3 Mundo 40 p14a16 - Ciência e...

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14 MUN M ANUEL C ALVO H ERNANDO (1924-2012) Divulgador de ciência, democracia e cultura Em uma sociedade democrática, os cidadãos precisam de uma compre- ensão básica de informação científica, para que possam tomar suas próprias decisões. Este é o principal legado das ideias do jornalista espanhol Ma- nuel Calvo Hernando, pioneiro em jornalismo científico e morto aos 88 anos, no dia 16 de agosto, em Madri. Advogado por formação e jornalista por vocação e opção, sua trajetória representa um importante estímulo para diferentes gerações de jornalistas e cientistas do mundo inteiro. Calvo Hernando trabalhou na im- prensa escrita, na TV e teve algumas incursões pelo rádio. Após descobrir a divulgação científica durante co- bertura da 1 a Conferên- cia Mundial de Usos Pací- ficos da Energia Nuclear, em Genebra, em 1955, passou a dedicar-se à co- municação pública da ciência. Foi um estudioso da história da divulgação científica e de seus pro- blemas na Europa, nos EUA e na Ibero-América. Sua paixão pelo conhe- cimento fez com que escrevesse mais de 30 li- vros e centenas de artigos de divul- gação científica, com ensinamentos fundamentais na área. Acreditava que o divulgador da ciência deve mover-se entre o desejo de com- preensão, a curiosidade universal, a capacidade de expressão, sede de conhecimento, o estado da dúvida, o ceticismo e o alerta permanente, sem esquecer o necessário rigor da informação. Seus colegas em jornais espanhóis como o Ya, e na Televisão Espanho- la, da qual foi diretor, o descrevem como uma pessoa que exerceu jor- nalismo em período integral, com paixão humana e profissional, de palavras amáveis e sempre atento às questões colocadas pelas novas gerações. Em 1971 fundou a As- sociação Espanhola de Jornalismo Científico e ajudou a criar outras da área em diferentes países da Améri- ca Central e do Sul. NO BRASIL Conheci Calvo Hernando em São Paulo, em 1982, durante o 4 o Congresso Ibero-Americano de Jor- nalismo Científico e 1 o Congresso da Associação Brasileira de Jornalis- mo Científico (ABJC), que ajudou a criar, em 1977. Na época, trabalhan- do no Jornal do Brasil, acompanhei de perto suas ideias e paixão quase juvenil pela área. A todas perguntas entusiasmadas de jovens e de expe- rientes jornalistas respondia com pa- ciência e vivacidade. A última passagem de Calvo Her- nando pelo Brasil foi em 2002, du- rante o 1º Congresso Internacional de Divulgação Científica, realizado na USP pelo Núcleo José Reis e pela Associação Brasileira de Divulga- ção Científica (Abradic), quando falou sobre a ética na divulgação científica. Em 2005, em entrevista na revista Ciência e Cultura, o jor- nalista mostrou, mais uma vez, seu desejo de que a divulgação científi- ca fosse mais ampla e que as pessoas tivessem consciência do que têm a ganhar com tal tipo de informação. Reafirmou a necessidade da cultura científica e vaticinou: “se queremos uma sociedade democrática, é pre- ciso que todos entendam a ciência. Caso contrário, não alcançaremos a democracia cultural”. Graça Caldas é professora e pesquisadora em divulgação científica no Labjor/Unicamp Wyss Institute

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MUN D Ma n u e l Ca lvo He r n a n d o

(1924-2012)

Divulgador de ciência, democracia e culturaEm uma sociedade democrática, os cidadãos precisam de uma compre-ensão básica de informação científica, para que possam tomar suas próprias decisões. Este é o principal legado das ideias do jornalista espanhol Ma-nuel Calvo Hernando, pioneiro em jornalismo científico e morto aos 88 anos, no dia 16 de agosto, em Madri. Advogado por formação e jornalista por vocação e opção, sua trajetória representa um importante estímulo para diferentes gerações de jornalistas e cientistas do mundo inteiro.Calvo Hernando trabalhou na im-prensa escrita, na TV e teve algumas incursões pelo rádio. Após descobrir a divulgação científica durante co-

bertura da 1a Conferên-cia Mundial de Usos Pací-ficos da Energia Nuclear, em Genebra, em 1955, passou a dedicar-se à co-municação pública da ciência. Foi um estudioso da história da divulgação científica e de seus pro-blemas na Europa, nos EUA e na Ibero-América. Sua paixão pelo conhe-cimento fez com que escrevesse mais de 30 li-

vros e centenas de artigos de divul-gação científica, com ensinamentos fundamentais na área. Acreditava que o divulgador da ciência deve mover-se entre o desejo de com-preensão, a curiosidade universal, a capacidade de expressão, sede de conhecimento, o estado da dúvida, o ceticismo e o alerta permanente, sem esquecer o necessário rigor da informação. Seus colegas em jornais espanhóis como o Ya, e na Televisão Espanho-la, da qual foi diretor, o descrevem como uma pessoa que exerceu jor-nalismo em período integral, com paixão humana e profissional, de palavras amáveis e sempre atento às questões colocadas pelas novas gerações. Em 1971 fundou a As-sociação Espanhola de Jornalismo Científico e ajudou a criar outras da área em diferentes países da Améri-ca Central e do Sul.

no brasil Conheci Calvo Hernando em São Paulo, em 1982, durante o 4o Congresso Ibero-Americano de Jor-nalismo Científico e 1o Congresso da Associação Brasileira de Jornalis-mo Científico (ABJC), que ajudou a criar, em 1977. Na época, trabalhan-do no Jornal do Brasil, acompanhei de perto suas ideias e paixão quase juvenil pela área. A todas perguntas entusiasmadas de jovens e de expe-rientes jornalistas respondia com pa-ciência e vivacidade. A última passagem de Calvo Her-nando pelo Brasil foi em 2002, du-rante o 1º Congresso Internacional de Divulgação Científica, realizado na USP pelo Núcleo José Reis e pela Associação Brasileira de Divulga-ção Científica (Abradic), quando falou sobre a ética na divulgação científica. Em 2005, em entrevista na revista Ciência e Cultura, o jor-nalista mostrou, mais uma vez, seu desejo de que a divulgação científi-ca fosse mais ampla e que as pessoas tivessem consciência do que têm a ganhar com tal tipo de informação. Reafirmou a necessidade da cultura científica e vaticinou: “se queremos uma sociedade democrática, é pre-ciso que todos entendam a ciência. Caso contrário, não alcançaremos a democracia cultural”.

Graça Caldas é professora e pesquisadora em divulgação

científica no Labjor/Unicamp

Wyss Institute

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