3 Dulce Critelli

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    o aparecer dos entes em seu sere urn movimento fenomenico,que consiste nos entes mostrarem-se e ocultarem-se para urn olhar,

    segundo aquilo que eles SaD e segundo aquilo que eles nao sao.

    Fenomeno e 0ente mesmo trazendo-se a luz de uma ilumina~ao.Esta luz, ou ilumina~ao em que, exclusivamente, 0ente pode se

    expor e constituida simultaneamente pelo ente mesmo e pelo olharque se institui como sua clareira (ou seu lugar de aparecimento).

    o aparecer dos entes depende d cssa condi~ao ontologica dos ho-mens perceberem 0 ser e corresponderem a ele.

    F : de fundamental importancia que nao se perea de vista queo olhar humano, elemento estrutural do aparecer fenomenico do

    ente, e ele mesmo originariamente constituido por condi~oes de ser(ontologicas) nas quais a vida e dada ao homem. Entre elas, nomomento, importa-nos ressaltar apluralidade.

    Nenhum olhar e meramente individual, ainda que seja sempreo individuo quem ve. E isto, porque 0 individuo nao e jamais urnente "sol ipso", mas coexistente. A coexistencia e 0 fundamento detoda possibilidade humana de co~~7p~~endere de todas as suas foi-mas exprcssas de conhecer, de referir-se ao que e , inclusive a siI1lCSI1lO.

    A- coexistcncia (ou a pluralidade) e a condir;ao ontologica dohomem e nao uma caracteristica sua ou atributo resultante da rela-

    r;ao do homcm com outros homens. E condir;ao ontologica fundantede toda possibilidade de ser, de todaa-possioiJiOade da existencia:

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    Da mesma maneira que a coexistencia e fundamento de todae qualquer possibilidade de conhecer, ela e tambem fu nd amento

    para 0 movimento d o aparecer das entcs em sell scr. 0 olh ar d o

    homem e constituido por sua coexistencia, que, como tal, e funda-

    mento d o r novimento de fenomenizac;ao dos entes e do fenomeno.

    o s er-no-mundo-com-os-outros (coexistencia ou pluralidade),que eM. (; fundarnento para 0 rnovirnento fenomenico de rnostrar-

    se/ocultar-se dos entes em seu ser, nao e por nos enunciad o como

    possibilidade, abstratamente, mas desde sua expressao' como urn

    acontecimento. Pois e desde 0 que acontece que a possibilidadeontologica pode ser compreendida como possibilidade e, portanto,

    como fundamento desse acontecimento.

    Assim, 0concreto, historico e atual ser-no-mundo-com-os-

    outros (de homens, tambem eles concretos, situados, datados) ins-

    taura-se em seu duplo carater: de ser 0lugar, ou a clareira onde

    o ente pode manifestar-se para urn olhar e, ao mesmo tempo, ser

    o olhar, a iluminarfio que proveem esta mesma manifestac;ao.

    o aparecimento de algo so se torna plenamente efetivado seo que aparece tiver como origem, iluminac;ao, c1areira urn certo

    ser-no-rnundo, urn certo coexistir, cuja func;ao e permitir este apa-

    recer, este mostrar-se fenomenico dos entes.

    Em outras palavras, e desde urn certo e efetivo ser-no-mun-

    do-com-os-outros que 0 fenomeno recebe sua possibilidade de ser,

    ou seja, ~este certo ser-no-mundo brota sua possibilidade_ de reali-

    dade. Isto esta dito de modo mais imediato e concreto no que

    Heidegger nos faz entender: que nao ouvimos nunca, por exemplo,

    urn pum ruido, mas uma porta batendo, 0vento uivando, uma tor-

    neira pingando, ~m ia~ento, urn e~touro'-.. f . .-. _ . . - ,

    Com isto estamos dizendo que, uando 0ente qparece, ele ja,

    de algum modo, foi forjado como real. Ou seja, 0aparecer feno-

    rnenico d os entes em seu ser supoe qu~ aquilo que se mostra ja

    tenha garantida e promulgada a sua realidade.

    As coisas nao se rnostram (fenomenicamente) primeiro para

    s6 depois, entao, serem convertidas em realidade. A propria per-

    cepc;ao de algo depende desse algo ter sid o 0resultantc de um

    I/lovilllen/o de rcalizar,-/io.

    l~cstc ll1ovil11cnto de re,dizac;ao qlle pcrmitc 0apareca dos

    entes. Um movimento cujo fundamento e desdobramento san tem'-

    IJorais, existenciais e nao meramente metodologicos. A grande di-

    f~ren9a entre afenomenologia e a metafisica seconcentra, podemos

    dlzer, nesta compreensao a respeito do aparecer do ente. E, conse-

    qiientemente, na sua interpretac;ao do que seja 0 real.

    Nao basta aos entes estarem simplesmente por ai para serem

    reais. Tudo 0que ha s6 chega a sua plena existencia, istoe , tarna-sereal:

    - quando e tirado de seu oCllltamento por alguem, desocu/tadu _

    DESVELAMENTO;

    - quando desocultado, esse algo e aeo/Ilida e expresso afmves deuma linguagem - REVELAc;::Ao;

    - quando lingll'ageado, algo e vista e ouvido pur ollfros - TESTE-

    MUNHO;

    - quando testemunhado, algo e referendado como verdadeiro pOl'sua relevancia pllblim - VERACIZAc-:;Ao;

    - quando publicamente veracizado, algo e , por fim, efetivado em

    sua eonsistencia atraves da vivencia ajetiva e singular dos indi-

    viduos - AUTENTICAc;::AO.

    [

    A ocorren cia d estes elementos constitui 0que aqui chamamos

    de movimento de realizat;fio do real. A estruturac;ao deste movimen-

    to nas cinco ctapas indicadas tcm, neste estudo, apenas carater de-

    monstrativo. Seu deSdobramento naoe linear, mas necessariamente

    simultaneo, como podera ser compreendido pelo que se segue.

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    abrangem tod as as a~oes historicas e que Hegel chama de "Ranio

    Absoluta". Ainda que numa long inqua distancia do pensamento gre-

    go, porque nada mitico nem religioso, 0pensamento hegeliano iden-

    tifica nessas for~as algo de tambem determinante, quase fatal,

    inevit

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    que ha esta ai, em cena. Trazer algo a luz nao significa instit~irsua presenya concreta, cria-Io desde 0nao-ser, mas desvelar seu

    significado, 0 aspccto ou a pcrspectiva da coisa rnscrita comoosua

    possibilidadc e do nosso relacionamento com ela. Esta ai, mas nao

    foi apanhada, desvelada. Por isso, a fenomenologia nao diz que a

    ~etafisica, quando busca.o lado. o!?jetico das coisas~instituiu sti"a

    concreticidade, mas diz que a objetividade das coisas esta nas coisas

    mesmas como-uma' des uas possibilidades entao desvelada. 0 pro-blema constituido pela metafisica foi ter interpretado esta fa~ ob-

    Jetica como 0 llnico ser das coisas, alem de sua unica face

    desvendavel, portanto, real.

    As coisas estao nesse reino do nada tambem quando falamos

    nelas, tocamos nelas, as manuseamos sem delas nos darmos conta;

    isto e, quando a elas nos referimos no modo de uma consciencia

    velada.

    o reino do nada e, ainda, esse escuro deonde as coisas re-sistem em sair, mesmo que delas ja tenhamos uma intuirQO,ja "sin-

    tamos 0cheiro". Ou pode ser, por exemplo, 0esquecimento. 0

    esquecimento nao e uma forma em que os entes nao-sao, mas euma forma do seu afastametno no oculto.

    Com estas indicayoes ja estamos apontando para uma questao

    importante, a saber, ha uma simultaneidade entre 0 movimento de

    realizayao e sua desconstruyao, ou seja, 0movimento de realizayao

    e, em simultaneidade, urn movimento de desrealizarQo. As coisasnao s6 tern sua patenciayao, mas faz parte delas 0seu esconder-se,

    seu velamento. Desrealizayao, velamento, volta para 0 escuro, para

    o encobrimento, para 0reino do nada, estes san tambem modos do

    mostrar-se do ente.

    Ainda, esse velamento pode ser 0que do ente e ignorado, poroutras vezes, 0esquecido; por outras, e 0desentendimento, algo

    que se entendeu e se voltou a nao compreender, a desentender. Ou-

    tras formas do ocultamento sao, tambem, a distrar-Qo; a atenr-Qo

    desviada ou deslocada para outra coisa (0 passar de uma coisa para

    outra); a recusa determinada de que algo nao faya parte da vida

    ou da situacyao momentanea; a insignificancia, quer dizer, a falta

    absoluta de senti do ou significado da coisa, cia "nao diz nada" ,

    nao e sequcr pcrcebida; 0 reservar na memoria, a dimensao emque conservamos as coisas e seu significado, as reservamos, mas

    elas nao chegam a cair no esquecimento; as formas de mostrar-se

    fenomenicas como 0parecer sel; a aparencia. e a mera aparencia;

    a pr6pria !Ja/(/vm que aprcscnla os cntes, necessariamcntc ocullando

    suas outras faces.

    Essas outras faces do ente que estao escondidas, quando uma

    esta a mostra, nao devem ser apreendidas como se pudessem ir semostrando a medida que se fosse virando urn ente, de modo a ircolocando suas varias facetas a luz, porque as facetas ocultas dosentes nao san lados da coisa em si, mas possibilidades do fenomeno.

    Desta feita, este ir mostrando-se e ocultando-se dos entes esta na

    estrita correspondencia aos acontecimentos ou ao acontecimento

    mesmo da existencia. As facctas ocultas (possibilidades) dos entes,

    das coisas, do que quer que seja, s6 podem aparecer a luz do tempodo existir e nao do esforcyo racional ou cognitivo., .

    A volta para 0velamento que constitui 0mostrar-se dos entes,

    o encobrimento de suas facetas, nao e nada negativo, mas esse11cial.

    Uma existencia em que 0velamento nao acontecesse seria insupor~

    tavel. Imaginemos se nao nos esquccessemos dos males que-nos

    fizeram; se nao nos ocultassemos intermitentemente de nos mes-

    mos, nossas paixoes e sofrimentos, ou se ate mesmo se nossas ideias

    nao fossem desocupando nossa "mente" ...

    Se a coisa ficasse indefinidamente expo~ta como ela mesma,

    estariamos diante dela numa experiencia tormentosa e ate fatal. A

    ficcyao, .quando faz alusao, por exemplo, aos "vampiros", os faz

    sempre aparecer, propositalmente, sob uma outra forma que nao a

    sua verdadeira imagem. Tambem 11aconcepyao das antigas civili,

    zayoes grega e romana, dizia-se que homem algum poderia fitar 0

    rosto, a forma real dos deuses e, caso isto ocorresse, pagaria com

    a propria vida, a menos que os deuses mesmos livrassem-no de tal

    pagamento. Assim, os dcuses usam de formas diversas quando que-

    rem aparecer para os homens: ou com uma forma humana, no caso

    da religiao grega, ou como, por exemplo, uma sarya ardente, c9mo

    na religiao catolica. Todo deus e apreendido como aquele que pode

    se mostrar de ~ultiplas e infindas formas e disfarces.

    Esta percepyao de que 0homem nao agiienta a revela~ao da

    coisa na sua total exposicyao fala-nos que 0homem so pode perceber

    as coisas no seu ocultamento, ainda que na sua total genuinidade.

    Se, no exemplo referente a concepyao grega e romana do mostrar-se

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    dos deuses, usarmos os deuses, metaforicamente, como a expressao

    do ser na sua genuinidade, deveriamos afirmar que 0 genuino do

    ser so se mostra no seu velamento. A visao do deus nele mesmo

    ou do gcnuino do que se mostra, tem, como prer.;ode seu aparecer:

    a condi9ao denao ser visto nele mesmo, a condir.;ao de seu 'oeu/-

    tamento.

    o desvclamento significa a saida de algo de seu ocultamento- em uma das suas facetas (possihilidades) e por uma epoca. 0

    desocultamento nao se refere a indefinida e inuelevel patencia dosentes em sua exposir.;iioa luz. Inclusive, pOl'que a coisa sai do ocul-

    tamento nao no total de suas possibilidades, ma~, totalmente, emuma de suas possibilidades. Este movimento, reafinnamo's, e exis-

    tencial, temporal. '

    Esse algo Oll essa possibilidade de um ente que sai do ocul-

    tamento voltara velozmente para 0 ocultamento de onde saiu se nao

    puder, de algum modo, ser conservado, ter uma durac;ao. Se a coisa

    escapar muito rapidamente, se nuo tiver nenhuma durar.;ao, nao po-

    den! chegar a sua realizar;:iio. A chance de conservar.;ao da faceta

    ou da possibilidade desvelada da coisa esta dada pela linguagem,

    e a lingllagem. 'o que foi desvelado dos entes nao s e exp6e apenas na e pela

    cOlsa mesma, mas, e ao mesmo tempo, na c pela palavra/linguagem

    em que for apresentado. No que se fala a seu r espeito.

    o que apareee e confinnado e conservado em sua manifesta-C;aomediante a fala. Merleau-Ponty diz-nos que "a palavra e 0duplo

    do ser" , e Heidegger, que" a linguagem e a casa d o ser" . A Biblia

    indica que, depois de ter criado 0 mundo, Deus ch~m;u 0 homem

    e ordenou que ele desse as coisas 0seu verdadeiro nome. Coisa

    algul1l:1chega realmente a ser se nao e rccriada atravcs da F:1laI~ons, gcstos, grafismos .. ). Para 0 homcm, agui1 0 de que na~ se

    fala simplcsl1lcntc nao existe. E 0 qllC cxistc s() exi~le Ila medida

    exala de como c 'apresentado pcla linguagcl11.SO!T1cntemediante afala (~quc a cxislcncia C0111Cy~a leI'algul11a tangibilidade.

    o hornem nose apresentado por Heidegger como 0pastor doser, seu guardiao. Mas 0que 0 homem guarda e 0fE!tidqdiier,~~ve'la por ele atraves das palavras. 0homem pastoreia 0 sentido de

    ser, cuida do ser, isto e, cuida de ser atraves da linguagem. Por isso,

    Heidegger ve os poetas como os mais proprios guardiaes do ser; a

    poesia, contrapo~a linguagem cientifica que revela 0aspecto ob-

    jetico e calculavel das coisas, pode tornar tangivel 0 sentido do ser

    de todas as coisas em nossa existencia com elas.

    (\. linguagem e , entao, a cOl1scfllafiio do apareeer e a possi-

    bilidade de se cuidar dele. Todo relato mitico sobre a criac;ao sempreassocia, indissolu'velmente, 0gesto criador a palavra: "No principio

    foi 0Verbo".2 Em seu nome, a coisa criada retem seu proprio sig-

    nificado. Tudo e todos san criados como algo, e com uma especifica

    finalidade, "sao para...". 0cuidado na escolha dos nomes das crian-

    c;as carrega essa crenc;a antiga de que 0 nome de alguem diz quem

    essa pessoa e ou podera ser. Guimaraes Rosa, em Grande sertiio:

    veredas, confirma esta perspectiva, quando atraves de Riobaldo diz

    que "0 que e para ser san as palavras". No nome esta contido 0

    que e, como e, para que e algo (ou alguem), no nome esta dado 0seu destinar-se.

    Gesto e fala san parte de um mesmo ato de criaC;ao/manifes-

    tac;ao. Atraves do falar, na existencia humana, e que 0ser das coisas

    pode ser veiculado. 0que e desvelado s6 atraves da palavra chega

    a sua efetiva revela

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    Todo desvelamento, cuja possibi!idade de tangibilidade esta

    na palavra que 0apresenta, nao tern apenas a fun~i1ode conscrva~ao

    das coisas em seu sentido e significado, mas,' tambem, a de 0serIcomunica~iio. I

    A funlYao de conSerValYaOda linguagem s6 se realiza quando

    esta for, simultaneamente, comunica~ao. Se nao se desdobrar co-

    municativamente, a li~guagem pe-;de-s~; fun~ao de conservalYao do

    significado e do ser das coisas e, portanto, nao as conduz a suarealiza~ao.

    A linguagem e 0 modo pelo qual 0 significado e 0 ser das

    coisas podem ser trazidos a tona. 0que e desvelado tern que passar,no ambito da existencia humana, pela linguagem para comelYar a

    ter qualquer realidade. Para 0homem, s6 0 que e f alado pode ser

    presenlYa.

    o que chamamos, anteriormente, de consciencia velada dizrespeito a faceta dos entes que nao veio a tona na forma de lin-guagem c01l1unicativa, isto e, 0 que ate foi falaClo, mas nao ditoo 0

    que e falado sem ser dito exerce-se em sua fun~ao de conserva

    consolida

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    Imero receptor de uma mensa gem, mas seu co-elaborador. Isto e,

    ele e elemento constituinte da possibilidade desse algo se mostrar.

    A fun

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    Aquilo que e compreendido (desvelado/revelado) por alguern

    nunca e , assim, compreendido como coisa em si, mas c sua exis-tencia mesma que ganha outra iluminac;ao atraves dcsta compreen-

    sao. 0 qu e se compreende e 0 ser mesmo, a existencia. Aquele que

    compreende algo e sempre urn novo si mes,no a -partir de cada ~ovo

    desvelamento.- Mas 0compreendido deve ser levado ao testem~n'ho

    dO'S-outros paraserconfirmado. Junto c om os outroso individuo

    tern a g arantia (nab tematizada) ~e gue desvelou algo_e renasceu

    atraves desse desvelamento.

    o outro que testemunha 0que 0 individuo descobriu e, desdeentao, ele mesmo, outro, renascido, a medida que abre para si mes-mo, via seu testemunho, uma outra dimensao das coisas, da e xis-

    tencia. Sempre somos outro~atr~vfts d2..gesy~ktment9:...A existe~ia

    \ sempre se reinaugura. 0 que implica que.a realidad.! ..Qea! ul1}~

    coisa e, simulfaneamente;- a nossa propria realidade. A realizac;ao

    tempo, nossa realiza~ao:

    Ha urn entretecimento da realidade da coisa co m a r ealidade

    singular e plural de todo e cada homem. E impossivel ao h omemnao renascer com cada nova visao o u manifestac;ao dos entes em

    seu ser. A manifesta9ao e ininterrupta. A existencia e erupc;ao etransformaC;ao inesgotaveis. Dai se falar em existencia como vir-a-

    ser: 0 que e, ou 0que esta serido, esta vindo-a-ser.

    No momenta do testemunho, contudo, 0desvelado/revelado

    por alguem pgde g~nhar _outras compreensQ..es, ~ada _gar~!e .,gue

    aqueles que, juntos, testemunham algo se desvelem/revelem esse

    -- - a1go "domesmo modo, exatamente da rnesma maneira.Isto se deve ao fato de que, ontologicamente, alem de sermos

    plurais, sermos constituidos pelos ot,ltros em nosso proprio ser e

    iguais a eles, somos, tambem, constituidos porp os f!lesmos. Nas-

    cemos como individuos exclusivos em relac;ao aos outros, somos

    singulares. Todo e cada homem e ef etivamente incapaz de ser qual-

    quer outro que na~ ele mesm~. Vma imQossibilidad.e ontologi~a.

    --- E";ta sin~la~idade nao significa algo assim como uma sepa-

    ra~ao, uma cisao entre 0 eu e 0 outro, porque tambem os outros 0

    constituem. Pluralidade e singularidade sao modalidades coorigina-

    rias, atraves das quais a vida e dada a cada urn de nos. Os O1llros

    sao constituidos por cada urn. Cada urn testemunha e 6 urn outropara alguem. 0 eu e 0 outro sao cooriginarios. a olhar q ue ve,

    dcsvela/revela e 0olhar de alguem (em quem os o utros tamb6m

    sao); 0 tcstemunho 6 sempre dado por algucm (Olltrode UI11eu). 0

    outro atesta ao eu que de viu, desvclou/rcvdou alga, e que tanto

    ele quanto 0 desvcladolrevelado sao. .

    a testemunho dos outros garante contra a loucura, 0deva.neio,

    o des~rio, - a i~s~~s!it~z. as outros sao a garantia de que 0desco-

    be~to p~l~individuo tein um lastro (indepcndentemente de qualque~

    concordancia). E, ao mesmo tempo, 0testemunho dos outros da

    realidade a eles mesmos como existentes. Se nao fosse pelo teste-

    munho aos outros, 0 individuo so teria, por si, a dimensao da iou-

    cura, da irrealidade Jas coisas, assim como da sua propria.

    E atraves do desvclado/revelado/testemunhad~ que o. l~,?n~cnsse relacion~m entre si. E seu assunto comum, 0que os medeialig;;;do, diferenciando, separando, equivale~do. Nunca ha, a possi-

    bilidade ontolooica de que essa mesma COlsaque lhes e comum

    seja entendida, ~ista, aceita, desejada da mesma maneira: a fa~o_de

    a coisa ser em comum desvelada/revelada/testemunhada e a eVlden-

    cia e a base da ont~logica pluralidade' e singularidade nas quais a

    vida e dada ao homem.

    A medida que as coisas, testemunhadas em comum, saG oselementos de media9ao entre os homens, das estao instaurando 0

    mundo, uma truma signiflcativa comum. a mundo se da e se rec~sa

    aos homens atraves daquilo com que estao em contato e a respelto

    do que faiam. A partir d o teste~ynho os h~mens dao reali9-~~e

    aquilo que entre e!es-se abre em COllum e, slmultaneamente, aa,?

    realidade a si mesmos mutuamente.

    , Quando apontamos para 0 fato de que 0 testemunho do outro

    da realidade ao desvelado/revelado po r alguem e a esse algue~n

    mesmo, apontamos, tambem, para 0 inverso. A~gllem pode, atra:es

    do testemunho dos outros, inclusive, vir a duvldar ou desacredltar

    daquilo que trouxe para 0testemunho do outro e de sua propria

    existencia.

    E obvio noe ntanto, que este testemunho da realidade da coisae do individ~o e mesmo 0possive! reconhecimento pelo individuo

    de sua irrealid~de e/ou de sua loucura, depende de uma repetifCio.,

    de testemunhos. E essa possibilidade de repeti9ao, de insistencia nomesmo, que confere ao testemunho seu carater de testemunho. Mas,

    falamos de uma insistencia, de uma repeti9ao no horizonte do tem-II

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    I

    po. Mesmo porque toda repeti.yao supoe ja a temporalidade para se

    dar. Sobre esta base tempodl, 0 testemunho revela sua faceta de

    rememora(:Qo.

    Este carater de repcti.ya~ de urn testemunho, que 0 fixe como

    testemunho, cuja base e temporal, e corroborada, tambem, sobre a

    mesma base, por urn movimento de condicionamento.6 B!ista a qual-

    quer coisa adentrar a vida de urn grupo de pessoas, permanecer edural' por urn espa.yo de tempo no seu cotidiano, para que, ali, ela

    se fu

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    Coisa alguma ~ vcrdadcira em si l11csma, mas veracizada me-

    diante uma relcrcncia, um criteria, algo que venha d e fora dela

    mesma e a autorizc a scr 0 que e e como e .Por exemplo, para que chcguc a scr verdadciro que a compo-

    sic;ao da agua e H/), e preciso mais do que 0desocultamento desseselementos na agua, e preciso um criterio comum (a toda llma so-

    ciedade e/ou civiliza

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    porte as ideologias e que garante as relar;oes imediatas da forr;a edo poder. !

    Quando algo e testemunhado como publica mente relevante, e

    referendado como verdadeiro ..0que nao for considerado verdadeiro

    perde sua possibilidade de aparencia, de manifestayao.

    Indicar a relevancia pllblica de algo como 0criterio para sua

    veracizar;ao, como 0 criterio da verdade, e tocar num ponto crucial

    de toda a questao do conhecimento para nossa civilizayao de tradi-

    c;ao metafisica. A concepr;ao ocidental de verdade, como 0conceito

    da identidade suhstancial do ente, sob 0 suposto de sua universali-

    dade, unicidade e absolutidade, e, p Ol' isto, coJocada em questao,

    como tambem tomam-se questionaveis todas as teorias cientificase as prciticas de investiga~ao e de intervenc;ao no real que sobre elase apoiam.

    A determinayao deste criterio sempre foi 0problema funda-

    mental, determinante, da Filosofia, pois, mergulhada, misturada

    com a possibilidade de ser dos entcs, cSt,l sua verdmle. Verdade e

    realidade sac elementos indissociaveis. Sob estes aspectos, e im-

    portante voltar a mencionar que sua discussao tem sido feita a luzda tradiyao metafisica, portanto, em busca de um criterio para a

    vcrdade e para 0 ser que fosse de natureza conceilual. Desta feita,

    sob nenhuma hipotese foi admitida uma questao existencial na de-

    limitar;ao e resolur;ao de tal debate. Ao reconhecermos que 0pro-

    blema do conhecimento se funda e'se fundamenta na ontalogia

    humana, nas condir;oes em que a vida foi dada ao homem, nao cabe

    mais a procura de urn criterio de ponderayao que seja de origemconceituaJ, mas, obviamente, existencial. A releviincia publica de

    algo e, onticamente, 0 criterio de determinac;ao da verdade, mas seu

    suporte ontologico e a coexistencia (ou pluralidade).

    o horizonte de explicitac;ao deste criterio existencial de vera-cizar;ao de algo e 0tempo, 0tempo das vivencias, do ser-no-mundo,

    Ao' contrario, pOltanto,da postura metafisica, que encontraria este

    horizonte de explicitac;ao no metodo, na precisao metodoJogica 90

    conceito.

    De qualquer determinar;iio do que seja verdi/de (inclusive a

    de natureza metafisica), participam nao s6 a compreensao de um

    movimento de realizar;cio(que e 0que vcmos agora), como tambem

    a comprccnsiio do movimcnio ell ! lIIalll!cs/(/('tlO dos elites (movimen-\ ' J ,'I, " I_ ~ Q", . .I, "" I'~

    , \ 1 \ , v R6t, . (

    , 1 , t" Y1".....", \ f, .t ,. I ',,-

    iiii.i;;i;jiii;;;;;f:;; ;;;;i;:;;\l#~i;;",m bbi!!!iJ l"" ",,, I .

    to de fenomenizar;ao), alem das previas compreensoes do que seja

    ser de seu lugar e de seu horizonte de manifestar;ao. _

    ' Heidegger ([1957a] 1960) indica que a previa compre~nsao

    de ser que nos chega determina a quesHio da verd,ade atraves da

    adequar;ao logico-conceitual-metodologica e,n~rea COlsa e 0seu con-

    ceito, Inclusive com 0estabelecimento da flslca. moder?a, como es-

    trutura basica que fomece os parametros epIstemo~oglcos e os

    procedimentos praticos de todos os saberes em relac;ao ao mundo

    manifesto, ,

    A fenomenologia nos faz ver que 0que nos levaraa veracldade

    das coisas nao e este movimento logico-metodol6gico de adeq~a-~GO , mas 0 movimento existencial de realizayao, sobretudo a: 0 -existencia, que e 0 determinante fundamental para esta percepr;ao.Como estalllOs- afirmando, e a coexistencia que se oferece ~~~oelemento preponderante ,na determinar;ao da ~er~ade" d? cnteno

    para a determinac;ao da verdade como a relevancla publica de al-

    guma cOlsa. . .

    A propria ciencia modema, para que fosse ace~ta como saber

    fidedigno em nossa civilizar;ao, dependeu da co~q.Ulsta de sua ~e-

    levancia publica. Todos os nossos conceitos cO,tld!anos a respelto

    da vida, da convivencia, entre outros, foram forJados em sua vera-

    cidade por meio de alguma relevancia publica. .

    A relevancia publica depende do que podemos chamar de~Pl-

    niGo publica, do comum senso, do consenso de uma pop~la9a? a

    respeito de algo, mas que tenha nessa populayao cria~o ralzes, IStOe, depende do senso conIUm. . ,o reconhecimento da relevancia publtca de algo e 0que Ihe

    garante seu ser, seu desvelamento, sua reve.lar;ao, seu test:mu~ho.

    Muitas coisas entre nos nao sao sequer VIstas, porque sao tldas

    como irrelevantes publicamente, porque nao sao releva?tes para, a

    vivencia publica, coletiva, cotidiana. A existe~cia colehva, atraves

    de sua publica opiniao, determina quais as cOlsas que devem apa-

    recer e se manter entre nos, alem de delimitar qual 0comum ,senso

    que deve vingar a respeito delas, Nesta ~eterminar;ao, tambem. se

    incluem todas as coisas que niio dcvem lazer parte de llossa VIda

    coletiva cotidiana.

    As coisas irrelevanles publ icamente sac aquelas que devem

    ser deixadas a margem da vida coletiva e, por esta, desrealizadas.

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    o crivo que discrimina 0 que e ou nao relevante publicamcnte e 0fato de esta mesma coisa ser considerada fil/il, vergonhosa. deson-

    rosa para pertencer e abrir-se a vida publica (Arendt, 19RI).Coisas de relevancia publica san coisas que tem relevo, que

    saltam a tona, estao a disposi~ao imediata e de quaiquer urn, comoparte constituinte, alicer~ada e fazendo tradi~ao no meio de uma

    certa populac;:ao, grupo social, nac;:aoou civilizac;:ao. Aqui podemos

    incluir, como tendo relevancia publica, mesmo 0 que tern valor ne-

    gativo, como a corrupc;:ao, os homicidios, 0 emprego da forc;:ae da

    violencia contra os seres humanos, contra os animais ou ate mesmqcontra a natureza.

    Quando Arendt salienta que a sociedade grega antiga estabe-

    leceu a distin9ao entre a esfera da Vida Publica e a esfera da

    Vida Privada, ve como criterio de tal distinc;:ao 0 fato de que a Vida

    Privada, atraves da sujeic;:aodos homens aos elementos e atividades

    que visam a preservac;:ao da vida biol6gica e 0 atendimento de suas

    necessidades (atividades economicas), priva-os exatamente da con-

    quista de sua mais plena dignidade de homens (expressa em seus

    feitos e discursos). Portanto, sob esta compreensao, as coisas que

    pertencem a Vida Privada nao podem invadir a Vida Publica, pais,por serem privadoras da plena humanidade dos homens, tomam-se

    atividades fUteis, vergonhosas, sem honra. Neste exemplo, devemos

    priorizar apenas 0 criterio que determina 0 que compete a esfera

    do Publico e do Privado - 0 carater de futilidade, vergonha e de-sonra - e nao quais as atividades assim consideradas. Mesmo por-

    que, ainda que na atual sociedade nao sejam as atividades

    ec~nomicas aquelas que estao impedidas de adentrar a Vida Publica,o criterio que determina as atividades adequadas a esta esfera da

    vida social ainda e 0do reconhecimento de sua utilidade, honradez,dignidade.

    Alguns seculos atnis, urn louco era visto como urn homem

    tornado pelo divino, urn mensageiro dos deuses que merecia respeito

    e credito. Hoje, contrariamente, urn louco e visto como urnanorma/,

    urn doente mental, alguem que nao merece credito nem respeito.

    Estas concep90es tiveram e tern relevancia publica e, atraves delas,

    as interac;:6es humanas e a organizac;:ao social se estruturaram desta

    ou daquela maneira. Como exemplo: a sociedade modema, desde

    a conceituaC;:3o da loucura como doenc;:a, institucionalizou seu tra-

    tamento e propulsionou toda uma sistematica em tomo deja, desde

    laboratorios e ccntros cspccializados de estlido ate a j()rmau,?urae banida, porque n~

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    tencia humana, individual e l coletivamente. Vma orienta9ao paraesse destino, uma especie de paragem ideal para a condi9ao de

    humanidade dos homens e para suas a90es.

    Esta orienta

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    A fenomenologia, diferentemente, nao se esfon;a nem se in-

    teressa por suprimir a presenc;a do individuo. Ao contrinio, rcleva~o.

    A verdade esta numa intrinseca dependencia em rclavao ao individl,IO.

    Arendt (l993c) mostra como a fenomenologia em sua consti-

    tuic;ao, desde Schelling e passando por Kierke,gaard, Nietzsche,

    Heidegger, Jasper, vai desenvolvendo uma tentativa d e superar 0

    idealismo a que a filosofia est eve anteriormente entregtie, a 'medidaque traz 0 universal Homem, 'entre outros, para a questao do Eu.

    Uma das formas que a fenomenologia empreendeu para conquistar

    a superac;ao do idealismo foi a ~finhac;ao do Eu: tugo 0_que ha e

    o proprio ser so podem ser atraves de cada um de nos, que apare-

    cemos no mundo nomeados. Este caminho irpplica uma maneira de

    perguntar pelo ser do homem ja nao mais como um 0 que e 0

    homem, mas quem e ele. '

    . A fenomenologia,' quando supera a ilusao de que 0universal,existe por si e ve que ele s6 se torna real quando empunhado, vi-

    venciado pelo individuo, segundo Arendt, deixa de ser simplesmenty

    fenomenologia para des'dobrar-se como filosofia da existencia, em

    cujo curso ela indui Heidegger.

    Descartes e um exemplo do pensamento metafisico indo na di-

    rec;ao de conquistar a supressao do individuo, a medida que pretende

    submeter as sensac;Ocs e sentimentos, por serem apenas possiveis na

    experiencia individual, ao crivo do C6gito. 0C6gito, a Razao, e, por

    natureza, impessoal, uma regra do pensar. Esta postura metafisica

    de Descartes alicerc;a todo 0desenvolvimento da ciencia moderna.A partir daqui, varias questoes poem-se para uma revisao e

    para uma nova reflexao, como a oposic;ao entre individuo e coletivo,

    universal e particular, subjetivo e objetivo. Alem deias, pela rele-

    vancia dada a experiencia dos individuos, que passa a ter valor de

    fidedignidade, esta 0 senso comum.

    o estac/o de (Inimo sempre cvidencia a forma pela qual, emnosso scr-no-mundo, somos tocados ou a{etac/os pelas coisas e/ou

    pelos Qutros que ai l1l:sse mundo estiio. Para 0pcnsamcnto Jeno-

    menol6gico-existencial nao ha homem sem mundo. Tudo 0que po-

    demos dizer ou compreender dos homens se da a partir de

    visualiza-lo no-mundo. 0 mesmo se da em relac;ao as coisas; s6

    podemos dizer 0que sao e como sao, desde sua inserc;ao ou par-

    ticipac;ao num mundo.

    o procedimento convencional da metafisica exige, para secompreender as coisas, 0 isolamento das sensac;6es e emoc;oes em

    que aquelas SaD apanhadas. Isto equivale a retirar a coisa de seu

    plexo de r eferencias, do seu contexto de funcionalidade, unico lugar

    oode esta pode chegar a ser algo, onde pode chegar a s er 0 que e

    e como e. Significa tirar a coisa do mundo da vida, a que se refere

    Merieau-Ponty, e pensa-Ia como coisa em si. Desmundanizada, a

    coisa perde seu ser, convertendo-se numa mera coisa, num puro

    troC;o, sem significado. Quando a fenomenologia, atraves de

    Husserl, pontua que a necessidade do conhecimento e voltar as

    coisas mesmas, supoe a reintegraC;ao da coisa no seu mundo, no

    seu plexo de refer~ncias. '

    Nosso entendimento e, sempre e de alguma forma, emociona-

    do. A compreensao sempre transcorre num estado de animo. A pre-

    senc;a do homem no-mundo e scmpre emoeionada. Mesmo a

    indiferen

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    to. Eles nos mostram como estamos encravados ou nao nessa rea-~.... - ,-... ._ - ~, -,Jidade, como fazemos ou nao parte deJa. As emoc;oes falam de coi-

    sas difcrcnlcs c, as vezcs, ate contraclitorias em relac;ao aquelas do

    pensamento. Nossas emo

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    Atraves das emoc;oes, dissemos, as coisas, os entes, manifes-

    tam-se, sac de diversas maneiras. 0ser, portanto, nao est;l na bb-

    jetividade de algo, seja na sua concretude material, se~ana ~deia~e

    sua substancia. Na dirriensao da representac;ao, as COlsassac reJe-

    renciaveis, mas nao sao reais. Ela~ tern referencia, tem concretude,

    objetividade, mas estao no encobrimento, portanto, banhadas' pela

    irrealidade.

    Dando, via estados de animo, liberdade as coisas para que clas

    sejam 0que SaDe como sao, percebemos com maior cla~eza com~

    o ser de tudo 0 que ha, sua realidade, nao esta na COlsa, em Sl

    mesma, ao modo de sua definic;ao logico-conceitual, mas no seu

    entrelac;amento com as outras coisas do mundo, com os homens,

    formando, entao, 0 proprio mundo. Portanto, ? ser nao esta numapalencia imutavel, mas em inesgotavel mutac;ao. 0 que as ~o~sas

    sao' esta fora de sua objetidade, e e isto que os estados de ammo

    n-os most~am com maior limpidez.

    Falamos, portanto, 0 contrari~ de Descartes. POl' exemp!o, 0

    cansac;o abre para alguem a presenc;a de uma cadeira (ainda que

    em sua ausencia), a possibilidade de ve-Ia, de usa-Ia. Ja a intransi-

    gencia abre as coisas e os outros no seu can'lter ~e estorvo. 0mau

    humor abre 0 outro como urn culpado da felicidade que nao se tem,

    etc.Porem, se ja dissemos que todo individuo e plural, coexi~tente,

    em que medida estas emoc;oes sao plurais, cQexistenciais, se,as es-

    boc;amos tao individuais, singulares ...? Na medida em que os est?-dos de animo ocorrentes ja foram abertos pelos ouiros como tal ou

    qual estado de animo.

    Embora a consistencia de algo (perigoso, alegravel...) seja le-

    vada a cabo pel a experiencia individual (nao necessariamente c?n-

    creta, mas, tambem, por aquela forjada na imaginac;ao, na fantasIa),

    o reconhecimento, pOl' exemplo, do medo como medo, do amor

    como amor tem origem na Vida Publica, onde, inclusive, r ecebe

    uma codifi~ac;ao quanto as maneiras de se proceder diante dele, isto

    e, uma prescric;ao de comportamento. .

    A autenticac;ao nao e uma mera confirmac;ao de u rn sentldo

    de ser aberto pelo mundo publico, mas pode ser sua negaC;ao....Q

    mundo publico abre-nos as!!!l0soes atraves de ~eus-l~re-g?l1g:itos,

    ~, em sua pr6pria existencia, 0 eu as singubriza, porquc as ex-

    perimenta a sell //lodo. -

    Este e um cmbate que, na cotidianidade de sua exist~ncia, 0eu po de travar com os outros. 0embate entre 0 modo como 0 eu

    e 0 modo como o s outras experimentam 0 mesmo estado de animo.

    o embate entre 0 que sao: as coisas, 0 mundo, os outros e '0 eumesmo, tal como 0 mundo publico os veracizou e tal como 0

    eu as autenticou. 0embatc entre a veracizac;iio e a aUlenlicac;iio.

    All-aves das emooes, entao, tudo 0 que e ganha sua consis-

    tencia:uma vez que elas revelam como as coisas nos afetam, como

    somos tocados pOl'elas. Mas nao sao apenas os estados de animo

    que estruturam a autenticaC;ao. Ha um segundo elemento - nossas

    escolhas, que emergem de nossas emooes e sao pOI' elas abertas.

    --Quando falamos dos estados de animo, nfio nos rcfcrimos a

    el~s como uma experiencia eg6ica, internalizada, qtie apenaso eu

    sente. Mas, falamos de uiflll odo3- raves do qual aquilo que apareceseabre para alguem,mostra:se, manifesta-se como aquilo que c ecomo e. 0 ser das coisas e 0seu proprio ser aparecempara os

    homei1s atraves desta rcla9ao que tem com 0~undo (juee 0 estadode animo. Falamos d e afetos como aJeq:ao. Nesse "estar sendo

    afetado", da-se fiberdade para que as coisas aparec;am tal qual elas

    sac (amear;adoras, nocivas, admiraveis ...). Fora desse modo afetivo,

    as coisas sao referenciaveis, mas nao sao, necessaria nem certamen-

    te, consislen!es. Pelos estados de animo, as coisas mimifestam-se

    em seu significado existencial mais genuino e em seu sentido.

    Porem, se 0eu nao se encontrar num ponto em que possa ser

    alingido pelas coisas, pelos outros, pOI' si mesmo, essas mesmas

    coisas, esses mesmos outros nao se abrem em nenhum significado,

    nem predisp6em 0 eu para agir em relac;ao a eles. Fora desse raio

    em que" 6 - indlviduo possa ser atingido, as coisas e os outroscom--'parecem em sua mera-presentidade. - -

    . Deixando 0 camp-o da pura ;eferencia, das alternativas e tor-

    nando-se possibilidade vivida, os entes saem do campo da teoria,

    da tematizar;ao, da hipotese, da conjectura e tornam-se reai?JA rea-

    lizafaO das coisas vai abrindo para os homens as possibilidades d e '

  • 7/17/2019 3 Dulce Critelli

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    trato do mundo e da exish~ncia, abrindo 0modo , a q ualidade e as

    dimensoes em que 0mundo e a existencia podem ser cuidados.

    - E, portanto, a indigna

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    arrazoados das vivencias mais imediatas, oa supcrsti

  • 7/17/2019 3 Dulce Critelli

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    f~ndo sobre 0 qual este movimento de realizac;ao acontece e 0 sen-t/do de .'lei: O.movi'TIento de realizac;ao, por esta mesma razao, tern

    uma temporalldade sempre epocal, realizando esse sentido.

    Q real, porlallt~~o f~0meramen_1t:concreto ou objetivo, mas~rod~to de um n~~)Viment~de realiz?~ao. Assim, quand; dizemos

    que 0 homem hablta 0 mundo, nao falamos de um mundo mera-

    mente concreto como pura terra, puro plalleta, mas de urn mundo

    realizado, Habitar 0mundo e habitar 0real. A realidade na~~

    cretude nem obj~tidade _mas 0produto deste movimento d;~~~Ii-~a

  • 7/17/2019 3 Dulce Critelli

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    da suaexistencia, mas em cada um de nossos gestos, empreendemos

    a possibilidade da humanidade como urntodo. Assim como no gesto

    dos outros esta empreendida nossa reculiar possibilidade.

    o nosso mundo antico, em sua organiza~ao, na solidez e du-rabilidade de suas coisas, objetos e artefatos, conserva, segura e

    comunica nossos gestos e seus significados e, neles, tambem 0sen-

    tido de nossas existencias singu!ares e de nossa existencia comum.

    Ele e 0 documento. vivo e dinamico em que a Historia vai forjandoseus lastros e se preparando para 0 resguardo de nos sa memoria.

    Na disposi~ao das ruas e casas, comercio e industria de uma

    cidade, tanto quanta na disposi~ao dos camodos e moveis de

    uma casa, estao registrados os sentidos e as no~oes de bcleza, 10-

    como~ao, praticidade, utilidade, sacralidade, liberdade, coexisten-

    cialidade ... que quem as usa herdou, construiu, tern.

    Ai esta gravado 0 sentido da existencia, acoplado com 0 que

    se diz (ou se cala) desse registro no trato cotidiano: 0 registro da-

    quilo de que se cuida; de como se cuida (administrando, q uebrando,

    destruindo, provendo ...); e de como se cuida desse cuidar de algo

    (propria ou impropriamente).

    Os capitulos seguintes tratam desta ultima questao.