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7/21/2019 300 http://slidepdf.com/reader/full/30056d6bcc51a28ab30168b66a0 1/9 III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006 2868 DOCUMENTOS DE ARTISTA, MONUMENTOS DE ARTE. ARTE, HISTÓRIA E PSICANÁLISE E AS LEITURAS SINTOMAIS E DA CRIAÇÃO EM TEXTOS E DOCUMENTOS DE ARTISTAS. Marcio Pizarro Noronha 1  I Introduzindo o singular no método. Da psicanálise e da arte e algumas tópicos para uma história. Eu poderia começar este texto com duas afirmações conhecidas do “dito  popular”. A primeira afirma que “cada caso é um caso” e isto me serve para pensar nos dois lugares nos quais me encontro enquanto sujeito desta enunciação, dizendo algo tanto do lugar em/na arte quanto do lugar em/na clínica. A segunda tornou-se minha conhecida quando dos Seminários de Pesquisa, durante o período do Mestrado em Antropologia. Feito uma espécie de lema do pesquisador de campo, afirma que “na  prática a teoria é outra”, o que remete novamente a lógicas posteriores de minha inserção na vida acadêmica, seja pelo viés da clínica (psicanalítica e a função da escuta), seja pelo viés da arte enquanto produção poética, invenção, criação artística. Estas  preocupações iniciais, oferecidas ao leitor, visam determinar a importância, no momento de produção desta escrita, destas duas formas de experiência. De um lado, a clínica psicanalítica ensina ao analista que todo o arsenal teórico e ferramental está  posto a serviço da singularidade do sujeito do desejo que deve nascer neste setting. 2   Nesta invenção do estilo do analista, reconhece-se, um processo artístico (de criação), que inventa o sujeito da análise e o sujeito analista, dentro da relação. Isto implica o entendimento de que seja um objeto este é demarcado por sua condição relacional. 3   Na arte, a criação convoca a um procedimento de pesquisa que, ao perceber a  presença de uma metodologia operacional, ou seja, um método que atinge um objeto em ação, um método que é também um fazer, inventa um produto que é invenção do método (a metodologia de trabalho e suas técnicas privilegiadas determinando as resultantes, seja na produção de objetos, seja na produção de forças) e, ao mesmo tempo, intervenção do processo e dos objetos experimentais no método. O método da c l i q u e p a r a  r e t o r n a r c l i q u e p a r a  r e t o r n a r c l i q u e p a r a  r e t o r n a r c l i q u e p a r a  r e t o r n a r

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Marcio Noronha. Documentos de artistas

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DOCUMENTOS DE ARTISTA, MONUMENTOS DE ARTE.

ARTE, HISTÓRIA E PSICANÁLISE

E

AS LEITURAS SINTOMAIS E DA CRIAÇÃO

EM TEXTOS E DOCUMENTOS DE ARTISTAS.

Marcio Pizarro Noronha1 

I

Introduzindo o singular no método.

Da psicanálise e da arte e algumas tópicos para uma história.

Eu poderia começar este texto com duas afirmações conhecidas do “dito

 popular”. A primeira afirma que “cada caso é um caso” e isto me serve para pensar nos

dois lugares nos quais me encontro enquanto sujeito desta enunciação, dizendo algo

tanto do lugar em/na arte quanto do lugar em/na clínica. A segunda tornou-se minha

conhecida quando dos Seminários de Pesquisa, durante o período do Mestrado em

Antropologia. Feito uma espécie de lema do pesquisador de campo, afirma que “na

 prática a teoria é outra”, o que remete novamente a lógicas posteriores de minha

inserção na vida acadêmica, seja pelo viés da clínica (psicanalítica e a função da escuta),

seja pelo viés da arte enquanto produção poética, invenção, criação artística. Estas

 preocupações iniciais, oferecidas ao leitor, visam determinar a importância, no

momento de produção desta escrita, destas duas formas de experiência. De um lado, a

clínica psicanalítica ensina ao analista que todo o arsenal teórico e ferramental está

 posto a serviço da singularidade do sujeito do desejo que deve nascer neste setting. 2 

 Nesta invenção do estilo do analista, reconhece-se, um processo artístico (de

criação), que inventa o sujeito da análise e o sujeito analista, dentro da relação. Istoimplica o entendimento de que seja um objeto este é demarcado por sua condição

relacional.3 

 Na arte, a criação convoca a um procedimento de pesquisa que, ao perceber a

 presença de uma metodologia operacional, ou seja, um método que atinge um objeto em

ação, um método que é também um fazer, inventa um produto que é invenção do

método (a metodologia de trabalho e suas técnicas privilegiadas determinando as

resultantes, seja na produção de objetos, seja na produção de forças) e, ao mesmotempo, intervenção do processo e dos objetos experimentais no método. O método da

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 pesquisa em arte assemelha-se à pesquisa no campo clínico pelo modo como a

metodologia deve estar contida nas operações que as práticas propiciam – seja a da

 prática da clínica, seja a da prática do artista em seu ofício investigativo -, produzindo

um objeto que resulta da inter-relação entre uma reflexão meta-teórica (conceitos,

métodos, ferramentas de trabalho, técnicas) e a instalação do lugar de trabalho (campo,

setting, ateliê, estúdio, etc.) .

Se há ciência nisto, como diz Herrmann, ela é resultante de uma ação constante

do próprio fazer, do próprio ofício. Só se constitui o objeto na sua feitura, ou seja, nos

termos de uma  poiesis  – construção – propriamente dita. E eis então que temos

confirmadas as simples idéias de que “cada caso é um caso”, não apenas por afirmação

da particularidade, mas pelo fato de que em cada caso o jogo teórico é confrontado e

revisado, sendo reescrito, pois, “na prática (no oficio), a teoria passa a ser outra”, na

medida em que a teorização está sendo constantemente refeita ou reinventada nas

combinações-contaminações que os objetos – de um lado, eminentemente psíquicos, e,

 predominantemente “amálgamas artísticos”, de outro – acaba por promover.

Diante dos objetos de estudo a que me dedico, em artes, presto atenção aos

modos como em cada um deles várias cadeias de história da arte estão sendo realizadas

e inventadas, tomando a história enquanto particularidade e singularidade. Portanto,

 para realizar uma escrita – histórica - que se desenvolve no rumo dessa poética, a opção

é a do desenvolvimento de um texto que persista, em seu modelo de produção, numa

forma particular e entrecruzada de enunciados atravessados por uma (des)ordem clínica

(subjetivo, singularidade), por um registro na forma de diários de cunho etnográfico

(observações, descrições) e uma forma poética não-narrativa, criando um exercício de

distanciamento pela via deste constructo artístico e provocando o leitor a acompanhar a

leitura da produção sintomal no decorrer do texto. Aqui, evoca-se a ciência e a arte e

uma aproximação entre ambas convocadas pela psicanálise, disciplina de vocaçãomulti- e interdisciplinar, para um sobrevôo e ultrapassagem de fronteiras, na direção do

universo criativo, caracterizando este universo de pesquisa que tenho tratado no

decorrer dos últimos anos – de 1998 / 1999 para cá – onde a intertextualidade não está

tramada apenas no campo dos objetos de observação – objetos artísticos -, mas também

se faz presente nas correlações entre a arte, a filosofia, a psicanálise e as ciências.

A clínica psicanalítica é o espaço privilegiado de investigação práticaque é indissociável da teoria. Este vínculo é o que designa o campo

 psicanalítico como lugar onde se encontram amalgamados os dois processos: uma investigação particular, referida à singularidade do

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sujeito do desejo inconsciente, e outra, que se constitui em uma produção teórica a partir de cada caso e que vai interrogar a redeconceitual psicanalítica, operando no domínio argumentativo e buscando introduzir pensamentos diferenciais. (FRANÇA, 1997: XXI)

A referência ao campo clínico, nestes termos, como já vimos, é fundamental.Enquanto disciplina gestada na ordem moderna dos saberes, a psicanálise instalou um

lugar de saber que reúne o particular-singular (hoje, por vezes, chamado em discursos

epistemológicos, de subjetivo) com uma meta-teoria da clínica (a formação de uma rede

conceitual que designa o corpus da psicanálise). Em termos abrangentes, o Prefácio de

Horus Vital Brazil ao livro Psicanálise, Estética e Ética do Desejo demonstra o lugar

ocupado pela clínica e uma produção de conhecimento que parte desta relação. Para ele,

numa denominação da psicanálise enquanto uma ciência, esta se daria sob a forma dasconjecturas, das elocubrações, das probabilidades, onde conceitos são instrumentos ou

ferramentas para uma argumentação sujeita a um lugar empírico – o setting psicanalítico

 – no qual uma  práxis  se estabelece. Assim, como diz a citação acima, a prática é

verdadeiramente prática teorizante que deve se oferecer ao psicanalista não como

Weltanschaung (visão de mundo) que seria prescrita tanto ao analista como ao paciente,

mas justamente como uma tal incompletude e, portanto, em termos de uma metodologia

de trabalho (e de pesquisa), numa metodologia que se abre a alteridade, à metáfora, ao

enigma, ao jogo do valor propriamente dito. Vital Brazil mostra como esta contribuição

desconstrutiva tem seus inícios no discurso psicanalítico4.

E contribui decisivamente para a desconstrução do logocentrismo, para a subversão da concepção clássica do sujeito (Lacan) e asubstituição de um esquema cognitivo, que dava uma soberania àrazão discursiva, descobrindo que o idela de unidade doevolucionismo, que negava a alienação como um fato de origem e nãoreconhecia o Eu pronominal, fenomênico, como sendo“irremediavelmente alienante”, se recusava à dialética e pensava a

história da humanidade em termos de uma progressiva emancipaçãoda natureza, é mais um fracasso da razão que se queria monológica, presa a uma ideologia de totalização do conhecimento eabsolutamente identificada com a consciência (VITAL BRAZIL, in:FRANÇA, 1997: XIII-XIV)

Se esta afirmativa pretende encadear a psicanálise nas suas relações – e na sua

 provocação ao mal-estar – do campo das ciências positivas, permite-se ainda um

empreendimento que reúne Freud-Lacan-fenomenologia e estruturalismo nas formas de

uma razão simbólica e Freud-Lacan-desconstrução e pós-estruturalismo nas críticas

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filosóficas ao logocentrismo somadas a uma crítica de política (e de política textual) ao

falocentrismo da/na linguagem (Derrida).

Por outro lado, as relações entre psicanálise e arte também ganham consistência

 pela via do campo clínico. Tal como diz o psicanalista Michel de M’Uzan, um

 psicanalista apegado ao campo clínico acabará por se defrontar com os grandes temas

abstratos da arte e da morte. Em consonância a outros autores advindos da clínica

 psicanalítica, M’Uzan, como os mais contemporâneos Georges Didi-Huberman e

Darian Leader, reconhecem que toda estética e toda a teoria, ambas, falham ao tentar

atingir a arte. M’Uzan diz que isto se deve ao problema do dom e a incapacidade para,

tanto a estética quanto a psicanálise, darem conta deste fenômeno. Leader afirma:

Quando nos deparamos com alguma afirmação sobre “pintura” ou

“escultura” que pareça duvidosa, nossa primeira reação poderia ser pensar num contra-exemplo, a imagem de alguma obra de arte queresista à generalização do autor. E, no entanto, isso não nos mostraque todos nós possuímos um catálogo de imagens latentes, exatamenteno mesmo sentido em que o autor, ao efetuar uma observação sobre“pintura”, poderia estar pensando em obras feitas por ninguém mais,exceto Cézanne? Quando lemos sobre “arte”, isso pode nunca ter osignificado de “toda a arte”, devido precisamente à existência de umtal estoque de imagens latentes. E essa é uma razão pela qual asteorias de arte nunca funcionam.Pensar sobre arte talvez envolva justamente essa série de fricções, emque cada um de nós produz contra-exemplos e refutações. [...]

(LEADER, 2005:8)

E, ainda mais, voltando a M’Uzan e a França, acima citados, ambos reconhecem

uma dimensão estética da palavra freudiana e uma forte aproximação das formas de

 produção de saberes em psicanálise e em arte. O psicanalista funciona, na maioria das

vezes, tal como o artista. A singularidade de ambas as práticas combinada aos modos do

funcionamento do lugar da teoria nesta prática – da clínica, do ateliê, do treinamento,

etc. – enfocam este duelo entre uma prática que produz sua teoria e um universo de

conceitos que são operadores simbólicos e ferramentas de trabalhos (técnicas

 psicanalíticas, técnicas artísticas) a serem recriados e problematizados no campo

empírico, tendo como princípio a atenção flutuante do analista e a própria flutuação do

artista, traduzindo-se em estados onde uma comoção da identidade subjetiva (edípica)

sofre seus acidentes de percurso e se põe num estado derivativo.

Pues esos momentos em los que el Yo y el no-Yo intercambian tanfacilmente su lugar entranan uma considerable ampliación de laexperiência, gracias a la cual el individuo puede consumar suintegración pulsional y alcanzar de esta forma su fondo más auténtico.Lejos de ser meros sintomas, son la mejor oportunidad que puede

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ofrecérsele a um ser de escapar a las identificaciones extrañas a suverdade, o dicho de otro modo, de construirse a sí mismo, por símismo, sin riesgo de falsificación. Si he de atenerme a la prueba deuna experiência clínica, es paradójicamente cuando el individuo notiene miedo a deshacerse cuando tiene más posibilidades de llegar aser realmente lo que es. [...] para mí, el aparato psíquico, inacabado por naturaleza, no cesa de construirse y de remodelarse hasta lamuerte. [...] Em cualquier ocasión en que se produzcan – y muchascosas me inclinan a pensar que tienen mucho que ver con unaexperiencia de la naturaleza del duelo – considero estas vacilacionesdel ser como momentos fecundos, es decir, los instantes másautênticos de la inspiración. Lo mismo que la “captación” del escritor,que es de hecho uma descaptación de su persona, es aquello queconvierte a la obra proyectada em tarea imperiosa y le comunica lasfuerzas que necesita para tomar forma e individualizarse, del mismomodo, es en general en los estados situados fuera de limites, en losque el verbo “edípico” deja de conjugarse, en los que el ser puede

encontrar aquello que le hará convertirse a sí mismo em obra arealizar. (M’UZAN, 1977: 9-11)

Vários encontros aqui são possíveis e já ocorrem. Na pesquisa histórica e, em

meu caso particular, na pesquisa em História da Arte, uma vertente importante deste

encontro é dada, num lugar fora da psicanálise, mas por ela contaminado – no

 pensamento de Walter Benjamin. Nos termos mais gerais da História (e de uma Teoria

da História), por exemplo, seguindo a lógica proposta por Freud-M”Uzan, a

estruturação psíquica edípica apenas conhece uma história ordenada na forma dereconstrução do passado, sustentada em mecanismos de exclusão (apagamento) e de

invenção. Nestes termos, toda a história oficial do sujeito – como toda a história oficial

da cultura e de uma sociedade – são formações inconscientes edipianizantes, na medida

em que se sustentam, por conta de uma estruturação narrativa de exclusão de suas outras

versões.5 

Um ponto de vista clínico (psicanalítico) e da investigação poética (dos artistas)

não permite sustentar ao infinito tal teorização. Uma história inventada é uma sobrevida

aos escombros daquilo que faz parte de seu conteúdo latente. A História acaba por ter a

forma de uma novela, um modo romanesco de funcionamento, onde tudo pode ser

refeito, mas não repetido. Ou melhor, a repetição existe mascarada pelo princípio do

remake. A questão do remake, é um princípio estruturante do paradigma audiovisual, tal

como o indico em outro artigo, no qual analiso as matérias no campo da criação de

obras artísticas (áudio)visuais contemporâneas.6 

II

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Enunciação de uma pesquisa em andamento.

Após estes apontamentos de ordem teórico-prática e metodológica, gostaria

apenas de trazer algumas questões enquanto integrando a agenda de pesquisa do grupo

INTERARTES: SISTEMAS E PROCESSOS INTERARTÍSTICOS E ESTUDOS DE

PERFORMANCE (DIRETÓRIO CNPq / UFG / PPG Música), sob minha coordenação,

e, no qual, estudamos a criação e o processo criativo do ponto de vista mesmo dos

artistas e dos seus diferentes registros documentários, privilegiando os artistas do campo

da criação (áudio)visual contemporânea, num cruzamento com outros projetos de

 pesquisa em andamento neste grupo. Em função de ser este um espaço de artigo vou me

deter na agenda de trabalho do momento atual que envolve, de um lado, as leituras em

torno dos conceitos de drama e de representação a partir da psicanálise e do jogo acerca

do funcionamento mental oculto no FORT-DA (um jogo de aparecer-desaparecer de um

carretel do neto de Freud). Tomamos este ponto como primordial, em torno do

 pensamento freudiano, em função de traçar o caminho que teórico que o une às leituras

contemporâneas, com ênfase para o trabalho de Georges Didi-Huberman. Por outro

lado, a concepção do vazio (nos termos lacanianos) é de fundamental importância nesta

leitura e acompanha os traços desenvolvidos por França e Regnault. Na leitura da

imagem, a situação envolve primordialmente os trabalhos de Darian Leader e de

Antonio Quinet.

Para o tratamento destes textos que atualmente encontram-se em fase de

 publicação e de diários de artistas – bem como de entrevistas que estão sendo realizadas

através do recurso audiovisual – temos em conta os tempos da formação deste

documentos e seu relacionamento com o processo criador do artista, distinguindo os

tempos do ato de criação e da composição da obra. Nos termos freudianos, o processo

criador ocorre num tempo dramático (e as funções catárticas a ele associadas) e sob aégide da representação, no sentido de colocar em cena (o jogo do FORT-DA). No

drama, fala-se de uma angústia (a indizível angústia de Freud) que inclui uma

despersonalização, um estado fora-de-si, o que representa uma mudança de posição do

artista na cena da criação e, mais ainda, um deslocamento frente ao mundo. Desse

modo, o depoimento do artista diante do momento da criação – cadernos de notas,

excertos, frases esparsas, registros em vídeo e em fotografias, etc. – podem ser pensados

enquanto um lugar que faz ressurgir um Real e diante dele um conjunto de novasexigências pulsionais, numa busca de descoberta de novas possibilidades de uma

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existência dentro dos parâmetros da realidade. Assim, o documento do artista é um

monumento inaugural que, entre vazio (e silêncio) promove uma experiência de ruptura

com o fluxo natural da existência. O lugar desta fala é, desde já, a alteridade radical

 pelas flutuações do Eu e do Não-Eu e o modo como estas pretendem ser uma micro-

descrição da (re)criação e do deslocamento da realidade.

O FORT-DA é um jogo fantasmático que permite ao teórico da arte uma

investigação em torno das esculturas-objetos (o que é dado a ver) e da cena (o drama)

instalada pelo minimalismo. Didi-Huberman pode assim, sublinhar este jogo entre perda

e reconciliação pela via do que resta (resta-um). É isto um trabalho de luto que se faz na

arte e para a história? Ou como diz M’Uzan, para quem o investimento na clínica

sempre conduzirá aos grandes temas da arte e da morte e suas associações. Jogar com a

morte é uma forma de fazer acontecer a vida. Assim, ao reler o minimalismo enquanto

história e teoria da arte, não encontraremos aqui apenas os princípios de uma

formalização objetivada em torno de uma cena contemporânea e articulada à história

das artes enquanto história dos movimentos e do seu deslocamento no século XX (da

Europa para os E.U.A.). O Modo de Entrada no estudo deste movimento internacional

está convencido de que estamos diante de um problema de fantasma e, portanto, do

estabelecimento de algumas figuras que sejam capazes de indicar a presença do objeto

 bem como um espaço que determine a sua ausência em continuidade. O cubo

minimalista é também o “cubo branco” da galeria de arte vazia e convidativa à

demarcação simbólica. Para traçar tal caminho um vai-e-vém entre as obras investigadas

e trechos de notas, diários e conversas entre artistas e personagens de sua ambiência.

Assim, entre arte e psicanálise pode surgir a figura do historiador da arte. A

tarefa deste tipo de história especial consiste em exumar o passado, escavar e mostrar à

cena contemporânea um conjunto de obras mortas, fazendo-as novamente vivas, tal

como alguém que entre os restos, entre os cacos cerâmicos de camadas geológicas,retira algo do seu contexto e o torna monumental e emblemático.7 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:ADAMS, Laurie Schneider. The Methodologies of Art: an introduction. New York: HarperCollins

 books, 1996.AMBRIZZI, M. L; NORONHA, M. P. “Vídeos experimentais em história da arte. De Interartes:Kandinsky, música, pintura e o espiritual na arte ao estudo documental de Santuários artísticos [Kracjberg(BA), Dona Romana (TO), Projeto AREAL (RS) e Nêgo (RJ)]” in: Anais Eletrônicos do XII CongressoRegional de História – ANPUH / RJ, Simpósio Temático O Audiovisual na Contemporaneidade.DERRIDA, J. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1971.DERRIDA, J. Estados-da-alma da psicanálise. O impossível para além da soberana crueldade. São Paulo:Escuta, 2001.

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HERRMANN, Fabio. (1991) Clínica psicanalítica. São Paulo : Brasiliense.KOFMAN, Sarah. (1996) A infância da arte : uma interpretação da estética freudiana. Rio de Janeiro :Relume-Dumará.

LAUXEROIS, Jean et SZENDY, Peter. De la différence des arts. Paris / Montréal : IRCAM / CentreGeorges Pompidou et L’Harmattan Inc, 1997.

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1 Marcio Pizarro Noronha é Doutor em História (PUCRS) e Doutor em Antropologia (USP). É professorda Escola de Música e Artes Cênicas – EMAC – UFG e atua nos Programas de Pós-Graduação emHistória e em Música. É coordenador do Grupo de Pesquisa Diretório CNPq INTERARTES: SISTEMAS

E PROCESSOS INTERARTÍSTICOS E ESTUDOS DE PERFORMANCE. É parcialmente financiado pela Bolsa do Programa de Auxílio ao Pesquisador da FUNAPE – UFG (2006).2 Fabio Herrmann no livro Clínica Psicanalítica – A Arte da Interpretação (São Paulo: Brasiliense, 1991) propõe que devemos pensar na psicanálise enquanto um sistema para aprender a pensar clinicamente, noqual o campo da psicanálise é afetado continuamente pelas relações que nele se estabelecem a cada cenanova de um paciente. Os conceitos que daí derivam são operações entre os conceitos de metapsicologiafreudiana (e de outras referidas a Freud) e o que nasce a partir de cada relação. Portanto, o modo comoum analista acede ao método consiste no estilo do analista. O estilo de clínica não é apenas a adoção deum certo referencial teórico – Freud, Freud-Jones, Freud-Klein, Freud-Lacan, etc. – pois isto, segundoHerrmann corresponde apenas ao momento de adesão do analista ao estilo inconsciente do grupo deformação. Para tornar-se analista é necessária uma apropriação e o desenvolvimento do corte auto-reflexivo, como nos explica o autor. Nestes termos, a constituição de um estilo é a seleção, dentro do quesomos, daquilo que queremos ser. Na clínica psicanalítica, o estilo vem da sedimentação e da depuração. Influências sucessivas de professores, de leituras, de modelosvários, mesmo de pacientes, vêm dispor-se como camadas sucessivas que, primeiro, devemos acolher numa quase passividade. Sódepois que as mais básicas delas se consolidaram é que estamos aptos a nos deixar cobrir pelas seguintes. E só bem depois, quandodiversos níveis de estratificação já se superpõem, uma espécie de corte auto-reflexivo revela-nos quem somos, como nos formamos.Esse é o delicado momento de selecionar, dentre tudo o que somos, o que queremos ser na clínica, depurando certas influências,rejeitando outras, imitando cautelosamente aquilo que de mais precioso já possuímos em nosso repertório. É isso mesmo: o clínicosó pode legitimamente imitar o que já é seu.” (HERRMANN, 1991: 13)3 Questões referentes ao tema do estilo na história são de suma importância nos trabalhos de Hayden-White e de Peter Gay, cuja freqüentação à Freud, permite também a escrita de uma história de um pontode vista psicanalítico freudiano, na leitura da instalação não apenas de formas da vida privada em face domundo público (leitura político-social e comunicacional) bem como dos estados do sentimento e daeducação dos sentidos e das emoções socialmente compartilhadas. Questões dessa ordem também sãoencontradas nos estudos sobre o narcisismo de Christopher Lasch.4 Remeto às leituras de Jacques Derrida e seus intercursos na psicanálise. Nestes termos ver: DERRIDA,

J. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1971; DERRIDA, J. Estados-da-alma da psicanálise.O impossível para além da soberana crueldade. São Paulo: Escuta, 2001; DERRIDA, J.; ROUDINESCO,E. De que amanhã: diálogo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. Estas questões são examinadas com

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III Simpósio Nacional de História Cultural

Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

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 profundidade no texto de MAJOR, René. Lacan com Derrida. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2002. Para uma abordagem aplicada destas relações ver também NORONHA, Marcio Pizarro. “Amasculinidade em cena ou encena” in: Diversos autores. Masculinidade em crise. Comissão deAperiódicos da APPOA. Porto Alegre: APPOA, 2005.5 No artigo “Esquecer? Não: In-quecer”, Renato Mezan retoma uma leitura metafórica de Habermas, das

relações entre História e Psicanálise, no que diz respeito ao tema da memória e do esquecimento. Para ofilósofo alemão, o psicanalista promove o entendimento cicatrizante do passado ou o domínio do passadosob a forma de um fantasma não redimido – algo aos moldes do anjo da história de Walter Benjamin. Arememoração teria a função social de fazer do passado algo presente. Para Mezan, as questões damemória e do esquecimento histórico dizem respeito ao trabalho de luto, tanto individual quanto coletivo. Nestes termos, uma história inventada não permite apenas o esquecimento de algo bem como aestabilização de certas coisas a serem lembradas e tomada como verdadeiras. O passado seria algoestabilizado e feito uma narrativa temporalmente situada. Para a psicanálise, o passado é sempre atual pois se revela sempre enquanto inscrição psíquica atualizada em formas diferentes. Esquecer, portanto,cair ativamente para fora de uma certa memória, não pode ser superado ou contrastado, por uma atitudede recordação (rememoração), já que está memória é constituída pela própria ordem ativa doesquecimento. A memória restante a ser recordada já é ela própria o fruto do esquecimento (tal como emFreud, Nietzsche reconhece este poder ativo e não passivo do esquecimento). Seria então a rememoração

a função passiva do atividade do esquecimento? E o que poderia ser então seu oposto? Mezan determinaaqui a ação oposta: o in-quecimento. MEZAN, R. “Esquecer? Não: In-quecer”, in: FERNANDES,Heloísa Rodrigues. ((1989) Tempo do desejo: psicanálise e sociologia. São Paulo: Brasiliense.6 Remeto à discussão em torno deste estruturante cinema para a leitura e interpretação do paradigma docinema e para o efeito-filme na arte contemporânea, conforme desenvolvo em outros artigos recentemente publicados. Ver NORONHA, M. P. “Performance e audiovisual: conceito e experimento interartístico eintercultural para o estudo da História dos Objetos Artísticos na contemporaneidade e AMBRIZZI, M. L; NORONHA, M. P. “Vídeos experimentais em história da arte. De Interartes: Kandinsky, música, pinturae o espiritual na arte ao estudo documental de Santuários artísticos [Kracjberg (BA), Dona Romana (TO),Projeto AREAL (RS) e Nêgo (RJ)]” in: Anais Eletrônicos do XII Congresso Regional de História –ANPUH / RJ, Simpósio Temático O Audiovisual na Contemporaneidade.7  Aqui uma diversidade de leituras de Walter Benjamin e de Jacques Lacan podem ser cruzadas nosentido de compreensão do que seja o emblema e o monumento. Omar Calabrese, filósofo e semioticistaitaliano, também trata destas questões do ponto de vista de sua estética social neobarroca.

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