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CADERNOS TEMÁTICOS DE QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 6 – JULHO 2005A Química Inorgânica na terapia do câncer

Introdução

Apalavra câncer vem do latim“cancer”, que significa caran-guejo. Esse nome se deve à

semelhança entre as pernas do crus-táceo e os vasos do tumor, que seinfiltram nos tecidos sadios do corpo.

O câncer, um conjunto de doen-ças causadas pela multiplicação des-controlada de células anormais, é asegunda maior causa de morte nospaíses industrializados depois dasdoenças cardiovasculares, onde umaem cada quatro pessoas adquire adoença e uma em cinco morrerá. OMinistério da Saúde estima que em2005 serão registrados 467.440 novoscasos de câncer em todo o Brasil.

Os três principais tipos de trata-mento do câncer são a radioterapia,a cirurgia e a quimioterapia, sendo es-sa última objeto de estudo nas últimasquatro décadas.

Atualmente a quimioterapia do cân-cer utiliza-se tanto de compostos or-gânicos (por exemplo: taxol, 1 e vim-blastina, 2, Figura 1) quanto de com-plexos metálicos (por exemplo: cispla-

tina 3 e carboplatina 4, Figura 1).

A descoberta das propriedadesantitumorais do “cisplatina”

O estudo de complexos metálicospara uso na quimioterapia teve gran-de impulso depois da descoberta daspropriedades antitumorais do cis-d i a m i n o d i c l o r o p l a t i n a ( I I ) ] ,cis[Pt(NH3)2Cl2], comumente cha-mado “cisplatina”, e que é um doscompostos mais utilizados notratamento do cân-cer hoje em dia.

Esse complexofoi primeiramentedescrito por Reisetem 1844 e, um anoapós, Peyrone des-creveu um outrocomposto com amesma fórmula mo-lecular, sendo queapenas em 1893Werner propôs serem os dois com-postos isômeros: o complexo deReiset correspondia ao isômero trans(5, Figura 2) e o de Peyrone à formacis (3, Figura 1).

Entretanto, as propriedades antitu-morais de compostos contendo pla-tina só foram descobertas mais de umséculo após a descrição dos com-postos de Reiset e Peyrone. No finalda década de 60 do século XX, BarnetRosenberg, um físico, então traba-lhando na Universidade do Estado deMichigan, nos Estados Unidos, pro-curava estudar os efeitos do campoelétrico em uma cultura de bactériasEscherichia coli. Rosenberg observou

que a divisão celularera inibida, e duranteo processo, as célu-las de E. coli, comonão podiam se divi-dir, cresciam forman-do filamentos alon-gados. Uma descri-ção interessante dadescoberta dessesefeitos pode ser en-contrada no sítio

www.chemcases.com/cisplat, ondese acham também fotografias emmicroscópio eletrônico de E. coli e deE. coli em meio contendo cisplatina.

Iniciou-se então uma busca pelos

Ana Paula Soares Fontes, Eloi Teixeira César e Heloisa Beraldo

O cancêr é uma das doenças mais importantes na atualidade, constituindo a segunda maior causa de mortes nos paísesindustrializados depois das doenças cardiovasculares. A introdução, a partir de 1978, do complexo cis-diaminodicloroplatina(II), denome comercial “cisplatina”, na quimioterapia do câncer, representou um marco na história da Química Inorgânica Medicinal, econstituiu um importante avanço no tratamento de diversos tipos de tumores. Desde então, desenvolveu-se uma intensa busca pornovos complexos metálicos que também apresentassem atividade antitumoral, o que levou à descoberta de outros complexos deplatina que atualmente são utilizados em clínica médica. Neste artigo são discutidos os mecanismos de ação farmacológica dessescompostos, que estão relacionados à ligação da platina com as bases nitrogenadas do DNA. Mostraremos que complexos de outrosíons metálicos também podem apresentar atividade antitumoral, apesar de ainda não serem utilizados na clínica.

Química Inorgânica Medicinal, antitumorais, complexos de platina

O câncer, um conjunto dedoenças causado pela

multiplicaçãodescontrolada de células

anormais, é a segundamaior causa de morte nos

países industrializados,onde uma em cada quatropessoas adquire a doençae uma em cinco morrerá

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possíveis agentes responsáveis pelofenômeno, e as pesquisas mostraramque a platina do eletrodo se dissolviano meio de cultura, que continha saisde amônio, para formar espéciescomplexas do metal. Levou-se emconsideração a hipótese de formaçãodo sal (NH4)2[PtCl6], que foi entãosintetizado e testado nas mesmascondições da experiência inicial. Comas soluções recém-preparadas o fe-nômeno não se repetia, mas apósalguns dias em repouso e expostasà luz, ao serem novamente testadas,as soluções causavam a filamentaçãodas bactérias. Mais tarde mostrou-seque ocorria uma reação fotoquímica,ocasionando a troca de Cl– por NH3na esfera de coordenação da platina.Foram então sintetizados os com-plexos cis-[Pt(NH3)2Cl4] e trans-[Pt(NH3)2Cl4], sendo que com o com-posto cis repetiram-se os resultadosbiológicos iniciais e o composto transse mostrou inativo.

A partir desses resultados, umasérie de complexos de platina foi sin-tetizada e submetida a testes emcamundongos portadores de sarco-ma-180, um modelo de tumor usadopara ensaios farmacológicos. Oscompostos que se mostraram maiseficazes eram todos neutros e deconfiguração cis e, dentre eles, o queapresentou maior atividade foi o cis-diaminodicloroplatina(II) (3, cisplatina,Figura 1), que provocou a regressãototal do tumor em 36 dias, enquantoo seu isômero, trans-diaminodiclo-roplatina(II) (5, transplatina, Figura 2),se mostrou inativo.

Já no início da década de 70, ocisplatina começou aser submetido a testesclínicos, inicialmenteem pacientes terminaise posteriormente emtumores localizados,como câncer de testí-culo e ovário, tendosido lançado no mer-cado americano em1979. O carcinoma tes-ticular, que era quasesempre letal, tornou-securável em cerca de80% dos casos quan-do submetido ao trata-

mento com esse composto. Atual-mente o cisplatina é usado em váriosoutros tipos de neoplasias, como cân-cer de pulmão, cabeça, esôfago,estômago, linfomas, melanoma,osteossarcoma, de mama e cérvix,sobretudo em associação com outrasdrogas, em vários esquemas terapêu-ticos. No Brasil, um dos nomes co-merciais do cisplatina é “Platinil®”(Figura 3).

A descoberta das propriedadesantitumorais do cisplatina constituiuum marco na história da Química Me-dicinal, a qual inicialmente dedicava-se principalmente ao estudo de com-postos orgânicos e produtos naturais.Depois dessa descoberta pode-se di-zer que se abriu uma nova perspec-tiva, com a inclusão de complexosmetálicos como possíveis agentesterapêuticos. Desde então vários tra-balhos se dedicaram a investigar omecanismo de ação do cisplatina ecompostos correlatos no organismo.

Esses estudos mostraram que, an-tes de alcançar as células, os comple-xos passam por reações de substi-tuição, sendo a mais importante areação de hidrólise. A Figura 4 mostrao processo de hidrólise do cisplatina.

Do lado externo da célula, no plas-ma sangüíneo, a concentração decloreto é alta (cerca de 100 mmol/L),o que impede a hidrólise dos ligantescloretos, e mantém o cisplatina no es-tado neutro. Após entrar na célula, adiminuição na concentração de clo-reto (cerca de 4 mmol/L) permite ahidrólise do complexo, formando ou-tras espécies que podem reagir maisprontamente.

Figura 1: Alguns compostos utilizados no tratamento do câncer: 1: taxol; 2: vimblastina;3: cisplatina e 4: carboplatina.

Figura 2: trans-[(diaminodicloro)plati-na(II)].

Figura 3: Uma das formas comerciais do cisplatina (produ-zida por Quiral Química do Brasil S.A.).

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Após sofrer hidrólise no meio in-tra-celular, uma das questões a serrespondida era a de qual seria o alvobiológico do complexo, já que muitoscomponentes celulares, como o DNA,o RNA e as proteínas podem interagircom a platina.

Como age o cisplatina?Atualmente, há um consenso de

que o alvo principal do cisplatina é oDNA, macromolécula constituída porduas fitas, cada uma delas compostapor uma seqüência de nucleotídeos,os quais por sua vez são formados portrês diferentes tipos de moléculas: umaçúcar, um grupo fosfato e uma basenitrogenada. As bases nitrogenadaspodem ser púricas (guanina e adenina)ou pirimídicas (citosina e timina).

A ligação da platina com o DNAocorre preferencialmente através deum dos átomos de nitrogênio de gua-nina ou de adenina. A interação mais

estável é com o nitrogênio da guani-na, em razão da possibilidade de for-mação de ligação de hidrogênio dogrupo NH3 do cisplatina com o oxigê-nio da guanina, conforme a Figura 5.Esta interação não ocorre com a ade-nina.

Vários tipos de adutos com o DNApodem ser formados. Os principaissão:

• Adutos monofuncionais → cadaátomo de platina faz apenas uma li-gação com o DNA.

• Adutos bifuncionais → cadaátomo de platina se liga a duas po-sições do DNA. Este tipo de ligaçãopode ocorrer de três formas:

• Intrafita: quando as duas liga-ções ocorrem na mesma fitado DNA.

• Interfitas: quando cada liga-ção é feita em uma fita dife-rente do DNA.

• Intermolecular: quando uma

ligação da platina é feita como DNA e a outra com uma pro-teína ou aminoácido.

A Figura 6 ilustra as ligações intra-fita e interfitas da platina com o DNA.

Para o cisplatina, o aduto encon-trado em maior quantidade é o quecorresponde à ligação intrafita, envol-vendo bases guaninas adjacentes, oque sugere ser a formação desse adu-to o maior responsável pela sua ativi-dade anticancerígena, uma vez queprovoca lesões mais difíceis de seremreparadas. A habilidade do cisplatinade se ligar ao DNA e de distorcer suaestrutura sugere que o composto inter-fere no funcionamento normal dessecomponente celular.

Os processos de replicação e detranscrição do DNA são essenciaispara a divisão celular e para a produ-ção de proteínas. Qualquer agenteque interfira nesses processos podeser citotóxico. A inibição da replicaçãodo DNA sugere que o composto po-deria causar a morte das células can-cerosas ao bloquear sua habilidade

Figura 4: Hidrólise do cisplatina.

Figura 5: Interações da platina com as bases adenina (a) e guanina (b).

Figura 6: Adutos intrafita (em cima) e inter-fitas (em baixo) entre cisplatina e as basesdo DNA.

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de sintetizar novas moléculas deDNA, necessárias para a divisão ce-lular.

Alguns obstáculos ao uso do cisplatinae a busca de novos compostos

Alguns obstáculos, entretanto, têmsido enfrentados no uso do cisplatina:o surgimento de resistência celular, abaixa solubilidade em água e o estrei-to espectro de atividade, além de gra-ves efeitos colaterais, como neuro-to-xidez, nefro-toxidez e toxidez ao tratointestinal, que se manifestam atravésde náuseas e vômitos intensos. Osefeitos adversos surgem principal-mente pela complexação do cisplati-na com proteínas e peptídeos, comopor exemplo a glutationa, o que levaao seu acúmulo no organismo e con-seqüente toxidez. A toxidez renalpode ser reduzida por meio de pré epós-hidratação intensa do paciente edo uso de manitol para aumentar adiurese, além da diluição do medica-mento em solução salina hipertônica.

Com o objetivo de se obter com-postos mais eficazes e menos tóxicos,cerca de 3000 complexos de platina jáforam sintetizados e submetidos a en-saios de atividade antitumoral, massomente alguns mostraram atividadecomparável à do cis-platina.

Estudos relacio-nando estrutura quí-mica com atividadebiológica mostraramque a atividade anti-neoplásica de com-postos de platinaestava relacionadaaos isômeros cis, jáque os correspondentes isômerostrans se mostravam inativos. Contudo,na literatura já se encontram descritoscomplexos com geometria trans queapresentam alguma atividade.

Os complexos devem ser, prefe-rencialmente, eletricamente neutros,pois se presume que esses atraves-sem a membrana celular mais facil-mente do que aqueles que possuemcarga.

Como um complexo de platina so-fre reações de substituição de ligan-tes no organismo, ele deve ter em suaestrutura um grupo denominado

abandonador, que deve apresentarlabilidade moderada, sendo o cloreto(Cl–) o mais amplamente utilizado.Complexos com ligantes fortementecoordenados, como NO2

– ou SCN–,são inativos. Uma exceção a essa últi-ma generalização são os complexoscontendo ligantes bidentados dicar-boxilatos, que mostram atividade, eque devido à suamenor reatividade,causam menos efei-tos colaterais. Jácomplexos com li-gantes muito lábeis,como o nitrato (NO3

–),são muito tóxicos enão mostram ativida-de antitumoral.

Os ligantes que permanecem naesfera de coordenação da platina, ouseja, aqueles que não são substituí-dos no organismo, devem ser gruposrelativamente inertes, como as ami-nas. Podem ser mono ou bidentados,estes últimos formando preferencial-mente com a platina anéis que sejamenergeticamente favoráveis, como osde cinco ou seis membros. Esses li-gantes acompanham o átomo de pla-tina até o seu alvo no interior da célula,e assim modulam a citotoxidez e o

efeito antitumoraldos complexos.

Em 1987, o com-posto diamino(1,1-ciclobutanodicarbo-xilato) platina(II), (car-boplatina, 4, Figu-ra 1), foi aprovadopara comercializa-ção. O carboplatinaapresenta basica-

mente o mesmo espectro de ativida-de do cisplatina, porém com efeitoscolaterais reduzidos. Infelizmente,apesar de ser melhor tolerado, o car-boplatina não atua em células resis-tentes ao cisplatina.

A Figura 7 mostra outros compos-tos de platina que apresentam algumtipo de atividade citotóxica: trans-1,2-diaminocicloexanooxalatoplatina(II)(6, oxaloplatina), que vem sendo usa-do para o tratamento de câncer color-retal, além de ter se mostrado ativoem células resistentes; cis-diaminogli-colatoplatina(II) (7, nedaplatina), que

recebeu aprovaçãopara uso clínico noJapão e 1,2-diami-nometilciclobutano-lactatoplatina(II) (8,lobaplatina) que foiaprovado em testesclínicos de fase II naChina (testes clíni-cos são aqueles rea-

lizados em pacientes, para verificarvários aspectos do medicamento,como eficácia e toxidez).

Comparados aos complexos deplatina(II), os complexos de platina(IV)são geralmente menos ativos quandosubmetidos a testes de atividade invitro. Alguns desses compostos foramsubmetidos a testes clínicos, comopor exemplo o complexo denominadoJM-216 (9, Figura 8) que gerou gran-de expectativa por ter potencial paraser administrado oralmente, já quedrogas contendo platina(IV) são maisestáveis em meio ácido, podendoassim resistir às condições apre-

Figura 8: Composto JM-216, de platina(IV).

Figura 7: Estrutura de alguns complexos de platina com relevante citotoxidez: 6,oxaloplatina; 7, nedaplatina; 8, lobaplatina.

Alguns obstáculos têm sidoenfrentados no uso do

cisplatina: o surgimento deresistência celular, a baixasolubilidade em água, o

estreito espectro deatividade e graves efeitos

colaterais associados atoxidez, entretanto...

...cerca de 3000complexos de platina já

foram sintetizados esubmetidos a ensaios de

atividade antitumoral, massomente alguns mostraramatividade comparável à do

cisplatina

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sentadas pelo estômago. Contudo,em razão de sua baixa absorção celu-lar, o composto foi descartado na faseII de testes clínicos.

Uma vez que os complexos deplatina(IV) passam por reações desubstituição dos ligantes mais lenta-mente que seus análogos de plati-na(II), acredita-se que sua atividadeantitumoral se manifeste após sua re-dução, in vivo, ao derivado de pla-tina(II).

Além dos complexos monometá-licos, uma outra classe de compostosde platina bastante estudada e pro-missora é aquela em que os comple-xos apresentam duas unidades deplatina ligadas por uma diamina decomprimento de cadeia carbônicavariável. Os primeiros complexos des-critos desse tipo (10 com n = 4 a 6,Figura 9) apresentaram o mesmoefeito citotóxico do cisplatina em célu-las sensíveis e um efeito significati-vamente maior em células resistentes.

Mais recentemente, Nicholas Far-rell, um dos pesquisadores atualmen-te mais renomados por seus traba-lhos sobre antitumorais de platina,descreveu a síntese de um novo com-plexo contendo três unidades de pla-tina (BBR 3464, Figura 10), o qualtambém tem mostrado resultadospromissores.

Alguns complexos de platina e pa-ládio com ligantes orgânicos, comotiossemicarbazonas (12, Figura 11),têm se mostrado ativos em célulastumorais resistentes ao cisplatina.Investigações a respeito do mecanis-mo de ação sugerem que esses com-

postos se ligam ao DNA através decoordenação interfitas, ao contráriodo cisplatina, que se liga predominan-temente a duas guaninas na mesmafita, ou seja, através de coordenaçãointrafita (ver Figura 6). Acredita-se queseria esta a razão pela qual os com-plexos de tiossemicarbazonas semostram ativos nas células resisten-tes. Exemplos interessantes de com-plexos ativos em células tumoraisresistentes ao cisplatina seriam aque-les de paládio(II) e platina(II) de fenila-cetaldeído tiossemicarbazona (13,Figura 11).

Outros compostos metálicos queapresentam atividade antitumoral(in vivo) ou citotóxica (in vitro)

Dentre os complexos metálicos,apenas os de platina têm sido utiliza-dos na clínica médica até o momento.Entretanto, compostos contendo vá-rios outros íons metálicos apresentamatividade antitumoral in vitro e in vivoe seus mecanismos de ação podemnão envolver ligação direta ao DNA.

Compostos de ródio contendoligantes carboxilatos (14, Figura 12)são muito estudados, tendo apresen-tado atividade antitumoral relevante.Esse íon metálico tem grandeafinidade pelo grupo sulfidrila (SH)

presente em vá-rias proteínas e en-zimas que partici-pam da síntese doDNA, podendoinibi-la.

Complexos derutênio contendo

imidazol, como por exemplo o trans-[(Im)2Cl4Ru] – (15, Figura 13), têm semostrado efetivos contra câncer decólon, e seu mecanismo de açãopoderia estar relacionado a reaçõesredox envolvendo espécies derutênio(III) e rutênio(II), que podemprovocar a quebra das fitas de DNA.

Compostos de ouro, como a aura-nofina (16, Figura 14), têm sido utili-zados há muito tempo para o trata-mento de artrite reumatóide, mas têmsido também investigados quanto àssuas propriedades antitumorais.Podem-se destacar ainda outrosderivados de ouro(I) com fosfinas. AFigura 14 mostra também a estruturade um destes compostos, o bis[1,2-bis(difenilfosfino)etano]ouro(I), 17,que tem apresentado um grandeespectro de atividade antitumoral invivo.

Vários compostos organoestâni-cos, como por exemplo os de polio-xalquilcarboxilatos ([SnR3OC=OR’]nR = fenil ou n-butil, R’ = CH3O(CH2CH2OCH2)x, x = 1 ou 2) têm semostrado mais ativos do que cispla-tina in vitro. Alguns compostos

Figura 9: Complexos dinucleares deplatina.

Figura 10: Complexo trinuclear de platina (BBR 3464).

Figura 11: Estrutura genérica das tiosse-micarbazonas 12, e estrutura dos comple-xos de paládio, M = Pd (II) e platina, M =Pt(II) com fenilacetaldeído tiossemicar-bazona 13.

Figura 12: Estrutura genérica dos carbo-xilatos de ródio.

Figura 13: Complexo de rutênio comimidazol, trans-[(Im)2Cl4Ru]–.

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Para saber mais

Dados e estatísticas sobre o câncerno Brasil

http://www.inca.gov.br (sítio do Insti-tuto Nacional do Câncer).

Sobre a descoberta das proprie-dades antitumorais do cisplatina

www.chemcases.com/cisplat.

Sobre aplicações da QuímicaInorgânica em Medicina

FARRELL, N. Biomedical uses and ap-plications of Inorganic Chemistry. Anoverview. Coordination Chemistry Re-views, v. 232, p. 1-4, 2002.

SCHWIETERT, C.W. e McCUE, J.P. Co-ordination compounds in MedicinalChemistry. Coordination Chemistry Re-views, v. 184, p. 67-89, 1999.

Sobre interações entre cisplatina eo DNA

JAMIESON, E.R. e LIPPARD, S.J.Structure, recognition, and processing ofcisplatin-DNA Adducts. Chemical Re-

Figura 14: Estruturas de complexos antitumorais de ouro(I) com fosfinas: 16: aurano-fina; 17: bis[1,2-bis(difenilfosfino)etano]ouro(I).

Abstract: Cancer is the second major cause of death in industrialized countries, following behind cardiovascular diseases. Approval of cis-diamminedichloroplatinum(II), “cisplatin”, for clinical usein 1978, represented an important step in the history of Inorganic Medicinal Chemistry and a significant advance in the treatment of a variety of tumors. Since the introduction of “cisplatin”, thousandsof platinum compounds have been synthesized and evaluated and some have achieved clinical use. In the present article, we discuss the pharmacological mechanisms of action of thesecomplexes, which are related to the ability of platinum to bind to DNA. Moreover, other metal complexes can also exhibit antitumoral activity, but there are none in clinical use so far.Keywords: Inorganic Medicinal Chemistry, antitumorals, platinum complexes

views, v. 99, p. 2467-2498, 1999.

Sobre antitumorais de platinaFONTES, A.P.S.; ALMEIDA, S.G. e

NADER, L.A. Compostos de platina emquimioterapia do câncer. Química Nova,v. 20, n. 4, p. 398-406, 1997.

HALL, M.D. e HAMBLEY, T.W. Plati-num(IV) antitumor compounds. Their Bioi-norganic Chemistry. Coordination Chem-istry Reviews, v. 232, n. 1, p. 49-67, 2002.

HAMBLEY, T.W. The influence of struc-ture on the activity of platinum anti-can-cer drugs. Coordination Chemistry Re-views, v. 166, p. 181-223, 1997.

WONG, E. e GIANDOMENICO, C.M.Current status on platinum-based antitu-mor drugs. Chemical Reviews, v. 99, p.2451-2466, 1999.

Sobre compostos metálicosantitumorais que não contêm platina

BERALDO, H. Semicarbazonas etiossemicarbazonas: perfil farmacológicoe usos clínicos. Química Nova, v. 27, n. 3,p. 461-471, 2004.

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bazones, thiosemicarbazones and theirmetal complexes. Mini Reviews in Medici-nal Chemistry, v. 4, p. 31-39, 2004.

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organoestânicos com tiossemicar-bazonas mostram-se ativos comoagentes citotóxicos em células de tu-mores mamário, renal e melanomas,em doses até cem vezes inferioresàquelas de algumas drogas orgâni-cas usadas na clínica. O mecanismode ação desses compostos encontra-se em fase de investigação. No casodas tiossemicarbazonas, a idéia seriaa de reunir propriedades citotóxicasdos sais de estanho às do liganteorgânico, procurando-se obter efeitossinergísticos. Outros compostos inor-gânicos têm sido investigados quanto

às suas propriedades antitumorais.Dentre eles podemos citar os dearsênio, antimônio, bismuto, ferro, titâ-nio, vanádio, gálio, nióbio e molibdê-nio.

ConclusõesConforme apresentamos no de-

correr deste trabalho, a descobertadas propriedades antitumorais docisplatina e o uso clínico de com-plexos de platina no tratamento docâncer constituíram um dos maio-res sucessos da Química Inorgâni-ca Medicinal. O interesse gerado

por esses complexos levou ao de-senvolvimento de várias linhas depesquisa, que possibilitaram o en-tendimento do seu mecanismo deação e de seu comportamento den-tro do organismo. Muitos com-plexos de platina e de outros metaisencontram-se em fase de investi-gação clínica e vários continuamsendo sintetizados nos laboratóriosde pesquisas. Espera-se que futu-ramente outros compostos metá-licos possam vir a ser utilizadospara o tratamento do câncer.

Ana Paula Soares Fontes ([email protected]),doutora em Química pela Universidade Federal deMinas Gerais, é professora adjunta do Departamentode Química da Universidade Federal de Juiz de Fora.Eloi Teixeira César ([email protected]), doutor emQuímica pela Universidade Federal de Minas Gerais,é professor de Química do Colégio de AplicaçãoJoão XXIII da Universidade Federal de Juiz de Fora.Heloísa Beraldo ([email protected]), doutora pelaUniversité Paris VI, França, é professora titular doDepartamento de Química da Universidade Federalde Minas Gerais. Todos os autores trabalham na áreade Química Inorgânica Medicinal.