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103 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 23, p. 103-114, nov. 2004 Recebido em 19 de junho de 2003 Aprovado em 15 de outubro de 2003 RUMO AO ESTADO MODERNO: AS RAÍZES MEDIEVAIS DE ALGUNS DE SEUS ELEMENTOS FORMADORES 1 Raquel Kritsch O artigo pretende apontar alguns elementos do processo de constituição do Estado moderno, entre os quais a noção de soberania, nos séculos finais do medievo. Essa nova realidade, que não se configurou ao mesmo tempo nem por um processo único em toda a Europa, apresentou algumas características comuns. Procura-se argumentar que os conflitos entre os vários atores envolvidos nesse processo foram, simultaneamente, de natureza política e jurídica, e que nessa discussão construíram-se os alicerces legais e ideológicos do poder do Estado, ao mesmo tempo em que se determinou sua extensão. PALAVRAS-CHAVE: Estado; soberania; Direito; Teoria Política Medieval; história do pensamento político. Friedrich Meinecke associa, em um de seus livros, a noção de maquiavelismo à de razão de Estado 2 . A palavra stato pode até ter sido introduzida na literatura política por Maquiavel e talvez não haja, antes dele, quem tenha escrito de modo tão direto sobre a lógica do poder. Mas a história da noção de “razão de Estado” começa antes, bem antes, e um bom legista poderia incluí- la, se a conhecesse, no atestado de óbito de Thomas Becket. A defesa de uma comunidade universal cristã na obra de Salisbury, admirador de Becket, não é somente a expressão de uma doutrina. É também a resposta a uma nova realidade: um poder secular que afirma sua jurisdição sobre um território, em oposição tanto aos poderes locais quanto às pretensões de ingerência da Igreja. Essa nova realidade não se configurou toda ao mesmo tempo nem por um processo único em toda a Europa. O novo poder desenvolveu-se antes na Inglaterra que no continente. No caso inglês, a Coroa afirmou-se contra os barões, internamente, e, no exterior, contra a Igreja. No continente, as forças em confronto são fundamentalmente quatro: a monarquia nascente, o Império, o Papado e os poderes locais. O conflito foi simultaneamente jurídico e político. Político, porque envolveu não só uma redistribuição de poder mas também a entrada de novos atores na cena política. Jurídico, porque os confrontos principais quase nunca, ou nunca, foram explicitados diretamente como problemas de poder, mas como questões de jurisdição e de legitimidade. Os novos atores foram, entre outros: 1) a troupe do Estado (rei, ministros, burocratas, juízes, coletores de impostos etc.); 2) os elementos urbanos emergentes (artesãos e suas corporações de ofício, comerciantes, prestadores de serviços etc.); 3) uma intelectualidade que, embora dividida partidariamente e, portanto, dependente quase sempre ou da Igreja ou da espada, passou a constituir um fator de poder e 4) os grupos, em geral das camadas inferiores e muitas vezes participantes de desordens e subleva- 1 Este artigo resume algumas das idéias desenvolvidas em Kritsch (2002). Apresentado no I Simpósio Universidade de São Paulo – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro de Pós-graduação em Teoria Política, realizado na Universidade de São Paulo em setembro de 2003. 2 “It was therefore a historical necessity that the man, with whom the history of the idea of raison d’état in the modern Western world begins and from whom Machiavellism takes its name, had to be a heathen” (MEINECKE, 1984, p. 29) [“Foi, portanto, uma necessidade histórica que o homem, com quem a história da idéia de raison d’état no moderno mundo ocidental começa e de quem o maquiavelismo tira seu nome, tivesse que ser um pagão” – nota do revisor].

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 23: 103-114 NOV. 2004

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 23, p. 103-114, nov. 2004Recebido em 19 de junho de 2003Aprovado em 15 de outubro de 2003

RUMO AO ESTADO MODERNO:AS RAÍZES MEDIEVAIS DE ALGUNS

DE SEUS ELEMENTOS FORMADORES1

Raquel Kritsch

O artigo pretende apontar alguns elementos do processo de constituição do Estado moderno, entre osquais a noção de soberania, nos séculos finais do medievo. Essa nova realidade, que não se configurouao mesmo tempo nem por um processo único em toda a Europa, apresentou algumas característicascomuns. Procura-se argumentar que os conflitos entre os vários atores envolvidos nesse processoforam, simultaneamente, de natureza política e jurídica, e que nessa discussão construíram-se os alicerceslegais e ideológicos do poder do Estado, ao mesmo tempo em que se determinou sua extensão.

PALAVRAS-CHAVE: Estado; soberania; Direito; Teoria Política Medieval; história do pensamentopolítico.

Friedrich Meinecke associa, em um de seuslivros, a noção de maquiavelismo à de razão deEstado2. A palavra stato pode até ter sidointroduzida na literatura política por Maquiavel etalvez não haja, antes dele, quem tenha escrito demodo tão direto sobre a lógica do poder. Mas ahistória da noção de “razão de Estado” começaantes, bem antes, e um bom legista poderia incluí-la, se a conhecesse, no atestado de óbito deThomas Becket. A defesa de uma comunidadeuniversal cristã na obra de Salisbury, admirador deBecket, não é somente a expressão de uma doutrina.É também a resposta a uma nova realidade: um podersecular que afirma sua jurisdição sobre um território,em oposição tanto aos poderes locais quanto àspretensões de ingerência da Igreja.

Essa nova realidade não se configurou toda aomesmo tempo nem por um processo único em todaa Europa. O novo poder desenvolveu-se antes naInglaterra que no continente. No caso inglês, aCoroa afirmou-se contra os barões, internamente,e, no exterior, contra a Igreja. No continente, asforças em confronto são fundamentalmente quatro:a monarquia nascente, o Império, o Papado e ospoderes locais.

O conflito foi simultaneamente jurídico epolítico. Político, porque envolveu não só umaredistribuição de poder mas também a entrada denovos atores na cena política. Jurídico, porque osconfrontos principais quase nunca, ou nunca, foramexplicitados diretamente como problemas de poder,mas como questões de jurisdição e de legitimidade.Os novos atores foram, entre outros:

1) a troupe do Estado (rei, ministros,burocratas, juízes, coletores de impostos etc.);

2) os elementos urbanos emergentes (artesãose suas corporações de ofício, comerciantes,prestadores de serviços etc.);

3) uma intelectualidade que, embora divididapartidariamente e, portanto, dependente quasesempre ou da Igreja ou da espada, passou aconstituir um fator de poder e

4) os grupos, em geral das camadas inferiores emuitas vezes participantes de desordens e subleva-

1 Este artigo resume algumas das idéias desenvolvidas emKritsch (2002). Apresentado no I Simpósio Universidadede São Paulo – Instituto Universitário de Pesquisas do Riode Janeiro de Pós-graduação em Teoria Política, realizadona Universidade de São Paulo em setembro de 2003.

2 “It was therefore a historical necessity that the man,with whom the history of the idea of raison d’état in themodern Western world begins and from whomMachiavellism takes its name, had to be a heathen”(MEINECKE, 1984, p. 29) [“Foi, portanto, umanecessidade histórica que o homem, com quem a história daidéia de raison d’état no moderno mundo ocidental começae de quem o maquiavelismo tira seu nome, tivesse que serum pagão” – nota do revisor].

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ções, envolvidos nos movimentos heréticos ou deoposição às doutrinas religiosas dominantes.

A luta desenvolveu-se não só no plano da açãodireta como também no das idéias. Participaram dadisputa juristas, teólogos e filósofos, muitas vezespessoas com todas essas qualificações. A elescompetia determinar os fundamentos do direitode cada parte e, portanto, a legitimidade daspretensões em conflito. Nessa discussãoconstruíram-se os alicerces legais e ideológicosdo poder do Estado, ao mesmo tempo em que sedeterminou sua extensão.

Os conflitos só apareceram, é óbvio, quandoum novo poder teve peso suficiente para questionara ordem dada em um certo momento. Esse é o fatopolítico em sua versão mais crua. Mas esse novopoder tentou afirmar-se não apenas pela força: seuobjetivo era ser reconhecido como portador deum direito ou, mais precisamente, como legítimodetentor de uma jurisdição. Esse é o fato jurídicoem sua descrição mais simples. Todavia, nãohouve, historicamente, nesse caso, um fato apenaspolítico ou apenas jurídico: o político manifesta-se freqüentemente com a forma de umareivindicação legal. Nesse período, o teóricopolítico tinha de ser um jurista ou de enfrentarquestões de jurisprudência. Quando Maquiavelescreveu, não precisou cuidar de questões legais(ele referia-se já à lei como um dado político esocial). O trabalho de construção já tinha sidorealizado: o Estado, como entidade juridicamentedefinida, era um fato plenamente desenvolvido,não uma novidade3.

A partir de que momento, então, pode-se falarem Estado em sentido compatível com a noçãomoderna? A palavra “compatível”, nesse caso, éuma restrição importante. Trata-se de saber não adata de nascimento do Estado moderno, seja qualfor a sua descrição tipológica, mas de identificarum movimento histórico bem determinado. Essemovimento ocorre segundo ritmos diferentes emdiferentes locais (na Inglaterra e no continente, paratomar uma distinção bem visível) e os arranjos depoder não se dão da mesma forma em toda parte.No entanto, é possível mostrar, em todos os casos,

características comuns de um processo de reor-denação política. Essa reordenação é constitutivado que hoje chamamos “Estado”. A ordem gestadapor esse processo é o que aqui se designa como“compatível com a noção moderna”.

Quais seriam, então, os elementos principaisdesse processo de reordenação política? Pararesponder à questão, adotar-se-á aqui a perspectivagenética, compartilhada por autores como Strayer(s/d), Ullmann (1965) e Gierke (1938). Strayer, emseu livro já clássico, concentrou a atençãoprincipalmente no desenvolvimento institucionaldo Estado moderno, a partir da Idade Média,enquanto Ullmann enfatizou as idéias que refletirame nortearam as mudanças políticas. De modo geral,seus trabalhos tendem a ser complementares eserão explorados a partir dessa perspectiva.

Strayer indicou três condições essenciais àconstituição do Estado a partir das formaçõesmedievais: 1) o aparecimento de unidades políticaspersistentes no tempo e geograficamente estáveis;2) o desenvolvimento de instituições duradourase impessoais; 3) o surgimento de um consensoquanto à necessidade de uma autoridade supremae a aceitação dessa autoridade como objeto dalealdade básica dos súditos (cf. STRAYER, s/d,p. 16ss.).

Segundo Strayer, os estados europeus surgidosdepois de 1100 combinaram com êxito certascaracterísticas dos impérios antigos, como avastidão e o poder, e das cidades-Estado, marcadaspor um razoável grau de integração entre os súditose por um sentimento de identidade comum. Por voltado ano 1000, depois de grandes migrações, guerrasmúltiplas e intensa fragmentação do poder, aindaseria difícil encontrar, na Europa, algo parecido comum “Estado”.

A partir do final do século XI, porém, novascondições começaram a marcar a vida política esocial. Strayer apontou em primeiro lugar a difusãodo cristianismo: “a Europa ocidental só passou aser realmente cristã nos finais do século X”,escreve. A Igreja não só tinha alguns dos atributosdo Estado, como instituições duradouras e umateoria do “poder supremo” papal4, mas, além disso,

3 Justamente porque se pretende tratar do processo deconstituição do Estado moderno, não serão abordadas nobreve espaço deste artigo as formulações dos autoresmodernos cujos vigorosos textos passaram a fazer partedos grandes cânones do pensamento político no Ocidentemoderno.

4 Vale a pena ressaltar aqui um ponto: Strayer chamou aatenção para o fato de que tais instituições impessoais eduradouras, que constituiriam um dos principais pilares doEstado moderno, foram de certo modo herdadas pelos estadosnascentes do “aparato burocrático” já desenvolvido haviaséculos pela Igreja. Esta, por sua vez, tivera por modelo as

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influenciava diretamente a política secular, peloenvolvimento do clero nos negócios públicos epela atribuição, aos governantes, da obrigação degarantir a paz e a justiça entre os súditos. Exigênciasdesse tipo impunham o desenvolvimento deinstituições judiciais e administrativas.

O segundo fator indicado por Strayer é aestabilização da Europa, depois de longo períodode migrações, invasões e conquistas. “Essacrescente estabilidade política veio dar lugar aoaparecimento de uma das condições essenciais paraa constituição do Estado, a continuidade no tempoe no espaço. Pelo simples fato de manterem-se depé, alguns reinos e principados começaram aadquirir solidez. Certos povos, ocupandodeterminadas áreas, permaneceram, duranteséculos, integrados em um mesmo conjuntopolítico. [...] E os governantes de reinos eprincipados que se mantinham no espaço e notempo tinham oportunidades e incentivos paradesenvolver instituições permanentes” (idem, p.21-22).

Com a estabilização, surgiram condições para aimplantação de padrões mais sólidos de segurançainterna e externa, fundados em instituições judiciaise financeiras mais eficazes, mais complexas ecrescentemente centralizadas5. As atribuiçõespúblicas tenderam a especializar-se e, portanto, adiferenciar-se das funções costumeiras dacomunidade.

Foram transformações lentas, acompanhadase reforçadas pelo aumento da produção agrícola,do comércio e das atividades urbanas6. No finaldo século XIII, segundo Strayer, a terceiracondição estaria consolidada, com os sentimentosde lealdade em relação à Igreja, à comunidade e àfamília ultrapassados pelo sentimento de lealdadeao Estado nascente, principalmente na Inglaterra.

Não que as lealdades e interesses anteriormentedominantes tivessem desaparecido ou perdidoimportância. O fato significativo é que se passou apensar dentro de um novo quadro de referências.Esse quadro impôs-se mesmo nas rebeliões: nãose lutava mais contra o Estado ou contra ainstituição materializada no governo central, porémsim para mudar os padrões de governo e para obterdos tribunais a proteção desejada.

A mudança foi mais veloz na Inglaterra do queno continente. A França foi o primeiro Estadocontinental a constituir-se a partir de provínciasvirtualmente independentes e com instituiçõesmuito diferenciadas. A administração da justiça e adas finanças apareceram como fatores essenciais àformação do Estado. Os reis da França, porém,procederam com lentidão maior que os ingleses,construindo instituições mais simples eformalizando menos as funções públicas. Aburocratização cresceu, porém, a partir do séculoXIII, como resposta às necessidades de controledas províncias anexadas. Strayer descreveu aFrança como um “Estado-mosaico”, formado pormuitas peças, com a burocracia exercendo a funçãode cimento (idem, p. 57).

Se essas mudanças ocorreram a partir daestabilização da Europa, o seu desenvolvimento,no entanto, não foi pacífico. O conflito, como lembraFrancesco Calasso, nem sempre assumiu a formade contestação aberta, pelos reis, da concepçãotradicional da comunidade cristã universal(CALASSO, 1965, p. 232ss.). Tampouco se mani-festou sempre como negação da autoridade impe-

instituições do Império Romano, que conheceu seu fim noséculo V, com a conquista de Roma. Nas palavras de Strayer:“A Igreja já tinha muitos dos atributos de um Estado –instituições duradouras [como o próprio Papado], porexemplo – e estava a desenvolver outros – por exemplo,uma teoria da soberania papal” (STRAYER, s/d, p. 21).Essa observação já fôra feita por Ullmann, em seu estudoclássico (cf. ULLMANN, 1955, cap. IX e XIII).

5 Strayer lembrou que “é difícil criar instituições impessoaispermanentes sem se poder dispor de arquivos escritos e dedocumentos oficiais. De fato, o documento escrito constituia melhor garantia de perdurabilidade e o melhor isoladorentre um administrador e as pressões pessoais” (STRAYER,s/d, p. 29). Por isso, foi relevante ainda para a consolidaçãodessas instituições impessoais e duradouras não apenas osurgimento de uma camada de homens instruídos, a partir doséculo XII, como também a recuperação de documentos legaisque tinham sido a base do antigo Direito Romano – como,por exemplo, o Corpus Iuris Civilis, compilado porJustiniano, entre outros –, e que passaram então a constituira principal referência dos novos profissionais do Direito –,os juristas civilistas, geralmente a serviço do poder temporal,fosse do Império fosse da Coroa.

6 Para uma abordagem mais aprofundada dastransformações econômicas e sociais ocorridas na Europaentre os séculos XI e XIII, pode-se consultar, entre outros,Duby (1987, v. I, livro II), Le Goff (1965, partes I e II) eThrupp (1988).

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rial. Nem era preciso. No século XIII, o poderefetivo do imperador pouco significava nos princi-pais reinos em formação e a Igreja encarregava-se de pôr em xeque esse poder sempre que podia.

É a descrição desse processo, portanto, quelegitima a pretensão de falar em “Estado” em finsda Idade Média. Como escreveu Calasso: “Nãotenhamos medo de fazer mau uso da palavra Estadopara esses séculos que não a conheceram” (idem,p. 237). Não se trata somente de afastar aqui, comoinútil, o escrúpulo defendido, por exemplo, porHermann Heller (1987, p. 141ss.). Muito mais doque isso: trata-se de dar a ênfase necessária aomovimento da história, sem se deixar limitar poruma classificação tipológica.

O problema, como Calasso definiu-o, é entenderuma realidade que se constituiu à sombra daideologia da communitas humanitatis do Impérioe da Igreja. A unidade dessa communitasexpressava-se no aforismo extra ecclesiam non estimperium, porque fora da Igreja não existe poderordenado por Deus. Historicamente, no entanto,imperadores e papas disputaram, às vezes commuito sangue vertido, o poder em todas as suasformas, temporais e espirituais. Também essadisputa serviu para fecundar o pensamento políticoe jurídico, especialmente entre os séculos XII e XIV,mas dela não resultou, senão de maneira indireta, adestruição da idéia de uma comunidade universaldos cristãos.

Essa noção estava muito firme, como objeto defé, no tempo do “fatigoso nascimento dos assimchamados Estados nacionais”, lembrou Calasso,ao relacionar, em uma longa lista, as unidadespolíticas em formação em toda a Europa desde, pelomenos, o século XII: “Na Península Ibérica, depoisda vitória definitiva das armas cristãs sobre osmuçulmanos, nascem o reino de Aragão e o dePortugal; consolidaram-se como estados fortes,mas por meio de uma história inteiramente diversa,o reino de França e o de Inglaterra – o primeiro,com a pressão da monarquia sobre as classesfeudais e por meio da exaltação do elementocitadino; o segundo, com a aliança triunfante dasvárias camadas sociais contra a monarquia –; nocoração da Europa, o reino da Alemanha, com aprevalência dos grandes feudatários, acentuou cadavez mais uma política nacionalista, enquanto umnovo Estado dele destacou-se, a Áustria; ao Norte,afirmaram-se os estados escandinavos, compredomínio do reino da Dinamarca; surgiram os

reinos da Lituânia, da Polônia, da Rússia; enquantoao Sul a Hungria, a Sérvia, a Croácia, a Bulgária, aRomênia, a Albânia consolidaram-se como estados.Eram ordenamentos políticos novos ou em reno-vação, que se ergueram sobre um fundo turbulentode lutas gigantescas, em que os povos europeusempenharam-se freqüentemente contra forçasextra-européias (dos muçulmanos no Sul aos mon-góis no Leste). E, como organismos jovens, nãoqueriam sentir-se ligados pelas amarras de ideolo-gias tradicionais, embora, note-se bem, comoestados cristãos, vinculados à Igreja de Roma, nãopodiam, pela estrutura mesma do mundo medie-val, ignorá-las” (CALASSO, 1965, p. 243).

Mas não apenas os elementos institucionaisapontados por Strayer – a definição de fronteirasgeográficas estáveis, o surgimento de instituiçõesimpessoais e burocratizadas (Fisco, Tribunais etc.)– seriam de grande relevância para a formação doEstado moderno. Seu processo de constituiçãoincluiu também elementos de tipo ideológico, como,por exemplo, a concentração no Estado dosentimento de lealdade básica dos súditos, comoapontou o autor.

Outro desses elementos ideológicosconstitutivos do Estado moderno é a noção de“soberania”, que também se encontrava emprocesso de gestação. Essa idéia começou adesenvolver-se a partir dos intermináveis conflitosde jurisdição entre papas, reis e imperadores, quedominaram os séculos finais do medievo.

Essa noção nascente de soberania tornar-se-iaem muito pouco tempo o atributo definidor doEstado moderno – mais tarde intercambiavelmentedenominado Estado territorial soberano, ousimplesmente Estado soberano. Isto é, a idéia desoberania passaria a estar indissoluvelmentevinculada àquele Estado cuja característica é sero detentor da jurisdição exclusiva sobre umdeterminado território, como formulariam ospensadores políticos modernos.

Essa noção nascente de soberania, por sua vez,é constituída de elementos formadores não menosrelevantes, que terminariam por fazer parte dosalicerces legais e ideológicos do moderno Estado.Um desses elementos formadores é a recuperação,pelos juristas tanto canonistas quanto civilistas,dos antigos códigos do Direito Romano. Entre osinúmeros princípios retomados, há um de especialimportância, que logo seria adaptado aos novostempos, como observou Calasso: “Enquanto a

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Europa, particularmente entre os séculos XII eXIII, era trabalhada pelo incessante movimentodos povos que emergiam em busca de seu lugar,dentro e fora da jurisdição direta do Império Roma-no-germânico, no campo da ciência jurídica abriacaminho um novo princípio, destinado a interpretarpor séculos o mundo novo que estava por surgir.Esse princípio veio logo encerrado em uma fórmu-la que assim soou: rex superiorem non recognoscensin regno suo est imperator, e que significava oseguinte: ‘o rei, que não reconhece nenhum outropoder acima de si, tem, no âmbito do próprio reino,os mesmos poderes que tem o imperador sobretodo o Império’” (CALASSO, 1965, p. 244).

Calasso dedicou à história dessa fórmula algu-mas páginas, lembrando as circunstâncias de seuemprego original. O uso mais remoto, provavel-mente em 1208, é atribuído ao canonista inglêsAlan. Na glosa de uma carta decretal do Papa Ale-xandre III, a respeito da distinção entre jurisdiçãoespiritual e jurisdição civil, Alan retomou a questãoda origem do poder imperial. Esse poder, segundoele, é derivado do espiritual. Se assim não fosse,argumentava, o Imperador não seria responsávelperante o Papa, que o julgava e o depunha.

Mas em seguida aparece um acréscimosurpreendente: “E o que se diz do Imperador deveser dito também de qualquer rei ou príncipe nãosubordinado a ninguém [qui nulli subest], que temtanto direito em seu reino quanto o Imperador noImpério” (CALASSO, 1965, p. 245). A referência aopoder do Rei aparece, portanto, por analogia e nãocomo resposta a uma questão direta.

Outra fonte mencionada por Calasso é o célebreglosador civilista Azzone, que, em uma discussãocom seus alunos na Universidade de Bolonha,afirmou: “[o rei] que hoje vemos ter na sua terra omesmo poder que o imperador [na dele], pode,portanto, fazer o que lhe agrade” (idem, p. 246).Calasso chamou atenção para a “surpreendentecoincidência” temporal e para o fato de seremambos líderes da Escola de Bolonha.

Além disso, acentuou que, ao tomar como objetode discussão escolar um fato político ainda frescona memória de todos – a sucessão inglesa –, eledava como bem conhecido em seu tempo, ao usaro advérbio “hoje”, “que cada rei tivesse na própriaterra o mesmo poder que o Imperador na dele”. Daíse deduz, acrescentou Calasso, “que essa doutrinaera familiar na Escola de Bolonha, forja de todas

as doutrinas jurídicas da época e, particularmentenos anos de seu maior esplendor, centro deexpansão para toda a Europa” (idem, p. 256).

A partir daí, Calasso reconstituiu, emborasumariamente, os passos pelos quais, no dia-a-dia da política e na maturação das novas idéiaspelos juristas, formou-se a concepção daquelaratio specifica do Estado, “resumida por nós,modernos, na palavra soberania” ( ibidem).

Não menos relevante que os desenvolvimentoslevados a cabo pelos juristas canonistas e civilistasfoi – para o avanço desse processo que culminariana consolidação do Estado moderno – o apareci-mento de estudiosos dos costumes. A produçãode trabalhos como os de Henry de Bracton naInglaterra e Philippe de Beaumanoir na Françaindicavam mais do que um novo interesse teórico.Eles contemplavam o Direito Costumeiro, isto é,a variedade a partir do ponto de vista da unidadepolítica e legal – a unidade do reino. Eram, emgeral, profissionais treinados no Direito Romanoe recrutados para o serviço da Coroa.

Quando Bracton escreveu De legibus et con-suetudinibus Angliæ, entre 1220 e 1230, o poderjá estava centralizado, na Inglaterra. A questão nãoera, mais, a afirmação da supremacia real. O juristainglês manteve a concepção do príncipe como su-bordinado à lei (“lex facit regem”). Na obra, háuma definição legal das funções e da autoridadereais e, embora o rei não tivesse par no seu reino,seu poder era constitucionalmente limitado. Háentre lei e rei uma relação de mútua dependência:“attribuat rex legi, quod lex attribuit ei, videlicetdominationem et potestatem” (BRACTON, 1925,p. 33)7.

Para governar de modo reto, nos tempos depaz e de guerra, escrevia o jurista no início de seulivro, o rei necessitava de duas coisas, “a saber,arma e leis”. Leis, para ele, são não somente asnormas escritas, mas também os costumes que,apesar de não escritos, são legitimados pelo uso8.O costume, porém, seria corretamente chamadolei quando aprovado pelo consenso dos poderes

7 “Assim, atribua o rei à lei aquilo que a lei lhe atribui, asaber, dominação e poder” (tradução da autora).

8 “In ea quidem ex non scripto ius venit quod ususcomprobavit” (BRACTON, 1925, p. 19).

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do Estado ou quando anteriormente definido comojusto pelo príncipe. Essa ressalva estabelecia umarelação bipolar entre a função de governo e a “base”social. O uso é fonte da lei, mas a lei é a normareconhecida como tal pelas instituições do Estado(Rei publicæ). Hobbes desequilibraria aquelarelação bipolar, pondo toda a ênfase noreconhecimento como marca da soberania.

A ênfase na legalidade faz da obra de Henry deBracton uma referência fácil para o liberalismo e,mais geralmente, para o pensamentoconstitucionalista. Locke mencionou o juristamedieval ao discutir as circunstâncias quejustificavam a resistência ao governo, no capítuloem que tratava da dissolução do governo (cf.LOCKE, 2001, p. 598). O que interessa ressaltar,neste momento, no entanto, é a idéia de unidadepolítica em contraste com a diversidade doscostumes. Usos diferentes ganham um carátercomum como “leges Anglicanæ”. O elementounificador é a instituição. Uma única ordem jurídicaengloba a Coroa, as funções públicas e oscostumes.

Também na França, no século XIII, a reflexãosobre o Direito Costumeiro acompanhou aafirmação do poder central. A Coroa não se opunhaao costume; continuava a respeitá-lo. Normas locaisainda seriam mantidas em vigor durante séculos.Mas a corte real assumiu, com amplitude crescente,o papel de última instância judicial e, quandonecessário, o de fonte primária da lei.

Um dos aspectos mais importantes do trabalhode Beaumanoir foi o do exame das competências.No condado de Clermont, onde ele era juiz, ossenhores feudais tinham a jurisdição imediata.Acima desse nível estava a justiça do conde. Emvários casos podia-se passar do nível local ao docondado: apelo por falta de direito, por falsojulgamento, por petição de um nobre, por tratar-sede assunto de interesse do rei, do conde ou dopróprio juiz ou por tratar-se de questões relativas atréguas (cf. BEAUMANOIR, 1970, vol. 2, §§ 295-308). A jurisdição final era a do rei, pois “o rei ésoberano acima de todos” (idem, § 1043). Tambémaqui o rei aparecia como o detentor último dajurisdição em seu reino.

Importa chamar a atenção ainda para um outroaspecto: o problema do fundamento da autoridade.A maior parte dos debates a respeito dos poderesdos reis, do Papa e do Imperador girava em torno

de uns poucos modelos de legitimação. Ullmanndeu atenção especial a dois, por ele indicados comoas teses do poder ascendente e do poderdescendente (cf. ULLMANN, 1965, p. 12). Essasteses básicas apareciam, nas discussões, combi-nadas com outros critérios, como o da anterio-ridade histórica do governo secular ou do governoeclesiástico. As duas doutrinas básicas coexistiram,com predominância de uma ou de outra, segundoa época.

A teoria do poder ascendente é a mais antiga.Afirma ser o povo, ou a comunidade, a fonte dopoder. Ullmann, citando Tácito, lembra ter sidobaseada nessa idéia a forma de governo das tribosgermânicas. O povo elegia chefes para a guerra epara outras funções públicas e o líder tinha apenaso poder concedido pela assembléia eleitoral. Eraconsiderado representante da comunidade eresponsável perante a assembléia popular. Comoconseqüência, existia um direito de resistência aogovernante. Isso explica a facilidade com que sedepunha e afastava-se um rei, se, na opinião dopovo, tivesse deixado de representar sua vontade9.

Segundo a concepção oposta, o poder residiriaoriginalmente não no povo, como na teoriaascendente, porém sim em um ser supremo,identificado pelo cristianismo com a divindade.“Não há maior poder que o de Deus”, disse SãoPaulo. Daí a conclusão: todo poder na terra só podeser delegado. Até o século X, pelo menos,predominou essa doutrina. Segundo a versão aceitadurante esse período, o Papa era o intermediário natransmissão do poder. Logo, a eleição pelo povonão é um requisito de legitimidade.

9 Nas palavras de Ullmann: “Metaphorically speakingpower ascended from the broad base of a pyramid to itsapex, the king or duke. The popular assembly controlledthe ruller’s government, and it was mainly as a court of lawthat the assembly worked effectively. This ascending theoryof government may also be called the populist theory ofgovernment, because original power was anchored in thepeople.” (ULLMANN, 1965, p. 12; sem grifo no original)[“Metaforicamente falando, o poder ascendia da larga basede uma pirâmide para o seu ápice, o Rei ou Duque. Aassembléia popular controlava a gestão do governante eera principalmente como uma corte de justiça que aassembléia trabalhava efetivamente. Essa teoria ascendentedo governo também pode ser chamada de teoria populistado governo, pois o poder original estava ancorado nopovo” – N. R.].

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Egídio Romano, teólogo que escreveu no iníciodo século XIV, por exemplo, ainda sustentava, noseu livro Sobre o poder eclesiástico (ROMANO,1989), que a supremacia fundada nessa mediaçãoincluía o poder de investir os governantestemporais. Ao sustentar esse ponto de vista, Egídiorecuperava o agostinianismo: “Um reino que nãofoi instituído por meio do sacerdócio ou não foireino, mas latrocínio, ou foi unido ao sacerdócio,pois, mesmo antes que Saul fosse instituído porSamuel, como por sacerdote de Deus, e fosse postocomo Rei, Melquisedeque foi rei de Salém. Masesse Melquisedeque, além de ser rei, era tambémsacerdote” (idem, p. 48). A conseqüência de tudoisso é que “a autoridade régia deve estar sujeita àautoridade sacerdotal e, especialmente, à do sumopontífice” (ibidem). O Papa é instituidor daautoridade temporal e juiz de tudo e só tem de serjulgado por Deus.

Todavia, o Papa, como detentor do podersupremo, jamais é um indivíduo: esse poder é umatributo do cargo. “Mas, como o ser e a denomina-ção da coisa vêm principalmente da forma e nãoda matéria”, afirmava Egídio remetendo-se aosgregos, “o povo é sempre o mesmo, o rio é sempreo mesmo, embora nem sempre os homens e aágua sejam os mesmos. Assim também o sumopontífice é sempre o mesmo, embora nem sempreseja o mesmo homem que está constituído nesteofício” (idem, p. 87). A força vinculante das deci-sões papais provinha não dos atributos individuaisdo pontífice, mas da autoridade recebida de Deus.

A fórmula evangélica da sagração de São Pedro(“tudo que ligares na terra será ligado no céu, tudoque desligares na terra será desligado no céu”) foiinvocada, mais uma vez, para afirmar a jurisdiçãotanto religiosa quanto secular da Santa Sé. Retomandoopiniões de Carlyle e Scholz, Luís A. de Boniobservou, na introdução ao livro de Romano, que,“sob vestes antigas”, o autor compunha “uma novateoria do poder” e o “primeiro tratado completo sobreo absolutismo” renascentista (idem, p. 13, 25).

Essa doutrina do poder descendente, porém,teve mais de uma versão. Em rigor, a idéia de Deuscomo fonte do poder é funcional para qualquerdas pretensões políticas em jogo na Idade Média,especialmente a partir do século XIII:

1) na versão tradicional, mais útil aos papas, osucessor de São Pedro seria o transmissor daautoridade concedida por Deus. Esse é o sentidoda sagração dos governantes seculares pelo Papa,

como defendia Egídio Romano;

2) em uma versão alternativa, o poder seriaconcedido por Deus diretamente aos governantes.Essa doutrina será a base teológica do absolutismonos séculos XVI e XVII, mas derivava, claramente,das pretensões dos imperadores: é, por exemplo, oargumento de Frederico II, entre outros, e

3) em uma terceira interpretação, o poder seriaconcedido por Deus ao povo e deste aos reis ouimperadores10. Essa doutrina, de inspiração tomista,foi retomada por autores do século XIV ereapareceu, nos séculos XVI e XVII, como umadas armas do clero contra os monarcas absolutos,depois da Reforma. Foi a noção sustentada, porexemplo, por autores como Bellarmino e Suarez econtestada por Filmer.

10 Embora essa versão possa lembrar a teoria ascendente,trata-se de fato de uma versão da teoria descendente, já quea origem do poder não é o povo e sim um ser divino “acimados homens”. Como explicou Ullmann, “here [na teoriadescendente] original power was located in a supreme beingwhich, because of the prevailing Christian ideas, came tobe seen as divinity itself. [...] Whatever power was found‘below’, was derived from ‘above’, for, as St Paul said,‘There is no power but of God’. Here one can speak onlyon delegated power. [...] Within this thesis the people hadno power other than that it had been given ‘from above’.[...] The supreme officer was responsible to God alone”(ULLMANN, 1965, p. 13; sem grifos no original) [“Aqui[na teoria descendente] o poder original localizava-se emum ser supremo que, devido às idéias cristãs prevalecentes,passou a ser visto como a própria divindade. [...] Qualquerque fosse o poder, era encontrado ‘abaixo de’, era derivado‘de cima’, pois, como dissera S. Paulo, ‘Não há poder excetoo de Deus’. Aqui só se pode falar de ‘poder delegado’[...].De acordo com essa tese, o povo não tem outro poder se-não aquele que foi dado ‘de cima’. [...]. O governante supre-mo era responsável somente diante de Deus” – N. R.].

Ou seja, o que a caracteriza como descendente é o fatodo poder ser delegado aos homens por Deus, causa primeirae universal de todas as coisas e autor da natureza humana.O povo, enquanto comunidade, é a sede da soberania. Maspara tornar-se uma comunidade política, em sentido próprio,o povo faz uma translatio potestatis, isto é, transfere volun-tária e imediatamente esse poder a um príncipe, que atualizao poder da comunidade e confere-lhe unidade política. Comisso, o povo passa a sujeitar-se ao soberano e só pode re-sistir a ele, de direito, quando esse soberano tornar-se umtirano, transgredindo os fins da comunidade política – finsconhecidos por todos os governantes cristãos e respeita-dores da fé. Nesse caso, o Sumo Pontífice pode liberar ossúditos de seu dever de obediência e declarar o soberanotirânico. Para essa versão, conferir, por exemplo, Suárez(1856-1878, tomo 24, III, 2, 1 e 17; III, 5, 2). Cf. Bellarmin(1949, cap. 5).

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A maioria dos conflitos de legitimidade,portanto, pode ocorrer sem necessidade de recursoa uma teoria ascendente pura, que faça do povo afonte absoluta do poder. É mais funcional,ideologicamente, contestar as pretensões doPapado sem negar a noção de Deus como fonteoriginal do poder. No fundo, a grande questão eraidentificar o intermediário, o comissário do Senhor.

Os grandes confrontos políticos entre papas,imperadores e reis diziam respeito não só à definiçãode áreas de influência e à divisão de funções, comotambém ao poder de legislar. Durante a maior parteda Idade Média, a fonte da lei não foi objeto dediscussão. Deus é o legislador, o Papa é seurepresentante e ao poder temporal nada resta alémde conduzir os assuntos humanos de acordo comas normas divinas. De certo modo, a lei era um dado.Mais precisamente: as grandes linhas da legislaçãoapareciam como dadas, mas o Papa resolve asquestões emergentes de acordo com critériospragmáticos e dentro do horizonte dos interessesimediatos.

Enquanto esse ponto de vista prevaleceu, nãohouve conflito sobre as fontes das normas e,portanto, de jurisdição. Ressalve-se: esta é umadescrição sumária. Disputas de jurisdição existiramdesde o início da Igreja e dentro da própria Igreja.O triunfo de Roma sobre a Igreja do Oriente foi oprimeiro exemplo. Mas a amplitude e a importânciados confrontos a partir do século XI foramimensamente maiores, porque o cenário não era omesmo (a Europa estabilizara-se), havia novosatores em cena (poderes regionais em busca deconsolidação) e os valores em disputa eramdiferentes.

Os novos conflitos, principalmente a partir daquestão das investiduras, deram origem a umaextensa literatura jurídica, política e artística. Oapogeu desse movimento ocorreu nos séculos XIIIe XIV. Grande parte da produção, talvez a maisconhecida, trata do debate dos poderes do Papadoe do Império. Curiosamente, alguns dos textos maisnotáveis apareceram quando o Império já poucosignificava. No século XIV, quando entraram nodebate figuras como Guilherme de Ockham eMarsílio de Pádua, a influência do Imperador eramuito limitada e o poder dos reis, em contraste,cada dia mais sólido. É como se os confrontos entrePapado e Império compusessem o cenário para aconsagração de um novo poder, o do Estadomoderno.

Em alguns dos textos mais ricos do século XIV,o poder real aparecia como um dado, enquanto odo Imperador e o do Papa eram objetos dediscussão. Bom exemplo é o capítulo final doBrevilóquio sobre o principado tirânico, deGuilherme de Ockham. Nessa passagem, o nãoreconhecimento pelos reis de França de nenhumsuperior em assuntos temporais é mencionadocomo um argumento, isto é, como um fato fora dedisputa e reconhecido pela própria Igreja (cf.OCKHAM, 1988, p. 184). O assunto em debate eraoutro: a pretensão do Papa de estender seuspoderes sobre o Imperador.

Faltava pouco, nesse momento, para apulverização da idéia de comunidade cristãuniversal. Como indicou Francesco Calasso, essanoção manteve-se sobretudo como uma molduraideológica do debate político – moldura, porém,cada vez menos importante. Todavia, o poder real,muito mais concreto que o imperial no século XIV,só se consolidou por meio de uma história dedisputas com a Igreja e com o Império, em que osreis enfrentaram cada adversário separadamente.

No caso inglês, o confronto com o Império foidesnecessário. Restava, como rival, o poder doclero. Quando Henrique II resolveu intervir no foroeclesiástico, a lealdade dos homens influentesestava definida. Thomas Becket só aceitou adecisão do Parlamento de Westminster com umarestrição: “salvo ordine nostro et iure Ecclesiæ”.Henrique II recuou, por um momento, e em seguidao Parlamento especificou, em 16 artigos, asrestrições. Becket aceitou, mudou de idéia e fugiupara a França.

Significativamente, partiu do Papa, AlexandreIII, a tentativa de entendimento. A resistência deBecket acabou quase à margem da política pontifíciaoficial. Ao reconciliar-se com Henrique II, elemanteve a cláusula: “salvo honore Dei”. O rei,aparentemente, dispôs-se à convivência.Historiadores descreveram o assassínio doArcebispo quase como um mal-entendido ou frutode intriga. Henrique II, incitado por intrigantes, teriadeixado escapar a frase famosa: “Não há ninguémcapaz de vingar a honra do rei contra essesacerdote?”.

Quatro cavaleiros decidiram executar o serviço.A morte de Becket, no templo, foi descrita porSalisbury como um martírio (SALISBURY, 1984, p.30). O mesmo Alexandre III, que tentara a

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conciliação com Henrique II, canonizou Becketem 1173, três anos depois de sua morte. Acidenteou não, o fim da história parece lógico. O poderdo rei impôs-se ao resistente e a Igreja fez da vítimaum santo. Que outro desfecho seria maisemblemático? Hobbes poderia ter feito essapergunta.

Os confrontos de Roberto da Sicília com oImperador e de Felipe, o Belo, com o Papa sãoespecialmente interessantes por seusdesdobramentos jurídicos. A controvérsia entre oPapa Bonifácio VIII e Felipe, o Belo, começouquando o Rei francês decidiu tributar o clero. Amedida foi contestada pelo Papa na bula Clericislaicos em 1296. Bonifácio declarou ilegal a taxaçãoe proibiu o clero de pagar impostos sem expressaautorização papal. Recuou, depois, ao descobrir oapoio encontrado por Felipe, mesmo entre ospadres, em torno de questões de interesse francês.A essa sucedeu uma polêmica sobre o direito daCoroa de prender e julgar um bispo acusado detraição. A crise terminou com a morte do Papa, diasdepois de um grupo mandado pelo Rei ter tentadoprendê-lo. A história ficou por isso mesmo e,assinalou Strayer, “os papas que se seguiram nãoconseguiram reavivar qualquer interesse pelo caso”(STRAYER, s/d, p. 60).

Bastaria esse desfecho para tornar esse conflitoextremamente importante como episódio deafirmação do poder real. Mas a história interessatambém pelo desenvolvimento do debate suscitadopela questão fiscal. A defesa das pretensões reais,lembrou Ullmann, aparece em tratados escritos porministros do rei e por professores da Universidadede Paris – estes protegidos pelo anonimato. Umtexto especialmente interessante mencionado porUllmann é a Discussão entre um clérigo e umcavaleiro. Segundo o cavaleiro, Jesus nunca deuao Papa os poderes por este pretendidos; sendoapenas um governante espiritual, sem domínio, nãocabe ao Papa ditar leis (cf. ULLMANN, 1965, p.156).

Em 1312, Roberto, o Sábio, resistiu às forças doImperador Henrique VII, quando este estava emcampanha na Itália. Foi, então, acusado de traição,com o argumento de haver incitado os toscanos elombardos a rebelar-se contra as forças imperiais ea expulsar a administração germânica do Norte daItália. O rei siciliano foi citado, recusou-se acomparecer perante o tribunal imperial de Pisa e

foi condenado por crime de lesa-majestade.

Como o reino da Sicília era, nominalmente,feudo do Papado, Roberto levou o problema aoPapa, que consultou vários juristas eminentes. Em1313, Clemente V editou o decreto papal Pastoraliscura, aderindo oficialmente ao ponto de vista, atéentão teórico, de que o rei é soberano em seuterritório e não pode ser citado ante o tribunal denenhum outro rei nem ante o do Imperador. Comorei, não poderia cometer alta traição contra nenhumoutro rei, por não ser súdito.

Esse decreto foi provavelmente a primeiraexpressão legal do conceito de soberania territorial.Negava a universalidade do poder do Imperador,em que o Papa sempre havia insistido com especialinteresse. Segundo o decreto, o Imperador sóexerceria um poder territorialmente limitado. Paramuitos juristas, tanto acadêmicos – como os daUniversidade de Bolonha – quanto profissionais,a idéia era bem familiar desde o século XIII.

A referência mais freqüente remete aBeaumanoir, autor do primeiro texto conhecido emque aparece a palavra “soberano” (“souverain”).A noção vinculava-se tanto à idéia de funçãogovernamental quanto à de jurisdição: “Verdade éque o rei é soberano acima de todos e tem, de seudireito, a guarda geral de todo o seu reino, pelo queele pode estabelecer tudo que lhe aprouver para oproveito comum, e o que ele estabelece deve serseguido [...]. E, como ele é soberano acima de todos,nós o nomeamos ao falar de alguma soberania quelhe pertença” (BEAUMANOIR, 1970, § 1043).

Todas as propriedades mais importantes dopoder soberano, tais como concebidas pelasmodernas teorias do Estado, aparecem nessapassagem de Beaumanoir: o domínio definido (“seureino”); o poder legislativo amplo (“estabelecertudo que lhe aprouver para o proveito comum”); ocaráter vinculante das normas (“o que eleestabelece deve ser seguido”); o uso da força comoparte da função (“a guarda geral de todo o reino”);a supremacia da autoridade (“soberano acima detodos”) e, o que é especialmente significativo, aidéia de uma legitimidade independente de qualqueroutro poder (“tem, de seu direito” todos os poderese funções mencionados).

Retomando o argumento de Calasso, quandose entende esse processo formador, pode-se fazera crítica da opinião comum que nega haver a Idade

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Média conhecido o conceito de Estado e, também,o de soberania. Segundo essa opinião, as duasidéias só se afirmaram no século XVI, com otriunfo do absolutismo, isto é, das condições depoder descritas teoricamente por Jean Bodin11.

Os tempos modernos, escreveu Calasso,preencheram a palavra “soberania” com umconteúdo que, como “fatalmente sucede às fórmulasdefinitórias”, foi-se petrificando e assumindo opeso de um dogma, um “verbum mysticum,destinado a cobrir alguma coisa que na realidadese havia distanciado sempre mais dasconsciências”. Fazer a história de um dogma,segundo Calasso, implica dissolvê-lo. Esse dogmaa Idade Média não conheceu, por ser uma criaçãoda Idade Moderna. Mas, ao invés, “pôs o seuproblema em termos modernos e seu esforçoconsistiu sobretudo na consumação do velhoinvólucro que, como se viu, havia incubado a novaidéia” (CALASSO, 1965, p. 256-257).

Marcel David, examinando o uso das palavras“soberano” e “soberania” nos séculos XIII e XIV,pôs na mesa um argumento importante: nos séculosXII e XIII, “três das noções expressas em francêspela palavra ‘soberania’ já existiam, simplesmenteadaptadas à estrutura da sociedade política daépoca. Duas delas, ‘autoridade suprema’ e ‘recusade toda ingerência de um superior no nível de umapotência reconhecida como legítima’, exprimiam-se pela mesma palavra: auctoritas. Quanto àpotência pública, é a palavra latina a partir da qualela formou-se, potestas, que habitualmente servepara exprimi-la. Assim, o pensamento político dessaépoca soube fazer do vocabulário um uso maisjudicioso do que a partir do século XVI” (DAVID,

1954, p. 14). Além de tudo, disse também MarcelDavid, “a história e a lógica não se opõem a queas idéias inerentes ao termo ‘soberania’ tenhamsido já extraídas, simplesmente expressas no latimda época, com ajuda de um vocabulário originalque pôde muito bem permanecer sem grandeinfluência sobre aquele que utilizamos em francês”(idem, p. 17).

É a insuficiência dessa noção de processo, emsua análise, que dificulta o tratamento das noçõesde Estado e de soberania no capítulo de Heller sobreos pressupostos históricos do Estado atual. O textocontém referências históricas, mas permanece presoa uma perspectiva tipológica que acaba sendodogmática. Por isso, ele acaba tratando exemploshistóricos importantes, como os da Sicília e daInglaterra, quase como casos excepcionais, desviosda norma, dados que não desmentem a communisopinio. Talvez o problema esteja no fato de que,enquanto Weber utilizou material histórico paraconstruir um tipo, Heller, movido por uma inspiraçãodeclaradamente weberiana, tenha partido de um tipo(do Estado) e de um conceito cristalizado (o desoberania) para examinar a história política medieval.

O caminho percorrido até aqui autoriza,portanto, afirmar que a noção de gubernatio já nãobasta, obviamente, para dar conta dos elementosapontados nesse texto. A palavra pode continuarem uso, mas tornou-se cada vez mais pobre diantedos desenvolvimentos políticos e jurídicos aolongo dos séculos XIII a XV. Novas noções sãonecessárias para dar conta dos novos fatos. Sejapolemizando, seja refletindo sobre o espetáculo dapolítica, os filósofos e juristas do final da IdadeMédia tentaram refazer o quadro conceitual. Atarefa ganhou impulso considerável a partir darecuperação de Aristóteles por São Tomás deAquino. Muito trabalho estava feito quandoMaquiavel e Bodin produziram seus tratados sobreas questões do Estado e da soberania. Nem osteóricos anteriores trataram apenas do que deveser, desconhecendo a “verità effetuale delle cose”,nem foram cegos diante dos atributos do podersoberano.

11 A opinião é bastante antiga, mas encontrou refinadosdefensores no século XX. Apareceu, por exemplo, entreoutros, na abordagem de Heller e seus discípulos, que sãonumerosos (cf. HELLER, 1987, p. 152ss.). Com aparênciamais moderna, revestida de coloração histórica, foi repetidapor autores contemporâneos como Bartelson (1995, p.90ss.).

Raquel Kritsch ([email protected]) é Doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e Professora Adjunta doDepartamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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