofrimentos de sintomas, superação de ansiedades e

inibições.

• A saúde e as possibilidades advindas de um tratamen to analítico:

No terceiro capítulo deste interessante ensaio Freud, em nota de rodapé, faz

uma colocação em relação à saúde:

“É impossível definir saúde, exceto em termos

metapsicológicos, isto é, por referência às relações

dinâmicas entre as instâncias do aparelho psíquico

que foram identificadas – ou (se preferir) inferidas ou

conjecturadas – por nós.”

Em seguida coloca-se que o tratamento psicanalítico produz um estado no

analisando que nunca surge espontaneamente, criando uma diferença

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essencial naqueles que tiveram a chance de passar por este processo. Em

relação a isto, podemos retomar a colocação de nossa colega na hora clínica

que afirmou que mesmo com uma interrupção na análise há, uma vez que o

analisando tenha iniciado seu tratamento, um novo interlocutor interno que faz

as vezes do analista por toda a vida. É claro que este interlocutor terá uma

força frente os impulsos e as pulsões diretamente proporcional à eficácia do

trabalho analítico pelo qual o analisando passou. Também se considera que

este interlocutor permite um controle sobre o instinto melhor que antes deste

ferramental. Contudo ele é imperfeito, pois é sempre incompleto.

Na abertura do VII capítulo Freud, em citação à Ferenczi, coloca que “a

análise não é um processo sem fim, mas um processo que pode receber um

fim natural, com perícia e paciência suficientes por parte do analista”. E sua

percepção é de um trabalho longo e não de uma chance de abreviação como

no discutido no início.

Ele coloca a importância da saúde mental do analista para a correta

execução de sua função, contrapondo com a função de um médico que,

mesmo sofrendo do coração pode atender um paciente sem causar danos a

este em função de seu problema. Esta é uma introdução da importância da

análise para aqueles que buscam ser analistas. Sabe-se que o tripé de um bom

analista é analise pessoal, conhecimento acadêmico e supervisão.

O texto diz da importância da manutenção da analise enquanto este

estiver na prática. Assim, já se percebe que a resposta objetiva de um término

de análise para aqueles que praticam é, ao ver de Freud, algo que não é

saudável.

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 8

• Conclusão

Com base no texto acima podemos perceber que a resposta à questão

de nosso colega sobre o fim da análise é complexa e muito trabalhada ao

longo de vários anos.

Podemos inferir que se um analisando apresenta uma vontade de

interromper ou finalizar a análise é fundamental tratar deste assunto de

maneira analítica. Analisar se é uma questão de resistência ou se a

demanda do analisando foi alcançada ao longo do tratamento e se, neste

caso, há um possível fim de relação que deve ser tratada com muito

respeito.

Caso haja um fim nesta relação, acredito que isso não signifique que o

analisando esteja “curado” e que não possa mais desfrutar das benesses de

uma analise. Pode-se buscar um novo analista que poderá, com outro

repertório, trabalhar pontos nunca antes analisados.

De maneira objetiva, em resposta à primeira questão do presente

trabalho, o fim de analise é material para a própria analise. O analista pode

retomar um processo de analise interrompido e, por fim, o tema de

interromper um tratamento infantil para que outra criança seja atendida é

um tema extremamente delicado. Isto por que o momento da interrupção

por vezes é dado pelos pais e com base em um calendário gregoriano (1

ano, seis meses etc) e não com base na realidade do atendimento do

paciente/analista.

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Aluno: Christian Mathias Fernandez 9

É mister que os pais busquem conversar com o analista para saber

como anda o tratamento de seu filho e estudar o momento desta

interrupção, haja vista uma interrupção abrupta pode trazer grandes

prejuízos ao analisando.

Durante meus estudos para a produção do presente trabalho me veio à

cabeça o poema de Vinicius de Moraes chamado “O operário em

construção”. Penso que a análise é uma excelente ferramenta para

fortalecer o ego e permitir que este não seja submetido e “atravessado” pelo

ID ou Superego e por vontades alheias. Este poema trata do processo de

tomada de consciência de um operário que partindo de uma completa

alienação à conscientização individual.

OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

“Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas Ele subia com as asas

Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia por exemplo

Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia

Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão.

...

Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa

- Garrafa, prato, facão

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Era ele quem fazia Ele, um humilde operário

Um operário em construção. Olhou em torno: a gamela Banco, enxerga, caldeirão

Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento Não sabereis nunca o quanto

Aquele humilde operário Soube naquele momento

Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara

Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava.

O operário emocionado Olhou sua própria mão

Sua rude mão de operário De operário em construção

E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro dessa compreensão

Desse instante solitário Que, tal sua construção

Cresceu também o operário Cresceu em alto e profundo

Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão Pois além do que sabia

- Exercer a profissão - O operário adquiriu

Uma nova dimensão: A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu

Que a todos admirava: O que o operário dizia

Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edifício em construção

Que sempre dizia "sim” Começou a dizer "não”

...

Disse e fitou o operário Que olhava e refletia

Mas o que via o operário O patrão nunca veria

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O operário via casas E dentro das estruturas

Via coisas, objetos Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão

E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão Não vês o que te dou eu?

- Mentira! - disse o operário Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se

Dentro do seu coração Um silêncio de martírios

Um silêncio de prisão. Um silêncio povoado

De pedidos de perdão Um silêncio apavorado

Com o medo em solidão Um silêncio de torturas

E gritos de maldição Um silêncio de fraturas

A se arrastarem no chão E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos

Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão

Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa

Agigantou-se a razão De um homem pobre e esquecido

Razão porém que fizera Em operário construído

O operário em construção”

Retirei alguns pequenos trechos deste longo poema. Vejo nele muitas ligações da construção em psicanalise, que por acaso (ou não) foi o tema do outro texto de Freud (construção em analise) do qual mencionamos no início do trabalho. E também desta possibilidade de sair de uma alienação que o processo de analise permite.

Deixarei o poema aberto aos leitores para fazerem dele sua melhor tradução. Assim, termino minha breve apresentação deste importante tema, que é o fim da análise.

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BIBLIOGRAFIA

• FREUD S. [1939], Analise Terminável e Interminável, in Obras Psicológicas

Completas de Sigmund Freud, vol. XXIII, Rio de Janeiro, Imago, 1996

• FREUD S. [1939], Construções em Analise, in Obras Psicológicas Completas de

Sigmund Freud, vol. XXIII, Rio de Janeiro, Imago, 1996

• MORAES V. [1956], “Operário em Construção” (Poema)

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Aluno: Christian Mathias Fernandez 1

2º Semestre de 2013

Ciclo II – Quarta-feira – Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez

Tema: O FIM DE UMA ANÁLISE:

• Prólogo:

Na hora clinica da turma do segundo ciclo do curso de Psicanálise

levantou-se a seguinte questão: Como o analista deve trabalhar a decisão de

alta de um paciente. Caso esse paciente resolva voltar, deve/pode o analista

retomar o trabalho? E no caso dos pais não terem condições de custear a

análise de dois filhos. Deve-se colocar um por algum tempo (até um ano de

tratamento) e depois retirá-lo a fim de que o outro possa ter a mesma

oportunidade.

Levantada esta questão passamos a comentar nossa visão sobre o

assunto. A primeira colega disse que acredita que o trabalho analítico, uma vez

iniciado, reverbera por toda a vida. Assim, mesmo que a pessoa encerre o

tratamento seu interlocutor interno, que foi desenvolvido na análise, o

acompanhará. O assunto prosseguiu de maneira bem instigante.

Achei que foi uma hora clínica bastante rica, talvez por que tenha

suscitado em mim tantas emoções e a possibilidade de ouvir diversas visões

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Aluno: Christian Mathias Fernandez 2

do assunto e ver como aquelas visões e percepções a posteriori reverberavam

em mim.

Após essa breve introdução procuraremos abordar o tema do fim da

análise em Freud em com base no que aprendemos até o presente momento e

em alguns textos que não tivemos em nossa bibliografia, mas que fazem

menção ao assunto tratado em nossa hora clinica.

• A análise terminável e interminável:

Em 1937 Freud publicou “Análise terminável e interminável”, juntamente

com o texto “Construções em analise”. Vale ressaltar que esses textos foram

um dos últimos escritos do grande fundador desta nova forma de conhecimento

que ele nomeou de Psicanalise. O editor da edição standard chamou a atenção

para mudança de percepção de Freud em relação ao “poder profilático” ou a

cura completa da neurose tratada neste texto. Em sua nova visão, Freud

mudou sua percepção a esse respeito neste último texto e acreditava que não

há garantias de que o paciente que teve alta, que conseguiu passar pelo

tratamento terapêutico, apesar do fortalecimento do ego no processo, não corra

o risco de ter alguma recaída, dada a condições novas da realidade.

Quando Freud iniciou seu trabalho, por meio da clínica com casos de

histeria, o médico neurologista buscou uma maneira mais eficaz que as

praticadas pelos seus contemporâneos de curar a histeria e, depois, a neurose.

Este era, portanto, o objetivo inicial da psicanalise. Na época da publicação

deste texto, Freud o inicia com o seguinte trecho:

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 3

“A experiência nos ensinou que a terapia psicanalítica

– a libertação de alguém de seus sintomas, inibições

e anormalidades de caráter neuróticas – é um assunto

que consome muito tempo.”

O leitor perceber qual o escopo da terapia analítica para Freud –

“Libertação de alguém de seus sintomas, inibições e anormalidades de caráter

neuróticas” - bem como sua percepção de que este tratamento consome muito

tempo. Sabendo que a psicanalise fora criada por um médico e tinha como

escopo a cura e, ademais, quando buscou um reconhecimento internacional

teve uma boa repercussão nos Estados Unidos, país conhecido pelo

pragmatismo e pela busca de resultados sempre rápidos; percebemos que

ainda hoje há um enorme resquício desta origem e da influencia americana,

não só na psicanalise como também na nossa cultura. A cultura do fast-food,

dos tratamentos breves e de um sentimento de pressa, de urgência desmedida

tem influenciado a discussão sobre o lento processo da analise e maneiras de

acelera-lo.

Hoje já podemos afirmar com mais convicção que não há uma cura

neste processo. Até por que não mais vemos as manifestações, inibições e

sintomas como doença. Há casos de doença, sem dúvida, que hoje são

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 4

descritos pelo DSM e são trabalhados com a psicanálise, mas há também

assuntos abordados na análise que não se configuram como doença no

sentido técnico do termo. Há pessoas que não estão enfermas com algum

sintoma postulado no DSM e que ainda assim buscam análise e tem nela um

caminho de autoconhecimento e descobertas que muito contribuem para uma

significativa melhora na qualidade de vida.

Isto posto, não há que se falar em um neurótico curado. E podemos

dizer que a psicanalise, antes usada para curar neuróticos, tem sido uma

ferramenta muito útil e aceita no tratamento de diversas estruturas, tais como

psicóticos, perversos, etc.

Ainda em relação ao texto, Freud, talvez seduzido pela busca de

agilidade no tratamento, de um modelo mais curto, empregou uma nova técnica

a fim de acelerar o tratamento de seus pacientes. Sua justificativa para a nova

técnica foi a de que um sucesso parcial de tratamento deixava o analisando em

uma zona de conforto que o impedia de avançar.

Assim, buscando agilidade e quebra de resistências fixou um limite de

tempo para o fim da análise e comunicou ao analisando. Fez isso mais de uma

vez e conclui que ele tem uma eficácia no sentido de acelerar e “quebrar”

algumas resistências, mas não se pode garantir a realização completa da

tarefa. Percebeu também que uma parte do material ficou acessível frente à

chantagem enquanto que outra “ficará sepultada”. Um erro de calculo não pode

ser retificado. Sua conclusão não foi favorável ao emprego da nova técnica.

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 5

• O que é de fato o término da análise?

No segundo capítulo do texto Freud inicia da seguinte maneira:

“A discussão do problema técnico de saber como

acelerar o lento progresso de uma análise nos conduz

a outra questão, mais profundamente interessante:

existe algo que se possa chamar de término de uma

análise – Há alguma possibilidade de levar uma

análise a tal término?”

Por meio desta colocação, se amplia um pouco o horizonte da questão

inicial e busca-se determinar o que se poderia chamar de fim de análise. Freud

coloca que uma resposta inicial, prática e objetiva seria de que o fim da análise

se dá com o fim das sessões entre analista e analisando. Isso pode ocorrer de

duas formas; A primeira, para chegar a este fim, o paciente deve ter superado

suas ansiedades, inibições e não apresentar seus antigos sintomas. Mais que

isso, é necessário que o analista acredite que tenha vencido diversas

resistências, tornado muito material consciente ao analisando que o risco de

uma repetição do processo patológico é pequeno.

Num segundo fim de análise, sem que este quadro acima tenha sido

preenchido, pode ocorrer em função de dificuldades externas (financeira, de

mobilidade, de agenda...) tornando o processo de analise "incompleto” ou

"inacabado”, frente um fim desta natureza.

Em seguida Freud coloca um sentido mais ambicioso no termo fim da

analise, qual seja: chegar a uma “normalidade psíquica absoluta”. Ele coloca

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 6

esta ideia para refletirmos, contudo acha que isso seria o ideal, mas não

alcançável. Neste ponto há uma alteração de percurso. Freud coloca que a

busca não deveria se dar na cura pela análise, mas sim nos obstáculos que se

colocam no caminho da cura. Apresenta dois casos clínicos de alta de

pacientes que teve ao longo de sua carreira e que anos mais tarde tiveram

recaídas.

Coloca-se que há quem defenda que a analise da época dos exemplos

avançou muito e que hoje pode curar completamente as pessoas e há aqueles

que acreditam que não há garantias. Contudo, Freud diz que independente da

corrente otimista ou cética não há espaço para buscar um abreviamento do

tratamento, em especial para aqueles que buscam um término de análise do

primeiro tipo – Sem sofrimentos de sintomas, superação de ansiedades e

inibições.

• A saúde e as possibilidades advindas de um tratamen to analítico:

No terceiro capítulo deste interessante ensaio Freud, em nota de rodapé, faz

uma colocação em relação à saúde:

“É impossível definir saúde, exceto em termos

metapsicológicos, isto é, por referência às relações

dinâmicas entre as instâncias do aparelho psíquico

que foram identificadas – ou (se preferir) inferidas ou

conjecturadas – por nós.”

Em seguida coloca-se que o tratamento psicanalítico produz um estado no

analisando que nunca surge espontaneamente, criando uma diferença

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 7

essencial naqueles que tiveram a chance de passar por este processo. Em

relação a isto, podemos retomar a colocação de nossa colega na hora clínica

que afirmou que mesmo com uma interrupção na análise há, uma vez que o

analisando tenha iniciado seu tratamento, um novo interlocutor interno que faz

as vezes do analista por toda a vida. É claro que este interlocutor terá uma

força frente os impulsos e as pulsões diretamente proporcional à eficácia do

trabalho analítico pelo qual o analisando passou. Também se considera que

este interlocutor permite um controle sobre o instinto melhor que antes deste

ferramental. Contudo ele é imperfeito, pois é sempre incompleto.

Na abertura do VII capítulo Freud, em citação à Ferenczi, coloca que “a

análise não é um processo sem fim, mas um processo que pode receber um

fim natural, com perícia e paciência suficientes por parte do analista”. E sua

percepção é de um trabalho longo e não de uma chance de abreviação como

no discutido no início.

Ele coloca a importância da saúde mental do analista para a correta

execução de sua função, contrapondo com a função de um médico que,

mesmo sofrendo do coração pode atender um paciente sem causar danos a

este em função de seu problema. Esta é uma introdução da importância da

análise para aqueles que buscam ser analistas. Sabe-se que o tripé de um bom

analista é analise pessoal, conhecimento acadêmico e supervisão.

O texto diz da importância da manutenção da analise enquanto este

estiver na prática. Assim, já se percebe que a resposta objetiva de um término

de análise para aqueles que praticam é, ao ver de Freud, algo que não é

saudável.

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 8

• Conclusão

Com base no texto acima podemos perceber que a resposta à questão

de nosso colega sobre o fim da análise é complexa e muito trabalhada ao

longo de vários anos.

Podemos inferir que se um analisando apresenta uma vontade de

interromper ou finalizar a análise é fundamental tratar deste assunto de

maneira analítica. Analisar se é uma questão de resistência ou se a

demanda do analisando foi alcançada ao longo do tratamento e se, neste

caso, há um possível fim de relação que deve ser tratada com muito

respeito.

Caso haja um fim nesta relação, acredito que isso não signifique que o

analisando esteja “curado” e que não possa mais desfrutar das benesses de

uma analise. Pode-se buscar um novo analista que poderá, com outro

repertório, trabalhar pontos nunca antes analisados.

De maneira objetiva, em resposta à primeira questão do presente

trabalho, o fim de analise é material para a própria analise. O analista pode

retomar um processo de analise interrompido e, por fim, o tema de

interromper um tratamento infantil para que outra criança seja atendida é

um tema extremamente delicado. Isto por que o momento da interrupção

por vezes é dado pelos pais e com base em um calendário gregoriano (1

ano, seis meses etc) e não com base na realidade do atendimento do

paciente/analista.

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 9

É mister que os pais busquem conversar com o analista para saber

como anda o tratamento de seu filho e estudar o momento desta

interrupção, haja vista uma interrupção abrupta pode trazer grandes

prejuízos ao analisando.

Durante meus estudos para a produção do presente trabalho me veio à

cabeça o poema de Vinicius de Moraes chamado “O operário em

construção”. Penso que a análise é uma excelente ferramenta para

fortalecer o ego e permitir que este não seja submetido e “atravessado” pelo

ID ou Superego e por vontades alheias. Este poema trata do processo de

tomada de consciência de um operário que partindo de uma completa

alienação à conscientização individual.

OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

“Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas Ele subia com as asas

Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia por exemplo

Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia

Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão.

...

Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa

- Garrafa, prato, facão

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 10

Era ele quem fazia Ele, um humilde operário

Um operário em construção. Olhou em torno: a gamela Banco, enxerga, caldeirão

Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento Não sabereis nunca o quanto

Aquele humilde operário Soube naquele momento

Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara

Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava.

O operário emocionado Olhou sua própria mão

Sua rude mão de operário De operário em construção

E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro dessa compreensão

Desse instante solitário Que, tal sua construção

Cresceu também o operário Cresceu em alto e profundo

Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão Pois além do que sabia

- Exercer a profissão - O operário adquiriu

Uma nova dimensão: A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu

Que a todos admirava: O que o operário dizia

Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edifício em construção

Que sempre dizia "sim” Começou a dizer "não”

...

Disse e fitou o operário Que olhava e refletia

Mas o que via o operário O patrão nunca veria

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 11

O operário via casas E dentro das estruturas

Via coisas, objetos Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão

E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão Não vês o que te dou eu?

- Mentira! - disse o operário Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se

Dentro do seu coração Um silêncio de martírios

Um silêncio de prisão. Um silêncio povoado

De pedidos de perdão Um silêncio apavorado

Com o medo em solidão Um silêncio de torturas

E gritos de maldição Um silêncio de fraturas

A se arrastarem no chão E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos

Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão

Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa

Agigantou-se a razão De um homem pobre e esquecido

Razão porém que fizera Em operário construído

O operário em construção”

Retirei alguns pequenos trechos deste longo poema. Vejo nele muitas ligações da construção em psicanalise, que por acaso (ou não) foi o tema do outro texto de Freud (construção em analise) do qual mencionamos no início do trabalho. E também desta possibilidade de sair de uma alienação que o processo de analise permite.

Deixarei o poema aberto aos leitores para fazerem dele sua melhor tradução. Assim, termino minha breve apresentação deste importante tema, que é o fim da análise.

Trabalho Ciclo II – Turma Quarta-feira Manhã

Aluno: Christian Mathias Fernandez 12

BIBLIOGRAFIA

• FREUD S. [1939], Analise Terminável e Interminável, in Obras Psicológicas

Completas de Sigmund Freud, vol. XXIII, Rio de Janeiro, Imago, 1996

• FREUD S. [1939], Construções em Analise, in Obras Psicológicas Completas de

Sigmund Freud, vol. XXIII, Rio de Janeiro, Imago, 1996

• MORAES V. [1956], “Operário em Construção” (Poema)