30 x Bienal: Guia Virtual

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CULTURA E ARTE. SIMPLES, SEM SER óBVIO. 30 x bienal OS PRINCIPAIS ARTISTAS Outubro 2013 guia virtual ENTREVISTA COM O CURADOR 6 Paulo Venâncio Filho comenta a exposição. A EXPOSIÇÃO AS 30 BIENAIS

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Já conferiu a exposição 30 x Bienal, uma retrospectiva incrível da arte brasileira nas 30 edições da Bienal de São Paulo? Preparamos essa guia com informações e dicas para tornar sua visita ainda mais completa.

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CULTURA E ARTE. SImpLES, SEm SER óbvIo.

30 x bienal

oSpRINCIpAIS

ARTISTAS

outubro 2013

guia virtual

ENTREvISTACom oCURADoR

6paulo venâncio Filhocomenta a exposição.

A EXpoSIÇÃo

AS 30 bIENAIS

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ARTISTAS12 ABRAHAM PALATNIK

14 MARIA MARTINS

16 LYGIA CLAR 18 HÉLIO OITICICA

20 CILDO MEIRELLES

22 FRANS KRAJCBERG

23 ARTUR BARRIO

24 REGINA SILVEIRA

26 JOSÉ LEONILSON

30 X bIENALFALACULTURA

30 X BIENAL04 30 X BIENAL Uma retrospectiva brasileira 06 ENTREVISTA O curador Paulo Venâncio Filho comenta a exposição.

08 30 EDIÇÕES DA BIENAL

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28 ERNESTO NETO

30 NUNO RAMOS

31 MARILÁ DARDOT

32 ADRIANA VAREJÃO

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Julianapiesco

SobRE o GUIA:EDIToRIAL

Se nosso objetivo no FalaCultura é aproximar o público do universo das Artes, incentivando-o a aproveitar todas as oportunidades de explorar esse universo e aumentar seu repertório de conhecimentos, não podería-mos deixar de lado toda riqueza da 30 x Bienal. Trata-se uma oportunidade rara de apreciar um panorama bas-tante completo do que aconteceu de mais importante nas artes plásticas do nosso país nos últimos 60 anos.

Após muita reflexão, decidimos que o melhor formato para explorar a exposição e aproximar nosso público de tudo que ela tem a oferecer é uma breve contextualização sobre a trajetória dos principais artistas presentes na retrospectiva. Evidentemente, considerando que esses já são uma seleção dos brasileiros que expuseram seus trabalhos em todas as 30 edições da Bienal de São Paulo, escolher apenas alguns mostrou-se um desafio imensurável. Dessa forma, muitos que gostaríamos de abordar acabaram ficando de fora desse breve guia, e mesmo para os presentes gostaríamos de poder dedicar mais espaço. Dessa forma, encorajamos os leitores a usarem esse guia apenas como ponto de partida, explorando a partir dele os outros artistas e obras presentes na exposição.

Coordenadora

A 30 x Bienal é uma oportunidade rara de

apreciar um panorama bastante completo do

que aconteceu nas artes plásticas do nosso

país nos últimos 60 anos.

CApA: bolha Amarela, do artista marcelo Nitsche, no pavilhão da bienal. Foto: Juliana piesco | FalaCultura.

30 x bienalguia virtual

beatrizGiosa milenabuarque DanielaCostaGosta de pintura, de igrejas, dos renascentistas, dos pré-rafaelitas, de contos de fadas, de blues e rock dos anos 60, de filmes épicos, boas histórias e pão de queijo. É educadora, designer, mas sonha em ser professora.

Estudante de jornalismo e apaix-onada por teatro. Gosta de chuva. Sonha em conhecer o mundo, pas-sar um tempo na Grécia e interp-retar Lady Macbeth – não neces-

sariamente nessa ordem.

Jornalista ou pseudo jornalista por destino ou acaso, se redescobriu recentemente no mundo das artes e atualmente admira arte urbana. Adora gente e apreciadora de um bom papo, acha que os dois jun-tos podem render boas histórias e memoráveis fotos.

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ão poderia haver subtítulo mais feliz para a 30 x Bienal: “transformações na arte brasileira”. A Bienal, em sua singular continuidade e seu corajoso pioneirismo

- sendo o primeiro evento do gênero em um país peri-férico do hemisfério sul - transformou a arte em nosso país e foi aos poucos sendo transformada por ela.

Como explicou Paulo Venâncio Filho, curador da ret-rospectiva, “sem a rotina ininterrupta da Bienal, seria muito improvável a formação da tradição moderna e contemporânea tal como ocorreu, de maneira única nas artes plásticas brasileiras em contato e confronto com as tendências estrangeiras”.

A história da Bienal de São Paulo se confunde com a história da arte em si, e em uma escala ainda mais aprofundada, com a história da arte brasileira. A pro-posta, porém, não é revisitar de forma saudosista o passado, ou fazer uma retrospectiva definitiva dos últi-mos 60 anos da arte em nosso país, mas de retomar o passado a partir de nosso olhar presente, expondo toda sua atualidade.

Trata-se de uma oportunidade ímpar para mergulhar na trajetória das artes plásticas brasileiras, apreciar trabalhos de destaques de grandes nomes, e de refle-tir sobre o passado - e, inevitavelmente, o futuro - de uma das mais importantes instituições artísticas de nosso país.

30 X bIENALUmA RETRoSpECTIvA bRASILEIRA

Retrospectiva propõe revisitar a história da Bienal de São Paulo, contemplando as transformações na arte brasileira.

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Juliana Piesco

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ENTREvISTApAULo vENâNCIo FILho

Em conversa com o FalaCultura, o curador da ex-posição 30 x Bienal fala sobre a escolha das obras, arte brasileira e os rumos da Bienal.

AbAIXo:

ESCULTURA E QUADRo

DE RUbEm vALENTIm

rítico, curador de arte e autor de livros de destaque sobre arte brasileira e inter-nacional (incluindo uma

bela biografia de Marcel Duchamp e obras sobre Iberê Camargo e Milton Dacosta), Paulo Venâncio Filho foi o incumbido do desafio de selecionar as obras que integrariam a 30 x Bienal.

Em bate-papo exclusivo, o curador falou sobre o trabalho de curadoria da exposição, e sobre o papel da Bienal ontem e hoje para o cenário cultural brasileiro.

Paulo, imagino que deve ter sido um desafio selecionar apenas algumas obras entre os brasileiros partici-pantes das 30 edições da Bienal. Como se deu esse processo?

Foi realizada uma espécie de paralelo entre o que a Bienal apresentou nesses 60 anos e a História da Arte do Brasil, o que aconteceu de mais importante, como se deu essa evolução. É um paralelo que existe, mas foi necessário buscar um consenso nesse sentido, uma busca pelos destaques.

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Milena Buarque

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IBERÊCAMARGOEspecialidadedo curador.

“A pREoCUpAÇÃo

FoI Em ENFATIZAR

o CoNJUNTo.”

Obras de Iberê Camargo na

30 x Bienal:

Núcleo em expansão (nas fotos acima)1965 Óleo sobre tela

Fiado de carreteis, nº 51961Óleo sobre tela

Paulo Venâncio Filho,

além e curador, crítico

e pesquisador de Arte,

também é autor de diversos

livros.

Entre as diversas obras que

escreveu ou participou está o

livro Iberê Camargo: Origem

e Destino, organizado por Vera

Beatriz Siqueira e publicado

pela Cosac Naify.

Você buscou dar ênfase a algum momento histórico ou movimento específico?

Na verdade, a preocupação foi jus-tamente com o contrário: de não privilegiar nenhum momento, de buscar um equilíbrio entre todos os momentos desses 60 anos. Claro que existem passagens de destaque, passagens que tiveram um grande peso e importância, mas ainda assim buscou-se equilibrar tudo isso.

Da mesma forma, não consigo apon-tar nenhuma obra específica como a “mais importante” – busquei enfatizar muito o conjunto, o todo, e cada uma das obras ocupa uma posição espe-cial no contexto.

A disposição das obras foge do lugar comum, uma vez que as mais recentes ficam próximo da entrada dos visitantes, seguindo em ordem cronológica reversa. Como se deu essa escolha?

Na realidade, houve uma questão técnica importante envolvida: as obras históricas precisavam ficar em no ambiente climatizado – sendo que ele fica no andar superior. Assim, para manter a ordem cronológica, as obras foram dispostas “de cima para baixo”. No fim das contas, isso não prejudica a visitação, e inclusive é mais coerente com a proposta da exposição, que é refletir sobre a produção atual revisitando o passado da Bienal.

A Bienal viveu um período de crise recentemente, e agora está se reestabelecendo e também se reinventando, em alguns aspectos. Como você vê o papel da Bienal hoje, e o que vislumbra para o seu futuro?

A Bienal ainda é um evento de

grande importância, e que ocupa uma posição privilegiada no cenário artístico justamente por ser um dos raros eventos culturais brasileiros com uma continuidade – são 60 anos de história, 30 edições, algo inco-mum no nosso país.

Ainda é um fato relevante, e a única exposição de artes plásticas no Brasil que realmente atinge uma dimensão mais pública, que atrai a atenção e chama mais pessoas de fora do cir-cuito.

Foi a segunda Bienal, apenas atrás da de Veneza, e toda essa história soma à sua importância. Mas as Bienais do mundo todo estão se modificando, se reinventando, e acho que a Bienal de São Paulo está acompanhando essas mudanças, se atualizando.

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entro da grade dos maiores eventos da agi-tadíssima terra da garoa, a Bienal Internacional

de Arte de São Paulo merece destaque. Mais importante bienal de arte do hemisfério sul, figura entre os grandes eventos do cir-cuito artístico internacional,ao lado da Bienal de Veneza (Itália) e da Documenta de Kassel (Alemanha).

Idealizada por Francisco Matarazzo Sobrinho - que ficou conhecido como Ciccillo Matarazzo - após uma visita à Bienal de Veneza, a Bienal de São Paulo teve sua pri-

meira edição realizada em 1951. No principio, a grande mostra era vinculada ao Museu de Arte Moderna (MAM-SP), e ocorreu em um pavilhão provisório na Esplanada do Trianon - que pos-teriormente abrigaria o prédio do MASP.

Para sua segunda edição, a exposição ganhou um espaço próprio no Parque do Ibirapuera - que havia acabado de ser inau-gurado, em comemoração aos 400 anos da cidade. A Bienal também perdeu seu vínculo com o MAM-SP após o rompimento de Ciccillo

com a diretoria do museu. Assim, o evento passou a ocupar o belo Pavilhão da Bienal, projetado por Oscar Niemayer como Pavilhão das Industrias do Parque do Ibirapuera.

A segunda Bienal de São Paulo contou com o dobro de obras e participantes da primeira, e ainda é lembrada como a “Bienal da Guernica”, pela obra de Pablo Picasso que foi o grande destaque do evento.

Um ponto de virada na história das Bienal é a edição de 1963, que

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30 EDIÇõES DAbIENAL DESÃo pAULo

De sua primeira edição, em 1951, aos dias atuais, a Bienal de São Paulo viveu momentos de prestígio e de renasci-mento. Confira uma breve retrospectiva dessa história.

Daniela Costa

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Nascido em São Paulo em 1898, Francisco Matarazzo Sobrinho - o Ciccillo - foi um industrial de uma das mais prestigiosas famílias da cidade, mas imortalizou-se na história paulistana por seu papel como mecenas, sobretudo das artes plásticas.

Em 1946, fundou o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), ini-ciativa pioneira à época. Cinco anos depois, após visita à Europa, decidiu dar um passo além e fundar a Bienal de São Paulo, entidade que presidiu até sua morte em 1977.

O mecenato e interesse de Ciccillo pelas artes, porém, não limitou-se à linguagem das artes plásticas. O industrial ítalo-brasileiro também foi fun-dador da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, e do prestigioso Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), de onde emergiram grandes nomes como Fernanda Montenegro, Paulo Autran e Walmor Chagas.

chamou a atenção por sua gran-diosidade - característica que viria a marcar todas as edições poste-riores.

Nos tempos recentes, a Bienal viveu uma pequena crise durante a 28ª edição, apelidada pela impren-sa de “Bienal do Vazio” - consid-erada um fracasso pela Folha de São Paulo. Marcada pela desocu-pação de grande parte do Pavilhão e por um incidente com grafiteiros, a exposição seria um catalizador para a revitalização da Bienal, que viveu duas edições bem sucedidas na sequência.

Mecenas e incentivador das artes plásticas no Brasil.

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18ª bIENAL, Em 1985

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scolher apenas alguns dos 111 artistas escolhidos para inte-grar a exposição 30 x Bienal é uma missão não apenas difícil,

como ingrata: impossível não deixar de fora dezenas de nomes de destaque, e centenas de obras imperdíveis.

Essa pequena seleção de alguns dos prin-cipais nomes presentes na 30 x Bienal serve apenas como porta de entrada do nosso leitor no universo da exposição - a partir da qual ele poderá traçar seus próprios caminhos e interpretações.

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pRINCIpAIS ARTISTAS30 X bIENAL

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[A bienal] foi o evento que rompeu com o isolamento cultural das artes plásticas e expandiu sua projeção para além daquele círculo de iniciados.”

(paulo venâncio Filho)

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rte e matemática são palavras que, aparente-mente, não costumam ser associadas. Salvo

os tratados formais do período do Renascimento, não é comum imaginar os artistas criando a partir de equações e fórmulas. De fato, a imagem que carregamos do artista é ainda aquela do gênio dotado de uma inspiração arrebatadora, que se expressa e cria de forma quase espontânea. Romântica, essa concepção se mostra obso-leta ao analisarmos os processos criati-vos dos artistas modernos e contemporâneos. Tecnologia, invenção, cálculo e precisão são palavras que definem muitos artis-tas do século XX - entre eles, o artista brasileiro Abraham Palatnik (1928-).

Quem se depara com o nome desse artista pela primeira vez deve estranhar que ele seja brasileiro. De família judaica, Palatnik nasceu em Natal (RN), e é conhecido mundialmente como um dos precursores da arte ciné-tica.

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AbRAhAmpALATNIk

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CINECRomÁTICo 2 SE-18”

DE pALATINIk, NA

30 X bIENAL.

Na década de 1930, foi morar com a família em Tel Aviv (Israel), onde teve a oportunidade de estudar a tecnologia de motores de explosão na Escola Técnica Montefiori. Ainda em Israel, aprende desenho, pintura, estética e filosofia, e pro-duz paisagens, retratos e nature-zas-mortas.

De volta ao Brasil em 1948, Palatnik vai para o Rio de Janeiro. A cidade havia se tornado um dos centros culturais mais fervil-hantes do país: os artistas cario-cas mantinham um embate con-ceitual com os paulistanos e foi nesse conflito que se definiram os grupos concreto e neoconcre-to. Palatnik aporta nesse cenário,

Arte cinética que ativa nossa percepção através de luzes, cores e formas.

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e entra em contato com artistas atuantes na capital carioca, como Renina Katz e Ivan Serpa, e passa a frequentar a casa de Mário Pedrosa, influente crítico de arte do período.

Nessa mesma época, conhece o trabalho que a Dra. Nise da Silveira realiza nos ateliês do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, e acaba por ser transformado de forma pro-funda por essa experiência.

Essa troca faz com que Palatnik abandone todos os critérios for-mais de composição aprendidos e aplicados até aquele momento. Deixa de tratar a forma e a cor como ferramentas para o figurativo, e passa a entendê-las como protagonistas da obra. Experimenta a abstração, e chega a pintar algumas telas construtivas até projetar, em 1949, seus pri-meiros objetos mecânicos, onde a cor é movimentada.

Desses projetos surgem os Aparelhos Cinecromáticos, caixas de telas com lâmpadas que se movem através da ação de motores. Os Aparelhos são exi-bidos na 1a Bienal de Artes de São Paulo, em 1951. Por não se enquadrar em nenhuma classifica-ção existente, o trabalho é quase rejeitado, mas acaba por receber uma menção especial do júri.Ainda envolvido com os question-amentos sobre a abstração e a geometria, Palatnik participa da criação do Grupo Frente, man-tendo diálogo com a produção do grupo. Suas investigações ganham corpo no campo tridimensional parecem não ter limites, e campos eletromagnéticos, motores e ele-

troímãs tornam-se ferramentas de criação.

Na década de 1960, cria a série Progressões, onde trabalha com faixas de um material específico em uma superfície, a fim de criar um efeito ótico.

Os Objetos Cinéticos, (esculturas de arames, fios e formas coloridas

movimentadas por motores e ímãs) são concebidos na mesma época, e hoje são as obras mais conhe-cidas do artista. Esse trabalho é comumente citado como sendo referente aos móbiles do norte-americano Alexander Calder, porém o desenho que linhas e cores formam no espaço pare-cem aproximar Palatnik muito mais de pintores abstratos como Kandinsky e Miró.

Se antes forma e cor estavam presas aos limites da tela, em um ritmo estático, em Objetos Palatnik dá vida ao que antes era sugestão.

O artista participou de diversas mostras do Grupo Frente na déca-da de 1960, e expõe os Aparelhos Cinecromáticos na Bienal de

Veneza de 1964, onde obteve reconhecimento internacional. No Brasil, além de estar presente na 1a Bienal de São Paulo, Palatnik expôs suas obras na 2ª, 3ª, 5ª, 6ª, 8ª, 9ª, 10ª e na 20ª edições.

Na 30 X Bienal, seu Aparelho cinecromático 2 SE-18 movimen-ta a cor em formas, e fica a cargo do espectador reorganizar

internamente a dança (mecânica, mas ainda sim, uma dança!) de formas e luzes que se projeta sobre seus olhos. Não há uma narrativa aparente, personagens, cenário, ou organização geométrica que nos-sos olhos possam se apoiar, ape-nas os elementos e suas potências em comunhão.

Experimentar é, aparentemente, a palavra de ordem no projeto poé-tico de Palatnik, que não traiu sua arte pelo uso da tecnologia: ativar a percepção através da potência daquilo que é mais primitivo (linha, cor, luz, forma) ainda é uma das chaves principais para se com-preender seu trabalho.

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as últimas décadas, a produção artística de Maria Martins (1894-73) tem sido recupera-

da por historiadores e críticos em publicações, mostras retrospectiv-as e pesquisas acadêmicas. Esse resgate é importante, pois eviden-cia de que modo a historiografia da arte consagra determinados artistas em detrimento de outros, mesmo quando esses tais outros sejam também dignos de nota.

No caso de Maria, pode-se dizer que parte do desinteresse pela sua produção deveu-se ao fato da artista não trabalhar com a geometria e a abstração, justo no momento em que os artistas atuantes no Brasil exploravam o cruzamento da forma e da cor dentro dessas chaves.

Mineira de Campanha, Maria Martins construiu sua trajetória artística fora do Brasil, em decor-rência da profissão do segundo marido, o embaixador Carlos Martins. Estudou música e pintura, mas seu interesse pela matéria fez com que a escultura se tornasse

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É Um DoS DESTAQUES

DA 30 X bIENAL

sua linguagem. Começou a tra-balhar com escultura no final da década de 1920, esculpindo em madeira e mármore, até chegar no bronze, suporte principal da maior parte de suas obras. Também desenvolveu trabalhos em gravura e desenho.

Junto com o marido, Maria esta-belece-se em Washington em

1939, e produz em um ateliê em Nova York, o novo centro cultural do mundo. Em NY, entra em con-tato com o fino da vanguarda europeia que acabava de conqui-star os Estados Unidos através de André Breton, peça-chave do movimento surrealista. Sua produção floresceu de maneira consistente nesse período, graças ao convívio com os surrealistas

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Esculturas orgânicas, em mutação e movimento.

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“GLEbE-AILES” NA 30 X bIENAL

e a troca intensa com Marcel Duchamp, com quem viveu um dos mais célebres casos amorosos da história da arte.

De volta ao Brasil somente na década de 1950, Maria deu de cara com a esfera artística mer-gulhada nas linhas e formas do concretismo, reflexo tardio do abstracionismo europeu do início do século. Um bom exemplo desse choque foi a 1a Bienal de Artes de São Paulo, da qual Maria Martins participou e teve sua obra mal compreendida, já que esta remete a um Brasil folclórico, selvagem, com um toque de sensualidade, coisa que na década do progresso não tinha tanto interesse às elites consumidoras de arte.

A mineira voltou-se para a Amazônia, terra de mitos e len-das, numa tentativa de resgate de uma ancestralidade nacional pura. Maria dá corpo ao Boto, à Yara e à Boiúna; esse corpo, contudo, não é

estático, polido: é forma orgânica, em mutação e em movimento, como se a matéria vinda da terra, do rio, se erguesse da superfície e fosse moldada ali mesmo pela própria artista. Maria trata o bronze como se trata a terra, a lama, a argila, deixando suas marcas. Formas que lembram folhas, algas, que se entrelaçam e confundem o espectador, que em vão tenta iden-tificar começo e fim, boca e mão, bicho e gente.

A artista foi personagem ativa no cenário cultural brasileiro: partici-pou de quatro Bienais de Arte em vida (1ª, 2ª, 3ª e 8ª edições), foi homenageada na 12a edição, que ocorreu no ano de sua morte, e teve obras expostas nas 15ª, 19ª e 24ª edições. Maria também ajudou a organizar as primeiras mostras. Além disso, mantinha uma coluna no jornal Correio da Manhã, e chegou a publicar três livros ao longo de sua vida.

NA 30 X BIENALNa gigantesca O Impossível, Maria ilustra um momento clí-max: o beijo que nunca vai acon-tecer, mas que nem por isso faz com que os amantes se afastem. Estão colados pelas pernas, inclinam a cabeça um pro outro, e algumas garras até chegam a se tocar, tamanha a avidez. A incompatibilidade, contudo, não provoca o afastamento, e fica ao critério de quem observa imagi-nar o final trágico desse beijo.

Em Glebe-Ailes, uma criatura híbrida, com asas, sem olhos e pernas do avesso, parece ter ganhado vida há poucos instan-tes. A expressividade surrealista absorvida nos anos em que viveu no exterior pode ser observada nessas duas obras, que parecem remeter a um tempo imaginário de uma mitologia sensualmente brasileira.

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LyGIA CLARkRepresentada na 30 x Bienal por seus famosos “Bichos”, a artista permanece atual e surpreendente.

ineira, Lygia Clark (1920-1988) é um dos grandes nomes das artes plásticas no Brasil, conhecida tanto por ter sido uma das fundadoras do famoso Grupo

Frente, em 1954, quanto por seu papel no movimento Neoconcreto, ao lado de nomes como Lygia Pape e Amílcar de Castro.

Lygia começou a estudar arte aos 27 anos, no Rio de Janeiro, sob o olhar atencioso de Roberto Burle Marx. Três anos depois, porém, viaja a Paris e entra em con-tato como novos mestres, como o cubista Fernand Léger - voltando ao país com um novo olhar. A artista estava pronta para explorar novos planos, fazer obras que se emancipassem da bidimensionalidade da pin-tura tradicional.

Foi nesse contexto que Lygia participou da funda-ção do Grupo Frente, ao lado de Abraham Palatnik; ela explora esse novos conceitos de planos em suas Superfícies Moduladas, com figuras geométricas que projetam-se para além do suporte, questionando os limites impostos pela moldura.

Aos poucos, a artista torna-se cada vez mais ousada em seu processo de explorar o espaço tridimensional. Trocando aos poucos a madeira pelo metal, Lygia cria em 1959 seus Casulos, feitos de material dobrado - ou seja, o plano dobrado, assumindo a tridimen-

msionalidade.

Os seus “casulos” metálicos seriam os antecessores de algumas de suas obras mais famosas, as escul-turas dobráveis de alumínio que integram a célebre série Bichos (ver box ao lado).

Aos poucos, Lygia Clark passa a explorar novos mate-riais e suas formas singulares de se relacionarem com o espaço e com o espectador.

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Juliana Piesco

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Assim, ela aumenta a flexibilidade que já era encontrada no alumínio articulado dos Bichos ainda mais ao trabalhar com borracha em Obra Mole (1964).

Aos poucos, Lygia rompe com a tradição da arte concreta e explora novas formas de expressão e temáticas diversas. Em 1968, por exemplo, expõe sua instalação sensorial A Casa É O Corpo, em parte influenciada pelo trabalho que realizou como professora do Instituto Nacional de Educação dos Surdos. A obra, montada pela primeira vez no MAM-RJ, consistia em uma instalação de oito metros que poderiam ser percorridos pelo espectador, que passava pelas sensações de penetração, ovula-ção, germinação e nascimento.

Na década de 1970, período no qual foi convidada a dar aulas de comunicação gestual na Sorbonne, em Paris, Lygia põe de lado as experimentações estéticas e volta sua atencão para a exploração do corpo e dos sentidos. Aos poucos, seu trabalho adquire um aspecto cada vez mais terapêutico, e ela chega a criar os chamados Objetos Relacionais, materiais que por suas propriedades e as sensações que despertam no pacientes conseguem trabalhar seus “arquivos de memórias”, seus medos e fragilidades.

A prática desse tipo de trabalho no final de sua vida afastou cada vez mais Lygia do campo da arte, posi-cionando-a mais próxima à psi-canálise. Isso não impediu, porém, que ela se consolidasse como uma das principais artistas da história da arte brasileira, expoente do concretismo e pioneira do body art e na busca de uma participação

“Labirinto (nascimento) Espaço dado ao homem para que ele viva um período de regressão.”

(Lygia Clark)

mais ativa do público em relação às obras.

Lygia Clark foi revolucionária em muitos sentidos. Ousada ao desafiar as limitações do plano - para a pesquisadora Maria Alice Milliet, Lygia foi um dos concretis-tas que melhor compreendeu as relações espaciais do plano - e ao superar a necessidade do suporte. Ambiciosa em sua busca pela desalienação do espectador, que deveria partir para uma interação mais efetiva com a obra para que esta pudesse ser concretizada.

Todo esse processo culminou na etapa final de sua obra, na qual o corpo passa a integrar a arte, indi-vidualmente ou coletivamente - e finalmente rompendo uma última barreira, que separa a arte da tera-pia.

NA 30 X BIENAL

Algumas obras da famosa série Bichos, de Lygia Clark, estão presentes da 30 x Bienal.

As esculturas, realizadas em 1960, são feitas em alumínio e possuem dobradiças - as articulações dos “corpos” metalizados desses animais. Trata-se de uma obra pioneira da arte participativa, por con-vidar o espectador a “dobrar” essas articulações, explorando as diversas configurações que cada escultura pode assumir.

A artista ganhou o prêmio de melhor escultura nacional na 6ª Bienal de São Paulo, pela série.

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“TREpANTE” (1965)

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hÉLIooITICICA

Seu trabalho é marcado por experimentações com o meio e com a interação do espectador com a obra.

ome de força do movimento de contracultura da década de 1960, Hélio Oiticica (1937-80) é consid-erado um dos maiores artistas brasileiros do século XX. Sua trajetória artística, compreendida entre as

décadas de 1954-80, é marcada principalmente por experimen-tações com o meio e com a interação do espectador.

Tendo nascido em uma família de intelectuais e artistas, Hélio foi educado de maneira não convencional. Começou a estudar pintura aos 17 anos, com Ivan Serpa, artista-chave do Grupo Frente, movimento construtivista calcado na abstração geomé-trica.

Nos anos 1950, participa do Grupo Frente, e posteriormente do Grupo Neoconcreto, onde trabalha as tensões entre forma, cor e espaço pictórico nas obras conhecidas como Metaesquemas.

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“RELEvoS

ESpACIAIS”, DE oITICICA,

NA 30 X bIENAL

Desse período de investigação surge a necessidade de romper com o espaço bidi-mensional da representação pictórica. A tensão se torna tão grande devido à potência da cor, que é preciso que ela saia dos limites da tela. Surgem então os Bilaterais, grandes placas geométricas de cor suspensas no ar, e os Relevos Espacias: são massas de amarelo, vermelho e laranja puros que confrontam o olhar do espectador.

Em contato com os neoconcretistas, Hélio passa a conceber sua produção a partir da Teoria do Não-Objeto, elaborada pelo artista e crítico de arte Ferreira Gullar. Os metaesquemas ganham corpo nos Núcleos, também conhecidos como Penetráveis, e Oiticica abandona por completo o plano bidimensional para se dedicar inteiramente à reflexão da forma no espaço concreto, físico. Não só a reflexão da forma isolada como objeto de contemplação, mas qual o tipo de experiência que o público poderá vir a ter com ela. Ao permitir que o público circule por entre as placas de cor dos Penetráveis, Oiticica começa a quebrar um paradigma secular da instituição artística e da concep-ção de obra de arte como algo que deve ser mantido distante do público, intocado.

Essa ruptura só vai se desenvolver por completo durante os anos em que desen-volve os primeiros objetos completamente

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manuseáveis, os Bólides, onde a cor deixa de ser apenas visual, e se torna amplamente sensorial. O especta-dor se transforma em ator, e sua participação é exigida perante ao objeto artístico.

Inspirado pela cultura do samba, Hélio passa a conviver com a comunidade do Morro da Mangueira e cria os Parangolés, ponto alto dessa reflexão entre o corpo do público e o corpo da obra. Feitos de tecido, os Parangolés só existem enquanto arte quando ativados pelo público, fundindo cor, dança, performance e poesia. O trabalho com os Parangolés leva à criação das Manifestações Ambientais, entre elas a instalação Tropicália (1967), onde Oiticica cria dentro do espaço da instituição a experiência sensorial do estar no mundo do morro, no mundo da favela. A obra causa impacto tremendo entre os artistas conhecidos como marginais, entre eles Caetano Veloso, que escreve a canção homônima: nasce, então, o movimento cultural conhecido como Tropicalismo. A contribuição dos artistas da cultura marginal é inegável, dos filmes de Glauber Rocha até os Parangolés de Hélio, do teatro de Zé Celso até as letras de Jorge Mautner.

Hélio teve suas obras expostas na 4ª, 5ª, 8ª, 14ª, 22ª, 24ª e 29ª edições da Bienal de Arte de São Paulo. Em 30 X Bienal, a importância de sua produção para o cenário artístico brasileiro é representada pelos Relevos Espaciais (1959), obra da fase inicial de exploração da forma no espaço tridimensional, e pelo Bólide B1 Bólide caixa 1 - Cartesiano (1963), objeto-arte que demandaria a exploração ativa por parte do público.

“O museu é o mundo, é a experiência cotidiana”. Talvez essa frase não tenha tanto impacto nos dias de hoje, onde a todo momento se questiona o papel da instituição tanto no processo de legitimação da produção artística, quanto na construção de uma definição/análise objetiva a respeito da mesma. Mas essa frase ainda se constitui um tanto quanto revolucionária, se pensarmos no quanto ainda concebemos a ideia de arte como algo pertencente a um espaço exclusivo. Faça esse exercício: quantas instituições ditas tradicionais você conhece que dão espaço para a performance? Ou ainda: quais delas propõem ações fora do espaço físico do museu? É diante dessas questões que as investigações do carioca Hélio Oiticica ainda se mostram atuais, anárquicas e contestadoras.

“Eu organizo o movimentoEu oriento o carnavalEu inauguro o monumentoNo planalto central do país”(Tropicália - Caetano Veloso)

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rítico da ordem pública do período mais tenso da história nacional, a ditadura militar, o artis-

ta multimídia Cildo Meireles (1948-) é autor de obras marcantes da arte contemporânea brasileira. Como definiu o crítico de arte Tadeu Chiarelli, “desestabilizar estru-turas e códigos sociais seria a questão principal da obra de Cildo Meireles”, daí sua importân-cia no cenário artístico tanto da década de 1970 quanto contem-porâneo.

Natural do Rio de Janeiro, Cildo nasceu em 1948, mas mudou-se para Brasília com dez anos de idade. Aos quinze, ingressa na Fundação Cultural do Distrito Federal, e passa a ter aulas com o pintor e ceramista peruano Barrenechea. Acompanha a arte moderna e contemporânea interna-cional por meio de livros e revistas, e produz desenhos influenciado pela arte africana, da qual teve contato a partir de uma exposição realizada na Universidade de Brasília. Nessa época, seu trabalho é de cunho expressionista e ges-

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30 X bIENAL.

tual, focado na representação figu-rativa a partir do desenho. Toma conhecimento do Neoconcretismo por publicações, e sente-se insti-gado pelos questionamentos do grupo, que naquele momento já não pensava mais a arte somente pelo visual, e sim por todos os campos sensoriais.

Cildo volta para o Rio de Janeiro

em 1967, e chega a estudar por dois meses na Escola Nacional de Belas Artes. Deixa de lado o desenho expressionista e figurativo e passa a trabalhar com o plano tridimensional, criando Desvio para o vermelho, sua primeira instalação para o MAM. Ainda nessa época, faz a série Espaços Virtuais: Cantos, e ajuda a fundar a Unidade Experimental do MAM,

Segue desestabilizando a ordem, seja artística, social ou simplesmente da percepção

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onde trabalha como professor até 1970.

Nesse ano, produz trabalhos de caráter explicitamente político, como Tiradentes - Totem-monumento ao preso político. É claro e provocador ao estampar em uma nota de dinheiro a per-gunta sem resposta mais per-turbante dos anos de ditadura: “Quem matou Herzog?”.

Enquanto todos indagam na sur-dina, Cildo escancara à vista de todos. Ainda nos anos 70, expõe em Nova York a série Inserções em Circuitos Ideológicos, onde trab-alha com elementos ordinários de valor simbólico, como cédulas de dinheiro e garrafas de Coca-cola, e mexe com a percepção do público inscrevendo frases provocativas nesses objetos de circulação mas-siva.

Fica em Nova York por três anos e, como alguns artistas período, começa a se apropriar ainda mais de objetos não-artísticos e a pro-mover a reflexão crítica a partir de intervenções nos mesmos.

De volta ao país em 1973, o artista traz consigo a discussão

intelectualizada promovida pela arte conceitual, e termina a instala-ção Eureka, em que a experiência sensorial suscitada pelos objetos vai além do campo visual. Essa investigação vai permear toda a sua produção da década de 1970.

Nos anos que se seguem, Cildo passa a inserir elementos pictóri-cos e audiovisuais em esculturas e instalações, revelando ser um artis-ta dinâmico em termos de mídia e suporte para suas obras, e provo-cador em termos de conteúdo.

De 1990 em diante, torna-se recon-hecido no mundo todo, e

retrospectivas sobre sua produção são realizadas em instituições consagradas, como a Tate Modern (Londres), e o The New Museum of Contemporary Art (Nova York). Cildo participa de grandes mostras internacionais como as Bienais de Veneza, Istambul, Paris e Mercosul.

Em São Paulo, teve obras expostas nas 16ª, 20ª, 24ª e 29ª edições da Bienal de Artes.

Na 30 X Bienal, seu projeto poético é representado pela obra Cantos, onde questões como espaço, tridi-mensionalidade, geometria e ilusão permeiam o contato com essa obra. Um pedaço de espaço dentro do espaço: o que é dentro e fora? O que é espaço real e inventado? A mente é convidada a continuar esse recorte de espaço, até a hora que se depara com seu limite. O fim da obra denuncia a imensidão do espaço que a acolhe, e fica confuso desenhar internamente uma construção plausível pra esse recorte de arquitetura.

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ascido na Polônia, mas naturalizado brasileiro, Frans Krajcberg (1921-) é conhecido mundialmente por seu trabalho ligado à natureza.

Após perder toda família em um campo de concentração, Krajcberg parte para estudar com Willy Baumeister na Academia de Belas Artes de Stuttgart. Em 1951,o polonês desembarca em terras brasileiras, partici-pando da 1ª Bienal de São Paulo com dois quadros.

A paixão do pintor pelo país é imediato, e encantado pela natureza, ela isola-se e uma floresta no Paraná para pintar. Nos anos seguintes, nat-uraliza-se brasileiro e passa a morar no Rio de Janeiro, onde divide ateliê com o escultor Franz Weissmann (1911-2005).

Na década de 1960, fez viagens à Amazônia e ao Pantanal, registrando em poderosas fotografias o desmatamento e a destruição, e recol-hendo materiais para suas obras - é nesse período que ele começa a criar

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as suas primeiras esculturas com madeiras de cedros mortos. Nos anos seguintes, faz esculturas com madeira calcinada, trabalhos que o dariam projeção internacional.

Além dos trabalhos com flores e madeiras mortas, Krajcberg trab-alha os elementos da natureza em outras vertentes, ora sendo influen-ciado por suas nuances e formas, ora criando relevos com pigmen-tos extraídos da terra - as Terras craqueladas.

Mais do que um artista que fixa-se na questão do meio ambiente, Krajcberg sempre manteve-se coerente e militou ativamente em defesa da natureza. Desde 1972 vive no Sítio Natura, seu ateliê no sul da Bahia, uma casa suspensa a sete metros do chão, no tronco de um pequi na Mata Atlântica.Frans

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Juliana Piesco

Carne, sangue e efemeridade se misturam em sua obra, com foco na experiência.

experiência, e não a imagem ou o objeto, é o foco do trabalho do português naturalizado

brasileiro Artur Barrio (1945-).

Barrio apropria-se do cotidiano em suas obras, e também insere a arte em situações inespera-das, muitas vezes em obras de aspecto bastante político. Um de seus trabalhos mais famosos foi a performance/instalação Trouxas Ensagüentadas, na qual o artista posicionou trouxas repletas de carne putrefata e ensagüentada ao longo das margens de um rio de Belo Horizonte, chocando tran-seuntes e fazendo referência aos horrores da ditadura militar, com seus mortos anônimos e desapa-recidos.

Dessa forma, Barrio acaba obrig-ando o espectador a participar e posicionar-se diante de sua arte, ainda que ele não saiba de pronto que se trata de uma obra de arte.

Com tamanha ligação com o cotidiano e com o “mundo real”, não é a toa que o registro tenha um papel tão central em sua obra. Barrio iniciou-se com seus “cader-nos livres”, recheados de registros e anotações que se afastam das linguagens tradicionais - boa parte deles adquiridos para o acervo do Centre Georges Pompidou, em Paris.

Outra característica marcante de Barrio é a criação de obras em materiais putrefatos ou que dete-rioram rapidamente, como carnes, dejetos e alimentos em geral. Na 30 x Bienal, o visitante poderá encontrar um registro fotográ-fico de sua instalação para a 29ª Bienal, e Nocturnos (transpor-táveis) nº 4 (ao lado).

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Juliana Piesco

gaúcha Regina Silveira (1939-) é um dos nomes brasileiros de maior destaque no

cenário artístico internacional.

Silveira foi profundamente influ-enciada por dois outros grandes artistas: o francês Marcel Duchamp, e o brasileiro Iberê Camargo.

Sua obra apresenta várias refer-ências ao trabalho de Duchamp, sendo o exemplo mais claro a obra In Absentia M. D. - uma verdadeira homenagem ao artista, exposta na 17ª Bienal - em que a artista pinta no chão as sombras das obras de ready-made mais famosas do homenageado. Além disso, a partir da década de 1980, Silveira passou a incluir referências conceituais ao dadaísmo em seus trabalhos.

Já de Iberê Camargo, com quem teve aulas de pintura no início de sua formação artística, Silveira aprendeu a encarar a técnica como

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“ESCADA INEXpLICÁvEL”

REpRESENTA REGINA

SILvEIRA NA 30 X bIENAL

um meio e não um fim, e a dúvidar dos códigos preestabelecidos.

No início de sua carreira, no fim dos anos 60, Regina Silveira ainda estava profundamente influenciada pela forte tradição geométrico-con-strutiva. Uma das características mais marcantes de seu trabalho nessa etapa é o uso de fotogra-fias, que são apropriadas e sofrem

releituras.A artista também explora intensa-mente as mídias consideradas novas à época, como a vídeo-arte, o painel eletrônico, o microfilme, xerox e mail-art.

O trabalho com as fotografias leva a artista a interessar-se pela questão da perspectiva, que passa a subverter a partir de sua obra

Obra exposta na 30 x Bienal foi inspirada por milagre de 1878.

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Anamorfas (1980).

Outro elemento recorrente da obra de Silveira é o uso de sombras, que usam a perspectiva na medida que geralmente são distorções (expostas da forma como a sombra seria projetada, de acordo com o posicionamento da luz). As som-bras em geral representam a aus-ência - como na já citada obra

In Absentia M. D (acima).

Regina Silveira participou, ao todo, de quatro edições da Bienal de São Paulo: a 4ª, 16ª, 17ª e 24ª. Uma de suas participações mais marcantes foi justamente nesta última, na qual criou um grande desenho aplicado em vinil para a fachada do Pavilhão da Bienal. A obra, chamada de Tropel, remetia à antropofagia: a “bagunça” de marcas de patas

sugeriam que a bicharada toda escapou por uma fresta do edifício.

Como no caso dessa intervenção no Pavilhão, a artista trabalhou inúmeras vezes trabalhando com a fachada de prédios públicos, intervindo no cenário urbano. Recentemente, por exemplo, fez uma intervenção na fachada do MASP, que ganhou visibilidade.

A Escada Inexplicável Na 30 x Bienal, Regina Silveira está representada pela obra Escada Inexplicável, de 1999. A obra apre-senta um ponto de virada na car-reira da artista, que marcou sua passagem do analógico para o digital.

A obra foi inspirada em um mila-gre que ocorreu em 1878, nos EUA. Na cidade de Santa Fé, um carpinteiro conseguiu construir uma escada de madeira em caracol, com duas voltas completas, sem usar um único prego - ou seja, um feito completamente inexplicável. O milagre foi atribuído a São José, que também era carpinteiro, e a

escada é visitada até hoje.

Como era de se esperar, Silveira apropriou-se do caráter “inex-plicável” da escada milagrosa, e fez uma releitura adequada a uma de suas temáticas: da perspectiva.

“Eu usava geometria da perspec-tiva de uma escada para fazer a distorção e não estava dando certo, então se criou um modelo

3D cuja sombra resultou nessa obra. E houve um momento em que não entendi mais nada!”, expli-ca a artista. “Havia trinta e tantos pontos de fuga… achei que podia chamar isso de inexplicável!”

Além da versão exposta na 30 x Bienal, a obra tem uma versão digital animada, que pode ser pro-jetada nas paredes.

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que faço são obje-tos de curiosidade”. Retirada de uma página de agenda,

essa frase pode ser uma boa porta de entrada para o universo sin-gular que constitui o trabalho de Leonilson (1957-1993). Artista de múltiplas linguagens, não hesitou em transitar entre mundos: desen-hou, esculpiu, pintou, escreveu, bordou. Não só sua curiosidade está impressa em todos essas obras/objetos, como também um tanto do seu eu. Leonilson está inscrito na recente história brasileira tanto pela auten-ticidade de seu projeto artístico, como pela intensidade poética de cada uma de suas obras. Nascido em Fortaleza no ano de 1957, aos 4 anos José Leonilson vem com a família para São Paulo, onde permanece até o final da vida. Em 1977, entra no curso de Educação Artística na FAAP, onde toma aulas com professores/artistas ativos no cenário contemporâneo de então, como Nelson Leirner, Julio Plaza e Regina Silveira. No mesmo período, frequenta as aulas de

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aquarela do artista Dudi Maia Rosa na escola de artes Aster. Participa de mostras coletivas no MAC e no MAM de São Paulo, e em 1980 abandona os estudos e faz, no ano seguinte, sua primeira viagem à Europa.

Sua primeira mostra individual ocorre em Madri, em 1981. Durante a viagem, conhece o artista

Antonio Dias, e entra em contato tanto com a obra do brasileiro como com a transvanguarda itali-ana.

De volta ao Brasil (mas não por muito tempo!), Leonilson passa a expor individualmente em gale-rias de arte contemporânea, e a participar de mostras coletivas em museus ligados à produção

O artista que mergulha dentro de si e revela-se por completo em suas obras.

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corrente. Junto com outros, compõe o grupo de artistas que resgataram a pintura como lin-guagem (“o prazer da pintura”) conhecido como Geração 80.

Os trabalhos dos anos de estudo até o final da década de 1980 são pinturas, gravuras, colagens e assemblages. Em 1989, experi-menta a costura e o bordado, que se tornarão recorrentes em sua produção daí em diante.

Dentro do território nacional, torna-se conhecido quando exibe a obra Por você não ter uma situação estável na 18ª Bienal de Artes de São Paulo. Daí, passa a participar de mostras coletivas em Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, e chega a receber o Prêmio Brasília de Artes Plásticas.

“Observar e dar chance a minha curiosidade”

Em 1991, é diagnosticado como soropositivo, e sua condição de doente atravessa sua produção de forma marcante: passa a tratar de temas ligados à temporalidade da vida, sua fragilidade, e a desinteg-ração do corpo. Não raro, algumas de suas obras lembram orações.

Falece em 1993, jovem, sem poder ver concretizado seu último pro-jeto, uma instalação para a Capela do Morumbi, feita de objetos do cotidiano como camisas, cadeiras e cabideiros.

Após a sua morte, foi consagrado com diversas retrospectivas e mostras em todos os lugares do Brasil e do mundo. Em vida, par-ticipou somente da 18ª edição da Bienal, mas teve obras expostas na 22ª e 29ª, e foi contemplado com uma sala especial na 24ª edição.

Em busca de uma expressivi-dade própria, íntima e subjetiva, Leonilson, em toda a sua auten-ticidade, por vezes é tipo como delicado, ingênuo. De fato, a femi-nilidade inerente ao bordado, rela-cionada às palavras de valor moral

como “sinceridade”, “hones-tidade”, presentes em obras do artista, evocam uma atmosfera piegas a um olhar mais desatento. Olhar de perto para suas obras é encarar o artista, quase exposto como um livro aberto, mas ainda um livro a ser codificado.

Segundo Lisette Lagnado, “o artis-ta foi movido pela necessidade de registrar sua subjetividade”. Como partes de um diário, desenhos, palavras e costuras se enfeixam, e não há verdades ou limitações: um desenho nunca é só desenho, e um bordado é às vezes um texto. Configura os mesmos pequenos símbolos (o relógio, o livro aberto, o coração, a espada, o farol, o crucifixo) em diversas obras, como que insistente em criar um código próprio.

Artista devoto da sua subjetivi-dade, mergulha dentro de si e de sua história, e traz o amor, a poe-sia, a doença e o religioso, em palavras, símbolos e suportes. Aparentemente inquieto, tal qual um artista romântico, Leonilson se vale da sinceridade: não mente “sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre a felicidade”.

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lúdico, o onírico e o trabal-ho com elementos flexíveis e frágeis são parte central do trabalho do carioca

Ernesto Neto (1964-) - constituído principalmente de esculturas e instala-ções, quase todas abertas à interação do público.

Esse artista multimídia foi bastante influenciado pelos trabalhos de José Resende e Tunga, resultando em obras que exploram as interações entre diversos materiais, e os resultados sim-bólicos dessa interação. Um exemplo claro desse processo é a obra A-B-A (chapa-corda-chapa), na qual Neto une chapas retangulares de ferro por uma corda de nylon. Estão aí elementos que se repetirão em seu trabalho, como o trabalho com as tensões, pesos diver-sos e um equilíbrio tênue (estabelecido na fragilidade do nylon que sustenta as chapas).

Fragilidade, tensões e a possibilidade de interação do público.

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Posteriormente, o artista experimentou pequenas esferas de chumbo em meias de poliamida, presas ao teto - era a obra Copulônia (1989), que marcaria uma mudança de rumo em sua trajetória artística. A partir de então, Neto dedicaria-se cada vez mais aos materiais flexíveis e cotidianos, como meias e peças em crochê.

Dando um passo além, na década de 1990 Ernesto Neto passa a criar instalações que visam instigar todos os sentidos do público, inserindo especiarias dentro de tubos de malha fina e translúcida. Além da sensação da fragilidade das formas resultantes, o cheiro de açafrão, urucum, cominho e pimenta-do-reino difundiam-se delicadamente pelo ambiente. Essas instalações passam a ser cada vez mais con-vidativas para a interação do público, podendo ser adentradas, escaladas ou manipuladas.

A algumas das obras que podem ser adentradas, o artista dá o nome de “naves” - sendo que tais naves, da visão do curador Moacir dos Anjos, teriam nascido da influência das obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Outra particularidade da obra de Neto é a identifica-ção das instalações e esculturas com o corpo huma-no. Muitas vezes, essa referência é apenas implícita, natural pelas formas e curvas orgânicas que seus trabalhos adquirem. Esse tipo de associação reflete-se inclusive no nome dado às obras, como O Céu é a Anatomia do Meu Corpo ou Acontece na Fricção dos Corpos (ambas de 1998).

Mas em alguns casos, como em Humanóides (2001), existe uma interação direta entre corpo e arte. Na obra citada, o público era convidado a “vestir” as esculturas flexíveis, sentindo-se confortável e acon-chegado.

Dessa forma, o artista une espectador e obra pelas sua identificação visual - a obra surge como uma con-tinuidade da estrutura orgânica do espectador - e pela imersão dos sentidos, explorando intensamente essa interação do público com as instalações e estruturas.

ASNAvESobras de Ernesto Neto que podem ser adentradas.

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Juliana Piesco

O contraste entre diferentes materiais é um dos focos do trabalho desse artista multimídia.

multiartista paulistano Nuno Ramos (1960-), além de desenhista, escultor e pintor, ainda

é cenógrafo, videomaker e lançou o livro de contos O Pão do Corvo

em 2002.

Ramos começou a pintar no início da década de 1980, dedicando-se aos trabalhos com esmalte sintético sobre papel. Foi um dos fundadores da Casa 7, ao lado de artistas como Carlito Carvalhosa e Fábio Miguez. Com o passar dos anos, começou a explorar a viscosidade da tinta, e suas figu-ras foram tornando-se cada vez mais abstratas.

A partir de 1987, Nuno Ramos foge do plano, fazendo seus pri-meiros trabalhos tridimensionais. Ele trabalha com materiais múltip-

los, que incluem madeira, tecido e cal, com ênfase

justamente na associação de elementos que em geral

não são relacionados, explorando seus contrastes e as tensões cria-das por essas combinações.

Também agrega essa terceira dimensão aos seus quadros, posicionando em suas superfícies materiais diversos, que transfor-mam suas telas em relevos.

Na 29ª Bienal de São Paulo, Ramos irritou ativistas dos direi-tos dos animais ao prender três urubus vivos em sua instalação Bandeira Branca, que ocupada a parte central do vão do Pavilhão. Entretanto, o uso de animais vivos faz parte da mistura de materiais em suas instalações, sendo que anteriormente ele já havia usado jumentos na instalação Vai, Vai (2006).

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Juliana Piesco

palavra, em toda sua força poética e possibili-dades de exploração estética, está no cerne do trabalho da mineira Marilá Dardot (1973-).

A literatura é uma fonte constante de inspiração, sendo que os livros muitas vezes são o tema - e da mesma forma, repetidas vezes são o suporte ou o material - de suas obras. Reinterpretadas, colocadas em novos contextos ou explora-das em dimensões inesperadas, as palavras assumem o pro-tagonismo.

Uma de suas obras mais marcantes nesse sentido é Rayuela (2005), na qual a artista rearranjou 322 pági-nas da novela homônima de Julio Cortázar em uma parede, dando a ela novos sentidos. Da mesma forma, podemos destacar Ulysses (2008), na qual a famosa (e longa) obra de Joyce foi grifada a cada nova aparição da pala-

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vra “palavra”.

Na 29ª Bienal de São Paulo, a segunda edição da qual a artista participou, sua instalação Longe daqui, aqui mesmo (criada em parceria com Fabio Morais) ganhou destaque. Na forma de uma casa inacabada, quase um labirinto, os elementos de construção eram as palavras, livros e histórias, os quais o público pisava e atravessava para adentrar a obra.

Na 30 x Bienal está a obra Entre nós (2006), exibida pela primeira vez na 27ª Bienal, o registro de um jogo de dados curiosos: dados de letras eram jogados ao acaso, na tentativa de construir palavras. Os jogos foram gravados pela artista e exibidos simultaneamente em 13 monitores na instalação, transfor-mando o espectador em um novo participante do jogo: ele, também, tenta construir palavras.

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ontemplada há menos de 1 ano com uma mostra panorâmica de seus trabalhos no

Museu de Arte Moderna de São Paulo, Adriana Varejão (1964-) é uma forte representante da arte brasileira contemporânea no cenário atual. Foi uma das pri-meiras artistas brasileiras a atingir cifras altas no mercado de arte, quando, em 2011, bateu mais de 1 milhão em um leilão da Christie’s. Suas obras fazem parte do acervo de grandes instituições de arte, como Tate Modern, Guggenheim, Inhotim, entre outras, e rodam o mundo em exposições individuais e coletivas.

Varejão nasceu no Rio de Janeiro, onde reside e trabalha atualmente. Entre 1981-85 frequentou alguns cursos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, considerada atu-almente uma das mais relevantes instituições de formação e debate sobre arte contemporânea. Como o foco principal da Escola é a for-mação do artista a partir da práti-ca, da pesquisa e da experiência com várias linguagens artísticas,

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ADRIANAvAREJÃo

“ATLANTES”, DE

1988, pRESENTE NA

30 X bIENAL

as bases para o projeto poético de Varejão são interdisciplinares: história brasileira, iconografia reli-giosa, barroco, modernismo, China e Brasil se encontram entrelaçadas em obras potentes. Logo, a pes-quisa é fonte essencial do seu tra-balho, que tem na pintura o grande suporte. Em 1988, aos 24 anos, realiza sua primeira exposição indi-vidual na Galeria Thomas Cohn,

no Rio de Janeiro, e daí em diante parte para mostras coletivas no mundo todo.

Um fato curioso é que Varejão, assim como outros artistas de nosso tempo, ganhou notorie-dade primeiro no exterior, para depois ser reconhecida no Brasil. Esse movimento inverso também se reflete nos acervos das institu-

Beatriz Giosa

Diálogo com o passado e teatralidade.

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“TEA AND TILE II”

GALERIA ADRIANA vAREJÃo,

Em INhoTIm (mG)

ções de grande porte nacionais (sem contar as galerias, que nesse sentido tem papel importante na difusão e circulação da produção nacional), que quase não adquirem obras de artistas contemporâneos, e Varejão é um exemplo disso. No Brasil, apenas o Instituto de Arte Contemporânea Inhotim, possui obras da pintora. Em São Paulo, participou da 22ª e da 24ª Bienal de Artes, e é representada na mostra 30 X Bienal com a pintura Atlantes, de 1988.

Em matéria publicada em janeiro desse ano no jornal O Globo, Adriana declarou ser uma “operária da pintura”. Disse também não ver sentido em falar sobre a pintura enquanto meio na sua produção: “Esta discussão já se esgotou. Eu escolhi falar de coisas que estão no mundo”. Essas coisas que estão no mundo aparecem em sua obra através do diálogo com o pas-sado, mais especificamente com o período colonial, onde resgata

a estética da azulejaria portuguesa das igrejas barrocas, das pinturas de cunho etnográfico dos artistas “viajantes” e dos mapas.

Adriana provoca o espectador ao pintar falsos azulejos com desenhos de plantas carnívoras e pedaços de carne humana pendu-radas, que se espanta quando não reconhece os temas religiosos e históricos comumente tratados nas pinturas de azulejo. Cenas de um abatedouro, da vida encarnada nas fundações das construções históri-cas do país. Longe de querer man-ter a pintura em uma lógica bidi-mensional, Adriana rasga a cena ao meio, e deixa revelar uma matéria-carne sanguínea, que ultrapassa o limite do plano e convida ao toque. Escravos, indígenas, Tiradentes e sereias são personagens de um discurso poético que trata de vio-lência e de erotismo de forma teatral, como bem deve ser uma obra dita

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barroca. Ruínas de um tempo que já foi, mas que permanece na memória, e que é representado pelo interior de vísceras e carne: ruína de tempo, ruína de corpo. A história é feita pelo amontoar de corpos anônimos que constrói igrejas, praças, muros, enfim, tradição.

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