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3 Metodologia Goode & Hatt (1979), ao iniciarem o seu livro Métodos em Pesquisa Social, abordam a questão do conflito que se verificava à época entre a Sociologia e as Ciências Tradicionais, chamadas por eles de Ciências Sancionadas. Eles acreditavam firmemente que nenhuma quantidade de material ensinado sobre técnicas de pesquisa seria capaz de comunicar ao estudante o significado da pesquisa ou transmitir-lhe um pouco da fascinação que processo social possui. Assim, para justificar a importância da pesquisa social científica, eles apresentavam quatro constatações dogmáticas a respeito do comportamento humano (p.5): “1. O comportamento humano se modifica tanto de um período para o outro que não permite previsões científicas exatas; 2. O comportamento humano é muito enganoso, sutil e complexo para permitir o uso das caracterizações rígidas e dos instrumentos artificiais da ciência; 3. O comportamento humano pode ser estudado somente por outros observadores humanos, e estes sempre distorcem fundamentalmente os fatos sob observação, e, assim, não existem procedimentos objetivos para se alcançar a verdade; 4. Os seres humanos, assunto dessas previsões, têm a habilidade deliberada de alterar qualquer previsão que fazemos.” O extrato acima reflete tanto a motivação para a elaboração de estudos e pesquisas, tal qual a presente dissertação, como também alerta para o cuidado e responsabilidade que o pesquisador deve ostentar quanto ao rigor metodológico de seu trabalho, no intuito de garantir o seu caráter científico. Este é o objetivo premente deste capítulo. Gil (2002) define pesquisa como um procedimento racional e sistemático, que visa proporcionar respostas a problemas que se apresentam. Marconi e Lakatos (1999) observam que a pesquisa sempre parte de um tipo de problema ou pergunta, procurando responder às necessidades de conhecimento sobre dado assunto.

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3 Metodologia

Goode & Hatt (1979), ao iniciarem o seu livro Métodos em Pesquisa Social,

abordam a questão do conflito que se verificava à época entre a Sociologia e as

Ciências Tradicionais, chamadas por eles de Ciências Sancionadas. Eles

acreditavam firmemente que nenhuma quantidade de material ensinado sobre

técnicas de pesquisa seria capaz de comunicar ao estudante o significado da

pesquisa ou transmitir-lhe um pouco da fascinação que processo social possui.

Assim, para justificar a importância da pesquisa social científica, eles

apresentavam quatro constatações dogmáticas a respeito do comportamento

humano (p.5): “1. O comportamento humano se modifica tanto de um período para o outro que não permite previsões científicas exatas; 2. O comportamento humano é muito enganoso, sutil e complexo para permitir o uso das caracterizações rígidas e dos instrumentos artificiais da ciência; 3. O comportamento humano pode ser estudado somente por outros observadores humanos, e estes sempre distorcem fundamentalmente os fatos sob observação, e, assim, não existem procedimentos objetivos para se alcançar a verdade; 4. Os seres humanos, assunto dessas previsões, têm a habilidade deliberada de alterar qualquer previsão que fazemos.”

O extrato acima reflete tanto a motivação para a elaboração de estudos e

pesquisas, tal qual a presente dissertação, como também alerta para o cuidado e

responsabilidade que o pesquisador deve ostentar quanto ao rigor metodológico

de seu trabalho, no intuito de garantir o seu caráter científico. Este é o objetivo

premente deste capítulo.

Gil (2002) define pesquisa como um procedimento racional e sistemático,

que visa proporcionar respostas a problemas que se apresentam. Marconi e

Lakatos (1999) observam que a pesquisa sempre parte de um tipo de problema

ou pergunta, procurando responder às necessidades de conhecimento sobre

dado assunto.

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Gil (2002), então, alerta que, para que se possa desenvolver uma pesquisa

científica, passa a ser fundamental a existência de um método estruturado que

oriente a sua elaboração, de forma a se constituir num caminho a ser trilhado

pelo pesquisador rumo ao seu destino, ou seja, ao objetivo de seu estudo. Ruiz

(1996) destaca que a pesquisa científica tem uma vantagem adicional para o

estudante por se tratar, em si própria, de uma forma de aprendizagem, que o

leva a planejar, arriscar, refazer caminhos já percorridos e ao mais importante,

que é à consciência da validade de uma pesquisa planejada, desenvolvida e

redigida de acordo com preceitos já estabelecidos.

3.1. Classificação Adotada

Do ponto de vista da elaboração de projetos de pesquisa, iniciamos pela

classificação adotada por Gil (2002), que classifica as pesquisas segundo seus

objetivos e abordagem. Isso, ao seu ver, independe da natureza da pesquisa,

que pode tanto ser básica como aplicada, ou seja, ter foco em razões de ordem

intelectual ou em razões de ordem prática. Gil argumenta que a pesquisa básica

e a aplicada não se configuram como auto-excludentes entre si, pois a realidade

tem demonstrado que uma pesquisa sobre problemas práticos pode levar à

descoberta de princípios científicos, e vice-versa. Assim, Gil prefere classificar as

pesquisas segundo seus objetivos, ou seja, como exploratórias, descritivas e

explicativas; e, com relação à abordagem que utilizam, em quantitativas e

qualitativas. As pesquisas qualitativas, por sua vez, podem ser de três tipos:

documentais, etnográficas e estudos de caso.

Segundo a classificação quanto aos seus objetivos adotada por Gil (2002),

a pesquisa de que trata a presente dissertação é do tipo exploratória, no sentido

lato do termo, pois visa proporcionar maior familiaridade com a problemática

interna da empresa pública, no que tange à identificação dos funcionários, em

um maior nível de aprofundamento. A pesquisa ainda apresenta, em menor grau,

um viés explicativo, pois tem como forte preocupação identificar os fatores que

determinam ou contribuem para a ocorrência do fenômeno em análise, ou seja, o

processo de identificação em si.

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Quanto à abordagem, a pesquisa relatada nesta dissertação é qualitativa.

A pesquisa qualitativa é típica de estudos sociais, e segundo Minayo (2000,

p.21), “responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências

sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado”. A pesquisa

qualitativa, conforme Bogdan (apud Godoy, 1995), é caracterizada pelos

seguintes aspectos: tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o

pesquisador como instrumento fundamental; é descritiva; o significado que as

pessoas dão às coisas e à sua vida são a preocupação essencial do

investigador; e o pesquisador utiliza o enfoque indutivo na análise de seus

dados.

Desdobrando as classificações possíveis dentro da pesquisa qualitativa,

mais especificamente sob a ótica de classificação por procedimentos técnicos

utilizados, o presente trabalho é um estudo de caso, uma sistemática

tradicionalmente adotada nos estudos de ciências sociais, por ser julgado mais

adequado a dar respostas sobre os “comos” e “porquês” e por não haver

possibilidade de controle sobre os eventos, demandando um grau de

aprofundamento amplo e detalhado do contexto pesquisado.

Godoy (1995) lembra que o estudo de caso tem enfoque exploratório e

descritivo. O pesquisador deve estar sempre com a mente aberta, pois novos

elementos surgem ao longo da pesquisa. As técnicas fundamentais de pesquisa

são a observação e a entrevista. Produz relatórios que apresentam estilo mais

informal, narrativo, ilustrado com citações, exemplos e descrições fornecidas

pelos indivíduos.

A pesquisa em questão também é do tipo participante, pois os dados foram

coletados pelo pesquisador com o auxílio de seus colegas e parceiros dentro da

própria empresa pesquisada (FINEP). A pesquisa é do conhecimento do Setor

de Desenvolvimento e Administração de Recursos Humanos da FINEP, que

desde o primeiro momento revelou profundo interesse pelo estudo em questão,

se colocando à disposição no que fosse necessário ao seu desenvolvimento.

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3.2. Metodologia Empregada

Como lembra Yin (2002), tão mais confiável será o estudo de caso quanto

mais coerente e bem feito for o seu Protocolo de Pesquisa. Este é o alicerce

operacional do trabalho, base do seu construto, de tal forma que, no limite, um

outro pesquisador pudesse prosseguir a pesquisa exatamente como planejado

por seu precursor.

Segundo a sistemática proposta por Yin (2002) quanto aos estudos de

caso, a definição do delineamento do projeto pode ser resumida através dos

seguintes itens:

- Formulação do Problema: O QUE CONTRIBUI PARA MANTER A

IDENTIFICAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS COM UMA EMPRESA

PÚBLICA, EM UM CONTEXTO DE FREQÜENTES E SIGNIFICATIVAS

MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS?

- Definição da Unidade-Caso: Os funcionários da FINEP;

- Determinação do Número de Casos: 01 caso – o da própria FINEP;

- Elaboração do Protocolo: Abrangeu diversas fases e está descrita em

detalhes numa próxima secção dentro deste mesmo capítulo;

- Coleta de Dados: Entrevistas, pesquisa bibliográfica, documental e

telematizada na empresa estudada;

- Avaliação e Análise dos Dados: Análise de Conteúdo das entrevistas e

sua comparação com os demais dados coletados de forma bibliográfica e

documental;

- Preparação do Relatório: Foi adotada a sistemática tradicional de

apresentação de dissertações de mestrado, ou seja, o trabalho foi

estruturado em diferentes capítulos, abordando o problema, a

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metodologia empregada, os resultados obtidos e as conclusões

alcançadas.

3.2.1. A Contextualização da pesquisa

Para que seja possível a compreensão do planejamento da pesquisa que

embasou esta dissertação, é necessário o entendimento do contexto do próprio

pesquisador ao longo de sua vivência na empresa onde se deu o estudo deste

caso, ainda mais se levarmos em conta que ele foi o planejador, executor de

todas as etapas do processo e faz parte, até o presente momento, da população

pesquisada. Para descrever esta parte, portanto, falarei em primeira pessoa

nesta secção.

Quando tomei posse como Analista de Projetos 1 na FINEP, em 15 de abril

de 2002, por aprovação no concurso público realizado para admissão na

empresa no ano anterior, eu já estava matriculado e cursando o Mestrado

Acadêmico em Administração de Empresas, no Instituto de Administração e

Gerência (IAG) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio.

A minha principal motivação para um Mestrado em Administração na área de

Recursos Humanos era realmente estudar em profundidade as técnicas de

“empowerment” de funcionários e equipes de trabalho, inspirado em algumas

ações desenvolvidas empiricamente junto à equipe que eu coordenava na parte

de prestação de serviços de assistência técnica especializada, na empresa onde

eu trabalhava anteriormente, uma multinacional americana, com fortes reflexos

nos resultados da filial regional e na capacitação e desenvolvimento das pessoas

da equipe envolvida neste trabalho.

Durante o processo de integração da nova turma de concursados à

empresa, já ficou clara uma série de desafios e dificuldades pelas quais a FINEP

estava passando, tais como a co-existência de dois planos de carreira, a não

definição do caráter da empresa como entidade bancária, o que repercutia na

própria categoria profissional dos empregados (bancários ou não?) e do próprio

sindicato representativo dos funcionários (sindicato dos ETC x sindicato dos

bancários). Já havia uma turma de concursados do ano anterior (entrantes em

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Metodologia 67

julho de 2001), sendo esse o primeiro concurso público efetuado pela empresa

em toda a sua existência. O processo formal de admissão dos funcionários da

FINEP até a promulgação da Constituição Federal de 88 era por um sistema de

provas, análise de currículos e entrevistas, que atendia às carências localizadas

de pessoal e que eram comunicadas ao Departamento de Recursos Humanos.

Estagiários e prestadores de serviço que se destacavam, além de notórios

especialistas em determinadas áreas onde a FINEP necessitaria atuar, eram

contratados desta forma. A partir de 88, com a promulgação da Constituição, o

ingresso em qualquer empresa pública passou somente a ser permitido via

concurso público. Estamos falando, portanto, de 14 anos sem renovação de

quadro efetivo na empresa. A Constituição de 88 também determinava que o

regime de trabalho operacional das instituições bancárias deveria ser regido pelo

sistema de turnos de revezamento de 6 horas de expediente normal, salvos os

cargos em confiança, que já contemplavam em suas gratificações uma

compensação por isso. Um expediente de 8 horas para um funcionário normal

deveria, portanto, ser acrescido de 2 horas extras. Empresas como a FINEP, o

BNDES e outros bancos de fomento e desenvolvimento e assemelhados

ficaram, repentinamente, sujeitos a essa regulamentação. O BNDES equacionou

essa questão no início do governo Collor, e hoje o expediente normal naquela

instituição é de 7 horas. Na FINEP esta situação permaneceu pendente, com

argumentações de ambos os lados quanto à caracterização da empresa como

instituição bancária ou não. Isso deu margem a um enorme passivo trabalhista

que se arrasta até hoje e cujo montante exato ainda é incerto, com funcionários

que já conquistaram o direito ao expediente bancário na justiça (outros

pleiteantes não). Todos esses conflitos neste ambiente conturbado já nos eram

informados no próprio período de ambientação à empresa, feito fora de sua sede

por um período de um mês, e onde era veiculada fortemente, pela administração

da FINEP à época, uma mensagem de esperança de renovação e reerguimento

da empresa pela entrada dos “novos” (concursados) em detrimento dos “antigos”

ou “velhos” (funcionários admitidos antes de 1989), que estariam em grande

parte desmotivados e ultrapassados para conduzir os destinos da Financiadora

de Estudos e Projetos.

Este ambiente conturbado, com uma serie de conflitos, questionamentos e

indefinições, se revelou, de imediato, um tema interessante e desafiador para o

estudo por parte de um mestrando em Administração como eu. Um caso, ou

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talvez vários casos interessantíssimos de estudo, estava acontecendo ao meu

redor, e isto não poderia ficar sem registro.

A temática da mudança na estrutura organizacional só veio à tona quando

da mudança do governo FHC para o Governo Lula. A empresa permaneceu

quatro meses com a diretoria anterior, no processo de transição do governo, o

que aconteceu com quase a totalidade das empresas públicas,

independentemente do seu regime jurídico, no país. Em junho de 2003, a nova

diretoria promoveu uma das maiores reestruturações organizacionais de que se

tem notícia na FINEP, embora não tenha sido a primeira com essas

características. Nesta ocasião, passei, à minha revelia, por quatro

departamentos diferentes no período de 15 dias, até chegar no que me encontro

atualmente. Isso tudo porque eu não pretendia trocar de setor, o que já estava

negociado de comum acordo com a minha chefia imediata, que também foi pega

de surpresa com as alterações de estrutura.

Daí saiu o tema definitivo da pesquisa, ou seja, descobrir o que faz os

funcionários da FINEP serem identificados com a empresa mesmo na presença

deste ambiente organizacional tão turbulento, e com mudanças estruturais tão

abruptas ao longo de sua história.

3.2.2. O Planejamento da pesquisa (Protocolo do Estudo de Caso)

A pesquisa de campo do tipo exploratória pode ser definida como:

“uma investigação de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com tripla finalidade : desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com o ambiente, fato ou fenômeno, para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar ou clarificar conceitos”. (Marconi e Lakatos, 1999, p.77).

Na pesquisa exploratória emprega-se procedimentos sistemáticos para a

obtenção de informações empíricas ou para análise de dados, ou ambos. A

natureza deste estudo é eminentemente qualitativa, embora isso não tenha,

necessariamente, que excluir completamente uma fase quantitativa, como a do

emprego de questionários, por exemplo, o que não foi o caso deste trabalho.

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A presente pesquisa exploratória foi planejada em fases. A primeira

envolveu o próprio planejamento preliminar em si. Ficou logo estabelecido que o

tipo de estudo propício dentro da ambiência da empresa, e que contemplasse os

depoimentos dos envolvidos, seria realmente o estudo de caso. Também ficou

clara desde o início a necessidade do emprego de entrevistas com os colegas de

FINEP, embora o tema inicialmente pensado para o trabalho fosse outro: o da

construção da identidade e as relações de comunicação entre os diversos atores

na empresa. Ainda não havia um referencial teórico previamente estabelecido,

porém o estudo estava de acordo com a linha de pesquisa adotada pelo

professor orientador desse trabalho, no bojo da área de organizações. Não se

sabia, contudo, se seriam empregados métodos estatísticos na análise, pois a

FINEP é uma empresa relativamente pequena no universo das empresas

públicas federais (aproximadamente 500 funcionários), e o clima organizacional

parecia ser mais propício a entrevistas de pequena escala do que a

questionários em massa. Mesmo assim, inclusive apoiado pela disciplina de

metodologia de Pesquisa, ministrada ao final do primeiro ano de curso no

mestrado (2002), procurou-se fazer um esboço real das etapas envolvidas na

pesquisa, desde o início do trabalho até a fase de defesa da dissertação, o que

foi fundamental para o seu desenvolvimento.

A segunda etapa abrangeu a própria definição formal do tema e da

pergunta principal da pesquisa. De construção da identidade sob a ótica da

Teoria da Estruturação, de Giddens, o tema passou ser a identificação do

funcionário com a empresa pública, sobre o construto teórico apresentado

previamente, ou seja, a Teoria da Identidade Social sob a ótica de Ashforth &

Mael e de Albert & Whetten aliada ao modelo de identificação proposto por

Dutton, Dukerich & Harquail. A partir da escolha do tema, feita a discussão do

mesmo e do problema de pesquisa, foram estabelecidos os objetivos geral e

específicos, descritas as justificativas para a escolha do tema e as limitações do

trabalho. Cabe lembrar, também, a pesquisa bibliográfica envolvida, tanto teórica

como metodológica, para permitir a elaboração do trabalho.

A terceira fase, já dentro do espectro de coleta de dados, compreendeu

uma profunda análise documental, verificando a evolução da FINEP em vários

aspectos ao longo de sua história desde a criação, tais como a sua estrutura

organizacional, número de funcionários, diretorias, as declarações formais de

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Metodologia 70

missão, visão e objetivos estratégicos ao longo do tempo, seus vínculos formais

às estruturas dos diversos governos (lembremos que a FINEP foi criada em

plena ditadura militar – 1967), os planos de carreira, cargos e salários, a história

da associação de funcionários (na FINEP também existem duas), seus balanços,

relatórios anuais da administração e de gestão, as políticas operacionais

empregadas e os fluxos de recursos governamentais de que a empresa dispôs

nos diferentes momentos da sua existência. Esta pesquisa documental mostrou-

se fundamental para tornar mais claro o entendimento de como os fatos vêm

ocorrendo na empresa e, se possível, estabelecer uma ligação lógica entre as

decisões adotadas e os reflexos no âmbito da organização e de seus

funcionários.

A quarta etapa constou do mapeamento e da abordagem de funcionários-

chave por sua importância histórica, representatividade institucional e corporativa

na empresa, nível hierárquico, setor de trabalho, tanto de áreas operacionais

como de áreas meio. Para isso foram tomadas certas posturas pelo pesquisador:

a primeira, procurar participar de todas as atividades coletivas promovidas pela

empresa, como festividades, campanhas, o campeonato de futebol interno e

outros, para se tornar conhecido do maior número possível de colegas “novos”

ou “antigos” dos diversos setores da empresa o mais rápido possível. O

pesquisador também procurou participar de diversos grupos de trabalho

interdepartamentais, para poder conhecer e interfacear com colegas de outras

áreas, bem como foi, por coincidência, e que serviu para o mesmo propósito,

convidado a participar da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA,

de grande visibilidade dentro da empresa, sendo indicado pela empresa no

primeiro mandato e eleito pelos colegas no segundo. Além disso, o investigador,

e autor do presente trabalho, procurou não se filiar ou vincular a nenhuma das

associações de funcionários ou mesmo ao Departamento de Recursos

Humanos, por exemplo, o que, a seu ver, poderia contaminar a neutralidade da

pesquisa ou constranger os respondentes selecionados para as entrevistas. É

claro e evidente que, como funcionário da empresa, o autor teve oportunidade de

acesso a diversas discussões internas, a conversas informais e opiniões de

colegas de trabalho, bem como de colher impressões junto ao público externo

que se relaciona com a empresa como um todo, como clientes em geral,

empresas, universidades, institutos de pesquisa e outras entidades ligadas ao

segmento de ciência e tecnologia e ao próprio governo.

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Metodologia 71

A quinta fase foi a de execução do trabalho de campo propriamente dito,

compreendendo elaboração do instrumento de coleta de dados (roteiro semi-

estruturado das entrevistas), a realização das entrevistas em si e a própria

transcrição das mesmas, o que gerou novas demandas de pesquisa documental,

bibliográfica e telematizada. O trabalho de campo foi, sem dúvida, o mais

prazeroso de toda a pesquisa, e compensa em larga margem todo o cansaço e o

esforço envolvido em se fazer um curso de mestrado concomitante à atividade

profissional, o que demandou uma jornada dupla de trabalho, com finais de

semana inclusos, por um período de 30 meses, no caso da presente pesquisa, o

que não deixa de ser um preço alto que se paga pelo conhecimento.

A fase final do trabalho foi a análise dos dados coletados em campo, onde

se destaca a utilização da metodologia de Análise de Conteúdo das entrevistas

com o auxílio de um software específico para este tipo de trabalho (Atlas.ti).

Após a análise dos resultados e do processo de discussão com o professor

orientador, partiu-se para a conclusão da presente dissertação e os demais

trâmites visando à sua apresentação à banca examinadora do trabalho.

3.3. Coleta de Dados

Primeiramente, conforme já mencionado no sub-item do planejamento do

trabalho (protocolo do estudo de caso), foi feita uma completa pesquisa

documental na FINEP. A empresa dispõe de uma excelente biblioteca e de

colegas preciosos que lá trabalham, e que muito contribuíram para a realização

desta pesquisa. Foram consultados os mais diversos tipos de documentos da

empresa, tais como: os planos de carreira, cargos e salários; balanços

patrimoniais e de atividades, tanto da FINEP como do Ministério da Ciência e

Tecnologia; todos os relatórios anuais da administração e de gestão da história

da empresa, sem exceção; discursos; estudos anteriores feitos sobre a própria

empresa por seus colaboradores ou contratados externamente, onde se destaca

o estudo etnográfico encomendado pela FINEP ao antropólogo Everardo Rocha

- “Precários Equilíbrios – Um estudo de valores culturais da FINEP”, que,

utilizando uma abordagem antropológica para desvendar a cultura interna da

empresa, e também valendo-se de entrevistas com os funcionários, apresentou

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Metodologia 72

um quadro bastante esclarecedor sobre a forma de pensar dos finepianos,

principalmente dos mais antigos, visto que foi elaborado antes dos dois

concursos públicos ocorridos após o ano 2000 na empresa, ou seja,

anteriormente à época da chegada dos “novos”.

A FINEP também possui uma ótima infra-estrutura de rede de

computadores e Intranet, além de abrigar mais de um sítio de Internet

corporativo, sendo um principal da empresa (www.finep.gov.br) e outros mais

dedicados a assuntos específicos, como o voltado para a comunidade de

investimento em capital de risco (www.capitalderisco.gov.br). Esta estrutura, que

dispõe de uma série de documentos e informações relevantes, foi amplamente

utilizada ao longo do desenvolvimento do trabalho.

Os dados acima, somados ao arcabouço teórico que suporta a pesquisa,

foram fundamentais para a elaboração do instrumento de coleta de dados junto

aos colegas de FINEP, ou seja, ao roteiro-guia das entrevistas, que será

explicitado em item específico a posteriori neste capítulo. Assim, os dados de

campo foram coletados através de entrevistas estruturadas por meio de um

roteiro pré-definido, cujo objetivo foi o de captar o entendimento que os

participantes têm a respeito do seu processo de identificação com a FINEP

enquanto instituição, bem como a verificação do grau de difusão da identidade e

cultura organizacional no corpo funcional da empresa.

Marconi e Lakatos (1999) definem três tipos básicos de entrevistas:

- Padronizada: é aquela em que o entrevistador segue um roteiro

previamente estabelecido. O objetivo de padronizar as perguntas diz

respeito à obtenção de respostas semelhantes às mesmas perguntas.

Diferenças devem refletir distinção entre os entrevistados, e não nas

perguntas;

- Despadronizada ou Não-estruturada: neste tipo, o entrevistado tem

liberdade para desenvolver cada pergunta de acordo com o que achar

importante e primordial para o momento. É uma forma de se explorar

mais amplamente uma dada questão a ser pesquisada. Marconi e

Lakatos (1999) ainda subdividem esta categoria em outros três tipos –

focalizada, clínica e não dirigida. Na entrevista despadronizada

focalizada, segue-se um roteiro de tópicos relativos ao problema em

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estudo. O pesquisador tem flexibilidade para fazer perguntas,se quiser. É

geralmente empregada no estudo de situações de mudança de conduta.

A entrevista despadronizada clínica se preocupa com os sentimentos e a

conduta das pessoas. É organizada em perguntas específicas.

Finalmente, a entrevista despadronizada não dirigida, a liberdade e

flexibilidade por parte do entrevistado são totais, que pode expressar

suas opiniões e sentimentos, assumindo o entrevistador uma postura de

motivador para o entrevistado.

- Painel: a entrevista tipo painel se caracteriza pela repetição de perguntas,

de tempos em tempos, para os mesmos entrevistados. O objetivo é

estudar a evolução das opiniões em períodos curtos de tempo.

Sob a classificação acima, o presente trabalho se valeu do emprego de um

roteiro padrão, cujas perguntas foram tratadas, no entanto, de modo flexibilizado,

ou seja, algumas perguntas constantes do roteiro não foram feitas a certos

entrevistados e a outros sim, dependendo do contexto onde se encontravam

inseridos. Da mesma forma, para facilitar a conversa e o concatenamento lógico

das entrevistas, assim como para fazer com que os respondentes não se

perdessem ou se desviassem demais dos objetivos das questões previamente

elaboradas, fez-se perguntas pontuais ou contextuais a respeito dos assuntos

tratados ao longo das respostas. É claro que se reconhece a aplicabilidade da

entrevista despadronizada, ou completamente aberta, do ponto de vista

qualitativo, para o trabalho de coleta das impressões dos finepianos, entretanto o

grau de dispersão das respostas foi, por imposição de método, restrito a um

horizonte controlado.

Alvesson (2003) faz alertas a respeito do emprego das entrevistas em

pesquisas organizacionais. Ele faz distinção entre as entrevistas qualitativas e os

“questionários falados”, lembrando que, no primeiro caso, as entrevistas são

relativamente pouco estruturadas e abertas ao que entrevistado julga importante

falar, dentro do campo de interesse da pesquisa efetuada. Os defensores das

entrevistas costumam alegar que esta postura é muito positiva para o

entendimento do assunto pesquisado, além de possibilitar o acesso a um rico

acervo das experiências dos respondentes, seus conhecimentos, idéias e

impressões, que podem ser levados em conta e se tornarem passíveis de

registro.

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Metodologia 74

Mesmo considerando a entrevista como uma técnica superior para a

exploração de assuntos relacionados às experiências e práticas sociais de uma

população ou grupo a ser estudado, o autor lembra que o pesquisador não

costuma se dar conta de que o próprio evento da entrevista em si se trata de

uma situação social e lingüisticamente complexa. É importante, portanto, não

simplificar e idealizar a situação da entrevista, se considerando sempre o

entrevistado, independentemente da técnica utilizada para a entrevista, como

sendo uma pessoa compenetrada e convencida em somente contar a verdade,

tudo para o bem da ciência e disposta a revelar abertamente o seu interior

(experiências, sentimentos e valores), ou os “fatos reais” de uma dada

organização. A entrevista, como evento social complexo que é, requer um

entendimento teórico, ou pelo menos uma abordagem reflexiva por parte do

entrevistador, onde uma série de considerações teóricas podem ser levadas em

conta, e aplicadas conforme o caso. Sem esse entendimento, o uso do material

colhido em entrevistas pode vir a acarretar um sério risco para a própria

pesquisa a que se destina.

Alvesson (2003) também compara as diversas posturas filosóficas em

termos de entrevista, como a neopositivista, a romântica e a localista. Na

primeira, o entrevistador tem o afã de estabelecer um contexto livre para buscar

“a realidade lá fora”, seguindo um protocolo de pesquisa e obtendo as respostas

relevantes dentro do seu enfoque, ostentando ainda uma forte preocupação em

minimizar a sua própria influência com entrevistador e outras fontes que possam

caracterizar algum viés. O seu ideal é um processo de pesquisa que seja o mais

transparente possível, marcado pela objetividade e pela neutralidade. O

problema dessa visão é que os respondentes podem fornecer somente

respostas superficiais e cautelosas. O pesquisador tem que estar ciente dos

problemas de confiança e do controle limitado que possui sobre as respostas

dos pesquisados. Isso reflete uma melhor compreensão social da situação, e

devem ser previstas técnicas de correção destes problemas, como repetir as

entrevistas em busca de estabelecer um melhor contato ou vínculo com alguns

respondentes desconfiados.

Os românticos, por sua vez, que advogam uma interação “genuinamente”

humana, acreditam piamente no estabelecimento de um ambiente de afinidade,

confiança e cumplicidade entre entrevistador e entrevistado, em particular na

ocasião da entrevista propriamente dita. Este é um pré-requisito, nessa visão,

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para se explorar o lado interior (significados, idéias, sentimentos e intenções) ou

a própria experiência social vivenciada pelos respondentes. O autor lembra que,

mesmo utilizando essa abordagem mais “simpática”, o estilo romântico

dificilmente é capaz de garantir, por si só, a obtenção de informações confiáveis

o suficiente para se estabelecer um quadro fidedigno da situação pesquisada

como um todo.

Alvesson (2003) vislumbra, então, o surgimento de uma pequena corrente

que se contrapõe tanto à visão neopositivista quanto à postura romântica: a de

enfoque localista. Esse estilo preconiza que as informações colhidas nas

entrevistas devem ser interpretadas dentro do contexto social em que estão

inseridas. A entrevista, portanto, passa a ser considerada um evento empírico, e,

como tal, não deveria ser tratada como uma ferramenta de coleta de dados a

respeito de alguém ou de alguma coisa que existe fora desta situação empírica.

Os localistas não atribuem às entrevistas um caráter diferenciado em relação às

outras situações do cotidiano vivenciadas no dia a dia pelos respondentes, ou

seja, assim como eles falam com os seus chefes, atendem clientes, ou dirigem

caminhões, eles também respondem a entrevistas. O comportamento ao longo

das entrevistas pode ser tratado, portanto, da mesma forma como se passa nas

demais situações rotineiramente vividas pelos entrevistados.

O autor finaliza o artigo assumindo uma certa simpatia pela linha localista,

talvez por esta apresentar algumas características pós-modernistas, porém a

critica, assim como às outras, pois todas utilizam a entrevista com uma visão de

“ferramenta” para a coleta de dados, quando o que propõe é algo que vai além

disso: o uso da entrevista como um ambiente de exploração de temas que vão

além da mera conversação entre o pesquisador e o respondente. Assim,

Alvesson (2003) conclui (p.16):

“Ao invés de depender fortemente do pesquisador para otimizar a entrevista como uma técnica ou ferramenta e/ou para trabalhar duramente nos encontros visando a obtenção de respondentes honestos, claros e consistentes, a mensagem expressa aqui é a de que o trabalho realmente pesado deve ficar para a mesa de trabalho do pesquisador, e que isso não se trata, em essência, do trabalho de codificação e processamento dos dados de uma forma objetiva. O trabalho de campo, obviamente, é importante, mas as complexidades e armadilhas envolvidas no processo demandam uma reflexão cautelosa e permanente – não apenas de um projeto bem pensado e bem executado. Há uma enorme necessidade de se pensar: nas nossas instâncias teóricas básicas sobre as entrevistas (e suas metáforas); nas atribuições de pesquisa contidas nas entrevistas, evitando-se colocar um fardo muito pesado sobre os ombros do entrevistador e do entrevistado, e percebendo-se que a linguagem não necessariamente espelha a

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realidade; e, finalmente, em como nós lidamos com o material empírico que emerge das entrevistas – isto é, considerando uma vasta possibilidade de significados, dentro de uma ótica aberta e (auto) crítica.”

O alerta de Alvesson tem pertinência, e pena que nós só nos damos conta

disso em meio ou após o trabalho de campo. Considerando as classificações

que apresenta, as entrevistas do presente trabalho podem ser enquadradas

dentro do nicho neopositivista, porque foi essa a intenção mais honesta do

pesquisador no trabalho. Entretanto, há de se reconhecer o emprego de critérios

“românticos” para a seleção dos respondentes, que tinham que ter algum tipo de

relação, ou pelo menos conhecer o entrevistador.

Falando sobre o processo das entrevistas propriamente dito, o presente

trabalho compreendeu 24 entrevistas semi-estruturadas por um roteiro

relativamente longo, como será apresentado mais à frente neste capítulo. As

entrevistas variaram de 45 minutos a 3h:30min de duração, algumas feitas em

mais de um encontro. Ao total foram utilizadas 30 fitas cassete de 90 minutos,

perfazendo 45 horas de gravação, cuja transcrição resultou em mais de 400

páginas (fonte Arial 11, em formato A4, espaço simples, com 54 linhas por

página). As entrevistas foram todas conduzidas pelo autor deste trabalho, e

todas, com exceção de uma, foram feitas nas dependências da FINEP, em

reuniões exclusivas e individuais, com sala e hora marcadas, com cada um dos

respondentes participantes. Uma das entrevistas foi feita no restaurante de um

hotel durante uma viagem a serviço.

Já que o discurso dos informantes foi o elemento chave para a

determinação dos fatores que levam à identificação do indivíduo com a empresa

pública onde a pesquisa se ambienta, era conveniente que fossem mantidos os

procedimentos éticos que são comuns aos estudos deste tipo que fazem a

utilização de entrevistas, ou seja, os 24 colegas de FINEP que prestaram as

entrevistas registradas não estão identificados, tendo seus nomes mantidos em

sigilo. Qualquer depoimento que, por alguma razão – nome de pessoa, episódio

revelador, citação ao local de trabalho na empresa ou mesmo a um outro colega

identificado, ou vícios de linguagem, por exemplo - tenha sido transcrito para a

presente dissertação e apresentasse risco de identificação de seu emissor, foi

devidamente modificado para preservar a identidade do respondente, sem,

contudo, alterar o conteúdo do discurso. Assim, os diversos trechos de

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entrevistas utilizados nesse relatório para sustentar a análise dos resultados de

campo e as conclusões do trabalho foram, quando necessário, editados para

impedir a identificação do informante e preservar as informações que contêm.

Afinal, a FINEP não é uma empresa tão grande assim, e a especificidade da

organização poderia facilitar a identificação do entrevistado.

Os 24 participantes entrevistados, todos funcionários da FINEP, número

que representa quase 5% de todo o corpo funcional efetivo da empresa (536

funcionários à época do trabalho), cobriam um vasto espectro para a captação

das visões pela empresa de uma forma geral. Tinham entre 25 e 64 anos de

idade, de 2 a 29 anos de empresa, sendo 8 mulheres e 16 homens e exerciam

as mais diversas funções na empresa, de eletricista de manutenção a diretor,

sendo muitos já chefes ou ex-chefes. Os participantes também estavam

distribuídos pelos dos dois planos de cargos e salários vigentes na ocasião

(PCS, mais antigo e PCR, mais recente), e também tanto do dito Quadro de

Apoio (funções de nível médio, embora alguns já tenham o nível superior, mas

não puderam mudar de quadro, a não ser por concurso público, a partir de 1988)

como do Quadro Técnico de Nível Superior. O grau de escolaridade dos

entrevistados também cobria um grande espectro, indo desde o segundo grau

até o doutorado, e as carreiras idem, na maior parte de Engenharia, embora a

maior carreira da casa ainda seja a de Economia, mas indo de Técnico em

Eletrônica a Biblioteconomia, passando por Biologia, Física, Pedagogia e Análise

de Sistemas. Os respondentes trabalhavam em 14 diferentes departamentos à

época das entrevistas, se espalhando por 9 dos 10 andares que a FINEP

atualmente ocupa no edifício sito à Praia do Flamengo n° 200.

Tal diversidade de respondentes foi proposital e atendeu aos critérios

principais de seleção adotados na investigação, a saber: ter trabalhado, ou no

mínimo, convivido com o entrevistador em alguma atividade; homens e

mulheres; “novos” e antigos”; nos mais diferentes cargos; do Quadro de Apoio e

do Quadro de Nível Superior; dos dois planos de carreira vigentes; de áreas

operacionais e áreas meio; e que o entrevistador julgasse possuidor de uma

visão representativa de um ou mais desses diversos grupos. Foram

selecionados previamente 60 respondentes, e formalmente convidados 26. Um

declinou da entrevista, e o outro teve problemas de afastamento por motivo de

saúde durante o período das entrevistas. As entrevistas foram realizadas ao

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longo de dois meses, do início de abril ao final de maio de 2004, e suas

transcrições foram concluídas no início de julho do mesmo ano.

3.3.1. O Instrumento de Coleta de Dados

O instrumento utilizado para a coleta dos dados de campo foi o roteiro de

entrevista. O mesmo está disponível por completo no Anexo 1. O roteiro original

foi estruturado com 73 questões, na sua grande maioria perguntas diretas sobre

vários temas distintos. Há perguntas múltiplas e também duas questões

subdivididas em itens, sendo que, numa delas, o respondente qualifica o seu

grau de identificação com o agente ou ator perguntado numa classificação de

alta, média ou baixa. Na outra pergunta desse tipo, o respondente deve dizer

apenas sim ou não, podendo justificar sua posição quanto a certas

características fixas que lhe são perguntadas, no sentido de elas poderem levar

um indivíduo a se identificar com a empresa ou com o trabalho.

Não se buscou, de imediato, a construção de indicadores perfeitamente

definidos, no sentido da captação das impressões dos respondentes, porque a

metodologia de análise de conteúdo cumpre esse papel quando associa

perguntas e respostas e hierarquiza extratos das respostas de acordo com seu

sentido e importância em relação à temática pesquisada. Mesmo assim, o

questionário possui perguntas consideradas principais, ou seja, que têm que ser

feitas, independente do respondente, e questões secundárias ou auxiliares, que

contextualizam ou preparam a situação para uma dada pergunta principal e,

dependendo do contexto do respondente, por exemplo, se é funcionário “novo”

ou “antigo”, a pergunta é feita ou não. Foram colocadas no roteiro algumas

perguntas de confirmação, ou seja, que revisitam aspectos respondidos

anteriormente para confirmar a posição do entrevistado. Os entrevistados, que

não foram jamais cerceados em suas respostas, muitas vezes respondiam

questões subseqüentes dentro do contexto de uma pergunta anterior. Desta

forma, eles tiveram a liberdade de considerar qualquer pergunta como já

respondida previamente, desde que fosse o caso.

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Antes do início das entrevistas sempre houve um pequeno preâmbulo do

entrevistador junto aos respondentes, no sentido da contextualização da própria

pesquisa que motiva esta dissertação de mestrado. Também houve a expressa

garantia de confidencialidade das informações fornecidas e todo um

esclarecimento para deixar o respondente à vontade quanto a alguma eventual

pergunta que pudesse lhe causar algum incômodo ou constrangimento. Foram

também feitos os agradecimentos prévios e posteriores aos entrevistados, por

entenderem a motivação da pesquisa e disporem do seu tempo e paciência para

responder as perguntas. A grande maioria dos entrevistados elogiou o roteiro

utilizado e gostou de ter prestado a entrevista, com alguns inclusive

agradecendo a chance de desabafar, chamando a entrevista de sessão de

análise e até pedindo para comparecer à defesa da presente dissertação de

mestrado, no que serão atendidos, dentro do que depender do autor do trabalho.

Os temas envolvidos nas perguntas são diversos, mas sempre têm a ver

com o próprio entrevistado ou com a FINEP em si. Algumas perguntas são

explícitas sobre a opinião do respondente a respeito de um determinado

assunto, e outras são feitas para ajudar na linha de raciocínio empregada no

questionário ou para situar melhor um dado tema, ou para coletar dados, como

se já foi chefe anteriormente. São abordadas questões como imagem própria e

da empresa, sobre o uso da político da companhia, o impacto das mudanças na

estrutura organizacional, injustiça, preconceito, orgulho, o papel da FINEP e

muitos outros.

Abaixo estão listadas algumas das perguntas consideradas como primárias

ou principais no roteiro adotado, e a justificativa do autor do trabalho quanto à

sua pertinência e intenção de medição:

Do que você mais gosta da FINEP?

Do que você menos gosta na FINEP?

Essas são as primeiras perguntas primárias do roteiro. São feitas após a

apresentação do entrevistado e das perguntas de caráter pessoal quanto à sua

vida fora da FINEP, família, hobbies e etc., bem como as suas circunstâncias de

entrada na empresa e experiência profissional prévia. A intenção das perguntas

antagônicas é situar o respondente no tema da pesquisa, para que conduza as

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suas próximas respostas dentro do que gosta e do que não gosta na empresa.

Isso deu resultado.

O que é ser finepiano para você?

Essa pergunta tem o intuito real de captar a noção de como ele identifica o

funcionário da FINEP, e se por ser funcionário da FINEP o indivíduo apresenta

características que o fazem ser identificado como tal, como uma forma de ser.

Causou surpresa o fato de vários desses entrevistados não terem uma noção

exata quanto a isso, principalmente os “novos” (concursados).

Se você pudesse representar a FINEP sob a forma de uma pessoa, como ela

seria?

Essa pergunta foi retirada do modelo apresentado por Everardo Rocha em

seu estudo etnográfico sobre a FINEP e sua cultura, já mencionado

anteriormente e intitulado “Precários Equilíbrios – Um estudo de valores culturais

da FINEP”. O presente trabalho pode ser considerado, sob alguns aspectos,

uma continuidade deste, e um dos entrevistados reconheceu essa pergunta, pois

já tinha participado do estudo anterior. Esta pergunta mostrou-se importante,

porque dá uma noção muito boa, e normalmente o respondente é tomado de

surpresa, da imagem mental que possui sobre a empresa, tanto sob o aspecto

físico como comportamental. O autor do roteiro agradece a contribuição de

Everardo Rocha, representada pelo trabalho supracitado, para a consecução da

presente pesquisa.

A missão e o papel da FINEP atualmente são claros para você?

Se você tivesse poder total de interferência na empresa para construir a FINEP

ideal na sua concepção, ela seria como é hoje, como foi no passado ou de uma

forma totalmente diferente?

As perguntas acima são realmente feitas em seqüência ao respondente, e

têm o intuito de tanto apurar a comunicação interna vigente da missão da

empresa, hoje uma noção considerada muito mais individual do que coletiva, e

dar chance ao entrevistado de ajustar a empresa dentro do que considera seus

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valores mais importantes. Aqui ficou claro que os “antigos”, embora não vivam

do passado, não o desprezam.

Você se sente identificado com a empresa?

O que é ser identificado para você?

Estas perguntas também são feitas exatamente nesta seqüência, ou seja,

uma imediatamente após a outra. Muitas vezes a segunda foi respondida no

contexto da primeira. O intuito da pergunta é verificar a noção de identificação do

respondente, seja ele identificado com a empresa ou não, a seu ver.

Você tem orgulho da FINEP? Fala com os outros a este respeito?

Você tem orgulho de ser finepiano?

Outra vez a seqüência. Desta vez se pretende medir o amor à empresa e à

condição de finepiano por parte do entrevistado, apesar de todas as dificuldades

que possam estar envolvidas na vida atual da FINEP.

Se você pudesse resumir o seu modo de ver a FINEP em um sentimento, qual

seria?

Esta pergunta tem um cunho parecido com a que pede ao respondente

para representar a empresa sob a forma de uma pessoa. A diferença é que essa

busca captar o sentimento que vem à tona quando se pensa na empresa. É algo

mais internalizado, mais no âmago da pessoa. Muitos responderam com mais de

um sentimento, tanto alegres como tristes.

Se você tivesse uma bala só, em que problema da (ou na) empresa você atiraria?

O sentido dessa pergunta é o de, através de um senso de urgência, captar

o que o entrevistado julga ser o mais insuportável em termos de empresa, desde

que ele pudesse tomar uma ação efetiva a respeito. Diversas questões foram

levantadas, mas ninguém titubeou ao responder. A pergunta não teve o objetivo

premente de confirmar a resposta da segunda pergunta primária apresentada,

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sobre o que o respondente menos gostava na FINEP, mas isso aconteceu em

vários casos.

Você se sente respaldado na empresa (colegas, chefia imediata,

superintendência, diretoria)?

Você acha que isto é generalizado na empresa ou caso a caso?

As perguntas acima também foram feitas em seqüência. A idéia foi a de

verificar o esteio percebido pelo entrevistado, que lhe é proporcionado pela

empresa e pelos colegas, tanto de uma forma particular como de uma forma

geral. As respostas foram interessantes e, definitivamente, a impressão coletiva

é de que o nível de respaldo depende da pessoa, ou seja, é sempre caso a

caso.

Esse foram alguns exemplos de intenção previstos no roteiro. Nem todas

as intenções se confirmaram, assim como diversas impressões importantes das

pessoas entrevistadas foram registradas em respostas às perguntas auxiliares, o

que será devidamente abordado no capítulo da análise dos dados da pesquisa.

Finalmente, algumas das perguntas inicialmente planejadas não foram

feitas em nenhuma das entrevistas, e umas duas ou três descartadas após as

primeiras entrevistas, por não estarem suficientemente claras, suscitarem

respostas longas e fora do tema pesquisado ou provocarem uma séria

descontinuidade no contexto abordado. De qualquer forma o roteiro foi mantido e

aproveitado em mais de 90%, atingindo os objetivos desejados.

3.4. Tratamento e Interpretação dos Dados Coletados

Para a interpretação das informações colhidas nas entrevistas, foi utilizada

a metodologia de análise de conteúdo. Sobre as dificuldades inerentes a este

método, Minayo (2000) ressalta:

“Os pesquisadores costumam encontrar três grandes obstáculos quando partem para a análise dos dados recolhidos no campo (...) O primeiro deles (...) ‘ilusão da transparência’ (...) O segundo (...) sucumbir à magia dos métodos e das técnicas

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(...) O terceiro (...) é a dificuldade de se juntarem teorias e conceitos muito abstratos com os dados recolhidos no campo.” (Minayo, 2000:197)

Minayo (2000) acredita que a grande importância da análise de conteúdo

está na sua tentativa de impor um corte entre as intuições e as hipóteses que

encaminham para interpretações mais definitivas, sem se afastar, no entanto,

das exigências pertinentes ao trabalho científico.

Para Bardin (1979), a análise de conteúdo abrange as iniciativas de

explicitação, sistematização e expressão do conteúdo de mensagens, com a

finalidade de se efetuarem deduções lógicas e justificadas a respeito da origem

dessas mensagens (quem as emitiu, em que contexto e/ou quais efeitos se

pretende causar por meio delas). Mais especificamente, segundo a visão da

autora, a análise de conteúdo trata de (Bardin, 1979:42):

“Um conjunto de técnicas de análise de comunicação, visando obter, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conceitos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens.”

Nessa definição, portanto, a autora sugere que o processo de análise de

conteúdo oscila entre os dois pólos que envolvem a investigação científica: o

rigor da objetividade e a riqueza da subjetividade, resultando na elaboração de

indicadores quantitativos e/ou qualitativos que devem levar o investigador a uma

segunda leitura da comunicação, baseada na dedução, na inferência.

Essa nova interpretação do material textual, ao invés da leitura “normal”

feita por um leigo, tem o objetivo de revelar o que está escondido, latente ou

subentendido naquela mensagem. Assim, a análise de conteúdo é largamente

utilizada nas pesquisas das áreas da ciência social, tanto para estudos de

caráter qualitativo, como o presente, quanto para os de perfil mais quantitativo.

Mesmo assim, tal qual os estudos de caso, a metodologia de análise de

conteúdo ainda gera polêmicas dentro do debate da pesquisa científica, e, desde

o seu surgimento até a época atual, sua evolução foi marcada por períodos

alternados de aceitação e negação, sempre despertando contradições e

questionamentos. Entretanto, assim como toda técnica investigativa, ela busca

dotar o pesquisador de meios para que possa entender as relações sociais em

determinados ambientes e situações, e de uma forma adequada ao tipo de

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problema de pesquisa proposto. Assim, como Minayo (2000) destaca, a análise

de conteúdo se destina a ultrapassar o senso comum do subjetivismo na

interpretação e alcançar uma vigilância crítica em relação à comunicação de

documentos, textos literários, biografias, entrevistas ou observação.

Para Bardin (1979), a análise de conteúdo possui duas funções que podem

coexistir de maneira complementar:

- Uma questão heurística, que visa enriquecer a questão exploratória,

aumentando a propensão à descoberta e proporcionando o surgimento de

hipóteses quando se examinam mensagens pouco exploradas

anteriormente;

- Uma função de administração da prova, ou seja, servir de prova para a

verificação de hipóteses apresentadas sob a forma de questões ou

afirmações provisórias.

O quadro 2 resume os vários domínios de aplicação da análise de

conteúdo. Quadro 2 – Domínios possíveis da aplicação da análise de conteúdo

Número de pessoas implicadas na comunicação Código e suporte Uma pessoa (monólogo)

Comunicação dual (diálogo)

Grupo restrito Comunicação de massa

Lingüístico escrito Agendas, maus pensamentos, diários íntimos

Cartas, respostas a questionários e a testes projetivos, trabalhos escolares

Ordens de serviço numa empresa, todas as comunicações escritas trocadas dentro de um grupo

Jornais, livros, anúncios publicitários, cartazes, literatura, textos jurídicos, panfletos

Lingüístico oral Delírio do doente mental, sonhos

Entrevistas e conversações de qualquer espécie

Discussões, entrevistas, conversações de grupo de qualquer natureza

Exposições, discursos, rádio, televisão, cinema, publicidade, discos

Icônico (sinais, grafismos, imagens, fotografias, filmes, etc.)

Rabiscos automáticos feitos durante a conversa, desenhos, sonhos

Respostas aos testes projetivos, comunicação entre duas pessoas mediante imagem

Toda comunicação icônica num pequeno grupo (ex: símbolos icônicos numa sociedade secreta, numa casta...)

Sinais de trânsito, cinema, publicidade, pintura, cartazes, televisão.

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Outros códigos semióticos (i.e. tudo que não sendo lingüístico pode ser portador de significações; ex: música, objetos, comportamento, espaço, tempo, sinais patológicos, etc.)

Manifestações histéricas da doença mental, posturas, gestos, tiques, danças, coleções de objetos

Comunicação não verbal com destino a outrem (postura, gestos, distância espacial, sinais olfativos, manifestações emocionais, objetos cotidianos, vestuário, alojamento...) comportamentos diversos tais como os ritos e as regras de cortesia

Meio físico e simbólico, sinalização urbana, monumentos, obras de arte, mitos, estereótipos, instituições, elementos de cultura.

Adaptado de Bardin (1979: p. 35)

Bardin (1979) considera empírica a técnica de análise de conteúdo, e, em

assim sendo, não pode ser desenvolvida com base em um modelo exato.

Entretanto, o emprego dessa metodologia deve respeitar certas regras.

Lembremos que o objetivo de seu emprego é partir de uma literatura de primeiro

plano para se atingir um nível mais aprofundado. Na verdade, segundo Minayo

(2000), a análise de conteúdo procura relacionar as estruturas semânticas

(significantes) com as estruturas sociológicas (significados) dos enunciados, e

articula a superfície dos textos com os fatores que determinam as suas

características (variáveis psico-sociais, contexto cultural, contexto e processo de

produção a mensagem).

De uma forma geral, o processo de análise de conteúdo se dá em três

etapas, que compreendem (Bardin 1979):

1. Pré-Análise: fase de organização e sistematização das idéias, em que

ocorre a escolha dos documentos a serem analisados, a retomada das

hipóteses e dos objetivos iniciais da pesquisa em relação ao material

coletado e a elaboração de indicadores que orientarão a interpretação

final. A pré-análise pode ser decomposta em cinco etapas: leitura

flutuante, na qual deve haver um contato exaustivo com o material de

análise; constituição do Corpus, que envolve a organização do material

de forma a responder a critérios de exaustividade, representatividade,

homogeneidade e pertinência; formulação de hipóteses e objetivos, ou

de pressupostos iniciais flexíveis que permitam o surgimento de

hipóteses a partir dos procedimentos exploratórios; referenciação dos

índices e elaboração dos indicadores a serem adotados na análise; e

preparação do material, ou seja, a sua edição;

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2. Exploração do Material: trata-se da fase em que os dados brutos do

material são codificados para se alcançar o núcleo de compreensão do

texto. A codificação envolve procedimentos como recorte, contagem,

classificação, desconto ou enumeração, em função de regras

previamente estipuladas.

3. Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação: nesta fase os

dados brutos são submetidos a operações estatísticas, para se

tornarem significativos e válidos e serem capazes de evidenciar as

informações obtidas. É com base nessas informações que o

pesquisador propõe inferências e realiza as suas interpretações,

suportado pelo quadro teórico e pelos objetivos propostos pela

pesquisa em questão, da mesma forma que pode até identificar novas

dimensões teóricas compatíveis com a leitura do material. Os

resultados obtidos, balizados pelo material colhido e pelas inferências

assumidas, podem servir a outras análises baseadas em novas

dimensões teóricas ou em técnicas diferentes.

Finalmente, dentre as diversas técnicas empregadas para a análise de

conteúdo, o presente trabalho se enquadra na mais comumente utilizada nos

estudos da pesquisa social: a análise temática ou categorial.

Esta técnica consiste em operações de desmembramento do texto, no

caso, as transcrições das entrevistas, em diferentes unidades (categorias).

Essas operações buscam descobrir os núcleos de sentido que compõem uma

comunicação, preocupando-se com a freqüência desses núcleos, sob a forma de

dados segmentáveis e comparáveis, e não com sua dinâmica ou organização

(Bardin, 1979). A vertente utilizada no presente trabalho é a da semântica, ou

seja, o enfoque da análise é sobre os significados, ao invés de inferências

estatísticas.

No caso prático da presente pesquisa foi utilizada justamente a sistemática

descrita acima, ou seja, com o auxílio do software ATLAS.ti versão 4.0, foram

separados trechos do texto das respostas colhidas nas entrevistas transcritas,

trechos esses classificados com códigos de indicadores, que representavam as

idéias, posturas ou opiniões sobre um determinado assunto de interesse da

pesquisa por parte dos respondentes.

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Metodologia 87

Mesmo com o roteiro padrão contemplando perguntas previamente

classificadas como principais e auxiliares, o que se viu na realidade foi que as

questões de interesse para a investigação surgiram ao longo de todas as

perguntas feitas nas entrevistas, independente da “importância” previamente

conferida àquela pergunta no roteiro.

Foram colhidos, ao longo das 24 entrevistas, 1848 diferentes trechos de

texto. Esses trechos, ou “quotations”, na nomenclatura empregada pelo software

de apoio, foram então classificados em 111 códigos de indicadores, sendo que

alguns dos extratos de entrevista marcados foram classificados em mais de um

indicador, por trazerem ou estarem ligados a mais de uma idéia ou característica

de interesse para o estudo. Assim, a combinação de trechos e indicadores

resultou em 2057 unidades de texto a terem o seu conteúdo analisado.

Os 111 códigos de indicadores, por sua vez, foram agrupados em 8

famílias. Dentro dos inúmeros critérios possíveis para a análise de conteúdo dos

trechos coletados, o critério empregado para a escolha destas famílias no

referido trabalho foi o de destacar os atores, ou grupos de atores a quem

aqueles códigos se referiam ou que tivessem algum poder de inferência sobre os

códigos utilizados. Assim, as famílias de indicadores, nomeadas como Empresa

Externa, Empresa Interna, Estrutura, Grupos, Indivíduo, Missão FINEP, Pessoas

e Política, formavam ambientes semânticos dentro dos quais foram traçadas e

identificadas as relações existentes entre os diversos códigos.

O software ATLAS.ti permite a confecção de redes semânticas, inclusive

sob a forma de representação gráfica, o que foi muito útil durante o processo de

análise. Assim foram desenhados os mapas de relações ente os códigos,

primeiramente dentro de cada uma das famílias, e depois entre as próprias

famílias, o que permitiu a identificação dos dois mapas finais, que embasam a

conclusão do trabalho: o mapa do processo de identificação e o mapa do

processo de frustração dos funcionários com a FINEP.

Todas as considerações da análise de conteúdo das entrevistas, sob a

ótica do cabedal teórico que referencia esta dissertação, constam do capítulo 5 –

Análise e Interpretação dos Dados de Campo.

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Metodologia 88

3.5. Limitações do Método

Goode e Hatt (1979) lembram que é necessário que o pesquisador

reconheça o papel de observador como uma variável importante, e, como tal,

merecedor de diversos cuidados, uma vez que cada indivíduo possui um quadro

de referência pessoal ou cultural de percepção que determina em parte o que ele

vê. Quando se trata de estudo de caso com o emprego de entrevistas, esta

problemática passa a ter uma dimensão fundamental, ainda mais se for

considerado que o autor do trabalho e entrevistador também está submetido à

mesma realidade funcional que os entrevistados, ou seja, se trata de uma caso

de observador participante, o que, por si só, já confere um certo viés, mesmo

que subliminar, a todo o processo.

Essa limitação foi contemplada desde a lista dos potenciais entrevistados,

que conforme os critérios já previamente mencionados, ou seja, ter trabalhado,

ou no mínimo, convivido com o entrevistador em alguma atividade; homens e

mulheres; “novos” e antigos”; nos mais diferentes cargos; do Quadro de Apoio e

do Quadro de Nível Superior; dos dois planos de carreira vigentes; de áreas

operacionais e áreas meio; e que o entrevistador julgasse possuidor de uma

visão representativa de um ou mais desse diversos grupos. A elaboração do

roteiro base das entrevistas também procurou não levar em conta qualquer visão

ou preconceito do entrevistador, tratando mais de assuntos e características

calcadas no referencial teórico da pesquisa, embora isso seja fácil de falar e

difícil de praticar. O maior autocontrole do autor participante do trabalho, no

entanto, se deu ao longo da análise das entrevistas e nas inferências teóricas, e

para isso foi fundamental o auxílio da ferramenta de software utilizada

(ATLAS.ti), que permite a construção de diversas redes semânticas sobre os

trechos e impressões captadas nas entrevistas, ou seja, a própria metodologia

de análise e codificação de conteúdo embutida na ferramenta faz com que sejam

enxergados diversos aspectos imersos no contexto das entrevistas, e não

aparentes a princípio. Esta funcionalidade levou a uma série de questionamentos

e requestionamentos, onde a participação crítica e observadora do professor

orientador, sob a égide do referencial teórico adotado para o estudo, foram de

vital importância para a eliminação de vieses e alcance dos resultados do

trabalho.

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Page 28: 3 Metodologia - DBD PUC RIO · desde o primeiro momento revelou profundo interesse pelo estudo ... de prestação de serviços de assistência ... essa questão no início do governo

Metodologia 89

Cumpre ressaltar também, como limitação da pesquisa, que as entrevistas

se situam circunstancialmente no tempo. Duas semanas após o seu término foi

divulgado oficialmente pela empresa o resultado da análise dos pleitos de

reenquadramento funcional dos empregados do quadro técnico, ou seja, dos

Técnicos de Nível Superior. Houve uma grande contestação dos resultados e

isso, ao ver do autor do presente trabalho, alteraria sobremaneira o resultado de

algumas entrevistas, não havendo dúvidas quanto a isso. Além disso, pouco

tempo depois, ao final de junho de 2004, houve nova alteração de quadros de

comando na empresa, com a exoneração de um diretor e alguns

superintendentes, nem todos funcionários da casa, o que provavelmente

resultará em nova alteração de estrutura organizacional.

Devemos ainda lembrar que as limitações deste estudo também abrangem

outras duas áreas: a primeira é peculiar dos estudos de caso, ou seja, a de que

fornecem pouca base para se fazer uma generalização científica (Yin, 2002). O

autor coloca esta questão quando afirma que os estudos de caso, da mesma

forma que os experimentos, são generalizáveis a questões teóricas, e não a

populações e universos. O objetivo do pesquisador é expandir e generalizar

teorias (generalização analítica) para aplicá-las em outros contextos, e não,

simplesmente, enumerar freqüências (generalização estatística).

Finalmente, a outra importante limitação que se vislumbra no presente

caso é a própria empresa na qual se dá o estudo – FINEP – e suas

características peculiares, que conferem à mesma um alto grau de diferenciação

e unicidade dentro do contexto brasileiro, sendo apenas comparável, em certos

aspectos, a agências estrangeiras de inovação e fomento a P&D. Instituições

como o CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

e o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social são

relativamente comparáveis à FINEP sob a ótica dos funcionários da empresa

pública, porém vivem realidades operacionais completamente diferentes.

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