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  • DIREITO DAS COISAS SOLICITADORIA 2 ANO 1 SEMESTRE (2004/2005)

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    CASO PRTICO

    No ms de Dezembro de 2003, Andreia, proprietria de

    uma quinta no Alentejo, com a rea de 50.000 m2, celebrou

    com Beatriz um contrato escrito, assinado por ambas, nos

    termos do qual a primeira contraente transmitiu segunda a

    casa de habitao existente na quinta, com a rea coberta

    de 500 m2. Desde Janeiro de 1980 que Beatriz habitava a

    referida casa de habitao na qualidade de arrendatria de

    Andreia.

    A rea correspondente a 20.000 m2 encontrava-se

    arrendada a Diana, desde 1970. No incio de 1989 Diana

    celebrou com Eduardo um contrato escrito, mediante o qual,

    permite que este plante eucaliptos prprios no terreno

    tomado de arrendamento.

    Em Janeiro de 2004, Andreia, que continuava a explorar

    a parte restante do terreno, isto , 29.500 m2, morre.

    Sucede-lhe o seu filho, Crespo, que invocando a falta

    de ttulo, quer de Beatriz quer de Eduardo, se arroga

    proprietrio pleno de toda a rea. Por forma, a demonstrar

    e proteger o seu direito de propriedade mudou a fechadura

    da casa e vedou toda a rea com arame farpado, deixando

    apenas uma entrada protegida por um porto do qual apenas

    ele tem a respectiva chave.

    RESOLUO

    O caso prtico em apreo remete-nos, desde logo, para a

    matria da posse. Esta matria encontra-se regulada

  • DIREITO DAS COISAS SOLICITADORIA 2 ANO 1 SEMESTRE (2004/2005)

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    essencialmente no Cdigo Civil. De facto, este Cdigo

    prescreve no seu art. 1251 a noo de posse. Deste artigo

    podemos retirar que a posse o poder que se manifesta

    quando algum actua por forma correspondente ao exerccio

    do direito de propriedade ou de outro direito real.

    Desde h muito que as discusses doutrinais abrangem o

    conceito de posse. Fruto destas discusses so as teorias

    objectiva e subjectiva. A primeira teve como criador

    Ihering1 e a segunda Savigny2.

    Para Savigny e outros seguidores da teoria subjectiva3 a posse decompem-se em dois elementos autnomos: o corpus

    e o animus. Estes elementos so autnomos mas devem

    coexistir para, de acordo com esta teoria, estarmos perante

    posse. O corpus o elemento material da posse e consiste na

    possibilidade fsica de algum exercer influncia imediata

    sobre uma coisa sem que terceiros coloquem obstculos a tal

    exerccio. Este elemento consta expressamente do texto do

    art. 1251, do C.C.. O animus (animus possidendi) ou inteno de possuir o

    elemento moral da posse e pode ser definido como a vontade

    de se exercer o direito real que se traduz nos actos

    materiais, como se fosse verdadeiramente e definitivamente seu titular. O art. 1251, CC, no se refere ao animus como

    elemento essencial para a existncia de posse, mas ele

    deriva de outras disposies do Cdigo, nomeadamente do 1 Vide IHERING Volont: Possession, p. 226 e ss. Para Ihering toda a relao material da pessoa com a coisa posse, s deixando de ser se o legislador disser o contrrio, estando assim a essncia da posse exclusivamente na relao exterior. 2 Cfr.SAVIGNY Possession. 3 Vg Manuel Andrade, Pires de Lima e Antunes Varela.

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    art. 1253, do CC. Na verdade o art. 1253 do CC refere

    situaes4 em que determinados sujeitos, apesar de terem

    possibilidade fsica de exercerem influncia imediata sobre

    uma coisa sem que terceiros coloquem obstculos a tal

    exerccio5, so meros detentores ou possuidores precrios,

    uma vez que, no detm o animus que, como referimos supra,

    um elemento essencial existncia de posse de acordo com a concepo subjectiva. Quando no h ttulo o animus

    presume-se.

    S podem constituir objecto de posse coisas ou direitos

    certos e determinados que no esto fora do comrcio, isto

    , que podem ser objecto de apropriao (e consequentemente

    de transmisso). No nosso direito apenas os direitos reais

    podem ser objecto de posse.

    Como a posse no pode ser exercida sobre coisas

    imateriais, no o pode ser sobre a propriedade industrial

    (sujeita a legislao especial), nem sobre a titularidade

    do estabelecimento comercial, nem sobre a herana, que so

    universalidades, embora se possa exercer a posse sobre os

    bens, considerados concreta e autonomamente, que constituem

    as referidas universalidades6.

    Quanto possibilidade do exerccio de posse sobre

    direitos de garantia no existe, quer doutrinalmente quer

    jurisprudencialmente, consenso. No entanto, a maior parte

    4 So aqueles que exercem o poder de facto sem inteno de agir como beneficirios do direito; que simplesmente se aproveitam da tolerncia do titular do direito (isto aqueles que so praticados por presumida concesso do verdadeiro possuidor) os representantes ou mandatrios do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem (cfr. Art. 1253, do CC). 5 A lei confere a estes sujeito possibilidade de utilizarem os meios de defesa da posse (mesmo no sendo possuidores) contra aqueles que interferirem no gozo do seu direito incluindo o proprietrio. 6 Em sentido diverso vide Adelino da Palma Carlos, in Colectnea de Jurisprudncia, 1983, t.1, pg. 7 e ss.

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    dos autores entendem que os direitos reais de garantia no

    so susceptveis de posse, visto que, so entendidos como

    direitos acessrios de direitos de crdito e, como tal,

    apenas se podem constituir ou fazer valer na dependncia

    destes.

    A posse pode revestir vrias espcies. Deste modo, a

    posse pode ser titulada ou no titulada; de boa f ou de m

    f; pacfica ou violenta e oculta ou pblica.

    De acordo com a enumerao ora referenciada a posse

    diz-se titulada se fundada em qualquer modo legtimo de

    adquirir, independentemente quer do direito do

    transmitente, quer da validade substancial do negcio

    jurdico (cfr. Art. 1259, n. 1, do CC). Destas ltimas

    palavras da lei, resulta que nenhum vcio de fundo afasta

    hoje a titularidade da posse, tal como a simulao

    (absoluta ou relativa), o erro, a coaco7. Assim, este

    art. Refere-se meramente substncia no abrangendo os

    vcios formais, como por exemplo a compra de um imvel

    verbalmente ou por escrito particular, no sendo esta, por

    isso, qualificada de posse titulada. O ttulo no se

    presume, pelo que, aquele que o invocar tem a seu cargo o

    nus de o provar. A posse titulada presume-se de boa f

    (art. 1260, n. 2, CC). Se no o negcio que origina a

    posse nulo, esta no titulada. posse no titulada

    chama-se mera posse. Esta est referida no CC nos arts

    1295 e 1296 (relativamente usucapio de imveis) e,

    ainda que indirectamente, os arts 1298 (al.b)) e 1299, do

    CC. Contrariamente ao que sucede com a posse titulada, da 7 Neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, Cdigo Civil Anotado, Vol. III, p. 16 e 17.

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    posse no titulada deriva a presuno de m f (art. 1260, n. 2, CC). Porm, devido natureza iuris tantum desta

    presuno legal, possvel, mediante prova, coexistir boa

    f na posse sem ttulo.

    A posse de boa f subentende que o possuidor ignore que

    est a lesar direitos de outrem (art. 1260, n. 1, CC).

    A boa ou m f do possuidor relevante quanto perda

    da coisa e quantos aos frutos que da mesma derivam. Assim,

    quanto perda da coisa o possuidor de boa f s chamado

    a responder caso tenha procedido com culpa (art. 1269).

    Quanto aos frutos, quer civis quer naturais (percebidos)

    pertencem ao possuidor de boa f, at ao dia em que souber

    que est a lesar com a sua posse o direito de outrem (art.

    1270, n. 1).

    Referimos anteriormente que a boa f pressupe o

    desconhecimento, por parte do possuidor, na leso de

    direitos de outrem. Por este motivo facilmente se entende

    que a boa f do possuidor cessa com a citao do mesmo. De

    facto a partir desta altura o possuidor no pode deixar de

    saber que est a lesar o direito de outrem.

    Quanto s benfeitorias o regime semelhante quer o

    possuidor se encontre de boa ou de m f. De facto, a nica

    diferena que se apresenta refere-se s benfeitorias

    volupturias, neste caso, o possuidor de m f perde-as

    sempre, ao contrrio do possuidor de boa f que as pode

    levantar desde que tal acto no resulte em detrimento da

    coisa (cfr. Art. 1273 e SS.).

    Outra caracterstica da posse a presena ou ausncia

    de violncia. Nos termos do art. 1261 estamos perante

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    posse pacfica quando esta foi adquirida sem violncia (o

    momento relevante o inicial da investidura), isto ,

    quando para obt-la o possuidor no usou de coaco fsica

    ou moral.

    Finalmente podemos estar face a uma posse pblica ou

    oculta. A primeira existe sempre que exercida de modo a

    ser conhecida pelos interessados (art. 1262). A

    publicidade tem de existir tanto no incio da posse como no decurso dela. A contrario sensu a segunda existe quando

    exercida de modo a no poder ser conhecida pelos

    interessados. Esta caracterstica da posse relevante em

    termos de usucapio. Na verdade, se a posse tiver sido

    tomada ocultamente o prazo da usucapio s comea a

    contar-se desde que a posse se torne pblica.

    A aquisio da posse pode dar-se mediante diversas

    modalidades. De seguida, iremos explanar os modos de

    aquisio de posse. Antes de mais, cumpre relembrar que a

    posse se adquire mediante a reunio dos dois elementos que a constituem: o corpus e o animus.

    A aquisio dos supra referidos elementos pode dar-se

    derivada ou originamente, consoante haja ou no colaborao

    do antigo possuidor em tal aquisio. Assim, a aquisio

    derivada verifica-se quando a posse transferida de um

    possuidor para outro. neste caso que pode haver lugar

    acesso na posse, nos termos do art. 1256. Para alguns

    autores8 este no o caso da sucesso por morte, previsto

    no art. 1255, visto no haver, nesta situao, verdadeira

    8 Entre outros, vide, Pires de Lima e Antunes Varela, ob. Cit. e Moutinho de Almeida, Restituio de Posse e Ocupaes de imveis.

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    aquisio de uma posse (nova), mas mera continuao de

    posse no sucessor. Porm, a maior parte dos autores9, v

    ainda nesta forma de aquisio de posse uma aquisio derivada. a chamada tradio ficta.

    A aquisio derivada a forma mais corrente de

    aquisio de posse e pode dar-se por vrias formas. Paralelamente com a tradio ficta, apenas aplicvel em

    situaes mortis causa, temos a tradio real. Nesta o

    antigo possuidor permite ao novo o gozo da coisa (ou do

    direito), facultando a este ltimo a prtica de actos que

    demonstrem o seu poder de facto sobre a dita coisa. A

    tradio real pode ser expressa ou implcita consoante

    exista ou no um acto material a sensibilizar a entrega da

    coisa (ou, por maioria de razo, a entrega da prpria coisa). Dentro a tradio real implcita temos a traditio

    brevi manu e o constituto possessrio (art. 1264) que

    pode ser bilateral ou trilateral.

    A traditio brevi manu, no vem regulada

    especificamente em nenhum artigo, mas ningum lhe nega

    a sua qualidade de adquirir posse, a forma de

    aquisio de posse sempre que a coisa j detida

    deixada ao detentor a ttulo de posse, passando,

    assim, a mera deteno a posse formal. Exemplo

    paradigmtico desta forma de aquisio de posse o

    caso de venda do senhorio ao inquilino do prdio que

    este j tinha na qualidade de arrendatrio.

    9 Entre outros Henrique Mesquita.

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    Quanto ao constituto possessrio bilateral,

    regulado no art. 1264, n. 1, trata-se da converso

    da posse em deteno, por acordo entre o possuidor e o

    detentor e da transferncia da posse para outro. Ser

    o caso em que o proprietrio de um imvel o vende, por

    exemplo por documento particular, a outra pessoa, mas

    toma esse mesmo imvel de arrendamento para si. Ora,

    nesta situao, o antigo possuidor continua na posse

    material da coisa (tem o corpus), mas na qualidade

    de mero detentor. A posse foi transferida para

    outra pessoa embora esta no exerce poderes

    materiais sobre a coisa (no tem o corpus, mas tem

    o animus). Se em causa estiver o constituto

    possessrio trilateral somos remetidos para o

    n. 2 do supra mencionado art. 1264. Aqui o possuidor j no exerce poderes materiais data da

    transferncia da posse, pelo que, apenas vai entregar

    o animus e no o corpus. Ser essa a situao em que o

    proprietrio de um imvel, que o deu de arrendamento a

    outra pessoa, o vende a um terceiro, que no o

    arrendatrio10. Nesta situao no h qualquer

    alterao relativamente ao detentor da coisa, mas o

    possuidor passa a ser outro.

    10 Neste caso ser sempre de ter em ateno se se verificam os requisitos para a preferncia legal do arrendatrio em adquirir para si o prdio.

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    Dissemos, supra, que a aquisio de posse podia ser

    originria. Esta modalidade de aquisio de posse

    subdivide-se em acesso, art. 1325, ocupao, art. 1318 e

    usurpao.

    A acesso e a ocupao constituem formas de aquisio

    originria do direito de propriedade. Para tanto,

    necessrio se torna o respeito pelos requisitos que regulam

    esta matria. Quando tal no sucede, isto , quando no so

    cumpridos os requisitos legais para a aquisio de

    propriedade, possvel, ainda assim, que se adquira um

    direito (mesmo que provisrio), desde que se renam as

    condies de aquisio de posse.

    A usurpao pode ser exercida sob a modalidade de

    aquisio paulatina, 1263/a ou inverso do ttulo da posse,

    1263/d e 1265, quer por acto de terceiro quer por oposio do detentor ao possuidor. Para que a posse se adquira sem

    interveno do antigo possuidor (originria), necessrio

    que se estabelea entre a pessoa e a coisa uma relao de

    facto que contenha todos os elementos daquela figura.

    Assim, exige-se a prtica reiterada, com publicidade, dos

    actos materiais correspondentes ao exerccio do direito.

    Estes actos, por si s, no podem levar posse. Com efeito, sempre se exige o animus possidendi. A lei exige a

    prtica efectiva dos actos que revelam o exerccio do

    direito e no, apenas, a mera possibilidade de os realizar.

    A aquisio paulatina consiste, em suma, na prtica

    reiterada de actos materiais, com publicidade, que revelem

    o exerccio de um direito.

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    A inverso do ttulo da posse tambm faz parte, como se

    referiu, da aquisio originria de posse e pode dar-se

    quer por oposio do detentor do direito contra aquele em

    cujo nome possua ou por acto de terceiro capaz de

    transferir a posse. A lei no define, entre ns, quais os

    termos exactos em que deve verificar-se a oposio do

    possuidor ao direito daquele em nome de quem possui. Assim,

    tem-se entendido que os actos necessrios inverso do

    ttulo da posse so aqueles que demonstrem,

    inequivocamente, a pretenso do exerccio do direito como

    se fosse prprio. Assim, consubstanciar esta situao, por

    exemplo, a recusa do mandatrio entregar certa coisa

    alegando que a mesma lhe pertence. Neste caso, estamos

    perante a situao em que o actual possuidor ope o seu

    direito ao antigo possuidor e este no repele a oposio.

    Porm, a inverso do ttulo da posse tambm pode ser

    originada por acto de terceiro, quando resulta de um acto

    capaz de transferir a posse. Exemplo desta situao ser o

    caso de um terceiro, dizendo-se proprietrio de um imvel,

    o vende ao detentor. H aqui um vcio no negcio jurdico,

    pois o vendedor no pode transferir a propriedade porque

    no a tem, mas tal negcio jurdico comea logo a produzir

    efeitos possessrios.

    A posse enquanto facto jurdico origina efeitos.

    O mais importante consta do art. 1268, n. 1, e

    traduz-se no facto do possuidor gozar da presuno da

    titularidade do direito, excepto se existir, a favor de

    outrem, presuno fundada em registo anterior ao incio da

    posse.

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    Ainda relativamente aos efeitos da posse no podemos

    esquecer os relacionados com a perda da coisa (art. 1269);

    o regime aplicvel aos furtos (arts 1270 e 1271) e s

    benfeitorias (arts 1273 a 1275).

    Finalmente faltam referir as causas de perda da posse

    enumeradas taxativamente no art. 1267, n. 1, a saber,

    abandono, perda ou destruio material da coisa ou ser esta

    posta fora do comrcio, cedncia e posse de outrem. O

    abandono consiste na renncia ao direito propriedade

    sempre que o direito susceptvel de se extinguir por tal

    forma; a perda ou destruio material da coisa ou ser esta

    posta fora do comrcio verifica-se sempre que a coisa se

    torne inacessvel, como so os casos dos animais bravios

    que tomaram a sua liberdade natural e, relativamente

    destruio, sempre que, h a extino material da coisa,

    por exemplo, por um incndio; a cedncia supe a celebrao

    de um negcio jurdico e, por fim, a posse de outrem, mesmo

    contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse

    houver durado por mais de um ano.

    Sempre que algum se sente ameaado na sua posse deve

    exercer os meios de defesa que esto sua disposio e que

    se traduzem em trs tipos de aces diferentes: aco de

    preveno, aco de manuteno e aco de restituio. A

    primeira quando existe um justo receio de vir a ser

    perturbado no exerccio da sua posse (art. 1276). A

    segunda quando essa perturbao j se verifica, mas ainda

    h, por parte do possuidor, manuteno da posse (art.

    1278). A terceira quando o possuidor foi esbulhado da sua

    posse (art. 1278). Neste ltimo caso, se o esbulho for

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    violento ainda pode o possuidor esbulhado intentar um

    procedimento cautelar de restituio provisria de posse

    (art. 1279, CC, e art. 393 do CPC).

    A posse exercida por certo lapso de tempo permite a

    aquisio do direito, a cujo exerccio corresponde a sua

    aquisio, pelo exerccio da faculdade concedida ao

    possuidor e apelidada de usucapio.

    Os prazos para a usucapio de imveis so os seguintes:

    - 10 anos contados da data do registo, havendo ttulo

    de aquisio e registo deste, se a posse for de boa f

    (art. 1294, al. a);

    - 15 anos contados da data do registo, havendo ttulo

    de aquisio e registo deste, ainda que a posse seja de m

    f (art. 1294, al. b);

    - 5 anos contados da data do registo, se no houver

    registo do ttulo de aquisio mas houver registo da mera

    posse e esta for de boa f (art. 1295, n. 1, al. a);

    - 10 anos a contar da data do registo , se no houver

    registo do ttulo de aquisio mas o houver da mera posse,

    independentemente da boa ou m f (art. 1295, n.1, al.

    b);

    - 15 anos sobre a investidura da posse, sendo esta de

    boa f e no havendo registo do ttulo nem da mera posse

    (art. 1296);

    - 20 anos sobre a investidura da posse, sendo esta de

    m f e no havendo registo do ttulo nem da mera posse

    (art. 1296).

    Os prazos para a usucapio de mveis so os seguintes:

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    - 2 anos, contados da data do registo, sendo a coisa

    sujeita a registo, havendo ttulo de aquisio e registo

    deste e sendo a posse de boa f (art. 1298, al. a);

    - 4 anos, contados da data do registo, sendo a coisa

    sujeita a registo, havendo ttulo de aquisio e registo

    deste e sendo a posse de m f (art. 1298, al. a);

    - 10 anos, sendo a coisa sujeita a registo, inexistindo

    este e independentemente da boa f do possuidor e da

    existncia de ttulo (art. 1298, al. b);

    - 3 anos, no sendo a coisa sujeita a registo, mas

    sendo a posse de boa f e fundada em ttulo justo (art.

    1299);

    - 6 anos, no sendo a coisa sujeita a registo,

    independentemente de boa f e de ttulo justo (art. 1299);

    - 2 anos, nos casos de posse violenta ou oculta, se a

    coisa passar a terceiro de boa f antes da cessao da

    violncia ou da publicidade da posse, contados desde a

    constituio da posse do terceiro, se esta for titulada

    (art. 1300, n. 2);

    - 7 anos, nos casos de posse violenta ou oculta, se a

    coisa passar a terceiro de boa f antes da cessao da

    violncia ou da publicidade da posse, contados desde a

    constituio da posse do terceiro, inexistindo ttulo (art.

    1300, n. 2).

    Face aos exposto, vamos, agora, proceder resoluo do

    caso ora em apreo.

    Assim, a primeira relao que merece a nossa ateno

    a aquela na qual Andreia, proprietria de uma quinta no

  • DIREITO DAS COISAS SOLICITADORIA 2 ANO 1 SEMESTRE (2004/2005)

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    Alentejo, com a rea de 50.000 m2, celebra com Beatriz um

    contrato escrito, assinado por ambas, nos termos do qual a

    primeira contraente transmite segunda a casa de habitao

    existente na quinta, com a rea coberta de 500 m2. Desde

    Janeiro de 1980 que Beatriz habitava a referida casa de

    habitao na qualidade de arrendatria de Andreia.

    De acordo com o art. 1524, direito de superfcie

    consiste na faculdade de construir ou manter, perptua ou

    temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele

    fazer ou manter plantaes. Parece, pois, que foi este o

    negcio jurdico que Andreia e Beatriz pretenderam

    realizar.

    De facto a primeira permite que a segunda mantenha uma

    obra existente no seu terreno. Porm, tratando-se o direito

    de superfcie de um direito real sobre um imvel, a sua

    transmisso carece de escritura pblica. Neste caso, tal

    no existiu, pelo que, de acordo com o art. 408, o direito

    de superfcie no foi transmitido.

    Porm, Beatriz, que j habitava a dita casa desde 1980,

    mantm-se na casa. Na verdade, Beatriz j exercia poderes

    materiais sobre a casa desde 1980.

    Ser que os passa a exercer da mesma forma aps a

    celebrao do negcio jurdico com Andreia? Parece que no.

    De facto, enquanto arrendatria de Andreia, Beatriz, no

    passava de uma mera detentora ou possuidora precria, de acordo com o art. 1253, al. a). Detinha o corpus, mas

    sempre na convico de que era simples arrendatria.

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    Ora, com a celebrao deste negcio esta convico

    alterada. O negcio jurdico celebrado com Andreia, confere, pois, animus, a Beatriz.

    Neste momento (Dezembro 2003) d-se a reunio dos dois

    requisitos necessrios para o nascimento da posse, em

    termos de direito de superfcie.

    Esta aquisio de posse uma aquisio derivada (uma

    vez que contou com a participao da anterior possuidora

    Andreia), real (porque se trata de um negcio entre vivos),

    implcita (visto que no existe nenhum acto a sensibilizar a entrega da casa) e traditio brevi manu (j que o objecto

    agora de posse j era objecto de deteno por parte de

    Beatriz, esta passa, pois, da condio de mera deteno a

    posse formal).

    A segunda questo que cumpre analisar corresponde

    rea que se encontrava arrendada a Diana, desde 1970 e que

    esta, no incio de 1990, mediante a celebrao, com

    Eduardo, de um contrato escrito, permite que este plante

    eucaliptos prprios no terreno tomado de arrendamento.

    Diana pretende transmitir um direito real. Porm Diana

    meramente arrendatria, isto , mera detentora, pelo que,

    no lhe assiste a possibilidade de criar direitos reais

    sobre a coisa. Se Diana procedeu realizao de tal contrato porque uma alterao de animus, isto , no

    momento em que Diana celebrou o negcio com Eduardo, j no

    era mera detentora mas possuidora. Efectivamente, Diana,

    adquiriu a posse de forma originria, (pois, no houve

    colaborao de Andreia), na modalidade de usurpao, por

  • DIREITO DAS COISAS SOLICITADORIA 2 ANO 1 SEMESTRE (2004/2005)

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    inverso do ttulo da posse, pela oposio do detentor

    (Diana) ao at ali possuidor (Andreia).

    O contrato celebrado entre Diana e Eduardo configura a

    hiptese de um direito de superfcie, j que, Diana permite

    que Eduardo faa plantaes (art. 1524). Mais uma vez a

    ausncia da forma legalmente exigida para a transmisso do

    direito real em causa, origina a mera aquisio de posse.

    De facto, tambm aqui se d a reunio de ambos os elementos

    necessrios ao nascimento da posse. A posse de Eduardo

    derivada, real e expressa.

    Outra questo relevante nesta resoluo a morte de

    Andreia e a consequente transmisso dos seus direitos a

    Crespo. Neste caso, crespo adquire a posse por tradio ficta, uma modalidade da aquisio derivada de posse,

    especialmente dirigida s situaes mortis causa, art.

    1255.

    Finalmente deve ser alvo desta abordagem a atitude de

    Crespo em relao quer a Beatriz quer a Eduardo. Este com o

    intuito de proteger o seu direito de propriedade mudou a

    fechadura da casa e vedou toda a rea com arame farpado,

    deixando apenas uma entrada protegida por um porto do qual

    apenas ele tem a respectiva chave. A atitude de Eduardo

    interfere, obviamente, com os direitos de posse de Beatriz

    e de Eduardo.

    Como sabemos assiste ao possuidor meios de defesa da

    posse. Antes de se accionar um meio de defesa da posse

    temos de analisar que tipo de ofensa est patente. Neste

    caso, Crespo esbulhou violentamente Beatriz e Eduardo. Ora,

    face ao esbulho o possuidor deve intentar uma aco de

  • DIREITO DAS COISAS SOLICITADORIA 2 ANO 1 SEMESTRE (2004/2005)

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    restituio para que lhe seja devolvida a posse. Mas, neste

    caso em particular, estamos perante um esbulho violento.

    Esta situao tratada de um modo especial, j que, o

    possuidor pode, mediante um procedimento cautelar, exigir a

    restituio imediata da posse, nos termos do art. 393, do

    CPC. , efectivamente, esta a atitude que devem ter os

    nossos esbulhados.

    Quanto faculdade usucapirem temos de analisar os

    prazos em questo.

    Assim, a posse de Beatriz, sendo uma posse no titulada

    presume-se de m f, porm, esta presuno ilidvel

    (refutvel) ou elidvel (eliminvel) mediante prova em

    contrrio (art. 350, n. 2), pacfica, pblica e no

    registada. Parente estes caracteres da posse de Beatriz

    esta precisaria de 15 anos, se afastasse a presuno de m

    f, ou, de 20 anos, caso no afastasse tal presuno (art.

    1296).

    Porm, sucede que, de acordo com os dados fornecidos

    pelo nosso enunciado, Beatriz apenas foi investida na posse

    em Dezembro de 2003. Ora no tem, pois, os 15 ou vinte anos

    necessrios para usucapir. Deste modo, apenas lhe resta a

    possibilidade de aceder na posse de Andreia. A acesso

    encontra-se prevista no art. 1256 e permitida na

    aquisio derivada de posse, como o caso ora em anlise.

    Porm, aquele que pretender aceder na posse do anterior

    possuidor, e se esta posse tiver natureza diferente da sua,

    s pode usucapir de acordo com os caracteres da posse com

    menor mbito. Neste caso, Beatriz no teria sempre

    interesse em usucapir, ainda que Andreia tivesse uma posse

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    de menor mbito que a sua, uma vez que, esta j

    possuidora, pelo menos, desde 1970 (altura em que arrendou

    o terreno a Diana). Ora de 1970 a 2004 contam-se 34 anos e,

    como sabemos, a posse de menor mbito exige apenas 20 anos

    para se poder usucapir. Assim, se Beatriz acedesse na posse

    de Andreia podia usucapir e, como tal, fazer face ao

    direito de Crespo.

    A posse de Eduardo, tal como a de Beatriz, uma posse

    no titulada que, por isso, se presume de m f, porm,

    esta presuno ilidvel mediante prova em contrrio (art.

    350, n. 2), pacfica, pblica e no registada. Parente

    estes caracteres Eduardo precisaria de 15 anos, se

    afastasse a presuno de m f, ou, de 20 anos, caso no

    afastasse tal presuno (art. 1296). Eduardo no tem qq

    vantagem em aceder na posse de Diana, uma vez que, esta

    adquiriu a posse apenas no momento em que a transmitiu a

    Eduardo, por isso, este nada ganharia em juntar a posse de

    Diana sua. Assim, Eduardo deviria ilidir a presuno de

    m f e usucapir, uma vez que j passaram 15 anos. Se no

    conseguisse ilidir a presuno, podia ver cair o seu

    direito perante o direito de propriedade de Crespo, j que,

    ainda no passaram 20 anos desde a sua investidura na

    posse.

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    AQUISIO DA POSSE

    1. AQUISIO ORIGINRIA

    1.1. Acesso, art. 1325

    1.2. ocupao, art. 1318

    1.3. usurpao 1.3.1. aquisio paulatina, 1263/a

    1.3.2. inverso do ttulo da posse,

    1263/d e 1265

    1.3.2.1. por acto de terceiro

    1.3.2.2. por oposio do detentor

    ao possuidor

    1.3.3. esbulho *

    2. AQUISIO DERIVADA

    2.1. tradio ficta, 1255

    2.2. tradio real 2.2.1. expressa

    2.2.2. implcita

    2.2.2.1. traditio brevi manu

    2.2.2.2. constituto possessrio,

    1264

    2.2.2.2.1. bilateral

    2.2.2.2.2. trilateral

    * o Dr. Henrique Mesquita no aceita o esbulho como

    forma de aquisio originria de posse.