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3. Olhar e ver: Semiótica, Ideologia e Retórica Considerar assuntos tão complexos e abrangentes como os que são abordados aqui não é tarefa simples nem tampouco uma proeza arriscada. Entrelaçar e aproximar tais assuntos do público em geral e, em particular, do Design, é um trabalho audacioso e necessário para expandir, tanto o entendimento sobre sua atuação, quanto como ele se tornou um fator de grande relevância em nossa sociedade hoje. Propõe-se aqui, portanto, debater este tema no âmbito do Design sob o olhar da Semiótica, Ideologia e Retórica, relacionando-as e avaliando como as mesmas contribuem para este campo. Em comum na sociedade está a rede que permeia os indivíduos e suas ideias, e tais ideias, variadas como são, ancoram relações de significação, especialmente em relação à crença e à política. A organização social reflete valores ideológicos coletivos e individuais, declarados ou não, contudo, ligados ao seu contexto social, pois não poderia sê-lo fora dele. Eagleton afirma: Não se pode decidir se um enunciado é ideológico ou não, examinando-o isoladamente de seu contexto discursivo, assim como não se pode decidir, da mesma maneira, se um fragmento da escrita é uma obra de arte literária. A ideologia tem mais a ver com a questão de quem está falando o quê, com quem e com que finalidade do que com as propriedades linguísticas de um pronunciamento. [...]. O fato então é que o mesmo fragmento de linguagem pode ser ideológico em um contexto e não em outro; a ideologia é uma função da relação de uma elocução com seu contexto social (EAGLETON,1997, p.22). O Design, como manifestação social, também está inserido nos discursos ideológicos que permeiam esta mesma sociedade e dela separá-lo seria impraticável, para não afirmar inexequível. As definições sobre o que é ideologia são diversas e controversas, refletindo a ferida aberta que é esta matéria. Não discutiremos aqui suas variadas definições, mas, sim, sua implicação para o Design e como ela se manifesta através dele. Considerando sua complexidade, a ideologia pode ser compreendida como sendo um corpo de ideias e aspirações políticas, demonstrando características específicas de acordo com o grupo social em que elas estão inseridas (EAGLETON, 1997). Embora tenha desenvolvido uma reputação negativa após a Segunda Grande Guerra, a ideologia permanece como uma força social e política consistente, até mesmo quando subentendida. Para o Design, a presença de uma ideologia explicitada tem se mostrado controversa para muitos profissionais, tendo em vista que abordar a ideologia em

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3. Olhar e ver: Semiótica, Ideologia e Retórica

Considerar assuntos tão complexos e abrangentes como os que são

abordados aqui não é tarefa simples nem tampouco uma proeza arriscada.

Entrelaçar e aproximar tais assuntos do público em geral e, em particular, do

Design, é um trabalho audacioso e necessário para expandir, tanto o

entendimento sobre sua atuação, quanto como ele se tornou um fator de grande

relevância em nossa sociedade hoje. Propõe-se aqui, portanto, debater este

tema no âmbito do Design sob o olhar da Semiótica, Ideologia e Retórica,

relacionando-as e avaliando como as mesmas contribuem para este campo.

Em comum na sociedade está a rede que permeia os indivíduos e suas

ideias, e tais ideias, variadas como são, ancoram relações de significação,

especialmente em relação à crença e à política. A organização social reflete

valores ideológicos coletivos e individuais, declarados ou não, contudo, ligados

ao seu contexto social, pois não poderia sê-lo fora dele. Eagleton afirma:

Não se pode decidir se um enunciado é ideológico ou não, examinando-o isoladamente de seu contexto discursivo, assim como não se pode decidir, da mesma maneira, se um fragmento da escrita é uma obra de arte literária. A ideologia tem mais a ver com a questão de quem está falando o quê, com quem e com que finalidade do que com as propriedades linguísticas de um pronunciamento. [...]. O fato então é que o mesmo fragmento de linguagem pode ser ideológico em um contexto e não em outro; a ideologia é uma função da relação de uma elocução com seu contexto social (EAGLETON,1997, p.22).

O Design, como manifestação social, também está inserido nos discursos

ideológicos que permeiam esta mesma sociedade e dela separá-lo seria

impraticável, para não afirmar inexequível. As definições sobre o que é ideologia

são diversas e controversas, refletindo a ferida aberta que é esta matéria. Não

discutiremos aqui suas variadas definições, mas, sim, sua implicação para o

Design e como ela se manifesta através dele. Considerando sua complexidade,

a ideologia pode ser compreendida como sendo um corpo de ideias e aspirações

políticas, demonstrando características específicas de acordo com o grupo social

em que elas estão inseridas (EAGLETON, 1997). Embora tenha desenvolvido

uma reputação negativa após a Segunda Grande Guerra, a ideologia permanece

como uma força social e política consistente, até mesmo quando subentendida.

Para o Design, a presença de uma ideologia explicitada tem se mostrado

controversa para muitos profissionais, tendo em vista que abordar a ideologia em

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tempos atuais requer arrojo e sagacidade, sendo compreensível o temor pelo

assunto. Declarar abertamente uma posição ideológica é arriscado para o

profissional, ainda que ela esteja bastante explicitada, por medo de ser taxado

como fanático, extremista ou revolucionário. Ou tudo junto.

Apesar de o Design ter se tornado uma grande força na transmissão de

ideias e conceitos, ele parece abster-se das implicações sociais de sua atuação,

um possível reflexo de sua origem industrial, a qual se concentrava na melhoria

do produto voltada para o aumento do consumo e do lucro. O Design é

concebido como ferramenta de suporte para o crescimento industrial e,

naturalmente, seguia o mesmo posicionamento ideológico. Um capitalista por

excelência.

Mais que materializar objetos ou mesmo imagens, o Design trabalha como

idealizador e difusor de conceitos e mudanças diretamente ligados à

manutenção do sistema do Capital. Sua consequente associação com a

propaganda e a publicidade estabelece uma poderosa parceria que dá suporte à

indústria e estimula o consumo.

O viés ideológico do design não é descoberta recente. [...]. A novidade é o desenvolvimento de uma estratégia do esquecimento, que substitui gradativamente os discursos filosóficos, políticos ou éticos que, ao longo da história, procuraram legitimar não só a prática do design, mas a práxis de modo geral, pelas leis de mercado, que promovem o consumo. Este fato se apresenta com toda a clareza, por exemplo, nas recentes tendências formais do design, que o transformam em instrumento a serviço do hedonismo (BOMFIM, 1997, p.32).

A nascente industrial do Design não o impede de explorar o valor simbólico

da imagem em esferas ideológicas distintas das quais ele se dedica inicialmente

e é por este caminho atribulado que algumas de suas relações ideológicas mais

contemporâneas, em particular, o adbusting, foi debatido para ressaltar as

diferentes práticas ideológicas da área.

O Design vem inevitavelmente compartilhando espaço com as ideologias,

mesmo que não explicitamente, embora o estabelecimento de uma posição clara

de valores não seja desejada por muitos profissionais. Ainda que não se vise

aqui debater os vários conceitos de ideologia, toma-se por preceito que o

posicionamento ideológico só pode ser avaliado pelo seu contexto social. A

contramensagem oferece a oportunidade de observar como este contexto atua

no estabelecimento ideológico dentro do Design Gráfico.

O adbusting dá suporte a uma nova militância política e social, oferece um

posicionamento diferenciado quanto à ideologia e à possibilidade de observar

como o Design agrega diferentes posturas ideológicas, demonstrando sua

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habilidade na difusão de valores, neste caso, utilizando a imagem como canal. O

Design está intimamente envolvido com a produção dos sistemas sígnicos e,

ainda que a contramensagem trabalhe utilizando os mesmo artifícios que a

publicidade tradicional, é importante observar o contexto ideológico que distingue

estes modelos de visão de mundo.

3.1. A ideia consumida

Embora o Design tenha preferido dissimular sua identidade ideológica,

pode-se observar uma retomada clara nos movimentos de crítica. Esta

recuperação de uma posição assumidamente ideológica está intimamente ligada

à contestação política que utiliza o Design para transmitir suas ideias e

transformar consciências.

Movimentos como o adbusting refletem a esperança numa mudança de

paradigma político e econômico, visando à melhoria na qualidade de vida dos

cidadãos, pois para os ativistas, a realidade da vida voltada para o consumo é

injusta, frustrante e cínica, refletindo-se no desenvolvimento de sujeitos

individualistas e indiferentes.

Mesmo que o Design seja uma ferramenta para perpetuação desse

mesmo consumo, ele pode ressaltar outras correntes de pensamento e aceitar

seu papel como difusor de ideias, tanto como sua responsabilidade por fazê-lo. A

responsabilidade social e moral do Design está relacionada a suas escolhas

ideológicas, e são estas escolhas ideológicas subentendidas que determinam a

percepção da responsabilidade da profissão pelos próprios profissionais. Esta

passa pela instância ideológica, a partir do momento em que é ela que enlaça os

valores sociais e pode determinar novas práticas de mudança.

É pela ideologia que se estabelece um novo olhar político e social e, neste

sentido, é imprescindível que o Design entenda as forças sociais que corroboram

sua atividade, para poder, assim, conferir a seus deveres de materializador de

conceitos a devida prudência. O reconhecimento das forças internas da ideologia

proporcionaria um Design mais ciente de sua ação transformadora dentro da

cultura e da sociedade.

A contramensagem do adbusting proporciona um exemplo interessante,

pois nela é estabelecido um viés ideológico de maneira explícita e, a partir daí, o

Design é trabalhado para oferecer seu melhor desempenho como transmissor de

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ideias. Afinal, é na esfera ideológica que se dão as transformações políticas e

sociais. E é nela que os ativistas começam a argumentação do seu discurso.

As relações entre os discursos ideológicos e os interesses sociais são relações complexas, variáveis, em que às vezes é adequado falar do significante ideológico como um pomo de discórdia entre as forças sociais conflitantes e, em outras vezes, como uma questão de relações mais internas entre modos de significação e formas de poder social (EAGLETON,1997, p.194).

Ainda que a contramensagem tente estabelecer novas relações

ideológicas através da imagem, contribuindo com o crescimento de interesses

políticos e sociais variados, tende a ser absorvida pela prática consumista. O

fato de criar novas expressões, embora crítica em relação à imagem publicitária,

também desencadeia o potencial interesse comercial das forças ideológicas

dominantes.

Apesar de exibir contradições dentro de propostas, como utilizar a mesma

cadeia de suporte do sistema que critica, a contramensagem inicia um debate

relevante tanto politicamente como ideologicamente, pois propõe uma

reavaliação dos sistemas sígnicos produzidos pela sociedade de consumo e

suas implicações dentro da mesma e pessoalmente para seus indivíduos.

Embora leve adiante o nobre ofício da molecagem visual, os adbustings

propendem a serem assimilados pelo mesmo sistema que combatem. nolivro O

sistema dos objetos, 2004, Baudrillard discorre em sua conclusão sobre uma

significação para o consumo e comenta a impossibilidade de uma revolução na

prática, e afirma que “a Revolução é consumida na ideia da Revolução”, logo “o

que é dado como realizado é imediatamente consumível” (p.209):

A exigência revolucionária é viva, mas impossibilitada de se realizar na prática é consumida na ideia da Revolução. Enquanto ideia, a Revolução é com efeito eterna, e será eternamente consumível da mesma forma que outra ideia qualquer – todas, mesmo as mais contraditórias, podendo coexistir enquanto signos na lógica idealista do consumo (BAUDRILLARD, 2004, p.209).

É possível assim vislumbrar as dificuldades de uma nova ideia, que, diante

da impossibilidade de alterar permanentemente um paradigma, torna-se parte

dele, agora sendo incorporada como conceito consumível. Baudrillard afirma que

o consumo “é uma atividade de manipulação sistemática de signos” (p. 206) e,

consequentemente se inclina à absorção de outros sistemas sígnicos, ainda que

estes sejam contrários à ideologia que o confirma.

A sociedade de consumo está em constante busca de inovações para

alimentar sua perpétua necessidade de renovação e manutenção do interesse

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por parte dos consumidores, logo não é espantoso prever uma absorção dos

movimentos de contramensagem pelo sistema vigente. Estas mesmas

proposições ideológicas podem ser tomadas como objeto consumível, pois se

tornam uma representação da identidade dos consumidores. As imagens

vinculadas ao adbusting criam uma identificação com o público que, por sua vez,

também as consomem, embora sua noção ideológica as resgate de serem

entendidas como mera zombaria visual.

A ideologia do capital de consumo dificulta a análise de suas ações, pois

imerge seus membros no imaginário da publicidade e esta se mostra flexível o

suficiente para rebater, desviar e absorver as mais variadas críticas. É a

ideologia contestadora e inquieta que detém a contramensagem, para que não

se torne mais uma tendência do mercado consumidor;

Talvez o erro de cálculo mais sério por parte dos mercados e da mídia seja a insistência em ver o culture jamming apenas como uma sátira inofensiva, um jogo isolado de um genuíno movimento ou ideologia política (KLEIN, 2000, p.337).

Reconhecer o mérito ideológico da contramensagem faz vislumbrar sua

possível assimilação em favor de um novo ideal e não apenas como um fim em

si mesmo. Se é pelo entendimento ideológico que “as pessoas podem chegar a

investir em sua própria infelicidade” (EAGLETON, 1997, p.13), também é pelo

mesmo viés que elas podem mudar percepções e buscar novos caminhos.

Nenhum radical que examine friamente a tenacidade e a penetração das ideologias dominantes pode sentir-se esperançoso quanto ao que seria necessário para afrouxar seu domínio letal. Mas há algum lugar, acima de todos, em que tais formas de consciência podem ser transformadas, quase literalmente da noite para o dia, e esse é a luta política. Isso não é uma carolice de esquerda, mas um fato empírico. [...]. Se uma teoria da ideologia tem algum valor, este consiste em auxiliar no esclarecimento dos processos pelos quais pode ser efetuada praticamente tal libertação diante de crenças letais (EAGLETON, 1997, p.195).

As relações ideológicas estão intimamente ligadas a nossa identidade

pessoal, ao mesmo tempo em que também nos relaciona universalmente. Resta

para a contramensagem a sua contestação e a sua subversão, que, aliadas ao

Design, podem fazer ressonar uma ideologia modificadora, a qual transgrida as

forças dominantes e provoque uma transformação nas consciências. Ainda que

busque um fim árduo, a contramensagem demonstra a relevância da ideologia

para um Design prudente na manipulação dos signos e consciente de seu papel

social transformador:

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[...] a ideologia é reconhecível, quando socializada, se torna código. Nasce, assim, uma estreita relação entre o mundo dos códigos e o mundo do saber preexistente. Esse saber torna-se visível, controlável, comercializável, quando se faz código, convenção comunicativa (ECO, 2007, p.84).

Para vislumbrar tal papel transformador, uma das ferramentas mais

relevantes para o Design é a persuasão, habilidade implícita, ou mesmo

explícita, de uma argumentação em mudar conceitos através de um discurso. Ou

seja, buscar a adesão da sua audiência. Embora os gregos tenham analisado os

fundamentos da persuasão argumentativa como sendo uma atribuição verbal, se

discutirá aqui tais elementos considerando uma Retórica voltada para o Design

Gráfico, entendendo que as imagens formam sistemas sígnicos e

consequentemente, uma linguagem.

Considerar a imagem como uma mensagem visual composta de diversos tipos de signos equivale, como já dissemos, a considerá-la como uma linguagem e, portanto, ferramenta de expressão e de comunicação. Seja ela expressiva ou comunicativa, é possível admitir que uma imagem sempre constitui uma mensagem para outro, mesmo quando este outro somos nós mesmos (JOLY, 1996, p.55).

3.2. Retórica e Design Gráfico

Apesar de ter adquirido um caráter controverso, alguns diriam até

malfadado, ao longo de sua história, a Retórica clássica era apreciada pelas

camadas detentoras do poder e vista com muito apreço pelos pensadores da

época, mais reconhecidamente por Aristóteles. Tida como a arte do diálogo,

servia para propósitos discursivos e era utilizada para provar os pontos de uma

demonstração ou de uma argumentação, sendo também largamente empregada

como ferramenta de debate nas proposições filosóficas. Aristóteles sob o olhar

de Eco (2007) se coloca como figura central para seu desenvolvimento, quando

dedica a obra Arte Retórica aos estudos sobre a estrutura e o funcionamento do

discurso. Ele assinala os elementos que produzem persuasão, utilizando a

Retórica para revelá-los e analisá-los:

Na antiguidade clássica reconhecia-se a existência de um raciocínio de tipo apodítico, onde as conclusões eram tiradas por silogismo de premissas indiscutíveis, fundadas nos princípios primeiros: esse discurso não devia dar margem à discussão e devia impor-se pela própria autoridade dos seus argumentos. Vinha a seguir o discurso dialético, que argumentava com base em premissas prováveis, sobre as quais eram permitidas pelo menos duas conclusões possíveis, esforçando-se o raciocínio por definir qual das duas conclusões seria a mais aceitável. Vinha por fim o discurso retórico, o qual, como o dialético, partia de premissas prováveis e delas tirava conclusões não apodíticas com base no silogismo retórico (o entimena); porém a Retórica visava não só a obter um assentimento racional, mas também consenso emotivo, e propunha-se, destarte, como uma técnica dirigida no sentido de arrastar o ouvinte (ECO, 2007, p.72).

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A habilidade de persuadir através do discurso acaba cristalizando um

invólucro pejorativo o qual associa a capacidade argumentativa da Retórica a

uma eloquente ferramenta para distorção ou criação de meias verdades,

culminando em discursos que buscavam apenas o domínio da palavra.

Eco (2007, p.74) afirma que “a Retórica, como arte e per a o e era,

a e e te i a como ra e ti está sendo mais e mais vista como uma

técnica de raciocínio humano controlado pela dúvida e submetido a todos os

condicionamentos históricos, psicológicos, bio ógico e a er ato h ma o”,

e inevitavelmente, ligadas aos trânsitos ideológicos.

Ainda que o foco deste trabalho não seja debater a Retórica clássica ou

mesmo a Nova Retórica de Perelman, em si, foram utilizados alguns de seus

elementos para articular raciocínios em torno do entendimento da

contramensagem, em especial, na articulação da argumentação da Retórica do

Design Gráfico nas mesmas.

Almeida Junior e Nojima ressaltam acerca da existência desta Retórica:

A afirmação acerca de o Design Gráfico constituir uma tipologia de linguagem, trazer uma face gramatical e um conjunto vocabular em constante formação, colabora com a abertura de um grande leque exploratório para pesquisa. Como um acontecimento de linguagem, os mais diversos discursos dos produtos resultantes dos processos do Design modelam e orientam, retificam e reorientam a paisagem cultural da vida cotidiana. E, ao qualificar especialmente o Design Gráfico como uma espécie de linguagem, assevera-se que, num sentido amplo, sua aplicação se dá por meio de signos voltados à comunicação humana, representados nos mais diversos suportes passíveis dos processos gráficos de reprodução. Nessa linha, a abordagem reflexiva, orientada pela manifestação da linguagem, abre caminho ao estudo de características que permitem reconhecer, em uma composição gráfica, a potência criativa, persuasiva e argumentativa do Design gráfico: sua Retórica (ALMEIDA JUNIOR; NOJIMA, 2010, p.15):

Após o período de rechaço intelectual, o raciocínio aristotélico retorna do

exílio e torna-se o grande ponto de partida para o ressurgimento da Retórica

como instrumento de argumentação de um discurso, sendo a definição de

gêneros oratórios de Aristóteles o marco inicial desta nova encarnação da

Retórica. Levando adiante esta tradição, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005)

desenvolveram o Tratado da Argumentação, que acaba conhecido como a Nova

Retórica. É com base na Nova Retórica que se estabelece a Retórica do Design

Gráfico e é através destes elementos que foram analisados os processos

argumentativos da contramensagem.

Aristóteles define três tipos de discurso: o deliberativo, que versa sobre a

utilidade ou não de algo; o judiciário ou forense, o qual se detem acerca das

questões sobre o justo ou injusto; e o epidítico, destinado ao elogio ou à censura

sobre qualquer assunto. Os gêneros acabaram sendo absorvidos por áreas

outras do conhecimento e podem ser observados dentro da Filosofia,

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deliberativo e judiciário, e dentro da Literatura, o epidítico, englobando ainda

questões sobre o belo e o feio. Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), o

discurso epidítico detém um valor especial, pois busca intensificar a adesão de

valores comuns ao auditório1 e do orador2, já que são estes valores comuns que

dão sustentação aos outros gêneros do discurso (ALMEIDA JUNIOR; NOJIMA,

2010, p.24).

Especificando os gêneros, Aristóteles divide as provas argumentativas

necessárias para o orador na elaboração do discurso em não técnicas, reunindo

leis, testemunhos, contratos, juramentos, etc., estas, existindo

independentemente do argumento criado pelo orador; e as provas técnicas, que

reúne as provas elaboradas pelo orador para constituir e confirmar sua

exposição. As provas técnicas se apresentam divididas em três grupos, ethos,

patos e logos. Através do ethos são demonstradas as qualidades morais que

sedimentam a credibilidade do orador junto ao auditório e asseguram sua

imagem. O patos é evidenciado através da empatia que o orador consegue

estimular para com seu argumento, sensibilizando o auditório. Por fim, o logos

que trata dos argumentos lógicos utilizados pelo orador para compor o

argumento, é constituído através de exemplo e entimena.

Almeida Jr e Nojima explicam o emprego do exemplo e do entimena:

O exemplo parte da indução retórica. Sustenta-se uma argumentação por meio de fatos passados para projetar o futuro. Já o raciocínio entimemático refere-se ao silogismo retórico. Deduz-se uma prova a partir de premissas verossímeis, ou seja, prováveis verdades admitidas pela maioria (ALMEIDA JUNIOR; NOJIMA, 2010, p.25):

Os exemplos podem ainda ser classificados como fictícios ou reais. Eco

(2007) observa a importância da premissa para o orador conseguir demonstrar

seu argumento em busca da persuasão do auditório:

Para convencer o ouvinte, o orador tinha que conseguir demonstrar-lhe que sua conclusão derivava de algumas premissas inquestionáveis, e isso mediante um tipo de argumento cuja obviedade não fosse posta em dúvida. Premissas e argumentos apresentavam-se, portanto, como modos de pensar de cuja razoabilidade o ouvinte já estivesse convencido. Para tanto, a Retórica procedia a um recenseamento desses modos de pensar, dessas opiniões comuns adquiridas, e desses argumentos já assimilados pelo corpo social, correspondentes a sistemas de expectativas previamente pré-constituídos (ECO, 2007, p.74).

1 Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.22) o auditório é definido como

“co j to a e e e o ora or er i e ciar com a arg me taç o”.

2 Orador se refere ao responsável pela articulação da argumentação, ou seja, o

produtor da mensagem (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005).

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Considerando o Tratado da Argumentação (PERELMAN E OLBRECHTS-

TYTECA, 2005), e e o o erece a po ibi i a e e perceber ma “ ógica o

j game to e va or”, eva o em co i eraç o o raciocínio contínuo da

argumentação, embora este não seja baseado na lógica formal oriunda da

tradição cartesiana, portanto sem exatidões matemáticas. Sendo assim,

Perelman (2005) segue demonstrando como a argumentação retórica parte de

premissas verossímeis, buscando o movimento argumentativo e consequente

adesão do auditório, evidenciando o discurso mais convincente e eficaz.

A premissa é o ponto inicial da argumentação e nela predomina a

dubiedade da linguagem natural. Sua articulação não aponta certo ou errado e

sim, apenas o argumento mais persuasivo.

Toda argumentação é retórica (e não lógica), porque não implica premissas inquestionáveis e não dispensa provas. Ao contrário, na argumentação, há um duplo movimento: persuasão e prova, e o que se busca é o convencimento ou a adesão e a persuasão deriva da lógica das razoes e dos argumentos. Para tanto, a retórica fornece ao orador numerosos mecanismos ou estratégias argumentativas (DAYOUB, 2004, p.69).

Para distanciar a argumentação retórica de uma visão simplista, como se

e ta objetiva e a mera co ç o ao ato e “co ve cer” a g ém e a g ma

coisa, fazendo com que ela aceite suas proclamações sem sua acessão,

Perelman restitui a ideia de adesão da audiência como sendo o objetivo final das

técnicas de discussão. Para Perelmam, é preciso angariar a participação mental

do indivíduo, o que consequentemente resultaria no abandono de teses

conflitantes e a um rearranjo na hierarquia dos juízos.

Para a adesão a um novo juízo se configurar, a instância do auditório é

fundamental, pois é diante dele, no momento da enunciação, que a

verossimilhança pode se trajar de verdade. Perelman salienta que o auditório é

“o co j to a e e e o ora or er i e ciar com a arg me taç o”

(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.22). E é o auditório que considera

a qualidade da argumentação, bem como o caráter do orador, determinando

assim a pujança ou não da argumentação Retórica.

3.2.1. Elementos iniciais da argumentação

A tradição retórica revela que quanto maior a intimidade do orador com os

juízos do auditório, melhor o resultado da sua argumentação, pois esta

intercessão favorece a adesão inicial. Para isso, é necessário fazer convergir o

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discurso do orador e as premissas do auditório, gerando o chamado movimento

argumentativo. Dayoub (2004, p.47) co oca e “o movime to arg me tativo

consiste na transposição da adesão inicial que o auditório tem em relação a uma

opi i o e he é com m para o tra e e o ora or er co ve cer”.

Considerando as verdades admitidas e presumidas pelo auditório, o orador

desfruta destas premissas para lançar mão dos possíveis objetos de acordo

durante o movimento argumentativo, sempre ambicionando a adesão. Para os

tratadistas da Nova Retórica, Perelman e Olbrechts-Tyteca, o acordo prévio está

dividido em dois tipos: o acordo sobre o real e o acordo sobre o preferível. O

acordo sobre o real relaciona tudo que é aceito como fato, verdade ou

presunção, já o acordo sobre o preferível relaciona valores, hierarquias e os

lugares do preferível.

Os fatos desobrigam a argumentação, significando que a intensidade de adesão dispensa ser aumentada e não tem necessidade de justificação. As verdades são premissas mais abrangentes que os fatos. São sistemas complexos referentes a ligações entre fatos que transcendem as experiências, quer sejam filosóficas, científicas ou religiosas. Os fatos referem-se a acontecimentos limitados; verdades a teorias e enunciações (ALMEIDA JUNIOR; NOJIMA, 2010, p.33).

Fatos e verdades estão baseados na realidade objetiva, sendo assim, se

estabelecem sem necessitar de reforço diante do auditório. Contudo, é

importante colocar que um fato ou verdade pode perder seu status de premissa

quando contestados pelo auditório, que passa a duvidar ou a reavaliar tais

premissas diante de outra realidade. Já as presunções se baseiam na realidade,

entretanto, são premissas que admitem estímulo da argumentação, pois são

aceitas como verdade até que sua negativa seja provada. Estabelecem o que é

verossímil, ou seja, o que é crível e provável.

O acordo sobre o preferível trata dos valores, hierarquias e lugares do

preferível. “Destaca-se que alguns valores podem ser tratados como fatos ou

verdades em um sistema de crenças que se pretende valorizar aos olhos da

maioria” (ALMEIDA JUNIOR; NOJIMA, 2010, p.35). É assinalada por alguns

comportamentos singulares, como fidelidade, disciplina e solidariedade. Já a

hierarquia funciona como uma escala de valoração dos valores em si, pois numa

argumentação, não são tanto os valores e sim sua importância para o auditório

que determina sua relevância no arranjo da argumentação. Como num arquivo

interligado, os lugares do preferível classificam as hierarquias e garantem ao

orador tópicos previamente estabelecidos com o auditório. Tais lugares estão

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classificados em seis tipos diferentes, segundo a Nova Retórica: quantidade,

qualidade, ordem, existência, essência e pessoa.

O lugar da quantidade dispõe de relações quantitativas, relacionando o

mais provável sobre o menos provável, o maior sobre o menor. No lugar da

qualidade se estabelece o valor do único, do excepcional em detrimento da

norma. Já o lugar da ordem assegura a procedência, a razão, conjecturando os

pioneiros e vitoriosos. O lugar do existente certifica a primazia do que já existe

como sendo mais seguro sobre o provável ou improvável. O lugar da essência

diz respeito à superioridade do sujeito, quando este distingue bem uma

essência. Por fim, o lugar da pessoa, o qual assinala a preeminência do que está

relacionado ao indivíduo.

Estas premissas visam dar suporte aos acordos sobre o real ou sobre o

preferível, permitindo o desenvolvimento inicial da argumentação pelo orador. Os

acordos por sua vez se manifestam através dos dados suscitados no discurso.

3.2.2. Dados do discurso e Figuras retóricas

Para dar início a uma argumentação, o orador fundamenta seu raciocínio

argumentativo, selecionando os vários motes disponíveis, tais motes constituirão

as premissas para o acordo. As premissas estão disponíveis para o orador, bem

como a decisão de como apresentá-las, que técnicas usar ou linguagem utilizar.

Tais escolhas estão inseridas nos dados do discurso, onde se busca

principalmente a presença e/ou comunhão do auditório.

A presença busca enfatizar algum elemento da articulação, colocando-o

assim no primeiro plano da consciência, ampliando a atenção e a relevância que

lhes são dispensadas, especialmente, quando este elemento é de grande valia

para o argumento do orador. Fica claro que a argumentação é inevitavelmente

tendenciosa por sua natureza seletiva, embora nela também se busque a

comunhão com o auditório. A comunhão visa identificar espaços de intercessão

com o auditório, para “ bri icar” a i po iç o para o vir o a itório, tornando-o

mais suscetível de ser persuadido, completando de tal modo o ciclo de

desenvolvimento da argumentação.

Buscando a sedimentação do seu argumento, o orador investe em

recursos diversos, em especial, nas figuras de retórica. Perelman, na visão de

Almeida Junior e Nojima (2010), resgata as figuras de retórica da fatalidade

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meramente ornamental e ressalta sua importância na exposição dos dados de

um discurso e do seu poder persuasivo e argumentativo:

Fica evidente que não há como negar o importante papel das figuras como fator de persuasão, já que toda figura é um condensado de argumento, pois, se não forem, serão reconhecidas como simples ornamentos. Deve-se salientar que os meios pelos quais o orador se serve da concepção da Nova Retórica, só podem ser considerados retóricos ao se mostrarem idôneos à obtenção dos dados para um acordo. A figura de retórica é funcional. [...]. A figura de estilo se torna uma figura de retórica somente quando também desempenhar uma função argumentativa (ALMEIDA Jr.; NOJIMA, 2010, p.35).

Eco (2007) evidencia a importância da figura, afirmando:

Todavia, para obrigar o leitor a prestar atenção a premissas e argumentos, é preciso estimular-lhe a atenção, e para tal concorrem as translações e as figuras retóricas, embelezamentos mediante os quais o discurso surge, de repente, inusitado e novo, ostentando uma imprevista cota de informação (Eco, 2007, p.75).

Das diversas figuras de retórica ou tropos, a metáfora continua sendo a

mais ilustre e se caracteriza por denominar um objeto por meio de outro,

estabelecendo contato entre dois pontos distintos. Outras figuras relevantes para

a co trame agem o a i é o e meto ímia “ e e ig a m objeto por meio

de outro que tem com o primeiro relaçõe e co tig i a e” (ECO, 2007, p.75); a

enálage de tempo, que substitui um tempo por outro, buscando ampliar a

percepção da presença; a enálage da pessoa ou número, onde há uma troca de

pessoa no discurso que busca inserir o auditório na situação desejada ou facilita

a assimilação do orador pelo público; a alusão, que faz menção breve a um outro

elemento; a sinonímia metábole, que consiste no emprego de sinônimos; a

repetição, que busca aumentar a sensação de presença de um elemento; a

correção, que substitui um termo por outro com a intenção corretiva; a figura da

ironia, amplamente utilizada na contramensagem para criar situações que

explicitem o ridículo de alguma circunstância através do escárnio.

Eco (2007) pondera sobre as figuras de retórica:

O valor estético da imagem retórica torna persuasiva a comunicação, quando mais não seja porque a torna memorizável. Naturalmente, muitas vezes o tropo também intervém com puros fins de persuasão e estímulo emotivo, para solicitar a atenção e tornar mais nova – mai “i ormativa” – uma argumentação desgastada. Mas também nesses casos, embora o primeiro movimento solicitado seja a resposta emotiva, quase sempre se pretende do usuário a subsequente avaliação estética do procedimento (Eco, 2007, p.160).

A Nova Retórica distingue ainda os tipos de argumento utilizados numa

argumentação, possibilitando assim a identificação destes elementos e a

explicitação da sua eficácia discursiva.

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3.2.3. Técnicas argumentativas

Perelman (2005) classifica as técnicas argumentativas, a partir das teorias

de processo de ligação e de processo de dissociação, onde os processos de

ligação correspondem aos vínculos estabelecidos entre orador e a tese exposta.

Estes estão divididos em três seguimentos: argumentos quase-lógicos,

argumentos baseados na estrutura do real e argumentos que fundamentam a

estrutura do real. O processo de dissociação acontece, quando há uma

discrepância no discurso que repele a ideia de ligação, ocasionando uma técnica

de ruptura, tal ruptura desconecta os elementos para que não seja gerada uma

incompatibilidade no discurso, como é o caso de frases e/ou imagens

paradoxais.

Observa-se ainda que a despeito de sua abordagem analítica, a Nova

Retórica não estabelece um desmembramento bruto dos elementos retóricos,

isolando-os. Os vários argumentos podem se apresentar de forma combinada ou

interrelacionada, dependendo do entendimento do destinatário.

O argumento quase-lógico é fundamentado no pensamento racional e está

estruturado nos princípios lógico-formais, embora não detenha a mesma rigidez

irrefutável de uma demonstração lógica, pois carrega consigo a irrevogável

marca da imprecisão linguística, a ambiguidade natural da língua. Almeida Junior

e Nojima (2010, p.42) afirmam que “no argumento quase-lógico, há uma falta de

precisão e de rigor, que propõe configurar correlações argumentativas mais ou

menos plausíveis, objetivando a adesão de um auditório”. É importante citar

alguns argumentos quase-lógicos relevantes para este estudo, como o de

incompatibilidade, onde há uma contradição que estabelece uma

incompatibilidade entre duas asserções; de reciprocidade, que estabelece o

princípio de igualdade de tratamento; de comparação, onde são realizadas

comparações sem que haja um sistema de pesos e medidas efetivo; do ridículo,

que cria uma situação incoerente ressaltando alguma incompatibilidade geradora

de escárnio.

No argumento baseado na estrutura do real, o que se verifica é o modo

como o auditório recebe a informação, sua experiência. Está baseado no que o

auditório entende como sendo fato, verdade ou presunção, não estando

necessariamente ligado a definições objetivas dos fatos. O argumento

fundamentado na estrutura do real se divide em ligações de sucessão e ligações

de coexistência. As ligações de sucessão representam relações de causa e

efeito, ligam os acontecimentos a suas consequências e são subdivididas em

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argumento pragmático, argumento do desperdício e argumento de superação. O

argumento pragmático relaciona um acontecimento as suas consequências,

positivas ou negativas. O argumento do desperdício relaciona os esforços

dispensados para alcançar um objetivo com o seu aproveitamento, enquanto o

argumento da superação alimenta a possibilidade de crescimento e

continuidade. Como figuras de destaque no argumento de superação, pode-se

mencionar a hipérbole, elemento que fornece a característica de exagero ao

discurso e a lítotes que geralmente é caracterizada como opositora à hipérbole,

pois fornece elementos para o desenvolvimento de valores através de uma

aparente negação. Já as ligações de coexistência representam realidades

distintas, onde uma está atrelada à outra por força da interdependência,

enquanto um é o cerne, o outro é sua expressão e estão divididas em argumento

sobre as pessoas e seus atos, onde se percebe o caráter de um indivíduo pelos

seus atos, e argumento de autoridade, que sustenta o discurso através do

prestígio e da respeitabilidade do testemunho oferecido. É fundamental ressaltar

que estas distinções podem ser tênues e variam de acordo com a percepção do

orador e do auditório.

O argumento que fundamenta a estrutura do real é elaborado a partir do

raciocínio indutivo, fazendo induzir ligações entre elementos antes desconexos,

através de dois recursos específicos, o caso particular e o raciocínio por

analogia. O caso particular é subdivido em exemplo, termo generalizante

utilizado na indução retórica; ilustração, que clarifica uma regra; modelo, que

funciona como um exemplo a ser seguido devido ao apelo persuasivo do

prestígio pessoal de quem se pretende imitar e o antimodelo, inverso do modelo

que conduz à repulsa de uma conduta. O raciocínio por analogia é subdividido

em analogia, que permite provar uma verdade por meio da semelhança entre as

relações e metáfora, que condensa uma analogia, designando um termo ou

objeto no lugar de outro estabelecendo entre eles uma comparação

subentendida. Podemos observar que a Nova Retórica proporciona uma nova

roupagem para esta que vem a ser uma importante ferramenta teórica para a

análise das mensagens, e neste caso especifico, muito enriquecedor ao estudo

das imagens construídas como contramensagens.

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3.3. Funções da imagem

Nos estudos sobre a mensagem visual, as funções da imagem precisam

inevitavelmente serem observadas. Embora buscar uma definição do que seja

uma imagem não constitua o objetivo desta dissertação, é preciso salientar aqui

o tipo de mensagem visual focada na pesquisa.

Santaella e Nöth (2005) argumentam sobre imagem e representação visual

e mental:

O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas pertencem a este domínio. Imagens, nesse sentido, são objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual. O segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa mente. Neste domínio, imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais. Ambos os domínios da imagem não existem separados, pois estão inextricavelmente ligados na sua gênese. Não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais (SANTAELLA; NÖTH, 2005, p.15).

Joly (1996) considera a imensa variedade de imagens e suas diferentes

origens, confirmando a influência e a astúcia:

Instrumento de comunicação, divindade, a imagem assemelha-se ou confunde-se com o que representa. Visualmente imitadora, pode enganar ou educar. Reflexo, pode levar ao conhecimento. A Sobrevivência, o Sagrado, a Morte, o Saber, a Verdade, a Arte, se tivermo m mí imo e memória, o o campo a e o imp e termo “imagem” o vincula. Consciente ou não, essa história nos constituiu e nos convida a abordar a imagem de uma maneira complexa, a atribuir-lhe espontaneamente poderes mágicos, vinculada a todos os nossos grandes mitos (Joly,1996, p.19).

Apesar de virem se manifestando como expressão humana desde as

cavernas, as imagens clamam sua nova autoridade e se generalizam num

influxo que toma de assalto o cotidiano humano no século XX. Com sua

presença avassaladora e magnetismo hipnotizante, tornaram-se carcereiro e

patrão dos vários sistemas sígnicos que propagam e consequentes objetos de

grande interesse comercial. Nesta acepção em particular, é que os estudos

sobre a imagem foram focados. A mo t (2000, p. 78) co oca e “a pro ç o e

imagens jamais é gratuita, e, desde sempre, as imagens foram fabricadas para

etermi a o o , i ivi ai o co etivo ”. Sua capacidade de assaltar de

forma “ at ra ” a i ge i a e a heia a ci a e rep a e e t io o e

simpatizantes, e é justamente a imagem da mídia que provoca os maiores

embates quanto ao papel e a influência na contemporaneidade, cerne

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fundamental para o entendimento da contramensagem especialmente enquanto

manifestação de subversão dos sistemas sígnicos da mídia:

O emprego co temporâ eo o termo “imagem” remete, a maioria a veze , à imagem a mídia. A imagem invasora, imagem onipresente, aquela que se critica e que, ao mesmo tempo, faz parte da vida cotidiana de todos é a imagem da mídia (JOLY, 1996, p.14).

Para abranger o entendimento da imagem da mídia, fez-se necessário

conhecer os fatores constitutivos da comunicação. Para tal, considerou-se o

modelo de Roman Jakobson na visão de Joly (1996), como esquema base para

analisar as funções da imagem e compreender os princípios da comunicação,

verbal ou não. Joly (1996) coloca que a função e o contexto da mensagem são

indispensáveis para a análise.

Ponderando além da necessidade de um emissor e um destinatário,

observa-se o imperativo da existência de um contexto ou referente, o qual

ofereça pelo menos uma pequena interseção, um código em comum com o

destinatário, seguido pela observância de um canal, contato pelo qual se

estabelece a comunicação.

Quadro 1 – Esquema comunicacional segundo Roman Jakobson

CONTEXTO

EMISSÁRIO

MENSAGEM DESTINATÁRIO

CONTATO

CÓDIGO

Fonte: Joly, 1996.

Jakobson segue e afirma que cada um desses elementos gera uma função

linguística diferente, variando de acordo com a mensagem, embora siga

influenciada por outros fatores.

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Quadro 2 – Esquema de funções da linguagem segundo Roman Jakobson.

DENOTATIVA

ou

REFERENCIAL

EXPRESSIVA ou

EMOTIVA POÉTICA CONATIVA

FÁTICA

METALINGUÍSTICA

Fonte: Joly, 1996.

Joly (1996) por sua vez, enfatiza que não há exclusividade entre as

funções, apenas predominância, e é esta predominância que determina a

função. Ainda assim, não se devem desconsiderar as demais manifestações que

possam ocorrer contiguamente à principal.

Comenta-se aqui de maneira breve, as várias funções, rememorando suas

características: a função expressiva ou emotiva está centrada no emissor, é

notadamente mais subjetiva e marcada pelo uso da 1ª pessoa; a função

denotativa ou referencial centralizada no referente, focaliza a mensagem no

conteúdo daquilo que está se falando, faz uso recorrente da 3ª pessoa; a função

poética se debruça sobre a própria mensagem; a função fática se concentra no

suporte físico, canal pelo qual se estabelece a comunicação, reafirmando-o; a

função metalinguística examina o próprio código, se autorreferenciando; por fim,

a função conativa se concentra no destinatário, comumente empregada na

linguagem publicitária, se manifesta através do uso da 3ª pessoa, do vocativo e

do imperativo, inquirindo o destinatário.

Conhecendo as funções comunicativas da imagem, é preciso também

entender sua significação e como essa significação interage e varia de acordo

com o contexto. Para tal, é necessário fazer uma exploração semiótica da

contramensagem.

3.4. Semiótica e contramensagem

Para analisar o fenômeno comunicacional, partiu-se do pressuposto de

que os fenômenos da cultura são sistemas sígnicos e baseados nesse sistema,

observam-se as associações mentais que determinado tipo de imagem pode

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criar no público, neste caso em particular, a contramensagem. Charles Sanders

Peirce (1839-1914), visto por Joly (1996, p.33), a irma e m ig o é “a go e

está no lugar de alguma coisa para alguém, em alguma relação ou alguma

qualida e”. Ta ob ervaç o exprime a ideia da representação mental como

interação comunicativa, ou seja, a produção de sentido que dá corpo ao

pensamento, emoções, sentimentos, etc., e podendo assim ser externado. Esta

representação é chamada de signo quando produz um efeito interpretativo na

mente a partir de um objeto. O processo de criação, percepção e interpretação

dos signos geram a semiose, processo que corresponde à ação interpretativa

dos sistemas sígnicos (NOJIMA in COELHO, 2008, p. 83), cujos signos que os

compõem implicam a correlação entre a face perceptível, a significação; a face

da representação do objeto, objetivação; e a face do significado, a interpretação.

Pelo estudo da dinâmica do processo semiótico e dos sistemas sígnicos, a teoria

peirceana torna possível extrapolar as categorias funcionais da imagem,

considerando sua significação e interpretação. Joly (1996) disserta sobre a

abordagem semiótica e afirma:

Embora nem sempre as coisas tenham sido formuladas desse modo, é possível dizer atualmente que abordar ou estudar certos fenômenos em seu aspecto semiótico é considerar seu modo de produção de sentido, ou seja, a maneira como provocam ig i icaçõe , i to é, i terpretaçõe . De ato, m ig o ó é “ ig o” e “exprimir i eia ” e e provocar na mente daquele ou daqueles que o percebem uma atitude interpretativa (JOLY, 1996, p.29, grifo do autor).

Observa-se o crescimento exponencial na criação de imagens a partir do

século XX, atrelado ao rápido desenvolvimento tecnológico, aumenta com ele a

necessidade de decodificar com maior erudição tais imagens. Santaella (2002,

p.XIV) co oca e “a própria rea i a e e tá exigi o e ó ma ciê cia e ê

co ta e a rea i a e o ig o em evo ç o co ti a” e a Semiótica o erece

recursos extraordinários para fazê-lo, especialmente no caso da

contramensagem, pois não deixa de lado o valor da informação transmitida e o

seu possível entendimento.

Tendo em vista a natureza triádica do signo, a teoria emiótica “permite

penetrar no próprio movimento interno das mensagens, no modo como elas são

e ge ra a , o proce ime to e rec r o e a ti iza o ”, a ém e “captar

seus vetores de referencialidade, não apenas num contexto mais imediato, como

também a m co texto e te i o” (SANTAELLA, 2002, p.5). A Semiótica

possibilita analisar os fatores referenciais no entendimento e no aparecimento de

determinada imagem, além de clarificar os modos como percebemos,

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entendemos e reagimos à determinada mensagem, funcionando como um mapa

lógico do processo representativo. Tratando aqui das imagens produzidas como

contramensagem, é fundamental tentar compreender o contexto destas imagens

e como elas são percebidas pelo público, tentando abranger sua complexidade,

revelando sua robustez comunicativa.

Santaella (2002) analisa o que dá fundamento ao signo:

Para Peirce, entre as infinitas propriedades materiais, substanciais etc. que as coisas têm, há três propriedades formais que lhes dão capacidade de funcionar como signo: sua mera qualidade, sua existência, quer dizer, o simples fato de existir, e seu caráter de lei. Na base do signo, estão, como se pode ver, as três categorias fenomenológicas. Ora, essas propriedades são comuns a todas as coisas. Pela qualidade, tudo pode ser signo, pela existência, tudo é signo, e pela lei, tudo deve ser signo. É por isso que tudo pode ser signo, sem deixar de ter suas outras propriedades (SANTAELLA, 2002, p.12).

O processo semiótico se se constitui em três níveis: o primeiro se refere à

forma perceptível do signo, chamado de representamen. No segundo nível, a

imagem que o signo cria de si mesmo na mente de uma pessoa, é chamado de

objeto; e por fim, no terceiro nível, a interpretação desta imagem, seu

interpretante. O interpretante corresponde à conduta racional que é gerada na

mente do receptor, e para haver significado, é preciso que haja uma mediação

lógica, ligando a imagem que se forma na mente ao repertório do indivíduo,

utilizando-se de fatores sociais e psicológicos, dentre outros.

Os estudos semióticos de Peirce propõem, na gramática especulativa, a

classificação dos signos em três categorias. A primeira aborda as relações que o

signo tem consigo mesmo, estabelecendo a relação sintática. As características

das relações do signo com o objeto geram a segunda categoria - relação

semântica. A terceira trata das relações do signo com o interpretante, suscitado

a relação pragmática.

Um signo é uma relação triádica ordenada e completa. [...], o signo não é um dos elementos do triângulo, uma de suas pontas, um dos membros da relação. O signo é a reunião das três pontas, a relação toda e completa, a totalização dos três vértices do triângulo (COELHO NETTO, 2003, p.66).

Embora esta categorização esteja presente na sua totalidade em todo e

qualquer signo, a pesquisa foi focada na relação semântica, mais pertinente para

este tema, tendo em vista que não se objetivou o aprofundamento dos conceitos

semióticos, mas sim sua aplicação pertinente a contramensagem.

Nesta classificação distinguem-se três tipos de signos: o ícone, o índice e

o símbolo. O ícone se reporta ao objeto representado por semelhança ou

analogia com a forma que o representa. O índice guarda uma relação de

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contiguidade, casualidade entre o objeto representado e sua representação,

criando uma conexão existencial. O símbolo está atrelado à relação de síntese

e tre o objeto e a repre e taç o, poi “retrata coi a it a a o mai a to

íve e ab traç o” (NOJIMA i COELHO, 2008, p. 160).

Para o design, nessa essência formal genuinamente triádica, o símbolo atende ainda uma propriedade essencial, além de representar a presentificar marcos culturais e ideológicos. Tal propriedade diz respeito à pluralidade das manifestações perceptíveis, pois o símbolo, conforme Bakhtin (1999, p.33), enquanto signo cultural e ideológico, não é apenas um reflexo da realidade, mas, também, um fragmento material e a rea i a e; “tem ma encarnação material, seja como som, com massa física, como cor ou como outra coisa a er (...)”. De a orma, a vária mo a i a e pro tiva o e ig , e te e-se que “o próprio ig o e to o o e e eito (açõe , reaçõe , e ovo ig o por e e gera o o meio circundante) aparecem na experiência exterior (Idem) (NOJIMA in COELHO, 2008, p 160-161).

Ainda que os estudos semióticos não possam determinar o que pensa o

auditório, é possível identificar quais signos que serão necessários para a

composição da mensagem, pois será necessário reduzi-la a algum sistema

convencionado de comunicação. Eco (2007) coloca que para consegui-lo é

imprescindível fazer com que tal sistema de saber se converta num sistema de

signos:

A ideologia é reconhecível quando socializada, se torna código. Nasce, assim, uma estreita relação entre o mundo dos códigos e o mundo do saber preexistente. Esse saber se torna visível, controlável, comercializável, quando se faz código, convenção comunicativa (ECO, 2007, p.84).

Observa-se que o sistema sígnico se relaciona com o conjunto das ideias e

pensamentos, logo, com o contexto ideológico, fazendo com que a Semiótica

seja uma facilitadora na detecção de ideologias camufladas pelas premissas do

discurso Retórico nos signos. Todavia, Eco (2007, p.87) estabelece que “a

ideologia não é o significado”. Apesar de ela estar inserida no código, ela atua

principalmente no contexto geral dos signos, ou seja, na totalidade de suas

conotações (ECO, 2007, p.87).

No caso das contramensagens, é indispensável conhecer as motivações

ideológicas que a fomentam para analisar a escolha dos signos utilizados nas

imagens e identificar os argumentos da Retórica Visual empregados pelo

adbusting para subverter e satirizar as propagandas nas quais ele se baseia.

Busca-se assim compelir o receptor (auditório, conforme a retórica

perelmaniana) a repensar o sistema capitalista e sua publicidade, amparado

pelos mesmos meios empregados pelo estabelecimento.

Eco (2007) afirma:

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[...] toda verdadeira subversão das expectativas ideológicas é efetiva na medida em que se traduz em mensagens que também subvertam os sistemas de expectativas retóricas. E toda subversão profunda das expectativas retóricas é também um redimensionamento das expectativas ideológicas (Eco, 2007, p.87).

A Semiótica oferece um aparato analítico complexo da comunicação ao

mesmo tempo em que subsidia a exposição do conteúdo da mensagem,

revelando a engrenagem comunicacional e apontando como os fatores

ideológicos rearranjam os significados. Para o estudo da contramensagem, estes

fatores não podem ser renunciados, pois estão tão emaranhados uns com os

outros que seria uma tarefa ingrata, para não dizer indecorosa, separar a dança

semiótica com seus pares retóricos e ideológicos.

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