3º Encontro - Divisão Sexual do Trabalho

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    No h liberdade enquanto for nossa

    aresponsabilidade

    Por: Gisele Dantas*

    Estava eu assistindo a um programa muito curioso chamado

    Mundo sem mulheres da GNT, um reality show em que as

    esposas saem por uma semana e deixam a casa e os filhos

    aos cuidados dos maridos. Eu s assisti alguns episdios e

    me deparei com a triste realidade que a diviso coletiva dos

    trabalhos domsticos um imbricado de mecanismos

    multifatoriais de dominao.

    Que existe uma Diviso Sexual do Trabalho, todo mundo sabe, que o trabalho domstico

    profissional uma forma de explorao patriarcal e capitalista est bem claro, mas eu queriafalar sobre as relaes individuais e privadas, e principalmente do carter psicolgico da

    dominao, que faz com que cada mulher e homem, por mais consciente que seja, reproduza o

    patriarcado.

    Mulheres com conscincia da sua explorao e homens solidrios e com o mnimo de

    vergonha na cara, tentam estabelecer uma relao mais igualitria da diviso das tarefas

    domsticas. Atualmente menos incomum os homens lavarem a loua, darem banho nas

    crianas, levar na escola, ajudar com o dever de casa tem at casais que dividem de

    maneira totalmente igual as tarefas domsticas. Mas ser que isso significa que estamos

    avanando gradativamente em uma mudana cultural para a coletividade solidria em relaoao trabalho domstico? Ser que isso um processo natural de evoluo social?

    No reality percebemos muito claramente que independente de o homem fazer o tipo macho,

    que no sabe fazer nada em casa, ou se faz o tipo avanado e se vira bem no trabalho

    domstico, a necessidade do trabalho domstico flexibilizada, assim como as exigncias em

    relao sua realizao.

    Alexandre Borges apresenta a srie Mundo Sem Mulheres, exibida no Fantstico e no canal GNT.

    No primeiro dia da sada das mulheres, eles se reuniram para comemorar, comer churrasco e

    beber cerveja at tarde da noite As crianas estavam l com eles, no mesmo espao, s que

    sem nenhuma ateno, as mais velhas cuidando das mais novas, dando o seu jeitinho parapassar o tempo OK, eles so homens, ento podem ser egostas e esquecer os filhos. No

    http://marchamulheres.wordpress.com/2013/04/18/nao-ha-liberdade-enquanto-for-nossa-a-responsabilidade/homens-sem-mulheres-jpeg/http://marchamulheres.wordpress.com/2013/04/18/nao-ha-liberdade-enquanto-for-nossa-a-responsabilidade/attachment/1673/
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    outro episdio, a alimentao foi bem flexibilizada, pizza e miojo se fizeram presentes, a rotina

    de limpeza da casa foi esquecida, as exigncias foram diminudas e a galera comeou a fazer

    o que dava. Afinal, o que possvel para uma mulherno o mesmo para um homem no que

    se refere a trabalho domstico Os homens no so capazes de viver sem mulheres, porque

    no do conta de multitarefas.Mas o principal tema do programa no era a capacidade de realizar as tarefas em si, mas o

    envolvimento emocional com as atividades ligadas famlia, o quanto aquilo afetava a mente e

    fazia parte da preocupao dos homens e mulheres envolvidos no programa As mulheres,

    que estavam se divertindo num spa, tinham uma preocupao verdadeira e real sobre se o

    trabalho domstico estava sendo feito de maneira adequada, isso ocupava as suas mentes,

    era objeto de estresse mesmo de longe. Para os homens, o trabalho domstico algo

    secundrio na sua rotina, que feito num intervalo entre coisas importantes e que no precisa

    ter uma rigidez.

    A ligao emocional com o trabalho domstico era constantemente associada maternidade,aos cuidados com a prole, e como boas mes se preocupam com os filhos. Naturalmente, as

    mes tem uma ligao emocional maior com a famlia e isso toma mais espao em suas

    mentes. S que no (como diriam os facebookianos).

    A diviso sexual do trabalho encontra-se internalizada de tal forma, que mesmo uma ruptura de

    padro consentida e aplaudida no produz libertao e igualdade. A construo histrica de

    papis sociais sobre os sexo ocorreu ao mesmo tempo que outros processos, entre eles a

    cristalizao e a reificao. Na cristalizao, os papis so percebidos como fixos e como

    estticos, na reificao, estes mesmos papis so percebidos como inatingveis e

    transcendentais, como se estivessem alm da capacidade humana de interveno ou demodificao (Berger & Luckmann, 1966). A incrustao desses papis na psique humana,

    longe de ser explicada por determinismo biolgico, foi construda num processo histrico de

    naturalizao, onde o estrito cumprimento do dever social era condio de sobrevivncia para

    as mulheres.

    Nesse sentido, o trabalho domstico no s uma tarefa de mulher por uma imposio do

    capitalismo, mas parte da conscincia do ser mulher, ou melhor, do dever-ser mulher. So

    poucas as que conseguiram se libertar plenamente do afazer domstico como obrigao fsica

    (sem explorar totalmente uma outra mulher), menos ainda so as que se livraram do trabalho

    domstico como condio de humanidade.A questo fundamental da libertao das mulheres da diviso sexual do trabalho est no

    somente no tempo gasto na realizao das tarefas, ou no esforo fsico e no trabalho que elas

    exigem, mas principalmente no carter de auto responsabilizao que ela representa na vida

    das mulheres. Muitas vezes conseguimos dividir completamente as tarefas domsticas, mas

    no conseguimos dividir a responsabilidade pelo trabalho domstico, a participao masculina

    no consegue sair do mbito da ajuda. Nesse ponto a tecnologia no uma sada pro trabalho

    domstico como forma de dominao, porque embora a tecnologia facilite o trabalho e estimule

    a diviso das tarefas, traga talvez mais tempo livre, no desresponsabiliza as mulheres.

    Somente a responsabilizao da coletividade pela reproduo da vida humana vai libertar asmulheres da opresso fsica e psicolgica do patriarcado.

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    A maioria das mulheres no adora fazer trabalho domstico, nem fazemos isso porque as

    mulheres pr-histricas varriam as cavernas, mas inegvel que o dever do trabalho

    domstico est implantado na nossa mente, muitas vezes sem que a nossa conscincia possa

    alcana-lo com facilidade. Acredito que esse seja o grande trunfo do patriarcado que

    precisamos combater.

    * Gisele Dantas militante da Marcha Mundial das Mulheres do Par.

    Combater o conservadorismo dos discursos e

    reafirmar a autonomia econmica dasmulheres

    27 de Maro de 2013

    Clarisse Goulart*

    No ltimo domingo, uma grande reportagem foi feita pelo principal jornal local (Belo Horizonte)

    sobre a histria de mulheres com alta escolaridade, que decidiram abandonar suas carreiras e

    se dedicar, em tempo integral, ao cuidado dos filhos e da casa. A matria enaltecia a coragem

    dessas mulheres e empregava o termo revoluo feminina para caracterizar o movimento de

    volta ao lar. Matrias, debates e discursos como esse tm sido amplamente veiculados: ora

    focando a satisfao pessoal e alvio da culpa das mulheres, ora enfatizando como as famlias

    tm se degenerado, j que as mulheres no tem tido tempo de exercer, com todo o esmero, o

    papel tradicional de mes e esposas. H ainda outra faceta dessa concepo, uma ideia de

    escolha as mulheres, em tal estgio de conquistas, j poderiam escolher ser ou no donas de

    casa, algo que antes era vivido como uma imposio. Em todos os discursos, comparece uma

    sria defesa do ideal de feminilidade, resgatando um instinto e uma natureza feminina, que

    passa ento a ser (re)valorizada, num momento em que as conquistas j estariam

    estabilizadas.

    Fonte:http://ensaiosdegenero.wordpress.com

    As implicaes, intenes e resultados desses discursos no poderiam ser to nefastos.

    Primeiramente, ao ser fortemente conservador, refora a ideia de um rompimento com ofeminismo, indicando que o momento atual teria superado os questionamentos em torno da

    http://ensaiosdegenero.wordpress.com/http://ensaiosdegenero.wordpress.com/http://ensaiosdegenero.wordpress.com/http://ensaiosdegenero.wordpress.com/http://marchamulheres.files.wordpress.com/2013/03/trabalho-infantil-domc3a9stico-2.jpg
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    sexualidade e feminilidade, da autonomia econmica e do mundo trabalho. como se no

    necessitssemos mais do feminismo, como se as reivindicaes e ideias do feminismo

    tivessem esticado a corda demais, como relata a matria que citei acima.

    Desqualificando a radicalidade das propostas feministas e seus impactos na vida pblica e

    privada das mulheres, essas concepes contribuem para uma falsa noo de alcance daigualdade, de que as mulheres j conquistaram tudo, j esto em todos os espaos e, assim,

    podem, inclusive, escolher se confinar ao mundo privado. evidente que uma parcela muito

    significativa das mulheres no esteja implicada nesse dito dilema so chefes de famlia, no

    contam com outras pessoas para manter a renda familiar e ocupam, muitas vezes, empregos

    muito precarizados, ganhando salrios muito baixos. No entanto, o conservadorismo atinge

    todas ns, ao fixar as responsabilidades domsticas e do cuidado como tarefas atribudas

    somente s mulheres, ao responsabilizar exclusivamente as mesmas pelas mazelas sociais

    vivenciadas pelos seus filhos e maridos e ao re-valorizar uma noo completamente contrria

    cidadania e autonomia que o status de dependentes.A dita escolha de se responsabilizar exclusivamente pela casa significa, na maioria dos

    casos, no ter nenhum tipo de autonomia econmica, o que est estreitamente associado a

    uma falta de autonomia pessoal. Reafirmar, portanto, a importncia da autonomia econmica

    das mulheres , tambm, desmascarar o conservadorismo. As mulheres no tm que viver

    com a imposio de um ideal de feminilidade que as aprisione, que dite um padro aceitvel de

    comportamento e que enaltea as tarefas domsticas como naturais para as mulheres.

    Responsabilizar o Estado e os homens pelo trabalho domstico e de cuidados significa direito

    ao tempo livre para as mulheres, significa melhores condies de emprego e estudo e mais

    sade para mais da metade da populao. Tambm indica a necessidade de rompimento coma diviso liberal entre o espao pblico valorizado, que caberia aos homens, e o espao

    privado desvalorizado, dito feminino. preciso combater o conservadorismo e construir

    processos que acumulem para que as decises das mulheres sejam soberanas para todas e

    que nenhuma situao da vida tenha que pesar mais para as mesmas. Portanto, o feminismo

    continua na ordem do dia!

    *Militante da Marcha Mundial das Mulheres de Minas Gerais