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    ao vivo: entretcnicas, scripts ebanco de dados

    patricia moranuniversidade de so paulo

    RESUMOComparando o papel de Peter Greenawaycomo diretor de cinema com sua atuao

    como VJ no projeto The Tulse LuperSuitcases, esse artigo busca examinaralgumas das reorganizaes nas prticasmiditicas que se do em resposta aodesenvolvimento de tecnologias digitais.

    PALAVRAS-CHAVEVJ, Bancos de Dados, Imagem Digital, DispositivosPerformticos, Peter Greenaway

    Ataque de Kronstadt pelo exrcito vermelhodurante a Revoluo Russa de 1917

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    O uso abusivo de algumas noes ao longo do tempo esvazia o sentidoda situao, obra ou objeto nomeado. Analisar os diferentes discursos revelamcomo, historicamente, certas noes so apropriadas por grupos com diferentesprojetos polticos. comum tanto em longos perodos histricos, como em pocasdeterminadas, o uso abusivo de conceitos ou noes. Isso decorre, entre outrosmotivos de modismos e, tambm, claro, de interesses polticos escusos os

    mais variados (sejam eles escusos ou legtimos). O historiador Edgar de Decca,em O silncio dos vencidos, traz uma anlise inquietante ao recuperar os usosda noo de revoluo. A mesma prestou-se ao longo da histria para se referirtanto a golpes de estado como a Revoluo de 64, quanto a utopias de mudanasda ordem social com implicaes na cultura e regime poltico vigente como aRevoluo Russa. Se a impreciso, neste exemplos, tem motivaes ideolgicas,outras menos complicadas em termos de projeto social tampouco conseguemnomear seus objetos.

    Nos ltimos vinte anos h uma profuso de experincias audiovisuais quese utilizam de procedimentos criativos semelhantes para a realizao de peas

    audiovisuais com objetivos diversos. A ttulo de exemplo mencionamos trabalhosproduzidos a partir de imagens de lmes, de programas televisivos, de vdeo-games, de lbuns de famlia, entre outros. So denominados colagem, remix,mash-up, lmes de arquivo. Nestas experincias os nomes referem-se matriz daqual foram apropriadas as imagens e os sons. Tem em comum a combinao debancos de dados. Mas no pertencem a um gnero, o que evidencia o cruzamento110

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    de fronteiras e a diculdade, se no inutilidade, de procurarmos circunscreverestas formas expressivas a nichos especcos. Os pesquisadores de documentrioso os que melhor tem sistematizado o repertrio audiovisual criado a partir deimagens encontradas alis, outra denominao para este processo, no inglsfound footage. Visando escapar das ciladas dos gneros tomam, a idia de lme-ensaio para a anlise de lmes em primeira pessoa ou sobre temas variados.

    O objeto deste artigo o que se convencionou chamar de ao vivo. Aocontrrio dos lmes de montagem acima mencionados, so experincias poticasde arte e comunicao que, apesar da diversidade, foram reuniadas sob ummesmo rtulo. As mesmas so produzidas e/ou exibidas pela televiso, pelainternet, por dispositivos mveis, em jogos (games), nos teatros e acontecimentosem estdios ou casas de espetculos. Haveria um denominador comum nasexperincias ao vivo produzidas a partir de distintos meios de exibio ematerialidades de produo? Em princpio a presena em ato do realizador.Mas qual sua ao? Como cria, manipula e combina os dispositivos tcnicosextensores de braos, mos e principalmente de conceitos audiovisuais?Esperamos ao longo do texto trazer algumas respostas s indagaes ora iniciadas.

    O discurso sobre a no especicidade do cinema, do vdeo, da TV e outrosprodutos audiovisuais - sejam eles artsticos ou no outro lugar de noesgenricas. Por um lado, trazem o ganho de permitir um pensamento transversalsobre distintos meios, por outro esvaziam leituras crticas ou analticas de meiosdistintos. Pela aproximao de linhas de fora arqueolgicas, so conceitualizadostrabalhos audiovisuais sem os devidos aportes tericos para o conhecimento daspropostas em questo. O surgimento do cinema recoloca problemas loscosrelativos ao tempo e espao. O cinema ganha corpo como objeto para se pensartemas caros losoa como a permanncia, o devir, a memria em relao

    materialidade e imaterialidade de suportes. O cinema em particular, e oaudiovisual, crescem como campo de investigao. Mas, camos carentes deleituras sincrnicas com as marcas de cada tempo, com questes tericas sobre ofazer contemporneo sua poca.

    Nosso investimento analtico no est pautado na demarcao de camposdo fazer irreconciliveis, pelo contrrio, procuramos circunscrever aspectos das

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    poticas que se repetem no tempo, mas com novas acepes em alguns casos.Vale lembrar o entendimento da imagem como lugar de passagens em RaymondBellour, do cinema como forma que reinventa o dispositivo cinematogrco emAndr Parente (2009: 23). Estas leituras evidenciam o cruzamento de estratgiasdiscursivas e dispositivos, incluindo na teoria cinematogrca experinciasmarginalizadas por modelos narrativos hegemnicos. Mas no esto preocupadosem destacar a singularidade tcnica, discursiva e dos trabalhos como um todo.

    Bellour (2009: 93-96) enfatiza no contedo da imagem (em seu poder deproporcionar deslocamentos e perda de referenciais), um ponto de aproximaoentre trabalhos artsticos. A partir da bruma do lme Identifcao de uma Mulher,do cineasta italiano MIchelangelo Antonioni, e da instalao Horror Vacui, daartista belga Ann Veronica Janssens, v no endereamento ao pblico o ponto deaproximao entre os trabalhos. na primazia do visvel, como potncia produtorada perda de referenciais, que se assenta a semelhana, ou melhor, a aproximaoentre Janssens e Antonioni. Mas as certezas sobre a similaridade das obras questionada em seguida, uma vez que, segundo Bellour, h diferenas notveisentre o formato instalao e o dispositivo cinematogrco.

    Horror Vacui, de Ann Veronica Janssens

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    Este prembulo, que j se alonga em demasia, procura questionar lugares deconforto para o entendimento da complexa realidade de trabalhos a que somossubmetidos diariamente. Ou seja, nem as leituras compartimentalizadas, ondecada forma expressiva tem um lugar seguro e nico, nem as generalizantes, ondese apagam as singularidades, so sucientes para dar conta dos problemas aquipropostos. As generalizaes, preocupao central deste artigo, promovem oapagamento da diversidade. Como a bruma citada por Bellour, criam um quadronebuloso e de indistino sobre trabalhos que podem ter traos em comum. Ao faz-lo, no conseguem responder suas estratgias sensveis. Entendemos estratgiassensveis como o processo de constituio do sentido e das dimenses da obra nocircunscritas ao entendimento estritamente racional. Como salienta Muniz Sodr,trata-se do lugar singularssimo do afeto (2006: 11), produtor de sentidos e/oude sensaes anteriores signicao. Para ele, so processos que valem por suaintensidade performativa. Os contedos tornam-se indiferentes, esto aqum oualm dos conceitos.

    No pretendemos aqui esgotar essa discusso. Nestas primeiras notasbuscamos problematizar o tratamento uniforme e confortvel de trabalhosdistintos. Algumas vezes prximos nas proposies de sentido, outras no seuesvaziamento. Semelhantes nos dispositivos tcnicos e ao adotar a combinaode bancos de dados como ao signicante com resultados expressivosbastante diferentes. Relao entre as artes sempre haver, a semitica e literaturacomparada nos deixaram um legado consolidado sobre a correspondncia entreas artes como a msica, a dana, a poesia, a prosa e claro, o audiovisual. Omovimento, a construo de tempos harmnicos ou no, as guras de linguagemcomo a metfora e metonmia, a produo e apagamento do sentido podemser pontos de partida para a anlise de distintas formas artsticas. Cabe a ns

    no momento em que a noo de novas mdias j velha, no momento em queassistimos diariamente novos meios repetindo, ou remediando1 velhos meios,enfrentar em velhas noes como ao vivo, um dos representantes deste processoincessante de emergncia do mesmo e do outro.

    A realizao de espetculos ao vivo era uma condio do teatro e da msica,antes de surgirem suportes para o armazenamento de imagens e sons. A televiso

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    como meio tcnico de transmisso coloca novos problemas e realidade. Passa aser possvel a exibio de imagens e sons no momento em que estes acontecem.A presena fsica deixa de ser condio para se acompanhar um acontecimentoem primeira mo, como valoriza o jornalismo. A idia de ao vivo, no sensocomum, evoca o frescor dos fatos, a simultaneidade entre a emergncia de umfato social e sua presena imagtica em outro lugar, seja ele da cidade ou domundo. A ubiqidade deixa de ser privilgio dos deuses, a vida em sociedade

    pode ser presenciada em mais de um lugar. A transmisso oferece um palcointernacional ao acontecimento local, o aqui e agora merece a corruptela alhurese agora em diferentes fusos. A traduo do francs de ao vivo indica como estesprocessos de mediao implicam, tambm, no apagamento da mediao desujeitos e tcnicas no que denomina transmisso direta. Neste caso, h umarelao fenomenolgica de continuidade entre os acontecimentos e o pblico.Em portugus simples o direto, o ao vivo suprime mediadores sociais e tcnicos.O pblico uma espcie de testemunha, presencia o desenrolar das narrativas

    jornalsticas ou ccionais em direto. Assim, um dos pressupostos encarnados nosnomes ao vivo ou em direto o desaparecimento da mediao.

    Se as noes ao vivo e em direto para a transmisso televisiva sugeremo apagamento da mediao, como muito bem colocou Umberto Eco, oacontecimento um constructo pois no vemos nunca a representao especulardo acontecimento, mas a interpretao (1972: 182). A transmisso direta resultado de uma condio tcnica no surgimento da televiso. Curioso lembrarque o armazenamento de imagens a serem transmitidas pela televiso esteveatrelado tecnologia cinematogrca, em sua origem com o kinescope (Auslander.2008:13). Este aparelho reproduzia imagens em movimento impressas e, assim,permitia a reproduo de imagens e sons. Posteriormente, o lme reversvel, uma

    pelcula mais sensvel sem negativo, ser o suporte para o armazenamento e atransmisso televisiva. Enquanto a co produzida pela TV e espetculos musicaisaconteciam nos estdios e eram transmitidos ao vivo, a publicidade e o jornalismolanavam mo do lme, este ltimo tambm saindo rua. O advento do videotapemodica este panorama, ao baratear e simplicar o processo de armazenamento etransmisso de imagens e sons. Se a situao ao vivo resulta de opes, ou falta

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    de opes, tcnicas e nanceiras ao longo da histria, hojeconfunde-se com a televiso, transformando-se em modelopara a programao (Machado. 1999: 126). A transmissoao vivo, ou sua atual emulao em programas de auditrioe sitcoms reduz os custos de ps-produo. O corte nasimagens coincide com a ao dos personagens ctcios ousociais. Em algumas emissoras de TV a alternativa para se

    manter extensa grade de programao, j as grandes redesocupam parte signicativa da programao com programasao vivo. Resumindo, a noo de ao vivo na televisoteve implicaes tcnicas e econmicas, e ainda hoje identicada com este meio. Mesmo sendo resultado deescolhas de como se abordar os fatos transmitidos, ainda vendida pelas emissoras como ndice de verdade.

    Est na improvisao uma das perspectivas maisestimulantes do ao vivo. O diretor de televiso inventa oevento no momento em que ele acontece. Estes dois aspectoque marcam a televiso trazem a proximidade e separaoentre artes contemporneas ao vivo e a TV. Em performancesao vivo criadas por VJs ou artistas em geral, no h evento aser captado, a no ser quando em espetculos a cmera caaberta. O ao vivo refere-se combinao e manipulaode bancos de imagem.

    Galvo Bueno: o comentrio ao vivo uma dasmodalidades de transmisso em tempo real comuns

    na TV

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    Experimentos e experinciasContinuaremos a mencionar a transmisso televisiva a titulo de comparao

    entre a transmisso ao vivo pela TV e as performances audiovisuais commanipulao de imagens ao vivo realizadas em shows ou teatros. As primeirasapresentaes adotaram a estrutura tcnica da televiso como modelo. Eramrealizadas diante do pblico, mas a noo de ao vivo frgil para responder sproposies poticas criadas nestas condies materiais.

    Foram os VJs nas pistas de dana os grandes inventores de uma cena que, aose ampliar e re-inventar ao longo dos anos, tambm ampliou o mbito do que seentende por ao vivo. Com discurso esotrico, e propondo situaes associativassem enredo a elas associado, os VJs ocupavam clubes como complemento dasfestas. Em uma mistura de discurso xamnico e psicanaltico, pretendiam produzirimagens visveis capazes de chamar imagens do inconsciente (no que retomavamo vocabulrio da Visual Music, como desenvolvido nesta edio de TECCOGsnos artigos de Sandra Naumann). A aparente ingenuidade sobre o imediatismo deprocessos associativos tem uma liao com alguns discursos surrealistas calcados

    na critica a uma racionalidade pautada no desenvolvimento actancial dos fatos eem argumentos teleolgicos. A crtica narrativa em geral desconsidera narrativasaudiovisuais inquietas e inventivas. Essa recusa de endereamento vago envolveopes subjetivas, cuja discusso no interessa estender, no momento.

    Como vimos, as primeiras experincias de festas em clubs e nas raves adotamo discurso herico, relacionado negao de uma racionalidade genrica. Esteentusiasmo e postura pr-ativa pode no traduzir uma ao coletiva organizadaa partir de um programa e objetivos comuns. Sem sistematizao conceitualclara, sinalizam um modus operandi contemporneo. Diferente da clareza dasvanguardas artsticas histricas, sobre os projetos artsticos que pretendiam

    questionar, aqui a negao funciona como uma espcie de armao s avessas.O alvo do discurso crtico proposto , em ltima instncia, uma reivindicao deespao. Mesmo em se tratando de uma defesa de incluso da imagem nas festa, oque em principio no parece signicar problema ou representar qualquer grandecausa artstica ou de entretenimento, a incluso dos VJs exigiu trabalho para sefazer valer. Digamos que, nos primeiros tempos, houve algo como uma ocupao

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    dos circuitos existentes. Com remunerao pouco signicativa, ou nenhuma, osVJs conquistavam espao usando seu prprio equipamento. A congurao tcnicado equipamento utilizado era domstica (os vdeo cassetes sem mixer usados peloVJ Alexis no nal dos anos 90 nas raves de Braslia) ou seguiam a conguraoutilizada na televiso (mesas de corte e mixer para transmisso ao vivo).

    O diretor de TV da Rede Globo Jodele Lacher, integrante e idealizador doAzoia Lab, laboratrio de criao de artes visuais e multimdia, segundo denio

    do grupo, comea em 2001 a promover uma Jamm TV na Fundio Progresso, noRio de Janeiro. Diretor de clipes do Fantstico, e de shows musicais transmitidosao vivo pela TV Globo e pelo Multishow, Jodele passou a realizar um trabalhoque lhe era familiar: cortar ao vivo, e misturar (mixar) imagens. Em algumasapresentaes, a cmera aberta ao pblico e conectada mesa transformava aprpria festa em imagem a ser projetada. O coletivo Media Sana de Recife, foio grupo que melhor lanou mo da cmera aberta, tambm conhecida comotransmisso em circuito fechado. Comea a se apresentar em faculdades e nasruas, no incio deste sculo, explorando a mdia como matria, fazendo dela aprincipal questo de seus espetculos. A partir de imagens e sons da televiso, emum procedimento por eles chamado meta-reciclagem, mesclam imagens da mdiae sobre a mdia, com imagens e sons do pblico presente. Apelam ao pblicocom a repetio de trechos de falas crticas sobre a TV, apropriadas de programascomo o Observatrio da Imprensa de Alberto Dines. A discusso propostapelos programas complementada por intervenes como frases e grasmos, einseres do prprio pblico, chamado a se colocar em tempo presente.

    As experincias brasileiras inaugurais acima mencionadas adotam umacongurao tcnica herdeira da transmisso televisiva ao vivo (algo semelhantecom o surgimento da cena VJ novaiorquina, conforme discutido no artigo de Bram

    Streckwiks, nesta edio de TECCOGs). Mesa de corte, cmera e imagens e sonsde arquivo so o trip de qualquer transmisso. Ainda hoje a utilizao de materialpr-gravado na TV necessria, inserts de comerciais e dados alusivos histriados acontecimentos transmitidos so freqentes. Nos cobertura televisiva de showsmusicais interessa ao telespectador a banda e seus dolos. Um diretor experientee bem remunerado como Jodele se interessa em pilotar um VJ set, em participar

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    Jodele Larcher apresenta seu set no VideoAtaq: ele tambm foicurador do evento, realizado no Solar do Botafogo

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    em eventos mau remunerados, apesar de promovidos por corporaes, pois nelestem maior possibilidade de experimentar. De usar imagens de seu interesse e node pensar o ao vivo como cobertura do show, como produo de um ritmo dadopela banda. Paradoxalmente, o VJ ainda ser uma segunda gura da apresentao.Mesmo em eventos corporativos, a imagem est a reboque do estilo musicaltocado2. um paradoxo, j que a live performance dos VJs, mesmo atrelada ao DJe respondendo a ritmo e evoluo impresso pela msica, permite maior liberdade

    de criao ao realizador do que a transmisso televisiva. Umberto Eco j haviachamado a ateno para este aspecto da potica ao vivo da TV, onde a esfera deautonomia apresenta-se, muito mais escassa, e menor a plenitude artstica dofenmeno (1972: 186).

    Em termos de potica, outro ponto a distanciar as performances e transmissoao vivo o tempo morto. Ele no existe na pista. Ou, quando existe, includode forma intencional parte integrante da apresentao. O tempo morto umaexpresso sobre os momentos da transmisso do acontecimento ao vivo em quea ao televisionada nada tem a mostrar, quando h momentos de suspenso.Se a transmisso de um acontecimento poltico por exemplo a posse deum presidente o carro trazendo o/a presidente pode demorar para chegar. Aochegar, percorre o espao enquanto faz dos acenos para o pblico um momentode conrmao, mas ainda espera, sobre o futuro pronunciamento. O pblicoespera do poltico um discurso. Entre comprimentos a convidados internacionaise desle entre salas, dilata-se o tempo a espera do bolo da cereja: o discursopblico. O mesmo vale para o futebol, quando a bola para e um atleta retiradopor haver se contundido. So dois exemplos de tempo morto. Na transmissode espetculos musicais, caso haja a apresentao de apenas uma banda,haver tempo morto apenas at o incio do espetculo. Nesta oportunidade, tas

    previamente gravadas e editadas com histrico da banda so utilizadas. Casoestejamos em um festival com diversas apresentao, a troca de bandas o lugardo tempo morto, preenchido por comerciais, tas ou entrevistas ao vivo comartistas e pblico. Como foi dito acima, para os VJs no h tempo morto. Para aperformances ao vivo a rarefao de acontecimentos da imagem e as pausas, sodiscursivas ou de destruio do discurso.

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    O encantamento de Eco pela transmisso ao vivo est em sua abertura aoimprevisto, na possibilidade constante da emergncia do descontrole da vidaem oposio ao controle de narrativas previamente editadas. A vida escapa aosroteiros desejados pelas emissoras, programao e controle dos fatos sociais.Outro aspecto relevante para o autor como tentativa de realizao e resultadoidenticam-se quase que completamente (1972: 186). A construo da narrativa simultnea aos acontecimentos.

    Quando as performances operam com cmeras abertas, h semelhanas deprocedimentos em relao transmisso ao vivo. Mas, diferente das exigncias aosdiretores de TV, os VJs no devem seguir nenhum roteiro. Eco destaca que repertriosda transmisso ao vivo so impostos pelos acontecimentos. Nas performances,eles so denidos pelo realizadores. Como vimos ao mencionar o Media Sana,a cmera aberta capta o pblico para ser mesclada a uma narrativa prevista peloprojeto do grupo, pelas questes a serem discutidas. Alm da maior liberdade decontedo, o pblico ao mesmo tempo espectador e imagem. Alimenta a extensode cada trecho exibido, de cada frase dita com sua resposta. O ao vivo da televisodesconhece o pblico alvo, o da performance vive dele como imagem e comoresposta. Acontecimentos so transformados em eventos. Entendemos aqui eventocomo uma marcao do tempo: this is happening, this is taking place dene MaryAnn Doane (2002: 140). Mesmo quando o sentido seja inassimilvel no momentoem que se d. Nesta situao, em que as imagens so geradas e transmitidas emtempo real, para um pblico que ao mesmo tempo objeto da imagem e sujeito darecepo, o sentimento de se pertencer a um evento compartilhado tem no ritmo doespetculo como um todo um dos pontos de ancoragem.

    A cmera aberta tambm usada como lente de aumento de volumes, formase texturas. Ela revela mudanas da matria difceis de serem percebidas sem amediao do zoom. Um exemplo trabalho do Laborg, em que lquidos comcores e espessura variadas so misturados diante da cmera. Pouco codicadas, asimagens captadas nestas condies so irregulares no seu apelo ao pblico. Comoesto se dando ao vivo, podem permanecer apenas como misturas de cores, semqualquer apelo. Eventualmente, ganham potncia ao chamar a tenso da matriapara o quadro. Uma gota explode, gotas parecem disputar espao (pela diferena

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    de sua matria, gua e leos, por exemplo, resistem fuso).E, em funo da maior quantidade de um material ou outro,presenciamos uma luta sem vencedor.

    Live painting, ou pintura ao vivo o nome desteprocedimento em que um desenho acontece diante de nossoolhos. Neste caso, a qualidade do pintor, o seu tempo dianteda superfcie sobre a qual pinta, e as mudanas pelas quais

    o desenho passa, at ganhar a forma nal, funcionam comorevelao. O que se revela so os caminhos e descaminhosda forma. Aqui, vale a noo de testemunha. Presencia-sea construo do desenho. A interface3 utilizada para sedesenhar um captulo parte, um elemento relevadorneste processo. Diferente do desenho em papel, tela, paredeou outra superfcie na qual a imagem car impressa, aquio trao torna-se um lugar de passagem. As formas e coresproduzidas no caro impressas. Elas sero projetada e,depois, vo desaparecer. Este tipo de imagem efmera s

    existe para a projeo. A espessura e textura do pincel podemudar ao longo do desenho, quando apagado, no deixamarcas visveis. VJ Suave o realizador brasileiro que maisexplora este recurso.

    O cinema clssico j nos presenteou com momentos degrande beleza em trabalhos como O mistrio de Picasso, deHenri Clouzot, e Villa Santo Sospir, de Jean-Cocteau. Ambosalmejam mostrar pinturas ao vivo. No primeiro, Clouzot lmo amigo Picaso, no segundo Cocteau ao mesmo tempodiretor e pintor. A qualidade incontestvel dos pintores,inclusive Cocteau, refora o espetculo, produz umaespcie de epifania. Mas estamos diante de acontecimentosmontados. Assistimos a melhores momentos de grandesartistas e momentos da pintura sem corte, onde o processocomo um todo se d em tempo real, mas no ao vivo.

    Trecho de Os mistrios de Picasso, de Henri Clouzothttp://www.youtube.com/watch?v=Lu8kpuHNAzE

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    Misturas de banco de dadosNa mixagem sem cmera a escolha do banco de imagens a ser utilizado e

    os efeitos nela impressos que acontecem diante do pblico. Estamos ampliandoa noo de ao vivo, incluindo na mesma a presena do pblico in loco. Nose presencia qualquer fato exterior ao banco de dados. So as escolhas dasassociaes propostas a partir da imagens escolhidas que conguram o ao vivo.Mesmo nestas condies, h margens para a erupo do imprevisvel. A mesma

    recai no VJ e sua ousadia de escolher imagens provocativas. Como hoje imperaum falso moralismo e zelo pelo bem estar das corporaes, provoca-se compoucas misturas (remix). Se os imprevistos, surpresas, ou elementos de suspenseprivilegiados por Arlindo Machado (1999: 141/151) ao tratar da transmisso aovivo envolvem principalmente questes de estado e tragdias, no mbito dascorporaes a tolerncia mais estreita. A adequao ao evento implica em seabraar um moralismo, pois imagens da mdia no cabem nos shows. Figurasda cultura de massa so consideradas intocveis. No Skol Beats de 2002,4 aormarem contrato com a corporao os VJs tinham o compromisso de no abordartemas como sexo, poltica, religio e drogas. O coletivo Embolex foi mantido

    alguns anos na geladeira ao apresentar em sua mixagem os apresentadores deteleviso Gugu e Xuxa numa ambincia de sexo explcito.

    Na ocasio, cou claro que o Nokia Trends tambm protagonizou uma pginaimportante no cerceamento livre expresso: VJ Palumbo desenvolvia o seu set,parte do mesmo consistia em cerca de quatrocentas marcas de corporaes detodas as naturezas, a sucesso das marcas era praticamente um elogio ao design,as mesmas se substituam atravs da decomposio das letras por fracionamento.Palumbo fazia uma aluso direta ao universo das corporaes, no havia qualquercomentrio, a no ser o esfacelamento pela quebra de fundo e frente do cone, ameu ver um procedimento tcnico e esttico sem qualquer conotao poltico-ideolgica. Sucediam-se os cones vazios de um segundo sentido, eram nadamais do que referncias a produtos, quase uma propaganda gratuita. Preroevitar narrativas persecutrias para pensar as conseqncias do uso da marcaMotorola. Seu uso foi considerado inadequado pela organizao do evento. Oproblema repercutiu e, a partir de ento, o VJ no foi mais chamado a participar

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    dos festivais. No ano seguinte, a equipe do Skol Beats explicitou ser este o motivo

    de sua ausncia no line-up do evento. Na lista de discusses VJBR, em solidariedadea Palumbo surgiu a proposta de a determinada hora da festa as telas de todas astendas serem tomadas por imagens de Palumbo. A adeso no foi generalizada,mas a discusso e as telas piscando imagens do banido so uma espcie deatitude de contracultura, uma articulao relmpago como resposta proibio.Proibio descabida, sinal de que no uxo de imagens remixadas nem tudo passadesapercebido, seleciona-se ao ver. A censura do evento gerou uma respostacontundente e discusso nacional atravs da lista criando uma situao para aexistncia temporria do sentimento de grupo e de defesa de interesses comuns.

    Outra resposta a estas censuras e falta de condies de trabalho est no surgimentode festivais promovidos por realizadores. Nestes festivais imagem e msica tem omesmo espao. O projeto do realizador ir equalizar a prevalncia de um, de outro,ou a igualdade entre ambos. O Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Braslia, So Paulo,Recife e Salvador, entre outros, j tem festivais e apresentaes organizadas por VJs erealizadores que trabalham com performance ao vivo em outras perspectivas.

    VJ Palumbo, noCredicard Hall

    http://www.youtube.com/watch?v=uz7SG1rjFvg

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    Plataformas abertas processamento ao vivoAs experincias com corte ao vivo em ta de vdeo so to simples em termos

    de possibilidades de manipulao da imagem que parecem vindas do sculoXIX. Na verdade, no podemos falar em manipulao, mas combinao. O AbeSynthesizer, um dos primeiros sintetizadores de imagem, foi utilizado pelo paida vdeo arte, Nam June Paik, em 1969 (Makela. 2010: 4). Dispositivos do tipofazem da performance ao vivo, denominada por Makela Live Cinema, um trabalho

    prximo da Visual Music. Estamos diante de imagens abstratas que se movimentamem padres visuais segundo repeties e variaes harmnicas da msica5. O realdesaparece enquanto referncia indicial ou iconogrca. Real o realizador emato, sua presena fsica no palco, negao de uma ontologia do ao vivo. O que ao vivo mesmo? a programao de scripts, em uma nica plataforma ou mais deuma, acessveis na mesa de trabalho do computador (desktop).

    Max/MSP/Jitter, Gen, VVVV, PD e Isadora so algumas das linguagens queconectadas a plataformas MIDI. Algumas destas linguagens, principalmente oIsadora, possibilitam a captura de imagens pelo computador. No Brasil luis duVa,conhecido como VJ duVa, um dos usurios mais regulares desta linguagem.

    Mas por que linguagem e no programa? Pois o Isadora, como as linguagensacima mencionadas, est aberto programao. No se trabalha com programasfechados. So as necessidades da apresentao que pedem uma programaoque determinar formas, cores, combinaes de cores e formas, movimentos,e durao do movimentos, etc. O elogio ao tempo real to recorrente, refere-se a uma condio tcnica que viabiliza a ao da linguagem, a execuoe viabilizao dos efeitos quando acionados atravs do computador ou deinterfaces MIDI a ele conectadas. Se a vida tem no eterno retorno o outro, estaa experincia aqui vivida. Pois retorna-se ao calculo e programao, mas nodo enredo, e sim de paisagens visuais. O ao vivo o caldeiro de adrenalina doembate do homem com a tcnica, e no um caldeiro de imprevistos sociais.

    A apresentao est programada. No h espao para o improviso, pelomenos no esse o objetivo da apresentao. Se algum imprevisto ocorrer,exigindo improvisos, isto pode signicar o fracasso da apresentao. Pelo menospara o realizador, pois o pblico muitas no se d conta de que houve erro,

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    apenas desgosta do visto por estar diante de um espetculo sem ritmo, ou comritmo truncado. Quem j teve a oportunidade de presenciar a mesma performanceaudiovisual com execuo bem sucedida e mal sucedida, sabe que a diferena brutal. Nas primeiras, paisagens e situaes sugeridas por imagens abstratasgeradas no computador fazem de continuidades e quebras de continuidade demovimentos e padres, espaos de sugesto. As mal sucedidas deixam a sensaode um trabalho irregular do artista, com passagens mais felizes e outras menos.

    Fernando Velsquez, uruguaio radicado em So Paulo, e o mineiroHenrique Roscoe (VJ 1mpar ou HOL) so os realizadores com maior maestriana combinao de linguagens e interfaces. Distanciam-se da TV e do cinema,se aproximam da msica. 1mpar sugerindo espaos 3D ao explorar o eixo Zda imagem. Fernando centrado principalmente nos espaos X e Y, faz como1mpar matemtica ao vivo. Desenho e evoluo de formas surpreendentes pelaspassagens de registro aparentemente indiciais frmulas. Ritmo. Ao vivo esta mquina processando e o homem lembrando-lhe dos caminhos. Isso se noder pau. Ou pausa para os comerciais. Em todo caso, o tema dos realizadoresencenando o ao vivo assunto a ser continuado em breve.

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    VJ 1mpar, no Mapping Festivalhttp://vimeo.com/12554657

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