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    CONTRIBUIO A GRADUANDOS DE DIREITO ...

    sions. Thus, we try to arm the law student with an ample

    view that helps comprehend these questions.

    Keywords: Normative Principles. Relativism of the norma-

    tive principles. Collision of normative principles. Perfecting

    of the application process.

    INTRODUOTodo julgamento um julgamento de valor. Esta talvez seja uma

    das primeiras coisas que um estudante de direito aprende, antes mesmo

    de saber o que justia, estado, democracia ou mesmo valor, algo que em

    uma viso jurdica, tem significado bastante distinto do popular coisas

    que me so importantes. Valores so a base de qualquer sistema, sejamestes valores do grupo, da famlia, religiosos, sociais ou constitucionais e

    normativos. Este conceito talvez o mais difcil para um estudante com-

    preender. Porm, apenas julgar no sinnimo de distribuir justia. Nas

    palavras de Frank Herbert, Aqueles sobre quem se passa julgamento de-vem sentir a justia do mesmo (HERBERT, 2008, traduo do autor)3.

    Isto muito mais do que simplesmente se seguir leis positivadas de forma

    fria, e uma busca muito mais ampla, do justo.

    Mesmo no antigo sistema de estado, positivista e legal, os va-lores j tinham influncia. Afinal, somente a partir dos valores sejamindividuais, nos sistemas monrquicos e autocrticos, sejam coletivos, na

    repblica e democracia que sistemas jurdicos nascem. Porm, antes es-tes apenas possuam papel secundrio. Eram uma forma de melhor com-

    preender, quando tudo mais falhasse. Vlidos, porm subsidirios. Com o

    advento da nova ordem constitucional, instaurada em 1988 no Brasil, e a

    influncia do modelo ps-positivista, neoconstitucional, estes valores, an-

    tes apenas Princpios Gerais do Direito, assumiram statusnormativo, tor-nando-se Princpios Constitucionais (BONAVIDES, 2004, pp. 289-294).

    Esta mudana, onde mantida a base do modelo romano-germnico, civil

    law, mas com a quebra do imprio legal da regra positivada e codificada,aplicando diretamente valores fundamentais, de eficcia imediata, trouxede volta a influncia preponderante do Direito justo sobre o Direito posto.No mais temos a ideia de dura lex, sed lex, e passa-se a aplicar o direito

    3 Escolheu-se traduzir fairness como justia (no sentido de equidade), de maneira separada da palavra

    justice, tambm utilizada no texto, para indicar o sentido legal.

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    com nfase primeira na realizao da justia dentro de um Estado Demo-

    crtico de Direito. Este novo paradigma, num formato de relativizaoabsoluta, com valores absolutos mas sem aplicao relativa, representou

    um marco democrtico importante, porm de difcil compreenso para os

    estudantes de direito. Isto acontece, antes de mais nada, com uma buscapor uma maior justia pontual, para aquela pessoa, naquele caso espec-

    fico. Uma deciso proferida em um caso, se utilizada em outro, por maissemelhante que seja, pode acarretar ao mesmo tempo um cumprimento

    legal estrito, e uma injustia. Ou seja, cumpre-se a lei, mas no se realiza a

    justia, dando aquela pessoa o que lhe devido. Muda-se o foco da lei para

    cada caso concreto.

    O antigo modelo positivista era de relativamente fcil compreen-

    so. A lei est escrita: aplica-se. Se no est escrita, procura-se algo prxi-mo, anlogo (ou alguma outra fonte secundria), e aplica-se. Compreen-

    de-se o direito estudando os cdigos. Mesmo ao sair do modelo de civil

    law, e olhar para o funcionamento do common law, ainda a compreenso

    facilitada. Tem-se um caso concreto, e decide-se baseado em como foidecidido antes, adaptado para a circunstncia atual. Ou, em alguns ca-

    sos, distorcendo a circunstncia para se encaixar em um modelo histrico.Neste caso, compreendemo o direito estudando as decises anteriores, os

    precedentes legais e histricos. Porm, o neoconstitucionalismo cria umasituao distinta, de mais difcil compreenso. As regras jurdicas positi-

    vadas ainda existem, porm no devem ser aplicadas diretamente. Antes,devem ser vistas atravs das lentes dos princpios normativos e, caso a

    aplicao de uma lei no esteja de acordo com esses princpios, esta deve

    ser pontualmente desconsiderada. Pois princpios so agora norma jur-

    dica, vinculantes, com hierarquia superior s demais normas. Isto, conse-

    quentemente, leva a um sem nmero de interpretaes, do que se aplica

    ou no. Tem-se um caso ainda mais complexo quando, em vez de se terum princpio e uma regra em conflito, tem-se dois princpios, por defi-nio hierarquicamente iguais, em coliso. Os modelos bsico de hierar-

    quia, conforme perpetuados por Kelsen (2000) em sua pirmide, no mais

    se aplicam. Tem ento, o magistrado, que buscar novas formar, fontes e

    metodologias para decidir, algo extremamente desafiador para tal jurista,imagine-se para estudantes de direito.

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    REGRAS, PRINCPIOS, DIREITOS FUNDAMENTAIS EHIERARQUIA

    Hans KelsenHans Kelsen talvez seja um dos doutrinadores mais importantes,

    tanto entre os estruturalistas, como em toda a cincia do direito. Apesar de

    suas teorias no serem aplicveis aos princpios normativos, elas ajudam a

    compreender melhor o fundamento de validade dos mesmos. Portanto,

    esse o lugar natural para o comeo desta anlise.

    Kelsen apresenta uma ordem jurdica estruturada de forma hie-

    rrquica, onde um sistema de normas s vlido devido a uma autoridade

    superior, uma personalidade legiferante autorizada para estatuir normas.

    Toda norma deve ser afirmada por uma premissa maior, sendo esta o fun-damento de validade. E no sistema de constitucionalidade do estado exis-tente no Brasil, todas as normas tm como seu fundamento de validade a

    constituio da repblica, a Lei Maior.

    De acordo com o novo status dos Princpios Normativos, eles

    so normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau

    de generalidade das regras relativamente baixo (ALEXY, 2008, p. 87).Esta generalidade, ou abstratividade, talvez a principal caracterstica dos

    princpios. Assim, se for feita uma anlise simples de especialidade (qual

    norma mais especfica), um princpio sempre ser inferior a uma regrapositivada, uma vez que esta ltima possui alta densidade semntica e bai-

    xa abstratividade, o que significa que, por sua prpria natureza, deve sermais especfica (ou ento no poderia ser caracterizada como regra). Ora,uma vez que em um sistema de constitucionalidade do estado o conceito

    de hierarquia de normas jurdicas de Kelsen deve estar necessariamente

    presente caso contrrio no se poderia falar da supremacia da consti-tuio segue que princpios, para serem vlidos e efetivos, s podemexistir no plano constitucional, onde no podem ser superados por regrasordinrias. Isto pode ser facilmente comprovado se for observada a Cons-

    tituio da Repblica Federativa do Brasil, de 1988, que se inicia com o

    Ttulo I: Dos Princpios Fundamentais.Estando, portanto, os princpios normativos no pice da pir-

    mide hierrquica normativa, quando de um conflito entre um princpio euma regra infraconstitucional, haver sempre a prevalncia do princpio,diretamente por uma anlise puramente estruturalista: princpios so cons-

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    titucionais, e portanto hierarquicamente superior a normas dos demais

    escales do ordenamento jurdico. Devem ser utilizadas prima facie, nalinguagem de Alexy (2008, p. 103). Porm, possvel que ocorra um cho-que entre um princpio e uma outra norma constitucional, seja esta uma

    regra ou um outro princpio. Assim sendo, qualquer tentativa de resoluode tal conflito por uma viso estruturalista impossvel, pois nenhum doscritrios de resoluo pode ser aplicado. So normas de mesma hierarquia,

    uma vez que existem na constituio. Tambm no se pode falar em nor-ma mais antiga, pois ambas fazem parte da mesma carta, promulgada de

    maneira nica. Deve-se ento recorrer a outras metodologias e doutrinas.

    Assim, enquanto Kelsen no nos fornece ferramentas para re-

    solver choques de princpios, choques entre princpios e regras, ou sequer

    um parmetro de aplicao do mesmo, a compreenso de sua doutrina emodelo hierrquico estruturalista importante para a visualizao de onde

    o princpio se situa em relao as demais normas, estando estes no plano

    constitucional e devendo, j por este motivo, ter influncia e soberaniasobre as regras infraconstitucionais.

    H. L. A. HartH. L. A. Hart foi um dos grandes filsofos legais do sculo 20,

    defensor da filosofia do positivismo legal, conceito desenvolvido em gran-de parte por Jeremy Bentham e John Austin nos sculos XVIII e XIX.Porm, mesmo assim, Hart talvez seja o nome mais proeminente desse

    movimento, destacado em sua obra O Conceito da Lei. Hart continua

    com uma viso fortemente estruturalista e, enquanto positivista, seu foco

    novamente nas regras positivadas. Hart mencionado neste artigo devi-

    do a grande importncia de sua obra e devido a importncia do chamado

    Debate Hart-Dworkin. Antes, porm, de analisar-se o debate, funda-mental apresentar a viso de Dworkin.

    Ronald DworkinQualquer leitura de Ronald Dworkin por acadmicos do direito

    Brasileiro deve sempre ser feita com extrema cautela. Dworkin escrevecom base no sistema jurdico dos Estados Unidos da Amrica, pouco po-sitivado e baseado em grande parte em decises e precedentes judiciais.

    Ou seja, o sistema de Common Law. E, ainda, em um sistema de baixa den-sidade semntica constitucional, extremamente liberal, e descentralizado.

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    Cuidado extra deve ser tomado pois a cultura popular tende a forneceruma viso americanizada do direito, devido grande infiltrao cultural,seja por livros ou programas de televiso. Assim, um estudante de direito

    frequentemente visualiza um tribunal ou um julgamento, como um tribu-

    nal americano. Tomadas as devidas ressalvas, muito se pode aprender des-te doutrinador sobre princpios, mesmo que, para a realidade do mesmo,

    estes no possuam fora normativa.

    Fugindo dos moldes estruturalistas observados anteriormente,

    Dworkin oferece um modelo interpretativo do direito. O direito passa a

    ser influenciado fortemente por seu aplicador e convices polticas e deprincpios passam a fazer parte deste processo. Alerta, entretanto, que es-

    tas convices no podem ser aplicadas de maneira arbitrria. Os juzes

    devem impor apenas convices polticas que acreditam, de boa-f, poderfigurar numa interpretao geral da cultura jurdica e poltica da comunida-de. (DWORKIN, 2005, p. IX). Para o caso Brasileiro, grande parte destesprincpios j se encontra na Constituio da Repblica. Porm, devido

    ao fato dos princpios possurem alta abstratividade, sua aplicao s

    possvel atravs de processos de interpretao diferentes da interpretao

    sistemtica, tradicional. Assim, o alerta de Dworkin ainda se faz vlido.

    Dworkin ainda demonstra que a ligao entre a poltica e o direi-

    to inevitvel. O direito no existe em um plano ideal, mas sim enquan-to uma manifestao da vontade poltica que o cria e, posteriormente, o

    interpreta e aplica. Esta separao, enquanto inevitvel, de importncia

    primria, pois alerta para a necessidade da compreenso do contexto emque as leis so criadas. Tem-se, assim, que olhar para o contexto em quedada norma foi criada, a inteno do legislador, e no apenas a interpreta-

    o literal da mesma. Novamente, para a realidade brasileira, os princpios

    normativos ajudam, pois demonstram de maneira mais clara tal inteno.

    Quando a constituio diz que a Repblica Federativa do Brasil tem comofundamento a dignidade da pessoa humana, restam poucos questiona-

    mentos sobre se a dignidade da pessoa humana faz parte das intenes do

    legislador durante o restante do texto constitucional. Porm, caractersticodo sistema de supremacia constitucional e por isso foi importante nor-tar-se anteriormente o modelo de hierarquia das leis, estruturalista estesprincpios normativos tambm imperaro sobre as leis infraconstitucio-

    nais. Tem-se assim, tambm, alm de uma hierarquia de leis, uma hierar-

    quia de intenes. Se os princpios normativos demonstram a intenodo legislador constitucional e tm fora normativa, ento em posio hie-

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    rarquicamente superior legislao infraconstitucional. Pode-se dizer que

    a inteno do legislador constitucional impera, da mesma forma, sobre

    a inteno do legislador infraconstitucional. Em outras palavras, quando

    seguindo o modelo interpretativo de Dworkin em que a inteno do legis-

    lador deve ser considerada, e analisar-se uma norma infraconstitucional,deve-se levar em conta no apenas a inteno para a criao da norma

    especfica sob anlise, mas tambm a inteno constitucional, manifestaatravs dos princpios normativos, que pode (e deve) ser aplicada durante

    este processo interpretativo. Esta positivao de intenes, se assim se pu-

    der chamar tal fenmeno, ao mesmo tempo facilita e dificulta o processointerpretativo, como se ver a seguir.

    Dworkin ainda separa o argumento poltico em dois tipos: prin-

    cpios polticos e procedimentos polticos (DWORKIN, 2005, p. 6). Esteltimo aquele que visa promover uma concepo de bem-estar geral

    ou interesse pblico, enquanto princpios polticos recorrem aos direitos

    polticos dos cidados individuais. Segundo Dworkin, somente princpios

    polticos devem ser aplicados. Novamente verifica-se que pode ser aplica-da diretamente ao caso brasileiro, uma vez que os princpios esto positi-

    vados. Porm, importante salientar tal distino, uma vez que ela oferece

    uma primeira pista de como fazer a separao entre a discricionariedade

    (algo potencialmente positivo), e a arbitrariedade ou decisionismo (algosempre negativo).

    Talvez o conceito mais importante, no contexto deste artigo, quese poder tirar das obras de Dworkin a necessidade de se ter uma aborda-

    gem interpretativa do direito, e no apenas ler as leis literalmente, de ma-

    neira positivista. Leis so criadas e existem dentro de um contexto polticoe social, e a inteno dos legisladores e o respeito ao indivduo na criao

    das mesmas no podem ser desconsiderados.

    O debate Hart-Dworkin

    Antes de outras anlises, deve-se levar em conta que tanto Hart

    como Dworkin trabalham com base no sistema norte-americano, common

    law. Porm, mesmo dentro deste conceito, a argumentao dos dois, o

    contraponto entre o positivismo de Hart, e a teoria da interpretao de

    Dworkin, so importantes, uma vez que o mesmo acontece, de forma

    anloga, entre o positivismo e o ps-positivismo. Compreender esta dua-

    lidade ajuda a compreender o papel dos princpios normativos no direito

    Brasileiro.

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    O chamado debate Hart-Dworkin definido, basicamente, pe-los comentrios que Dworkin fez em seu artigo The Model of Rules(DWORKIN, 1967) e pela resposta de Hart (pstuma), no adendo da se-gunda edio de sua obra O Conceito de Direito (HART, 2012, pp. 307-

    356). Dwokin atacou de maneira seminal o conceito de positivismo legalde Hart e isto levou a publicao de diversos artigos e livros sobre a ques-

    to, ora defendendo Dworkin, ora defendendo Hart. A resposta pstuma

    de Hart tambm no foi sem controvrsias, pois muitos acreditavam que

    estivesse em responder da maneira como o fez. Porm, para o presente ar-

    tigo, o foco a dualidade de argumentos deste debate, e o ponto principal

    passa, assim, a ser sobre a validade da verso do positivismo legal de Hart.

    Quando da crtica de Dworkin, este expe trs teses as quais ele acreditaque Hart e a maioria dos positivistas legais esto comprometidos:A lei da comunidade pode ser identificada e distinguida por critrios espe-cficos, por testes tendo a ver no com seu contedo, mas com o pedigreee a maneira na qual ela foi adotada ou desenvolvida

    A relao das regras legais vlidas exaustiva na lei, de tal forma que seum caso no claramente coberto por tal regra (pois esta no parece apro-

    priada, ou aquelas que parecem ser apropriadas so vagas, ou por outra ra-

    zo) ento tal caso no poder ser decidido utilizando-se a lei. Este deveser decidido por algum oficial, como um juiz, exercendo sua discrio.Dizer que algum tem uma obrigao legal como dizer que o caso caisob uma regra legal vlida que requer que ele faa ou seja proibido de fazer

    algo (SHAPIRO, 2007, traduo do autor)

    Apresar de um pouco simplista e idiossincrtica, Dworkin ofere-

    ce uma viso direta, mesmo que controversa, sobre a teoria do positivis-

    mo legal de Hart. Note-se que a qualificao de Dworkin para o pedigreede uma lei , aproximadamente, uma mistura dos conceitos de hierarquiaapresentado pelos estruturalistas de maneira geral, aqui usado de forma

    quase pejorativa, e a formalizao das leis (versus costumes), que nova-

    mente representativo da viso estruturalista de Hart.

    Em sua segunda tese, Dworkin aponta para a viso positivista de

    que as leis so unicamente as regras e que, se estas no se encaixam, tudoque resta ao juiz decidir baseado em sua discricionariedade, sua deciso

    pessoal. Na terceira tese, Dworkin indica a viso de que obrigaes s

    podem ser criadas por regras, e nada mais, descartando qualquer outro

    conjunto de valores ou, como chama Dworkin, princpios. Segundo oprofessor Rafael Simioni, para Dworkin, [a] aplicao das regras so umaquesto de tudo ou nada. Ou se viola ou no se viola uma regra. A regra

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    ou se aplica ou no se aplica, vlida ou no , cumprida ou descum-

    prida (SIMIONI, 2014, p. 334).

    A alternativa proposta por Dworkin, ento, so os princpios,

    que no seguem a medida de tudo ou nada, e devem ser interpretados

    conforma a situao. Dworkin alega que o positivismo no tem comoconsiderar a existncia de princpios legais, sendo apenas um modelo deregras, e diz que tal deve ser rejeitado (DWORKIN, 1967, p. 24). A prpriaexistncia ampla de princpios legais so prova de que se basear em umsistema puro de regras no possvel, bem como desqualifica a ideia dedemanda de pedigree.

    Muitos criticam Dworkin, dizendo que a viso que ele apresenta

    sobre as teorias de Hart so implausveis, de que a lei se consistiria ape-

    nas de regras, e nunca de princpios, e que quando Hart falava de leis, elese referia aos padres que regem um sistema legal em particular. Porm,

    ressalta-se que Dworkin apresentou comentrios sobre a viso de Hart,

    e no comentrios sobre coisas especficas que este tenha dito. Notada-mente, a crena de Hart que juzes no podem ser limitados pela lei em

    casos complexos, pois a lei no suficiente para tais casos, e que devemportanto utilizar apenas sua discrio. Se a lei composta de regras, etais regras acabam, ento tambm deve a lei (SHAPIRO, 2007, p. 24,

    traduo do autor). Tem-se ento, de maneira simplificada, uma doutrinapositivista que inevitavelmente leva a um decisionismo, monocrtico e no

    mnimo discricionrio, seno arbitrrio. E mesmo, no caso extremo dearbitrariedade, este estaria amparado pela teoria positivista, pois o dever

    do juz decidir, ainda que de acordo com a sua conscincia (STRECK,2013, p. 18)

    Porm, importante perceber que a perspectiva de Hart jamais

    defendeu um modelo de regras, de maneira pura, ao contrrio do que

    indica Dworkin. Hart, outrossim, defende que juzes devem ter um fortepoder discricionrio, pois estes so autoridades maiores sobre o que con-

    sistem as leis em um ambiente social centralizado. Assim, para Dworkin

    isto no vlido, pois ele nega precisamente tal centralidade do conte-

    do guia social para determinar a existncia ou contedo das regras legais.Porm, para o presente artigo, o foco unicamente no contexto internodo prprio debate, no sentido de facilitar a compreenso da questo dos

    princpios normativos brasileiros e evitar anlises interminveis sobre as

    respectivas teorias tanto de Hart quando de Dworkin, pois tal anlise fogedo escopo deste artigo.

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    CONTRIBUIO A GRADUANDOS DE DIREITO ...

    Basicamente, a viso de Dworkin, contrapondo a de Hart, pode

    ser resumida em 5 posies: 1. o modelo de regras no consegue levar em

    conta as necessidades dos juzes em casos complexos; 2. princpios e pol-ticas tambm so partes da lei, e juzes devem respeit-los; 3. juzes devem

    decidir casos no cobertos pelas leis de acordo com os princpios das leis,e no pela discricionariedade pessoal; 4. se princpios no so considera-dos como parte das leis, ento h poucas regras vinculantes nas leis, pois

    leis podem ser alteradas ou rescindidas; no h nenhum outro teste paraprincpios alm da aceitao; 5. assim, no h um teste supremo na lei naforma de uma regra de reconhecimento.

    HABERMAS E PERELMAN: ARGUMENTAO

    Habermas e Perelman, apesar de ambos defenderem a argumen-

    tao como mtodo construtor do direito, no possuem uma teoria nica.

    Habermas em particular um crtico ferrenho de Perelman. Porm, uma

    vez que o presente artigo no tem por objetivo um estudo detalhado das

    teorias argumentativas ou foco em uma anlise hermenutica, trabalha-

    -se ambos de forma conjunta, sem implicar uma concordncia entre os

    mesmos.

    A teoria argumentativa do direito indica que o direito criado,

    ou recriado, segundo a argumentao de seus operadores ou de influen-ciar, por meio do discurso, a intensidade de adeso de um auditrio a

    certas teses (PERELMAN, 2005, p. 16). Devido alta abstratividade dos

    princpios normativos, este mtodo argumentativo se torna bastante atra-

    tivo, se no inevitvel. Princpios so passveis de diversas interpretaes,

    e assim em vez de se ter uma razo prtica pura, uma pragmtica formal,

    tem-se uma razo comunicativa sendo aplicada. Independente da escola

    argumentativa que se analise, seja Perelman, Habermas, ou at mesmo

    Foucault com sua teoria do discurso a argumentao ser ai sempreutilizada para o mesmo fim: obter a adeso de um auditrio.

    Uma viso argumentativa no sem problemas, ou perigos:

    Como se v, Habermas, utilizando-se da universalidade da paragmtica-

    -formal das teorias da ao comunicativa e do discurso, pode submeter

    qualquer teoria s suas pretenses de validade universais, tornando-as pro-

    blemticas e, assim, exigindo justificaes. (SIMIONI, 2014, p. 580)

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    Fafina Vilela de Souza e Rodrigo Pedroso Barbosa

    ALEXY: VALORES E PONDERAOA viso hermenutica de Robert Alexy uma das mais citadas em

    decises lidando com princpios normativos no Brasil. Sua importncia e

    ampla adoo, no pode ser minimizada. Em uma anlise simplista, base-ado no que aponta o Professor Rafael Simioni, pode-se dizer que Alexydefende uma viso de ponderao na aplicao dos princpios (SIMIONI,

    2014, p. 313), derivados dos valores, e, ainda, que os mesmos funcionam

    sempre como mandamentos de otimizao. Assim, princpios sempre se-

    ro aplicado, de maneira a optimizar a aplicao das regras existentes:

    [] princpios so normas que ordenam que algo seja realizado na maiormedida possvel dentro das possibilidades jurdicas e fticas existentes.

    Princpios so, por conseguinte, mandamentos de otimizao, que so ca-racterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de

    que a medida devida de sua satisfao no depende somente das possi-

    bilidades fticas, mas tambm das possibilidades jurdicas. O mbito das

    possibilidades jurdicas determinado pelos princpios e regras colidentes.

    (ALEXY, 2008, p. 90)

    Sobre a ideia de juzo de ponderao, Alexy nos resume esta vi-so de forma bastante simples:

    Se dois princpios colidem [] um dos princpios ter que ceder. Issono significa, contudo, nem que o princpio cedente deva ser declaradoinvlido, nem que nele dever ser introduzida uma clusula de exceo. Naverdade, o que ocorre que um dos princpios tem precedncia em face

    do outro sob determinadas condies.. Sob outras condies a questo

    da precedncia pode ser resolvida de forma oposta. Isso o que se quer

    dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princpios tm pesosdiferentes e que o princpio com o maior peso tm precedncia. (ALEXY,2008, p. 93)

    Alexy nos apresenta ento diversas tcnicas e frmulas matem-ticas para a realizao do juzo de ponderao, que vo alm do escopo do

    presente artigo. Porm, importante ressaltar que esta metologia lgica

    informal, mas racional visa, principalmente, estabelecer parmetros reais

    para a tomada de decises impessoais, segundo uma rigorosa metodologia

    cientfica.

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    CONTRIBUIO A GRADUANDOS DE DIREITO ...

    LENIO STRECK: HERMENEUTICA FILOSFICA E DE-CISIONISMO

    lvaro Ricardo de Souza Cruz, afirma que:

    [...] Lenio Streck, um dos mais insignes representantes do novo constitu-cionalismo nacional. Essa corrente tem recebido inmeras designaes,

    mas preferimos a denominao de constitucionalismo da efetividade,que, entre outros elementos, postula um ativismo judicial favorvel in-

    cluso social dos milhes de brasileiros deserdados por um modelo capita-

    lista perifrico. Para tanto, utiliza-se do instrumental trazido pela viragem

    lingustica de Gadamer e Heidegger, supondo ainda a possibilidade de que

    a ponderao racional de princpios seja o caminho mais adequado para

    esse papel poltico do Judicirio, cerne do Estado Democrtico de Direito.

    (CRUZ, 2008, p. 247)Lnio Streck se vale da Hermenutica Filosfica e, apesar des-

    ta no se valer apenas para os princpios normativos, particularmente

    adequada para o mesmo, por tratar a interpretao do direito de uma for-

    ma mais ampla, saindo do plano epistmico e trazendo-o para o mundo

    prtico, [...] o mundo da pr-compreenso, em que j sempre somos nomundo e nos compreendemos como ser-no-mundo a partir e na estrutura

    prvia de sentido. (STRECK, 2014, p. 8) Esta viso se apresenta como

    um rompimento no apenas com o positivismo tradicional, mas tambmcom o neoconstitucionalismo contemporneo, baseado na conscincia.

    [O] problema da verdade e, portanto, da manifestao da verdade noprprio ato de julgar no pode se reduzir a um exerccio da vontade dointrprete (julgar conforme sua conscincia), como se a realidade fosse reduzida

    sua representao subjetiva (STRECK, 2013, p. 19).

    NEOCONSTITUCIONALISMO, A DEMOCRACIA

    BRASILEIRA E A BUSCA PELA JUSTIA

    Aps o fim do regime militar e com a nova constituio de 1988,o Brasil aderiu a influncia neoconstitucionalista, at ento predominan-temente europeia. Esta mudana, alavancada pela ruptura com o modelo

    totalitrio e arbitrrio do regime militar, trouxe grande possibilidades parauma maior busca pela justia, muitas das quais at hoje no foram realiza-

    das, seja por questes regulamentares, como o imposto sobre grandes for-

    tunas, segura por questes operacionais, onde muitos magistrados ainda seagarram ao antigo modelo positivista.

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    A busca pela justia algo complexo. um caminho muito ten-tado, mas jamais totalmente descoberto. Assim, no se pode descartar as

    lies do passado. Kelsen e Hart tem muito a ensinar, apesar de ainda

    estarem abertos arbitrariedade (nos chamados casos difceis) e, assim,

    at mesmo, parcialmente em conflito com uma das bases do estado cons-titucional, a vedao ao arbtrio. Porm estes casos so minoria. Ao tentar-

    -se aplicar metodologia mais complexas a casos simples, o que se podeconseguir uma maior morosidade, o que move em sentido contrrio

    busca pela justia. Outros modelos tambm apostam fortemente na inter-

    pretao e na conscincia. Seja a hermenutica poltica de Dworkin, seja

    o procedimentalismo de Alexy, ainda temos um forte elemento decisriobaseado em critrios, em ltima anlise, arbitrrios. Principalmente, no

    caso de Alexy, se no implementado em sua totalidade. O uso da pon-derao muito atraente, porm tambm muito perigoso. Tem-se no

    eixo Perelman/Alexy uma viso cientificista, uma aposta na interpretaoquase lgica, baseada em critrios pr-estabelecidos, uma aposta na tcni-

    ca. Ao mesmo tempo, principalmente dentro do direito civil, v-se uma

    grande influncia do discurso e da argumentao.Como fazer, ento, para se buscar efetivamente a justia? Se se

    sair do positivismo, no se pode apostar em frmulas jurdicas prontas,

    mas ao mesmo tempo, no se pode ter um grau tal de relatividade a pontode se destruir a segurana jurdica. Princpios de discricionariedade, livre

    convencimento e livre apreciao so importantes para a justia se utili-

    zados adequadamente, porm facilmente corrompidos para o campo da

    arbitrariedade e do decisionismo.

    No se pode escapar de um certo grau de flexibilidade. Direitosfundamentais e princpios normativos so abstratos porque o devem ser,

    para garantir o mximo grau possvel de justia. Negar esta relatividade

    e flexibilidade negar toda a evoluo do campo legislativo dos direitosfundamentais. Porm, a aplicao dos mesmos deve ser fundamentada em

    um estudo cuidados, criterioso e de base doutrinria, visando preservar

    no apenas a justia do caso, mas o sendo de justia no direito e a segu-

    rana jurdica.

    ESTUDOS DE CASOPara melhor compreenso e visualizao do uso dos princpios

    normativos no direito brasileiro, faz-se aqui uma anlise de casos concre-tos e jurisprudncias. Pode-se observar, em linhas gerais, 3 situaes de

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    CONTRIBUIO A GRADUANDOS DE DIREITO ...

    aplicao de princpios. Na primeira, tem-se uma base legal positivada,

    perfeitamente aplicvel sem a interferncia dos princpios. Porm, o uso

    de princpios permite otimizar esta legislao, provendo uma maior justi-

    a e preservao dos valores constitucionais. Para tal caso, exemplifica-se

    com o uso de algemas.Por ltimo, observa-se situao mais complexa, onde tem-se a

    presena de dois princpios diferentes, em choque e no qual uma deciso

    deve ser tomada preservando ambos, porm aplicada no caso especficode maneira a permitir a realizao mxima da justia. Para tal caso, analisa--se uma questo trabalhista. E, para complementar, analisa-se, dentro da

    mesma situao de choque de princpios, trs cenrios anlogos, relativos

    transfuso de sangue, em caso de risco de vida, em choque com valores

    religiosos do paciente e/ou sua famlia.

    Uso de algemasO uso de algemas previsto nos artigos 284 e 292 do Cdigo de

    Processo Penal, que estabelece as excees onde o uso da fora permi-tido. Porm, os termos de tal uso so abstratos o suficiente para permitirdiferentes interpretaes. Questiona-se, afinal: o uso de algemas represen-ta ou no o uso de fora? um uso proporcional ou no, segundo o artigo3 do referido cdigo? Esta ambiguidade levou a diversos casos de abuso,

    com a impetrao de Habeas Corpusat que, durante o julgamento do HC

    91.952, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Smula Vinculante 11:

    S LCITO O USO DE ALGEMAS EM CASOS DE RESISTNCIAE DE FUNDADO RECEIO DE FUGA OU DE PERIGO INTE-GRIDADE FSICA PRPRIA OU ALHEIA, POR PARTE DO PRE-SO OU DE TERCEIROS, JUSTIFICADA A EXCEPCIONALIDADEPOR ESCRITO, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE DISCIPLI-

    NAR, CIVIL E PENAL DO AGENTE OU DA AUTORIDADE E DENULIDADE DA PRISO OU DO ATO PROCESSUAL A QUE SEREFERE, SEM PREJUZO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOESTADO. (BRASIL, 2008b)

    A deciso do STF se deu pelo fato de repetidos abusos, como o

    relatado no HC 91.952, onde o ru foi mantido algemado durante todo o

    seu julgamento, sem que a juza-presidente daquele tribunal apresentasse

    justificativa convincente para o caso. Assim, a condenao foi revertida.

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    Observa-se a aplicao pelo STF do princpio da no-culpabili-

    dade4, o que por si s j suficiente para que se exija uma fundamentaopara o uso de algemas. Alm disso, declarou sobre a necessidade de lheser preservada a dignidade (BRASIL, 2008c).

    Verifica-se aqui caso tpico onde a aplicao de princpios nor-mativos feita de maneira a assegurar a justia, mesmo em caso j po-

    sitivado em legislao especfica, como no Cdigo de Processo Penal.Porm, o uso de princpios permite que esta seja optimizada, indo alm do

    mero cumprimento legal, buscando realizar justia sob o enfoque de uma

    dogmtica jurdica crtica que demanda uma fundamentao, sem a qual o

    direito perde suas finalidades (FERRAZ JR., 2003, pp. 348-356).

    Hope do Nordeste LTDA vs. Linneia Rodrigues CordeiroAnalisando aqui o acrdo do Tribunal Superior do Trabalho

    (TST), no caso em questo (BRASIL, 2014), tem-se dois princpios confli-tantes, da Propriedade Privada e o da Dignidade Humana (Intimidade). O

    caso se refere a uma ex-funcionria da empresa Hope do Nordeste Ltda,que se via obrigada a se submeter a revistas ntimas, destinadas a coibir

    furtos de produtos. Do acrdo, tem-se:

    RECURSO DE REVISTA. INDENIZAO POR DANOS MORAIS.

    REVISTA NTIMA. A revista pessoal - ntima ou no -, viola a dignidade

    da pessoa humana e a intimidade do trabalhador, direitos fundamentais de

    primeira gerao que, numa ponderao de valores, tm maior intensidade

    sobre os direitos de propriedade e de autonomia da vontade empresarial.

    Alm disso, evidente a opo axiolgica adotada pelo constituinte de

    1988 da primazia do SER sobre o TER; da pessoa sobre o patrimnio;

    do homem sobre a coisa. No caso, o Tribunal Regional registrou que ha-via na reclamada a prtica de revista ntima de seus empregados, consig-

    nando, expressamente, que a revista consistia em verificar as bolsas das

    funcionrias, bem como levantar a blusa para verificar o suti, bem como

    verificar a marca da calcinha que a funcionria estava usando (fl. 518).

    Configurado, portanto, o direito indenizao por dano moral,decorrente

    4 O princpio da no-culpabilidade, ou da presuno da inocncia, presente no artigo 5 , LVII da CF/88, na

    forma ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria. Nocaso, para o STF, o uso das algemas representaria uma presuno de que o ru cometer violncia ou tentar

    fuga, mesmo sem evidncia para tal. Portanto, o uso deve ser justificado e fundamentado.

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    da realizao de revista ntima. Recurso de revista de que no se conhece.

    (BRASIL, 2014)

    Observa-se claramente a presena dos princpios envolvidos,

    conforme identificado pelo julgador. Ainda, uma clara tendncia alexya-

    na no julgamento, facilmente identificado pela expresso ponderao devalores, tpica da teoria de Alexy. O acrdo segue para fazer diversasanlises relativas ao mrito, em detalhada ponderao. Porm, nessa pers-

    pectiva, verifica-se que a ideia apresentada a da ponderao de valores,parte da mxima da proporcionalidade. Segundo Simioni, para Alexy amxima da proporcionalidade uma regra, e no princpio. A mximada proporcionalidade contm regras que devem ser cumpridas e qu s

    podem ser cumpridas ou descumpridas. No so como os princpios, que

    podem ser cumpridos satisfatoriamente ou insatisfatoriamente. (SIMIO-NI, 2014, pp. 283-284) Esta adeso estrita ao procedimento no se encon-

    tra presente em nenhum lugar do acrdo. Esta uma situao comum na

    jurisprudncia atual brasileira. Observa-se uma forte tendncia alexyana,porm superficial, baseada nas ideias apresentadas, mas no em sua me-todologia. E isso algo que pode abrir caminho para decises de cunho

    pessoal e at mesmo arbitrrias.

    Direitos a vida versus Direito a crenaDois princpios normativos altamente fundados em direitos hu-

    manos fundamentais so os de direito a vida e o direito de crena. Estes

    direitos ainda se desdobram no direito dignidade humana e o direito

    religioso. Porm, tais direitos, e portanto os princpios embasados nestes,

    podem entrar em conflito, como tem ocorrido ultimamente, notadamentevinculados a membros da religio Testemunhas de Jeov. Para eles a trans-

    fuso de sangue algo que vai contra seus preceitos religiosos, mesmo quetal transfuso seja necessria para salvar a vida da pessoa ou familiar.

    Em diversos casos, temos visto argumentaes bastante fortes

    sobre os dois pontos. Afinal, como sabemos, o direito a vida no li-vremente disponvel. Suicdio e eutansia no so permitidos, mesmo em

    casos extremos. Por outro lado, h uma diferena, talvez sutl, mas nomenos importante: o suicdio ou eutansia um ato positivo, demandando

    uma ao, enquanto a no transfuso um fato negativo, demandando

    uma no ao, que pode ser argumentada como no violao a princpionormativo no curso natural dos eventos. Apesar de medicamente a dife-

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    rena ser irrelevante, uma vez que mdicos prestam juramento de prote-

    gerem a vida, juridicamente e, principalmente, em termos de princpios

    normativos que garantem os Direitos Fundamentais, esta diferena no

    pode ser ignorada. Afinal, o ato de transfuso de sangue uma violao

    ativa de um direito fundamental, de um princpio normativo, da liberdadede crena e prtica religiosa, definida no inviso VI do art 5 da Constitui-o Federal. Neste sentido, o voto (vencido) de um desembargador:

    O direito vida no se resume ao viver...O Direito vida diz respeito ao

    modo de viver, a dignidade do viver. S mesmo a prepotncia dos mdi-

    cos e a insensibilidade dos juristas pode desprezar a vontade de um ser

    humano dirigida a seu prprio corpo. Sem considerar os aspectos morais,

    religiosos, psicolgicos e, especialmente, filosficos que to grave questo

    encerra. A liberdade de algum admitir, ou no, receber sangue, um tecidovivo, de outra (e desconhecida) pessoa. (BRASIL, 2008d)

    O voto citado, do Desembargador Marcos Antnio Ibrahim

    , no deixa dvidas quando a existncia de choque de princpios, bemcomo a valorao relativa destes, caracterstica da abstratividade dos mes-

    mos, e mesmo a dificuldade de se definir a linha limtrofe entre diferentesdireitos, como o direito vida, e o direito dignidade da pessoa humana,

    ou o direito crena e, novamente, o direito dignidade. Esta linha tnue

    que separa tais direitos, e por conseguinte os princpios baseados neles, somente esperado.

    Observa-se na jurisprudncia trs tendncias principais. A pri-

    meira uma tendncia de equilbrio entre os princpios, onde se determina

    que todos os outros mtodos possveis, independente de probabilidade

    de sucesso, sejam primeiro tentados, de maneira a tentar preservar ambos

    os princpios. Porm, tais mtodos alternativos muitas vezes no so sufi-cientes, voltando a questo original do choque entre os princpios, e nestes

    casos existe jurisprudncia em ambos os sentidos.Faz-se notar, antes de mais nada, uma diferena subjetiva grande,

    quando o paciente maior de idade, com capacidade civil plena, e quando

    menor. Observa-se que, quando o paciente menor, tem-se um tercei-

    ro princpio, que o da proteo do menor incapaz, tambm dever do

    Estado. Neste caso, notvel ainda pela entrada de um terceiro princpio

    como fator decisrio na resoluo do conflito, observa-se uma tendnciado judicirio em decidir em prol da transfuso, embasado no Estatuto

    da Criana e do Adolecente, salvaguardando a vida da criana (BRASIL,2001). Observa-se claramente, nesta deciso, a ponderao de valores na

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    CONTRIBUIO A GRADUANDOS DE DIREITO ...

    aplicao d mxima da proporcionalidade de Alexy, especificamente ojuzo de proporcionalidade no sentido estrito5, no voto dos desembarga-

    dores, julgando a deciso liminar original:

    Como bem afirmado pela MM. Juza ...certamente, se no houvesse ta-manho risco e possibilidade de reverso do quadro grave, sem a transfusode sangue, o corpo clnico hospitalar teria dotado outra conduta mdica

    (...). O mtodo escolhido foi aquele que asseguraria com maior probabili-

    dade, salvar a vida da criana.

    J no caso de maiores, com capacidade civil plena, a deciso se

    torna mais complexa. Pois assim como o direito vida, como direito fun-damental, no disponvel, tambm o direito crena religiosa direito

    fundamental. Apesar de existirem decises em ambos os sentidos, tem-seobservado uma predominncia da deciso de que, enquanto maior capaz,

    o paciente competente para tomar a deciso por si mesmo e forar tal

    procedimento seria uma violao injustificvel de seus direitos:

    O direito vida est assegurado de modo que no lcito parte atentar

    contra a prpria vida. As autoridades pblicas e o mdico tm o poder/dever de agir para evitar essa violao, podendo ser utilizados todos os

    meios necessrios para que isso seja resguardado.

    Entretanto, diversa a situao quando o paciente possui enfermidade

    que no tenha provocado voluntria ou involuntariamente e nessa condi-

    o, por razes de conscincia religiosa, recusa-se ao tratamento, deixandoque prevaleam as leis da natureza.

    Portanto, estando o paciente consciente, e apresentando de forma lcida

    a recusa de se submeter a determinado tratamento teraputico no pode o

    Estado impor-lhe a sua sujeio, j que isso poderia violar o seu estado de

    conscincia e a prpria dignidade da pessoa humana como fundamento da

    Repblica Federativa do Brasil.

    5 A mxima da proporcionalidade de Alexy, ou regras de ponderao, inclui Juzo de Adequao, Juzo de

    Necessidade e Juzo de Proporcionalidade (sentido estrito). Na anlise de adequao, verifica-se se o meio

    empregado, que origina o choque de princpios, o mais adequado para a realizao direito e/ou princpio

    que busca salvaguardar. No caso, no houve tal substituio. No Juzo de Necessidade se busca uma modulao

    dos princpios envolvidos, aplicao maior ou menor, enquanto mandados de optimizao. Por ltimo, se no

    possvel uma soluo atravs da adequao ou necessidade, aplicados nesta ordem, e to somente uma anlise

    destas regras de ponderao, deve-se aplicar o Juzo de Proporcionalidade, que se observa neste julgamento,

    onde se observa que quanto maior o grau de no satisfao ou afetao de um princpio, tanto maior tem

    que ser a importncia do outro. Cabe tambm a ressalva de que, segundo a teoria de Alexy, o Direito Vida

    uma regra, e no princpio, uma vez que no permite gradaes. cf. SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Curso dehermenutica jurdica contempornea: do positivismo clssico ao ps-positivismo jurdico.Curitiba: Juru,

    2014. pp. 283-304

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    []Diante do exposto e considerando o mais que dos autos consta INDEFI-RO o pedido de alvar formulado pelo HOSPITAL MUNICIPAL ODI-LON BEHRENS a fim de obter autorizao judicial para realizar transfu-so de sangue em Maria da Silva Souza. (BRASIL, 2008a)

    Como se v, esta situao de choque de princpios ainda re-

    corrente, e est longe de ser pacificada. Mas tambm indica claramente anecessidade de um mecanismo alm das regras positivadas, demonstrando

    claramente a importncia da aplicao (seus mtodos e tcnicas) dos prin-

    cpios normativos na soluo de conflitos de princpios normativos, embusca da justia.

    CONSIDERAES FINAISO que se pode perceber no presente artigo uma parte da teoriapor trs dos princpios normativos, doutrinas sobre sua aplicao e casos

    concretos relacionados ao uso dos mesmos no direito brasileiro. Apesar

    de no ser o intudo deste artigo realizar uma anlise detalhada sobre cada

    metodologia e seu valor, observam-se algumas tendncias, bem como fa-

    tos-chaves no foco de tal estudo: a realizao da justia.

    A presena de princpios normativos , talvez, a mais importante

    concretizao das ideias ps-positivistas, onde a letra da lei, pura e simples,deixa de ser suficiente e conceitos como a justia do direito passam a to-mar proeminncia. O antigo modelo positivista, embora ainda importante,

    se provou insuficiente para acompanhar as mudanas na prpria lingua-gem, o ritmo frentico das mudanas sociais, tecnolgicas, e mesmo nos

    conceitos de moralidade. Isso levou ao confronto entre os textos legaise realidades para as quais a sociedade jurdica no estava preparada, oca-

    sionando situaes judiciais polmicas, baseadas na necessidade de profe-

    rir julgamento. Magistrados julgavam baseados em seus valores pessoais,assumindo decises arbitrrias, conforme indicado por Dworkin em sua

    crtica a Hart. Ou, ainda, a tentativa de deduzir ou inferir a vontade do

    legislador, interpretando mais que o prprio texto da lei, como o con-texto e intenes, manifestas ou no, de sua criao, um processo que,novamente, acabava sendo influenciado pelos prprios valores pessoais domagistrado. Esta interpretao pessoal, ainda que no estritamente arbitr-

    ria, novamente atentava contra qualquer pretenso de segurana jurdica e

    iniciavam uma cadeia de precedentes legais que serviram de fundamentopara novos julgamentos, atribuindo ao judicirio a funo de legislador.

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    CONTRIBUIO A GRADUANDOS DE DIREITO ...

    A existncia de princpios normativos, consagrados na Constitui-o brasilieira de 1988, fornece uma base nica para o julgamento dos cha-

    mados casos difceis, ao mesmo tempo em que fornecem um mecanismo

    para a soluo de casos no previstos, no positivados, sem que para isso

    se tenha que recorrer unicamente a decises pessoais. Porm, so de difciluso, pois possuem alta abstratividade, algo que , ao mesmo tempo, sua

    maior vantagem e seu maior perigo. O uso desregrado de tais princpios

    pode levar ao fenmeno do ativismo judicial, extrapolando os limites deatuao do judicirio. Porm, se utilizados com a cautela necessria, devi-

    damente fundamentados e sustentados na experincia dos doutrinadores,tais princpios se tornam uma ferramenta extremamente eficiente para ga-rantir a justia no direito, o valor-princpio guia dos ideais ps-positivistas.

    REFERNCIAS

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virglio Afonso daSilva. So Paulo: Malheiros Editores, 2008.

    BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15. Ed. So Paulo:

    Malheiros Editores, 2004.

    BRASIL. COMARCA DE BELO HORIZONTE 4 Vara da Fazenda PblicaMunicipal. Feito n 0024 08 997938-9 Alvar judicial. Juiz de Direito: RenatoLus Dresch. Belo Horizonte, 16/05/2008a.

    BRASIL. Superior Tribunal do Trabalho. Recurso de Revista. Processo N

    TST-RR-991-40.2012.5.07.0032. Recorrente: Hope do Nordeste LTDA. Re-corrido: Linneia Rodrigues Cordeiro. Relator: Min. Cludio Brando. Braslia,

    12/02/2014. Publicado em 14/02/2014.

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Smula Vinculante 11. In: ______. Smu-

    las. Braslia, 07/06/2008. Publicado em 13/06/2008b.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus. Algemas Utilizao.Habeas-corpus n 91.952, do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal,

    Braslia, 07/08/2008. Publicado em 19/12/2008c.

    BRASIL. Tribunal de Justia de Minas Gerais. Ao Cautelar. TJ-MG 1903541

    MG 1.0000.00.190354-1/000(1), Relator: CLIO CSAR PADUANI, Datade Julgamento: 16/11/2000, Data de Publicao: 06/02/2001

    BRASIL. Tribunal de Justia do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento. Trans-fuso de Sangue Crena Religiosa. Agravo de Instrumento 2004.002.13229.

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    69Revista do CAAP | Belo Horizonten. 1 | v. XX | p. 49 a p. 69 | 2014

    Fafina Vilela de Souza e Rodrigo Pedroso Barbosa

    Relator: Des. Celso Peres, 02/12/2008d.

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    FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Introduo ao estudo do direito: tcnica, deciso,dominao. 4 ed. So Paulo: Atlas, 2003.

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    Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013

    RECEBIDOEM: 01/11/2014

    APROVADOEM: 15/03/2015

  • 7/24/2019 383-754-1-SM

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