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4 A fronteira entre os saberes 4.1. O didático infantil na Cultura Pós-Moderna Como discutido anteriormente o que hoje chamamos de literatura infantil não era, inicialmente, destinado às crianças. Os livros infantis que conhecemos atualmente foram adaptações de conteúdo e forma produzidas para o público adulto – os contos populares e o livro ilustrado. O livro infantil nasceu para a formação da criança, baseado no novo conceito de infância formado a partir de idéias iluministas. A criança medieval, que por volta dos sete anos já ingressava numa vida de trabalho longe dos pais, passa gradativamente a freqüentar a escola e a viver sob a proteção dos mesmos. Daí surge a necessidade de publicações voltadas para esse público. Se remontarmos a história do livro infantil no Brasil, verificaremos que ela surge a partir da Proclamação da República, momento em que a escola passa a exercer a responsabilidade da instrução. Mas a publicação de livros editados no Brasil para o público infantil começou com a criação, em 1919, de uma editora brasileira chamada “Monteiro Lobato & CIA.” (Pondé, 1984). Na década de trinta o Programa de Educação Básica, proposto pelo governo de Getúlio Vargas auxiliou na elaboração de uma coleção didática muito importante chamada Brasiliana que abordava a história do Brasil. Isso ajudou muito a ampliação do mercado de livros didáticos no nosso país. E na base desse mercado está a intencionalidade pedagógica, ou seja, o saber através do estudo (começando pelo aprendizado da leitura) que era visto como o caminho ideal no preparo do indivíduo para a vida, com ser e como cidadão (Coelho, 1991, p. 241). Com a criação da Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1964, houve um grande impulso na área de livros didáticos do Brasil com a ênfase dada à leitura. Segundo Nelly Novaes Coelho em Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil (1991, p. 257), “a leitura, como habilidade formadora

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4 A fronteira entre os saberes

4.1. O didático infantil na Cultura Pós-Moderna

Como discutido anteriormente o que hoje chamamos de literatura infantil

não era, inicialmente, destinado às crianças. Os livros infantis que conhecemos

atualmente foram adaptações de conteúdo e forma produzidas para o público

adulto – os contos populares e o livro ilustrado. O livro infantil nasceu para a

formação da criança, baseado no novo conceito de infância formado a partir de

idéias iluministas. A criança medieval, que por volta dos sete anos já ingressava

numa vida de trabalho longe dos pais, passa gradativamente a freqüentar a escola

e a viver sob a proteção dos mesmos. Daí surge a necessidade de publicações

voltadas para esse público.

Se remontarmos a história do livro infantil no Brasil, verificaremos que ela

surge a partir da Proclamação da República, momento em que a escola passa a

exercer a responsabilidade da instrução. Mas a publicação de livros editados no

Brasil para o público infantil começou com a criação, em 1919, de uma editora

brasileira chamada “Monteiro Lobato & CIA.” (Pondé, 1984).

Na década de trinta o Programa de Educação Básica, proposto pelo governo

de Getúlio Vargas auxiliou na elaboração de uma coleção didática muito

importante chamada Brasiliana que abordava a história do Brasil. Isso ajudou

muito a ampliação do mercado de livros didáticos no nosso país. E na base desse

mercado está a intencionalidade pedagógica, ou seja, o saber através do estudo

(começando pelo aprendizado da leitura) que era visto como o caminho ideal no

preparo do indivíduo para a vida, com ser e como cidadão (Coelho, 1991, p. 241).

Com a criação da Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional em

1964, houve um grande impulso na área de livros didáticos do Brasil com a ênfase

dada à leitura. Segundo Nelly Novaes Coelho em Panorama Histórico da

Literatura Infantil/Juvenil (1991, p. 257), “a leitura, como habilidade formadora

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básica, é colocada como ponto de apoio das múltiplas atividades propostas aos

alunos durante o processo de aprendizagem”.

Mas é na década de setenta, com a reforma do ensino, cuja proposta era

eliminar o exame seletivo e ampliar o acesso das crianças à escola, que o livro vai

adquirir maior importância e divulgação. A publicação de obras infantis é

impulsionada, gerando edições com maior qualidade gráfica e estética

(Zilberman,1985).

A partir dos anos oitenta, com o crescimento da escolarização, há também

um aumento de publicações para as crianças. Essa produção, encarada como

produto de consumo, de modo geral vai variar de acordo com a moda e o gosto,

perdendo seu sentido crítico e sua qualidade. Apesar disso, alguns escritores

demonstraram interesse em produzir obras de qualidade, que representassem o

universo infantil, que fossem atrativas e que incentivassem a formação do senso

crítico (Zilberman,1985). E o setor de livros didáticos foi aumentando seu espaço

até tornar-se o principal segmento da indústria editorial do país.

O que podemos observar, então, é que “a literatura para crianças está e

sempre esteve ligada aos sistemas de educação imperantes no grupo social”

(Coelho, 1991, p. 63) e que o livro didático infantil começa no momento em que

infância e escola se associam.

Porém no mundo contemporâneo, dentre as várias questões da Cultura Pós-

Moderna, surge uma crítica a essa associação; pois nem tudo que é voltado para o

público infantil precisa ser exclusivamente didático. Pode-se misturar o didático

com várias outras coisas como o lúdico e o divertido. Jean-François Lyotard, com

a publicação A Condição Pós-Moderna (1979) afirma que o saber está aberto e

em permanente construção, além de estar interligado com outros saberes.

De acordo com Nelly Novaes Coelho em seu livro Literatura Infantil:

teoria, análise, didática (1991, p. 264) nos dias de hoje não há um ideal absoluto

de Literatura Infantil. “Ideal será aquela que corresponder a uma necessidade

profunda do tipo de leitor a que ela se destina, em consonância com a época que

ele está vivendo”.

A autora também afirma que o principal objetivo dos livros infantis “é

excitar o interesse do leitor”. Esse leitor é um ser em formação, que está passando

pelo processo de aprendizagem inicial da vida, daí o caráter pedagógico da

literatura infantil. Mas acima de tudo é preciso dar ênfase no caráter lúdico.

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Segundo a autora “aquilo que não divertir, emocionar ou interessar o pequeno

leitor, não poderá também transmitir-lhe nenhuma experiência duradoura ou

fecunda”.

Talvez uma boa maneira de despertar o interesse das crianças pela leitura

seria explorar a transferência do texto para diversas expressões no campo da arte,

tais como: teatro, dança, pintura, desenho, oficinas de arte, entre outros. A arte

pelos seus recursos visuais, sonoros e táteis possibilita um maior conhecimento do

mundo e da cultura, facilitando a chegada do livro ao leitor através de outros

canais mais diretos, pouco utilizados (Yunes, Carvalho, 1984).

A construção do discurso didático deve integrar a linguagem textual e

imagética, além de todo o contexto que ele abrange, buscando harmonia entre

forma e conteúdo. Acompanhando tendências mais gerais da comunicação na

sociedade contemporânea, mas ao mesmo tempo guardando uma correspondência

com uma característica inerente ao texto científico, o livro didático é organizado a

partir de uma diversidade de linguagens, como a verbal (texto escrito), a

matemática (equações, gráficos, notações), a imagética (desenhos, fotografias,

mapas, diagramas). Utilizando-se de uma linguagem híbrida, o livro didático

contemporâneo deve explorar devidamente as relações entre ciência, cultura e

cotidiano.

Além disso, é preciso também entender que a leitura não pode ser vista

apenas como o domínio mecânico do código escrito, mas também como uma das

formas de se interpretar a realidade. Daí a necessidade dessa leitura mesclar

diferentes linguagens, além de envolver prazer e diversão, para que possa dar

conta do maior número possível de leituras do mundo. E com isso fazer com que

as crianças reflitam sobre a realidade em que vivem e ajudem a transformá-la.

E é exatamente esse objetivo que pretendo atingir: o de despertar o interesse

do leitor pelos conteúdos apresentados pelo IBGE, utilizando várias linguagens,

estimulando a aprendizagem e facilitando a compreensão e apreensão de novos

conteúdos, muitas vezes complexos.

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4.2. Exemplos Pós-Modernos de novas associações entre função didática e novas funções

Uma das características da sociedade na Cultura Pós-Moderna é o uso do

saber e da informação como mercadorias básicas. Como já foi dito no capítulo

anterior a fonte de todas as fontes é a informação e a ciência nada mais é que o

modo de organizar, estocar e distribuir essa informação. Segundo Lyotard, em A

Condição Pós-Moderna (2006, p.5), no cenário da Cultura Pós-Moderna, “sob a

forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já

é e será um desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo

poder.” A informação é uma fonte de poder, uma vez que permite analisar fatores

do passado, compreender o presente, e principalmente, antever o futuro. Ela

transmite e gera novos conhecimentos e atualmente, o contorno da economia

mundial é traçado pela quantidade de informação possuída, veiculada e divulgada,

resultante da produção científica e tecnológica. Então, não há sentido em possuir

informação e não poder comunicá-la. Sendo assim, a comunicação eficiente da

informação é uma tarefa de extrema importância e a facilidade de acesso a ela é

fundamental para originar novas idéias e inventos. Um sistema de informação de

boa qualidade, isto é, com acesso rápido às informações, com garantia de

integridade e veracidade e com garantia de segurança de acesso, deve ser um

instrumento que integre a sociedade aos avanços científicos e tecnológicos, de

forma participativa. Deve, também, beneficiar a maioria da população,

fundamentando-se nas diferenças regionais, culturais, e econômicas, que

condicionam expectativas e necessidades distintas. Neste sentido, esse sistema de

informação deve ser flexível o bastante para permitir a participação dos mais

diversos setores da sociedade brasileira. Os órgãos produtores de informação

estão sempre empenhados em criar acessos entre os usuários e as informações. E é

com essa preocupação de atender às necessidades dos mais diversos segmentos da

sociedade civil, que o IBGE (principal provedor de dados do Brasil) está sempre

buscando melhorar o acesso as informações coletadas pelo Instituto, através de

diferentes mídias.

Com essa mercantilização do saber ou comercialização do conhecimento

surge a sociedade da informação onde as mensagens precisam ser de fácil acesso.

Lyotard, em A Condição Pós-Moderna (2006, p.6) afirma que: “... a sociedade

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não existe e não progride a não ser que as mensagens que nela circulem sejam

ricas em informação e fáceis de decodificar.”

E como vivemos numa sociedade em que a informação circula em maior

quantidade e velocidade, em decorrência dos avanços das telecomunicações,

somos constantemente submetidos a uma grande quantidade de informações

visuais difundidas principalmente pelas mais diversas mídias como: cinema, TV,

outdoors, cartazes, faixas, jornais, revistas, livros, folhetos, páginas da web, etc..

Essas mídias, com as quais o sujeito contemporâneo se relaciona com

familiaridade e regularidade, modificam nossa linguagem, nosso comportamento,

nossa cultura. E são essas imagens que provêm em grande parte da quantidade de

informação que recebemos que, nos permitem dizer que no mundo

contemporâneo muito do nosso conhecimento é adquirido visualmente (Strunk,

1989). Como já foi dito no capítulo anterior, nossa cultura, antes dominada pela

linguagem verbal impressa, já se deslocou sensivelmente para o nível icônico.

Ou seja, além da permeabilidade entre a função didática e a literária,

apresentada no início desse capítulo, diversas outras mesclas caracterizam a

produção de conhecimento na Cultura Pós-Moderna. Portanto, existe hoje um

esforço para adaptação de conteúdos considerados complexos em formas mais

simples e objetivas, facilitando seu entendimento por todos. Entre esses esforços

descrevo aqui alguns tipos de projetos que demonstram essa diversidade de uso,

como as cartilhas educativas, as campanhas publicitárias informacionais e os

infográficos, que servirão de estudo para o desenvolvimento da minha pesquisa.

Presente desde há muito na prática da alfabetização (Barbosa, 1990), a

cartilha é um recurso didático que foi incorporado ao processo de ensino da leitura

e é considerada muito importante nas relações entre professores e alunos. Usada

muitas vezes como único recurso ou apenas como material complementar, ela tem

sido um instrumento indispensável em sala de aula.

Porém, atualmente ela está se deslocando e ocupando novos espaços.

Devido as suas características didático-lingüísticas, as cartilhas vêm sendo usadas

com o intuito de difundir o conhecimento sobre um determinado tema, buscando

responder às perguntas mais freqüentes e tornando o assunto abordado fácil de ser

assimilado. Nos dias de hoje podemos encontrar os mais diferentes tipos de

cartilhas abordando os mais variados assuntos como, por exemplo:

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• cartilhas que orientam banhistas sobre ventos, correnteza, dunas e

segurança nas praias (ex: Dicas para um verão seguro, Importância das

dunas e sua vegetação ambas lançadas pelo Centro de Ciências

Tecnológicas da Terra e do Mar – CTTMar, em 2002);

• cartilhas que abordam diferentes aspectos da questão ambiental como:

erosão, água, proteção de nascentes, reciclagem, lixo, agenda 21, entre

outros (ex: Conhecendo o PAN-Brasil: Programa de Ação Nacional de

Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, lançada pelo

Ministério do Meio Ambiente em 2006);

• cartilhas com dicas na área de saúde como: antidrogas, antifumo, assédio

sexual, Dengue, AIDS, idosos, deficientes físicos, alimentação,

amamentação, etc. (ex: Cartilha da Amamentação, lançada pelo Ministério

da Saúde em 2008);

• cartilhas que abordam assuntos ligados aos direitos e deveres do cidadão

como: direito do consumidor, da cidadania, assédio moral, contra “golpe

do empréstimo” (ex: Consumidor: defenda-se, lançada pela Câmara dos

Deputados em 2003);

• cartilhas que falam sobre direitos e deveres de determinada classe como:

servidores públicos, empregadas domésticas, aposentados, crianças,

adolescentes, etc. (ex: Cartilha da Alimentação da Criança e do

Adolescente, lançada pela Fiocruz, em 2007).

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Figura 9 – Cartilha da amamentação (http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/campanhas_publicitarias/campanha_detalhes.cfm?co_seq_campanha=2085)

A busca por estratégias de ensino que facilitem e estimulem a participação

do leitor tornando o repasse do conhecimento uma atividade interessante, deve ser

uma preocupação, além de merecer especial atenção por parte das autoridades e

dos educadores. O que não se pode esquecer é que o uso de cartilhas como

material didático de apoio é recomendável, mas sua escolha deve ser cuidadosa,

para se evitar a simples transmissão de conceitos teóricos, apresentados muitas

vezes de forma fragmentada e que, apesar do grande valor científico, podem não

ter relação com as vivências do indivíduo, nem representar a realidade do

ambiente que o cerca (Amâncio, 2002). É desejável que as metodologias a serem

utilizadas levem em conta a vivência e a realidade do leitor, contribuindo desta

forma, para que o ensino se transforme num processo de preparação integral do

indivíduo para a vida em sociedade, através da conscientização de que os aspectos

abordados façam parte do seu ambiente e não de uma esfera distante e separada do

local onde ele vive (Amâncio, 2002).

E a questão do acesso a esses materiais didáticos diversificados se torna

fundamental, principalmente em regiões onde predominam as camadas menos

favorecidas da população e onde o acesso aos livros continua sendo um dos

maiores desafios no nosso país. Sendo assim, a distribuição gratuita de cartilhas é

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uma excelente ferramenta para a abordagem de alguns assuntos e a discussão de

alguns problemas.

De acordo com Lazara Amâncio, em seu livro Cartilhas para que? (2002)

as cartilhas devem apresentar uma estrutura simples, com alto grau de

uniformidade e unidade temática, com textos coerentes com seu propósito, com

afinidade entre texto e ilustração que o acompanha e com desenvolvimento pleno

de personagens, tramas e temas. Sua linguagem textual e imagética deve ser

apresentada com forte teor de informação, comunicação e interação; facilitando

assim o entendimento de um determinado assunto e levando em conta os valores

culturais, regionais e as características do leitor como: idade, experiência,

realidade lingüística e grau de interesse.

Consideradas como um gênero de livro didático as cartilhas me parecem ser

um material de estudo de grande importância para o desenvolvimento da minha

pesquisa.

De acordo com os autores Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa em

Dicionário de Comunicação (1985), Campanha Publicitária é o termo utilizado

pelos profissionais da área de publicidade para explicar o conjunto de peças

criadas, produzidas e veiculadas de maneira coordenada, de acordo com

determinados objetivos de propaganda de um produto ou serviço, marca, empresa

ou qualquer órgão público ou privado. Uma campanha pode ser constituída de

uma só peça, ou pode ser composta por várias peças como anúncios em jornais e

revistas, filmes para TV, jingles e spots para rádio, outdoors, cartazes, filipetas,

banners, camisetas, bonés, entre muitas outras. Cada uma dessas peças apresenta

funções e características próprias e sua criação baseia-se geralmente num mesmo

tema ou idéia. Ela pode ser utilizada para vender um produto, um serviço, uma

idéia ou uma marca (publicidade institucional). Pode ser utilizada também, para

informar, instruir ou educar o público alvo ou até mesmo uma população inteira.

E é esse tipo de campanha publicitária, a educativa e informacional, que servirá de

base para o meu estudo.

Como vimos anteriormente o sujeito contemporâneo, principalmente o que

habita as grandes cidades, está submetido diariamente a um incontável número de

representações visuais, quase sempre a serviço da publicidade. Essas imagens são

difundidas pelas mais diversas mídias visuais tais como cinema, televisão, jornais,

revistas, cartilhas, internet, mídia externa (engloba todas as possibilidades de

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canais de comunicação ao ar livre e ambiente externo como outdoors, busdoors,

back-lights, etc.), que são explorados de acordo com um planejamento prévio de

ações obtidas por dados colhidos numa pesquisa de mercado, no decorrer de um

período. Essas representações visuais estão o tempo todo competindo entre si pelo

convencimento do sujeito com as proposições de significação que elas veiculam.

Muitas delas se apresentam seguindo tendências e características visuais ditas pós-

modernas por utilizarem em seu design características muito especiais como:

heterogeneidade, contradição, transitoriedade, aleatoriedade.

A principal característica de uma campanha publicitária é que, seja qual for

o meio ou ação explorada, as peças que a constituem devem preservar uma

identidade entre si, uma uniformidade tanto editorial (textos) quanto visual, para

causar interação entre eles com objetivo de aumentar o impacto da campanha.

Texto e imagens devem ser claros, objetivos, de fácil compreensão para prender a

atenção de imediato e alcançar um determinado impacto social. Principalmente

quando se trata de campanhas que mesclam a função publicitária com conteúdos

didáticos, como as campanhas públicas de vacinação (combate à Tuberculose, à

Varíola, à Rubéola, à Paralisia Infantil, ao Sarampo, etc.), antidrogas (combate ao

fumo, à bebida alcoólica), doação (de órgãos, de sangue), amamentação, combate

à Dengue, entre outras. Nelas deve ocorrer o convencimento e a comunicação em

massa, bem como o esclarecimento a respeito das doenças e das vacinas utilizadas

para combatê-las. É muito importante, então, que haja uma diferenciação das

práticas simbólicas, discursivas e de seus contextos situacionais, condições

cognitivas e culturais, para que não ocorram visões unilaterais, isoladas do

contexto quotidiano dos comunitários. É preciso haver uma aproximação da

população envolvida, atribuindo a esta funções de elaboração dos materiais

educativos e comunicativos - supondo que, assim, sua cultura estará mais bem

representada – ou, então, usando formas tradicionais das culturas regionais.

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Figura 10 – Peças publicitárias da primeira parte da campanha de vacinação contra a paralisia infantil e a rubéola (2008) (http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/campanhas_publicitarias/campanha_detalhes.cfm?co_seq_campanha=2306)

O termo infográfico vem do inglês informational graphics que surgiu nos

EUA no início da década de 80 e o seu uso revolucionou o layout das páginas de

jornais, revistas e sites do mundo contemporâneo. Mais tarde o termo atingiu a

Europa, e na Espanha resultou no termo infografìa que foi adotado na língua

portuguesa como infografia (De Pablos, 1999). Os infográficos nada mais são que

representações visuais da informação, usados onde esta precisa ser explicada de

forma mais dinâmica, como em mapas, gráficos e manuais técnicos, educativos ou

científicos. São usados para explicar, por meio de ilustrações, diagramas e textos,

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fatos que o texto ou a foto por si só não conseguem detalhar com a mesma

eficiência. Os infográficos vêm atender a uma nova geração - os leitores

contemporâneos - que é predominantemente visual e quer entender tudo de forma

prática e rápida.

Segundo Alberto Cairo - especialista em design e em artes visuais, professor

de jornalismo na Universidade da Carolina do Norte, EUA – “infografia significa

a apresentação visual de dados, sejam dados estatísticos, mapas ou diagramas.”

(http://jpn.icicom.up.pt/2006/07/11/infografia_nao_e_uma_linguagem_do_futuro

_e_do..., acesso em 12/4/2008) Autor do livro eletrônico “Sailing to the future:

infographics in the internet era” (2005), Cairo afirma também que a infografia

consiste no uso de ferramentas do Design Gráfico, da Ilustração, da Cartografia e

da Estatística Representacional onde o verbal e o visual estão interligados. Os

infográficos organizam a informação, facilitam a comunicação, ampliam o

potencial de compreensão pelos leitores, permitem uma visão geral dos

acontecimentos e detalham informações menos familiares ao público. Como são

considerados uma ajuda para se pensar e entender, eles devem ser atrativos,

claros, simples de entender e rápidos de ler, além de condensar num pequeno

espaço, uma enorme quantidade de informações.

Os infográficos utilizam a linguagem imagética e a linguagem textual na sua

proposta de comunicação. E é exatamente o que acontece com os livros infantis

contemporâneos, objeto da minha pesquisa: as duas linguagens (verbal e visual)

costumam atuar simultaneamente. Entretanto, nos infográficos é a linguagem

textual que está a serviço da imagem e não o contrário como acontecera até então;

onde a linguagem imagética atuava como mera ilustração de textos. Partindo da

história dos registros lingüísticos, é possível destacar o predomínio do

logocentrismo sobre a cultura da imagem (Coelho, 1997). Com o surgimento do

alfabeto, rompe-se com os sistemas pictóricos e distingui-se o desenho da escrita.

Desta forma, o pensamento lingüístico vem a prevalecer sobre o pensamento

imagético, estabelecendo o domínio da lógica da inscrição simbólica sobre o

pensamento figurativo (Coelho, 1997). Porém, nos modernos meios de

comunicação, o visual predomina e o verbal tem função de acréscimo e não é

diferente com os infográficos. Neles a imagem deixa de ter somente o papel de

ilustrar o texto escrito, mas apresenta-se como a própria informação,

protagonizando, o processo de comunicação.

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Em alguns casos, o infográfico seria até capaz de substituir o próprio texto

diante do poder de comunicação da linguagem imagética, mas, se por um lado

sabemos que a informação seria apreendida pelo leitor mais rapidamente por meio

da linguagem visual, por outro lado, para que o infográfico seja eficaz no seu

propósito de comunicação, ele depende também de um texto objetivo, claro,

subdividido em itens e com linguagem direta.

Figura 11 – Infográfico de Nigel Holmes Fonte: Digital Diagrams. BOUNFORD (2000, p. 156)

De acordo com Nichani e Rajamanickam (2003) os infográficos podem ser

classificados em:

1. Narrativos - Explicam algo possibilitando ao leitor envolver-se com o

propósito apresentado.

Ex: Histórias (factuais, ficcionais, partidárias) contadas a partir de um

ponto de vista. Incluem anedotas, histórias pessoais, de negócios, estudos

de casos etc.

2. Instrutivos - Explicam algo habilitando o leitor a seguir seqüencialmente

o conteúdo.

Ex: Instruções passo a passo que expliquem como as coisas funcionam

ou como os eventos acontecem.

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3. Exploratórios - Dão ao usuário a oportunidade de explorar e descobrir o

conteúdo e suas invenções.

Ex: Qualquer narrativa que permita ao usuário explorar ativamente o

conteúdo para compreender o seu sentido.

4. Simulatórios - Permitem ao usuário a experiência de um fenômeno do

mundo real.

Ex: Qualquer narrativa que permita ao usuário viver a experiência de um

acontecimento como se estivesse nele.

Essa classificação baseia-se na intenção comunicativa do produto e tem

como objetivo garantir a eficiência do infográfico na apresentação de diferentes

tipos de conteúdo.

Na estrutura básica de um infográfico deve haver: título, texto, corpo e fonte

(Leturia, 1998), responder às questões básicas de construção da notícia e conter

elementos de uma narração (Borrás e Caritá, 2000). O título deve expressar o

conteúdo de todo o infográfico; o texto deve servir para situar e explicar o

conteúdo do desenho; o corpo é a própria informação visual; as imagens, fotos ou

figuras devem vir acompanhadas por números ou flechas e a fonte garante a

veracidade da informação.

Segundo Elio Leturia (1998) os infográficos podem ser divididos em 4

tipos:

1. Diagramas – são os mais completos que existem. Servem para mostrar

como ocorreu um acontecimento, como é algo por dentro ou como

funciona alguma coisa. Necessitam de legendas para complementar a

informação gráfica que oferecem.

2. Mapas – podem por si só ser o infográfico ou ser parte de um diagrama

que nos mostra onde ocorreu um determinado acontecimento.

3. Gráficos – são as formas mais simples de explicar um fato utilizando

vários dados, números e estatísticas. Existem três tipos fundamentais de

gráficos: o de barra, o de pizza e o de linha.

4. Tabelas – são utilizadas para o cruzamento de dados – geralmente

descritivos – que não poderiam ser comparados com facilidade de outra

forma.

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O importante é que o infográfico contemporâneo é um produto que deixa

transparecer em si a sociedade na qual está inserido e onde é produzido. É um

produto que tende ao consumo instantâneo (leitura rápida), propício a um pronto

descarte (amanhã saíra uma versão atualizada do infográfico de hoje), que

incorpora os avanços científicos de sua era (contém conhecimentos de arte,

neurociências, ergonomia), induz a uma forma de pensar (apreensão objetiva,

matematizada e irredutível da realidade), expressa o tempo e o espaço

contemporâneos (compacto, preciso, veloz), confere valor ao indivíduo que o

consome (inteligente, ágil, moderno, informado) e traz bem-estar ao consumidor

(confortável, satisfeito), incentivando-o a comprar mais e sempre. Um produto

que, enfim, compreende valores ideológicos da sociedade que o produz, valendo-

se dos aspectos estéticos e funcionais para tanto.

Podemos concluir, então, que esses aspectos não se encontram apenas nos

infográficos, mas também se encontram nas outras peças contemporâneas citadas

a cima: nos livros didáticos, nas cartilhas educativas e nas campanhas publicitárias

informacionais. São aspectos encontrados nos produtos híbridos e performáticos

das novas formas de pensar, que dão conta de diversas questões ao mesmo tempo.

Como foi dito no capítulo 3 dessa dissertação, são produtos que se transmutam e

que estimulam todos os sentidos. Produtos que são como as pessoas de sua era e

espelham a sociedade que os produz.

É nesse contexto que insiro a obra de Italo Calvino, Seis propostas para o

próximo milênio onde o autor apresenta seis aspectos da literatura que para ele

mereciam ser preservados no curso do próximo milênio: leveza, rapidez,

exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Aspectos estes que são

também defendidos como as bases para tornar um texto rico e interessante em seu

conteúdo, agradável para a leitura e inesquecível como experiência para quem o

lê. E que já pude identificar nas peças apresentadas acima como, por exemplo:

leveza (compacto, preciso), rapidez (leitura instantânea), exatidão (visual nítido e

linguagem precisa), visibilidade (qualidade das imagens e legibilidade do texto),

multiplicidade (que incorpora diversos saberes) e consistência (homogeneidade

dos elementos que constituem). Nos próximos capítulos desenvolverei mais esses

aspectos.

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