37 - A Crise de 1929 e o Nazi-fascismo

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A crise de 1929 e o nazifascismo 1 A crise de 1929 e o nazi-fascismo Cláudio Vicentino / Giampaolo Dorigo A CRISE DA BOLSA DE NOVA YORK E A GRANDE DEPRESSÃO Terminada a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos transformaram-se no dínamo do capitalismo mundial: de maior devedor (3 bilhões de dólares), o país passou à invejável posição de maior credor mundial (11 bilhões de dólares). Mais que isso, os Estados Unidos eram responsáveis, em 1918, por mais de um terço da produção industrial mundial e, em 1929, passaram a mais de 42%. Além disso, permaneceram atraindo população: somente entre 1900 e 1910, entraram nos Estados Unidos perto de nove milhões de imigrantes europeus. A prosperidade econômica, entretanto, apresentava contradições que se aguçavam crescentemente, levando a uma profunda crise, que se expandiu para o resto do mundo. Terminado o mandato do democrata Woodrow Wilson (1912- 1920), os presidentes norteamericanos seguintes (até 1932), Warren G. Harding, Calvin Coolidge e Herbert Hoover, foram todos do Partido Republicano, fiéis defensores do isolacionismo e do liberalismo econômico, amparando-se na Doutrina Monroe - “A América para os americanos”. Assim, buscando voltar-se para seus interesses no continente, os Estados Unidos abdicaram de um engajamento total nos assuntos internacionais. Não ratificaram o tratado de Versalhes e decidiram não participar da Liga das Nações, deixando aos europeus a tarefa de solucionar os conflitos ocorridos na Europa. A ausência dos Estados Unidos, que gozavam de enorme prestígio econômico e político, foi uma das razões da falência da Liga das Nações e dos impasses europeus que culminaram na edificação dos Estados totalitários nazi-fascistas. Na outra ponta do isolacionismo, os Estados Unidos baixaram diversas leis restritivas à migração a partir de 1921, reduzindo drasticamente a entrada de estrangeiros no país. Acreditando na tendência intrínseca do mercado para a racionalidade e a superação dos problemas econômicos, não cabendo ao Estado interferir na ordem econômica, os presidentes republicanos norte-americanos de 1920 a 1932 assistiram impassíveis a uma evolução econômica em direção ao caos. A estabilidade salarial, incompatível com o crescimento da produtividade, acentuou a desigualdade na distribuição da renda - apenas uma elite correspondente a 5% da população detinha um terço da renda pessoal do país - e impossibilitou o aumento do consumo. A dificuldade para expandir o consumo interno, concomitante ao aumento da produção do país, resultou numa grande estocagem de mercadorias. Porém, desde 1928, havia uma intensa atividade econômica nos Estados Unidos, o que deu impulso à especulação financeira, por meio da compra e venda de ações de grandes empresas na bolsa de valores de Nova York, situada no centro da cidade, em Wall Street. Em meados de 1929, o valor das ações quadruplicou e mais e mais investidores foram atraídos pela possibilidade de enriquecer facilmente ao participar desse mercado. O aumento do número de investidores e do volume de investimentos, contudo, possuía um limite físico. O mercado interno limitado e o externo arrasado pela Primeira Guerra Mundial, com os países europeus buscando recuperar-se, completavam o impasse econômico. A superprodução, acompanhada de um subconsumo, levou a especulação financeira ao limite. O presidente Herbert Hoover, entretanto, mantinha sua posição liberal, recusando-se a uma intervenção estatal para estancar ou reverter a situação. A EXPLOSÃO DO NEW DEAL A crise explodiu em 24 de outubro, quando uma grande venda de ações não encontrou compradores, fazendo os preços caírem. Os investidores, atemorizados, tentaram livrar-se dos papéis, originando uma verdadeira avalanche de ofertas de ações, que derrubaram velozmente os preços, arruinando a todos. Do dia para a noite, prósperos empresários passaram a,meros possuidores de papéis sem qualquer valor, levando mais de uma dezena deles a cometer suicídio. A desordem econômica atingiu profundamente toda a sociedade norte-americana: 85 mil empresas faliram, quatro mil bancos fecharam e as demissões de trabalhadores alcançaram um total aproximado de doze milhões, disseminando a fome. A crise de 1929 abalou todo o mundo, com exceção da União Soviética, fechada em si mesma e onde estavam sendo aplicados os planos qüinqüenais, sob o governo de Josef Stálin. A difusão da crise contou com dois elementos básicos: a redução das importações norte-americanas, afetando duramente os países que dependiam de seu mercado (o café brasileiro é um exemplo), e o repatriamento de capitais norte-americanos investidos em outros países. Graças à crise econômica, os republicanos foram vencidos nas eleições nacionais pelo Partido Democrata, em 1932. Franklin Delano Roosevelt foi então eleito presidente dos Estados Unidos, e uma de suas primeiras providências foi limitar o liberalismo econômico, intervindo na economia, por meio do New Deal, plano elaborado por um grupo de renomados economistas que se baseava nas teorias do economista John Maynard Keynes (1884-1946). Com o New Deal, o liberalismo de Adam Smith cedeu lugar ao neocapitalismo, que buscava um planejamento econômico baseado na intervenção do Estado. Roosevelt determinou grandes emissões monetárias, inflacionando deliberadamente o sistema financeiro; fez investimentos estatais de monta, como hidrelétricas; estimulou uma política de empregos, entre outras medidas, o que ativou o consumo e possibilitou a progressiva recuperação da economia. Dez anos depois, os Estados Unidos chegaram próximo do patamar econômico em que se encontravam em 1929. A política keynesiana da busca do pleno emprego para estimular as economias em recessão, adotada primeiramente nos Estados Unidos e depois em diversos outros países industriais, foi seguida pela instalação de modernos sistemas previdenciários (a Lei de Seguridade dos Estados Unidos foi aprovada em 1935), servindo de base às políticas de bem-estar social desenvolvidas pelos países capitalistas, o chamado welfare state, termo que entrou em uso a partir de 1940. Tal política neocapitalista teve predomínio internacional até o final dos anos 1970, quando voltou a ganhar prestígio a completa liberdade de mercado, defendida por teóricos como Friedrich von Hayek, autor de Caminho da miséria (1944), e membros da escola monetarista de Chicago, a exemplo de Milton Friedman e Robert Lucas. O IDEÁRIO NAZI-FASCISTA O nazi-fascismo caracterizou-se por ser um movimento essencialmente nacionalista, antidemocrático, antioperário, antiliberal e anti-socialista, que se estruturou na Europa entre o final da Primeira Guerra Mundial e o início da Segunda Guerra Mundial. Na Alemanha foi representado por Adolf Hitler, cujo livro, Mein Kampf (Minha luta), serviu como base teórica do governo nazista alemão. O outro pólo importante do movimento ocorreu na Itália e foi liderado por Benito Mussolini, que ocupou o governo a partir de 1922. Em outros países, formas peculiares de totalitarismo também foram adotadas, como o franquismo na

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A crise de 1929 e o nazifascismo

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A crise de 1929 e o nazi-fascismo

Cláudio Vicentino / Giampaolo Dorigo

A CRISE DA BOLSA DE NOVA YORK E A GRANDE DEPRESSÃO

Terminada a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos transformaram-se no dínamo do capitalismo mundial: de maior devedor (3 bilhões de dólares), o país passou à invejável posição de maior credor mundial (11 bilhões de dólares). Mais que isso, os Estados Unidos eram responsáveis, em 1918, por mais de um terço da produção industrial mundial e, em 1929, passaram a mais de 42%. Além disso, permaneceram atraindo população: somente entre 1900 e 1910, entraram nos Estados Unidos perto de nove milhões de imigrantes europeus. A prosperidade econômica, entretanto, apresentava contradições que se aguçavam crescentemente, levando a uma profunda crise, que se expandiu para o resto do mundo.

Terminado o mandato do democrata Woodrow Wilson (1912-1920), os presidentes norteamericanos seguintes (até 1932), Warren G. Harding, Calvin Coolidge e Herbert Hoover, foram todos do Partido Republicano, fiéis defensores do isolacionismo e do liberalismo econômico, amparando-se na Doutrina Monroe - “A América para os americanos”. Assim, buscando voltar-se para seus interesses no continente, os Estados Unidos abdicaram de um engajamento total nos assuntos internacionais. Não ratificaram o tratado de Versalhes e decidiram não participar da Liga das Nações, deixando aos europeus a tarefa de solucionar os conflitos ocorridos na Europa.

A ausência dos Estados Unidos, que gozavam de enorme prestígio econômico e político, foi uma das razões da falência da Liga das Nações e dos impasses europeus que culminaram na edificação dos Estados totalitários nazi-fascistas. Na outra ponta do isolacionismo, os Estados Unidos baixaram diversas leis restritivas à migração a partir de 1921, reduzindo drasticamente a entrada de estrangeiros no país.

Acreditando na tendência intrínseca do mercado para a racionalidade e a superação dos problemas econômicos, não cabendo ao Estado interferir na ordem econômica, os presidentes republicanos norte-americanos de 1920 a 1932 assistiram impassíveis a uma evolução econômica em direção ao caos.

A estabilidade salarial, incompatível com o crescimento da produtividade, acentuou a desigualdade na distribuição da renda - apenas uma elite correspondente a 5% da população detinha um terço da renda pessoal do país - e impossibilitou o aumento do consumo. A dificuldade para expandir o consumo interno, concomitante ao aumento da produção do país, resultou numa grande estocagem de mercadorias.

Porém, desde 1928, havia uma intensa atividade econômica nos Estados Unidos, o que deu impulso à especulação financeira, por meio da compra e venda de ações de grandes empresas na bolsa de valores de Nova York, situada no centro da cidade, em Wall Street. Em meados de 1929, o valor das ações quadruplicou e mais e mais investidores foram atraídos pela possibilidade de enriquecer facilmente ao participar desse mercado.

O aumento do número de investidores e do volume de investimentos, contudo, possuía um limite físico. O mercado interno limitado e o externo arrasado pela Primeira Guerra Mundial, com os países europeus buscando recuperar-se, completavam o impasse econômico. A superprodução, acompanhada de um subconsumo, levou a especulação financeira ao limite. O presidente Herbert Hoover, entretanto, mantinha sua posição liberal, recusando-se a uma intervenção estatal para estancar ou reverter a situação.

A EXPLOSÃO DO NEW DEAL A crise explodiu em 24 de outubro, quando uma grande

venda de ações não encontrou compradores, fazendo os preços caírem. Os investidores, atemorizados, tentaram livrar-se dos papéis, originando uma verdadeira avalanche de ofertas de ações, que derrubaram velozmente os preços, arruinando a todos.

Do dia para a noite, prósperos empresários passaram a,meros possuidores de papéis sem qualquer valor, levando mais de uma dezena deles a cometer suicídio. A desordem econômica atingiu profundamente toda a sociedade norte-americana: 85 mil empresas faliram, quatro mil bancos fecharam e as demissões de trabalhadores alcançaram um total aproximado de doze milhões, disseminando a fome.

A crise de 1929 abalou todo o mundo, com exceção da União Soviética, fechada em si mesma e onde estavam sendo aplicados os planos qüinqüenais, sob o governo de Josef Stálin. A difusão da crise contou com dois elementos básicos: a redução das importações norte-americanas, afetando duramente os países que dependiam de seu mercado (o café brasileiro é um exemplo), e o repatriamento de capitais norte-americanos investidos em outros países.

Graças à crise econômica, os republicanos foram vencidos nas eleições nacionais pelo Partido Democrata, em 1932. Franklin Delano Roosevelt foi então eleito presidente dos Estados Unidos, e uma de suas primeiras providências foi limitar o liberalismo econômico, intervindo na economia, por meio do New Deal, plano elaborado por um grupo de renomados economistas que se baseava nas teorias do economista John Maynard Keynes (1884-1946).

Com o New Deal, o liberalismo de Adam Smith cedeu lugar ao neocapitalismo, que buscava um planejamento econômico baseado na intervenção do Estado. Roosevelt determinou grandes emissões monetárias, inflacionando deliberadamente o sistema financeiro; fez investimentos estatais de monta, como hidrelétricas; estimulou uma política de empregos, entre outras medidas, o que ativou o consumo e possibilitou a progressiva recuperação da economia. Dez anos depois, os Estados Unidos chegaram próximo do patamar econômico em que se encontravam em 1929.

A política keynesiana da busca do pleno emprego para estimular as economias em recessão, adotada primeiramente nos Estados Unidos e depois em diversos outros países industriais, foi seguida pela instalação de modernos sistemas previdenciários (a Lei de Seguridade dos Estados Unidos foi aprovada em 1935), servindo de base às políticas de bem-estar social desenvolvidas pelos países capitalistas, o chamado welfare state, termo que entrou em uso a partir de 1940.

Tal política neocapitalista teve predomínio internacional até o final dos anos 1970, quando voltou a ganhar prestígio a completa liberdade de mercado, defendida por teóricos como Friedrich von Hayek, autor de Caminho da miséria (1944), e membros da escola monetarista de Chicago, a exemplo de Milton Friedman e Robert Lucas.

O IDEÁRIO NAZI-FASCISTA O nazi-fascismo caracterizou-se por ser um movimento

essencialmente nacionalista, antidemocrático, antioperário, antiliberal e anti-socialista, que se estruturou na Europa entre o final da Primeira Guerra Mundial e o início da Segunda Guerra Mundial.

Na Alemanha foi representado por Adolf Hitler, cujo livro, Mein Kampf (Minha luta), serviu como base teórica do governo nazista alemão. O outro pólo importante do movimento ocorreu na Itália e foi liderado por Benito Mussolini, que ocupou o governo a partir de 1922. Em outros países, formas peculiares de totalitarismo também foram adotadas, como o franquismo na

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Espanha e o salazarismo em Portugal. Essas novas formas de governo representaram uma reação

nacionalista às frustrações resultantes da Primeira Guerra Mundial, uma maneira de fortalecer o Estado, além de atender às aspirações de estabilidade diante das ameaças revolucionárias de esquerda, especialmente diante da implantação do socialismo na União Soviética.

A doutrina nazi-fascista caracterizava-se basicamente pelos seguintes pontos:

- Totalitarismo, em que o Partido Fascista ou Nazista

confundia-se com o Estado, formando a síntese das aspirações nacionais;

- Nacionalismo, defendendo que tudo deveria ser feito para a nação;

- Idealismo, acreditando no poder transformador de qualquer coisa que se desejasse por meio do instinto e dos anseios;

- Romantismo, que negava a razão como solucionadora dos problemas nacionais, defendendo, ao contrário, que somente a fé, o auto-sacrifício, o heroísmo e a força seriam capazes de superar as dificuldades;

- autoritarismo, segundo o qual a autoridade do líder - o Duce ou o Führer - era indiscutível;

- Militarismo, que possibilitaria a salvação nacional por meio da luta e da guerra;

- Anticomunismo. No caso alemão, havia ainda o anti-semitismo, a

perseguição racista aos judeus justificada pela afirmação de que, na Primeira Guerra Mundial, os alemães tinham sido traídos pelos judeus marxistas, motivando sua derrota. Além disso, segundo o nazismo, os judeus, vistos como antinacionais, ameaçavam a constituição da grande raça ariana (alemã), mentira repetida até adquirir a forma de verdade. Assim, a idéia fundamental do nazismo era expressa na frase: “Ein Volk, ein Reich, ein Führer” (“Um povo, um império, um líder”).

No caso do regime totalitário italiano, baseado no corporativismo, o povo, produtor de riquezas, organizava-se em corporações sindicais que governavam o país por meio do Partido Fascista, representado pelo próprio Estado. Ao contrário da visão marxista, negava-se a oposição entre classes sociais na estrutura social, e o Estado corporativo deveria buscar a harmonização dos interesses conflitantes do capital e do trabalho dentro dos quadros das corporações.

Hitler e Mussolini contaram com o capital financeiro e o apoio da alta burguesia na edificação do Estado totalitário, representada, no caso nazista, pelo magnata Krupp e, no caso da Itália, pela Confederação Geral da Indústria, pela Associação dos Bancos e pela Confederação da Agricultura.

O FASCISMO ITALIANO Após a Primeira Guerra Mundial, a Itália contava com

enormes perdas financeiras e humanas e quase nenhum ganho territorial. Juntamente com o caos econômico causado pela inflação, pelo alto índice de desemprego e pela paralisação de diversos setores produtivos, esse panorama levou à agitação política revolucionária das esquerdas, sucedendo-se greves e invasões de fábricas e terras.

Por seu lado, o governo parlamentar, composto pelo Partido Socialista e pelo Partido Popular, não chegava a acordo nas grandes questões políticas, gerando impasses e impopularidade. Nesse quadro de instabilidade, as elites passaram a respaldar a atuação das squadre d'azione', milícias armadas formadas pelos camisas-negras, membros do Partido Fascista italiano criado por Mussolini em 1919. Dois anos depois, os fascistas elegeram o maior número de representantes no Parlamento.

Apoiado na crise parlamentar e na idéia da “mediocridade democrática”, Mussolini organizou o assalto ao poder. Em 1922, cinqüenta mil camisas-negras, vindos de todas as regiões da

Itália, dirigiram-se para a capital italiana exigindo o poder - foi a chamada Marcha sobre Roma. O rei Vítor Emanuel III cedeu à pressão e o líder fascista passou a organizar o gabinete governamental, no cargo de primeiro-ministro.

Em 1924, por meio de eleições fraudulentas, os fascistas ganharam maioria parlamentar. A oposição, liderada pelo deputado socialista Giacomo Matteotti, denunciou as irregularidades eleitorais, mas foi calada por terror e repressão generalizados, que culminaram no rapto e assassinato do deputado.

No ano seguinte às eleições, Mussolini tornou-se Duce (o condutor supremo da Itália), com o respaldo da Confederação Geral da Indústria, da polícia política fascista (Ovra) e de tribunais especiais - instâncias jurídicas também de orientação fascista -, que julgavam e condenavam os dissidentes. Concretizou-se, assim, um Estado totalitário, em que eram eliminados os principais focos oposicionistas, ao mesmo tempo que se impunham leis de exceção, suprimia-se a imprensa oposicionista e eram cassadas as licenças de todos os advogados antifascistas.

Em 1929, Mussolini ganhou também o apoio do clero ao assinar o tratado de Latrão, que solucionava a antiga Questão Romana. Indicando a conciliação entre Igreja e Estado, o papa Pio XI reconhecia o Estado italiano, e Mussolini, a soberania do Vaticano. O catolicismo foi transformado em religião oficial da Itália.

Após garantir para si plenos poderes e cercar-se das elites dominantes, Mussolini buscou o desenvolvimento econômico do país. Centrado numa imensa propaganda de massa e na proibição de greves, seu governo apresentou sucessos na agricultura e na indústria até que a depressão mundial de 1929 mergulhou o país em crise.

Para superá-la, Mussolini intensificou a produção de armamentos e as conquistas territoriais, ressuscitando a idéia de restaurar o Império Romano. Voltando-se para a África, invadiu a Abissínia (atual Etiópia) e, em seguida, uniu-se à Alemanha e ao Japão em diversas agressões internacionais.

O NAZISMO ALEMÃO Similarmente ao fascismo italiano, o nazismo alemão emergiu

da desastrosa derrota na Primeira Guerra Mundial e da humilhação sofrida pelas condições impostas à Alemanha pelo tratado de Versalhes. Com o final da guerra, o regime monárquico dos Kaiser alemães foi substituído pela República de Weimar (1918-1933), que herdou uma grave crise socioeconômica.

A República, cujo nome advinha da cidade onde fora aprovada a nova constituição, foi governada por uma coalizão formada por socialistas, católicos e social-democratas. Regido por uma Carta progressista, desde o começo esse governo teve de enfrentar sérias dificuldades políticas e uma crescente onda de insatisfação social provocada pela gravíssima crise econômica que abateu a Alemanha, no pós-guerra.

Em 1923, os governantes da República de Weimar decidiram cancelar os pagamentos impostos pelo tratado de Versalhes. Em represália, os franceses invadiram o vale do Ruhr, importante região mineradora e siderúrgica da Alemanha. Apoiados pelo presidente socialista Friedrich Ebert, os mineradores e operários dessa região entraram em greve, negando-se a trabalhar para os franceses. Para sustentá-la, o parlamento autorizou a emissão de papel-moeda a fim de custear a posição dos trabalhadores. O resultado foi uma espiral inflacionária, que chegou a atingir o índice de 32.400% ao mês.

Em 1919, em Munique, um pequeno grupo de nacionalistas fundou um partido totalitário, nos moldes do fascismo italiano, que adotou, logo depois, o nome de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (National-Sozialistische Deutsche Arbeiter Partei - NSDAP), popularmente chamado de nazi. Com forte apelo ao sentimento nacional diante das dificuldades do pós-guerra e contrários aos socialistas-comunistas (Sozialisten),

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apelidados popularmente de sozi, que seguiam o exemplo revolucionário russo de 1917, o novo partido nacional-socialista ganhou crescentes adeptos. Para intimidar os opositores, principalmente judeus, comunistas e socialistas, os nazistas atuavam com uma polícia paramilitar, denominada Seções de Assalto (SA) - os “camisas-pardas”.

Diante do agravamento da situação socioeconômica e da ineficiência do governo republicano, Hitler e seus seguidores tentaram assumir o poder, em novembro de 1923. Numa cervejaria de Munique, proclamaram o fim da república, e, embora acabassem todos presos, ganharam ampla publicidade em todo o país. O Putsch (“golpe”, em alemão) de Munique, como ficou conhecido, pareceu, por seu malogro total, o fim do nascente Partido Nazista. Foi, no entanto, apenas um recuo momentâneo na escalada nazista, que contaria mais tarde com circunstâncias propícias ao seu reerguimento definitivo.

Na prisão, Hitler escreveu Mein Kampf, obra em que desenvolveu os fundamentos do nazismo: a idéia pseudocientífica da existência da raça ariana - que seria descendente de um grupo indo-europeu mais puro -, o nacionalismo exacerbado, o totalitarismo, o anticomunismo e o domínio de territórios indispensáveis ao desenvolvimento alemão, inclusive com a conquista da Europa oriental, o princípio do espaço vital.

As idéias nazistas não tiveram presença expressiva, até que a quebra da bolsa de valores de Nova York, no fim de 1929, veio abalar a economia mundial, especialmente a da Alemanha. Com efeito, em 1932, muitos dos seis milhões de desempregados alemães engrossavam as fileiras do Partido Nacional-Socialista, ao lado de ex-soldados, jovens estudantes e agricultores, descontentes com a fragilidade política e econômica do governo democrático de Weimar. Outros, porém, alinhavam-se aos grupos políticos de esquerda, especialmente os comunistas, o que amedrontou a elite e a classe média alemã, que viram na proposta nazista a salvação nacional.

As tropas das SA passaram a agir livremente e a popularidade nazista se impôs. Em 1932, nas eleições para o Parlamento, os nazistas conquistaram 230 cadeiras (em 1930, eram aproximadamente 30) e, em 1933, com a crise do sistema parlamentarista, o presidente Hindenburg ofereceu a Hitler a chancelaria, o comando do Estado. Elevado ao poder, o líder nazista visou inicialmente eliminar a forte oposição,

especialmente a dos políticos de esquerda. Para tanto, usou diversos meios, inclusive organizando uma farsa: provocou um incêndio que destruiu o prédio do Parlamento em Berlim, o Reichstag, e acusou os comunistas de terem um golpe em andamento, o que lhe permitiu a instalação de uma ditadura totalitária. Os deputados e líderes das esquerdas foram presos e levados para campos de concentração, onde se aprisionavam e, muitas vezes, exterminavam opositores, e mais tarde judeus e prisioneiros de guerra.

Para sustentar o poder hitlerista, foram criadas as Sessões de Segurança (SS) - que correspondiam à polícia política do partido, bem treinada, disciplinada e fiel ao Führer - e a Gestapo - polícia secreta do Estado.

Hitler eliminou os partidos, os jornais de oposição, os sindicatos e suspendeu o direito de greve. Depurou o próprio nazismo, eliminando vários líderes das SA que divergiam de sua autoridade absoluta. Na chamada Noite dos Longos Punhais (junho de 1934), cerca de setenta líderes e cinco mil outros nazistas foram mortos por soldados do exército, pelas SS e pela Destapo.

Um pouco antes, em 21 de março de 1933, Adolf Hitler proclamou a criação do Terceiro Reich (em alemão, “império”), sucessor do Sacro Império Romano Germânico (962-1806) e do Império dos Kaiser Hohenzollern (1871-1919). Com a morte do presidente Hindenburg, em agosto de 1934, Hitler acumulou essa função e a de chanceler, adotando oficialmente o título de Führer.

Joseph Goebbels, agitador fanático e orador mordaz, coordenou a propaganda nazista, ganhando o apoio de quase toda a nação aos grandiosos planos do Führer. A campanha racista criava um bode expiatório e unia a população alemã aos nazistas ao propor a purificação racial por meio do extermínio dos judeus. A denominada “solução final” multiplicou os campos de concentração, levando ao holocausto milhões de judeus. Toda a sociedade foi envolvida no programa nazista: das crianças aos adultos,* nas escolas e instituições, todos eram induzidos a filiar-se à Juventude Hitlerista ou ao Partido Nazista.

A nazificação alemã completou-se com o armamentismo e o total militarismo, que reativaram o desenvolvimento econômico baseado na indústria bélica. A militarização da Alemanha visava à expansão territorial e à conquista do espaço vital, forjando o estopim de um novo conflito europeu.