34 Dinheiro & direitos 126 novembro/dezembro 2014 ... · ainda para definir a partilha dos bens....

3
A arte de bem dividir Há um ano, os processos de inventário saíram dos tribunais para os cartórios, o que acelerou a sua resolução. Mas o apoio judiciário continua a funcionar mal e deixa quem tem menos posses sem resposta H á momentos de rutura, como a morte de um familiar ou um di- vórcio, que obrigam à divisão dos bens. Por mais doloroso que seja, há que tomar decisões: proceder a um inventário é, quase sempre, a melhor forma de garantir uma divisão equilibrada. Este processo é recomendado, por exem- plo, quando há desacordo sobre a herança ou existem dívidas. Havendo um único herdeiro, serve para listar os bens deixados pelo fale- cido. Assume especial importância quando há imóveis, como terrenos ou casas, que só podem ser registados em nome do herdeiro se constarem da relação de bens. Em caso de divórcio, o inventário serve ainda para definir a partilha dos bens. Até há um ano, este processo era moroso e chegava a arrastar-se anos em tribunal. Mas, desde setembro de 2013, passou para os cartórios notariais. Segundo João Maia Ro- drigues, bastonário da Ordem dos Notários, tornou-se mais célere, ficando, em alguns casos, resolvido num ano (ver entrevista). Pela Net ou no cartório certo A nova lei criou um portal, www.inventarios. pt, destinado especificamente a estes pro- cessos. Por norma, tanto o pedido de inven- tário como as eventuais oposições e todos os outros atos possíveis reclamar da relação da bens, indicar outros herdeiros ou pedir a 34 Dinheiro & direitos 126 novembro/dezembro 2014 INVENTÁRIOS Divórcio | Heranças | Notários 3662 Processos requeridos entre setembro de 2013 e setembro de 2014 1385 Pedidos de processo de inventário com apoio judiciário devido a insuficiência económica 749 Número total de inventários nos distritos que receberam mais processos: Lisboa e Porto, com 394 e 355, respetivamente 12 MESES Tempo médio de resolução de um processo de inventário no cartório

Transcript of 34 Dinheiro & direitos 126 novembro/dezembro 2014 ... · ainda para definir a partilha dos bens....

A arte de bem dividirHá um ano, os processos de inventário saíram dos tribunais para os cartórios, o que acelerou a sua resolução. Mas o apoio judiciário continua a funcionar mal e deixa quem tem menos posses sem resposta

Há momentos de rutura, como a morte de um familiar ou um di-vórcio, que obrigam à divisão dos bens. Por mais doloroso que seja, há que tomar decisões: proceder

a um inventário é, quase sempre, a melhor forma de garantir uma divisão equilibrada.

Este processo é recomendado, por exem-plo, quando há desacordo sobre a herança ou existem dívidas. Havendo um único herdeiro, serve para listar os bens deixados pelo fale-cido. Assume especial importância quando há imóveis, como terrenos ou casas, que só podem ser registados em nome do herdeiro se constarem da relação de bens.

Em caso de divórcio, o inventário serve

ainda para definir a partilha dos bens.Até há um ano, este processo era moroso

e chegava a arrastar-se anos em tribunal. Mas, desde setembro de 2013, passou para os cartórios notariais. Segundo João Maia Ro-drigues, bastonário da Ordem dos Notários, tornou-se mais célere, ficando, em alguns casos, resolvido num ano (ver entrevista).

Pela Net ou no cartório certoA nova lei criou um portal, www.inventarios.pt, destinado especificamente a estes pro-cessos. Por norma, tanto o pedido de inven-tário como as eventuais oposições e todos os outros atos possíveis — reclamar da relação da bens, indicar outros herdeiros ou pedir a

34 Dinheiro & direitos 126 novembro/dezembro 2014

INVENTÁRIOS Divórcio | Heranças | Notários

3662Processos requeridos entre setembro de 2013 e setembro de 2014

1385Pedidos de processo de inventário com apoio judiciário devido a insuficiência económica

749Número total de inventários nos distritos que receberam mais processos: Lisboa e Porto, com 394 e 355, respetivamente

12 mESESTempo médio de resolução de um processo de inventário no cartório

Dinheiro & direitos 126 novembro/dezembro 2014 35

Divórcio | Heranças | Notários

Um ano após a entrada em vigor da nova lei, que balanço faz?Na generalidade, podemos dizer que é uma boa reforma. Mas precisa de ser acompanha-da. Detetámos alguns problemas e o regime jurídico tem insuficiências.

Quantos processos deram entrada?O número total de inventários entrados entre 1 de setembro de 2013 e 1 de setembro de 2014 é de 3662. Para o mesmo período, o número de inventários com apoio judiciário foi de 1385.

Qual o tempo médio de resolução de um processo de inventário?Em setembro do ano passado, entraram 71 processos de inventário e, atualmente, en-viados para o tribunal para homologação, temos 62, o que significa que estamos com 12 meses para resolver os processos. Mas con-tinua a haver problemas. Há cartórios que já ultrapassaram em muito o limite máximo. O cartório de Leiria tem mais de 60, e o mesmo se passa em Ponta Delgada. Com 20 processos por ano, qualquer cartório tem

O inventário tornou-se mais rápidoPara o bastonário, o apoio judiciário é o principal problema a resolver num processo que, com a passagem para o cartório, ficou mais rápido

a obrigação de andar com o processo para a frente; com 60, é exigir dos notários muito além do necessário.

Quais são as causas principais que levam a que um processo passe para o tribunal?Num ano, temos 12 processos de inventário remetidos para tribunal, mas não temos dados quanto aos motivos por detrás dessa decisão.

Uma das queixas iniciais era a de que o investimento necessário aos cartórios para responderem a estes processos não justificava os emolumentos. Esta situação mantém-se?Da parte da Ordem dos Notários sempre houve o compromisso de que a mudança não traria alterações de custos para o cidadão. Na verdade, até ficou mais barato. Há situações que atualmente não são tributadas e que nos tribunais eram, como o incidente da reclama-ção de bens. Mas o que mais me preocupa é o apoio judiciário. Não me preocupa que exis-tam muitos processos a serem pagos na or-dem dos 102 euros porque, verdade seja dita, não há limite máximo: posso ter 10 processos a serem pagos a 102 euros mas, num dia, pos-so ter um processo a ser pago a 5 mil euros. Mas concordo com os meus colegas quando dizem que o apoio judiciário, mais do que trabalhar sem receber, é pagar para trabalhar.

João Maia Rodrigues, bastonário da Ordem

dos Notários

alteração da data da conferência — devem ser feitos pela Net (ver “Da burocracia à decisão em 10 passos”, na página seguinte). Contudo, quando não é possível tratar do processo on-line, o consumidor pode fazê-lo no cartório.

O inventário pode ser pedido pelos interes-sados diretos na partilha, ou seja, pelos her-deiros ou seus representantes legais (como o tutor de um menor) ou, no caso de divórcio, por um dos ex-cônjuges.

É no cartório da localidade onde ocorrer o óbito que é resolvido o processo. Se a morte tiver lugar no estrangeiro e o falecido deixar bens em Portugal, é ao cartório do município onde se situam os imóveis que cabe realizar o inventário ou, quando não existem casas ou terrenos na herança, no cartório da locali-dade onde esteja a maioria dos bens móveis. Não havendo bens em Portugal, compete ao cartório do domicílio do herdeiro. Já nos casos de separação, divórcio ou anulação do

casamento, é feito no cartório do município onde está situada a casa da família.

Apesar de a lei não obrigar à contratação de advogado – a menos que em causa estejam questões de direito, como a anulação de um testamento – esta acaba por ser uma boa op-ção. Com a nova lei, a intervenção do tribunal só surge, regra geral, no final, para aprovar a partilha. Apenas em casos de elevada com-plexidade, que não possam ser decididos em cartório, o processo é enviado logo de início para tribunal. Mas, como a lei não especifica que casos são estes, a decisão cabe apenas ao notário, levando a que uma mesma situação possa ser resolvida de forma diferente con-forme o cartório.

A partir de 102 euros, mas nem todos podem pagarOs custos com o processo de inventário en-globam os honorários notariais e as despesas.

Os primeiros variam consoante o valor da herança ou, nos casos de divórcio, dos bens comuns do casal. Por exemplo, se existirem terrenos ou casas, o valor patrimonial destes corresponderá ao valor do processo. Assim, até dois mil euros correspondem honorários de 102 a 153 euros, consoante a complexida-de; até oito mil euros, de 204 a 306 euros e assim sucessivamente. A partir dos 250 mil euros e 1 cêntimo, acrescem, por cada 25 mil euros ou fração, entre 306 e 459 euros de honorários.

Independentemente do valor, o pagamento é feito em três prestações. A primeira corres-ponde a metade do honorário e é paga com a apresentação do requerimento inicial; a segunda, nos dez dias seguintes à notifica-ção para a conferência de interessados (ver “Da burocracia à decisão em 10 passos”, na página seguinte). Se o processo ficar concluído na conferência preparatória,

36 Dinheiro & direitos 126 novembro/dezembro 2014

heranças

Da burocracia à decisão em 10 passoso valor da segunda prestação desce para metade. O terceiro pagamento, que

corresponde à diferença entre o montante devido a título de honorários e o já pago, é feito após a aprovação do juiz. Como o valor inicial, indicado pelo requerente, pode sofrer alterações (quando o valor inicial de um imó-vel está incorreto e é corrigido, por exemplo) e existem várias despesas com o processo, a terceira prestação serve para acertar contas. Aos honorários soma-se o reembolso das despesas realizadas pelo notário, incluindo as de correio, de transporte ou a remuneração de especialistas, como peritos, tradutores ou consultores técnicos. Acresce também a taxa de justiça de 102 euros relativa ao envio do processo para tribunal.

Quem não tem condições económicas deve avançar com um pedido de apoio judi-ciário, avaliado pela Segurança Social. Se for aprovado, o consumidor fica isento do paga-mento da taxa de justiça e demais encargos. Os honorários serão suportados por um fun-do a constituir pela Ordem dos Notários e alimentado por uma percentagem dos hono-rários cobrados. Este é um aspeto controver-so já que, como numa fase inicial é o cartório a suportar as despesas, muitos notários têm colocado entraves aos processos com apoio judiciário, pondo em causa o andamento dos inventários. ■

Reforma do apoio judiciário

■■ Um ano após a entrada em vigor da nova lei, o processo de inventário continua a apresentar falhas. Além disso, a lei é omissa quanto às questões que obrigam ao envio do processo para tribunal. Ao deixar a decisão nas mãos do notário, cria desigualdades e decisões díspares consoante o profissional.

■■ O apoio judiciário é o procedimento que mais carece de revisão. Tal como está criado, implica um esforço financeiro acrescido para os notários, tornando estes processos pouco atrativos. Como resultado, muitos inventários são recusados ou considerados não prioritários, lesando os consumidores que não dispõem de meios para os pagar.

■■ Já denunciámos, por diversas vezes, a necessidade de a lei do apoio judiciário ser alterada. Iremos, por isso, insistir junto da ministra da Justiça para relembrá-la da urgência do tema.

consumidores exigem

www.inventarios.pt

INVENTÁRIOS Divórcio | Heranças | Notários

Atendimento prévio Reunião, de carácter facultativo, que permite ao notário analisar a situação e verificar se a complexidade do processo obriga à contratação de um advogado. O notário indica os documentos necessários e marca a data para a apresentação do requerimento.

Requerimento inicial O requerente preenche o modelo disponível no portal, indica o cabeça de casal (a quem cabe a administração da herança até á partilha) e submete os documentos necessários digitalizados, entre eles, a certidão de óbito do falecido. Também pode preencher o requerimento no cartório. É ainda preciso pagar a taxa de justiça, de 102 euros, e os honorários.

Declarações do cabeça de casal e apresentação da lista de bens O cabeça de casal entrega a documentação que identifica o autor da herança, o lugar da última residência, a data e o lugar do óbito, e a identificação dos herdeiros, bem como a lista e o valor de todos os bens a inventariar. Caso existam, são apresentados testamentos, convenções antenupciais ou escrituras de doação.

Citação dos interessados e eventuais contestações e reclamações Os herdeiros têm 20 dias para contestar o processo, a legitimidade dos outros interessados, a competência do cabeça de casal ou as indicações fornecidas por este. Podem ainda contestar a lista de bens ou o seu valor. O cabeça de casal tem 10 dias para reagir.

Conferência preparatória Apurados os bens a partilhar, o notário marca a conferência preparatória, para decidir a composição dos quinhões, ou seja, a parte que cabe a cada herdeiro. Os herdeiros podem decidir vender a totalidade ou parte dos bens e repartir o valor. São também reconhecidas as dívidas da herança. Se houver acordo entre os herdeiros, o processo termina aqui.

Conferência de interessados Não havendo acordo quanto à composição dos quinhões, a conferência de interessados ocorre nos 20 dias seguintes. É feita a atribuição dos bens mediante propostas em carta fechada, cujo valor não pode ser inferior a 85% do valor-base dos bens.

Partilha Os herdeiros ou os advogados dos herdeiros são ouvidos sobre a partilha, que é decidida pelo notário nos 10 dias seguintes. O notário elabora o esquema de como será distribuída a herança.

Reclamações Os herdeiros têm 10 dias úteis para reclamar.

Sorteio dos lotes (caso haja reclamações) Resolvidas as reclamações, são sorteados os lotes. Numa urna, é colocado um papel por lote, e cada herdeiro tira um. Depois do sorteio, os herdeiros podem trocar os lotes entre si.

Decisão da partilha O processo segue para o tribunal para ser aprovado pelo juiz. Caso haja herdeiros menores, é revisto primeiro pelo Ministério Público.

1

2

3

4

5

6

789

10