4 - Conceito e Categorias Da Cidade - Max Weber

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,- CONCEITO E CATEGORIAS DA CIDADE * MAX WEBER Tradução de ANTÔNIOCARLOSPINTOPEIXOTO I II ! ~ , , , , , ' . , , ' I Po~e-se tentar definir de diversas formas a "cidade". Porém e comum a todas representá-Ia por um estabe.ec.mento compacto (ao menos relativamente), como uma localidade e não casar.os mais ou menos dispersos. Na3 cidades as casas estão em geral muito juntas, atualmente, via de regr'a, com as paredes e~costadas. A idéia corrente traz, além disso, para a palavra ~dade outras características puramente quantitativas, quando diz, por exemplo, que se trata de uma grande locali- dade. Essa caracterização não é em si mesma imprecisa. A l?CaI:dade considerada sociologicamente significaria um estabelecimento de casas pegadas umas às outras ou muito junt,as, que repres~ntam, portanto, um estabelecimento amplo, porem ~onexo, pOIS.do contrário )altafi~ .0 conhecimento pes- s?~l mutuo dos habitantes, que .e específico da associação de vlZ~nhan~a. Nesse caso só localidades relativamente grandes secam cidades, e dependeria das condições culturais gerais o ponto a partir do qual se deveria começar a considerá-Ias como, tais. Po.rém 'p~r~ aquela~ localidades que no passado possuiram caráter iunatco de Cidades não se aplica de forma alguma essa característica. E na Rússia atual existem "aldeias" co~ vári?s milhares de habitantes, maiores que muitas "cida- des antigas (por exemplo, nc território de estabelecimentos polacos da Prússia Or.ental) , que não possuíam mais que * ~ublic~~o pela primeirà vez no Archiv [iir Sozialwlssenschajt ,!nq Sozial politik, T. 47, 1921, pp. 621 ss. [Primeira parte do trabalho intitulado "Die Sta<,lt".] ~r~duzido de Economia y Sociedud-Il, Fondo de Cultura Ec~m6mlca, México, 1964, trad. por José Medina Echevarría e outros, cotejado com The City, op. cito CONCEITO E CATEGORIAS DA CIDADE -69 algumas centenas de vizinhos. O tamanho por si só não pode decidir. Se tentássemos definir a cidade do ponto de vista eco- nômico, então teríamos de fixar um estabelecimento cuja maio- ria dos hab.tantes vive do produto da indústria ou do comércio, e não da agricultura. Porém, não seria adequado' designar com o nome de "cidade" todas as localidades desse tipo. Assim, não poderiam chamar-se "cidade" aqueles estabelecimentos que se compõem de membros de um clã com um só tipo de ocupa- ção industrial, hereditariamente fixado, por exemplo,' as "al- deias industriais" da Ásia e da Rússia. Teríamos que acres- centar como outra característica certa "diversidade" de ocupa- ções industriais. Porém, nem mesmo com isso teríamos uma caracterização decisiva. Uma cidade pode fundar-se de dois modos. Seja, a) existindo previamente algum domínio terri- torial ou, sobretudo, uma sede de principado como centro de um lugar em que exista uma indústria em regime de especia- lização, para satisfazer suas necessidades econômicas ou po- líticas, e onde, por isso, se comerciem mercadorias. Porém, um oikos senhorial ou principesco, com um estabelecimento de artesãos e comerciantes submetidos a serviços obrigatórios e a tributos, mesmo grande, não pode ser denominado de cidade, apesar de que historicamente uma grande quantidade de ci- dades muito importantes surgiu de tais estabelecimentos ea produção p3.ra a corte do príncipe constituiu para muitas delas (vcidades principescas") uma fonte de rendas muito impor- tante, se não a mais importante com que contavam seus ha- bitantes. Outra característica que se teria que acrescentar para poder falar de "cidade" seria a existência de um intercâmbio regular e não ocasional de mercadorias na localidade,' como elemento essencial da atividade lucrativa e do abastec:mento de seus habitantes, portanto de um mercado. Porém, não é qual- quer mercado que transforma a localidade na qual ele existe em "cidade". Mercados periódicos e feiras anuais, nos quais em épocas determinadas se encontravam comerciantes de re- giões distantes para trocar entre si suas mercadorias, ou colo- cá-Ias' diretamente em mãos do consumidor, tinham lugar fre- qüenternente em locais que hoje reconhecemos serem "aldeias". Falaremos de "cidade" no sentido econômico quando a popu- lação local satisfaz uma parte economicamente essencial de sua demanda diária no mercado local e, outra parte essencial também, mediante produtos que os habitantes da localidade e a povoação dos arredores produzem ou adquirem para colo- cá-Ias no mercado. Toda cidade no sentido que aqui damos a essa palavra é um "local' de mercado", quer dizer, conta como centro econômico do estabelecimento com um mercado

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CONCEITO E CATEGORIAS DA CIDADE *

MAX WEBER

Tradução de ANTÔNIOCARLOSPINTO PEIXOTO

II I!~, ,, ,, '. ,, '

I

Po~e-se tentar definir de diversas formas a "cidade".Porém e comum a todas representá-Ia por um estabe.ec.mentocompacto (ao menos relativamente), como uma localidade enão casar.os mais ou menos dispersos. Na3 cidades as casasestão em geral muito juntas, atualmente, via de regr'a, com asparedes e~costadas. A idéia corrente traz, além disso, para apalavra ~dade outras características puramente quantitativas,quando diz, por exemplo, que se trata de uma grande locali-dade. Essa caracterização não é em si mesma imprecisa.

A l?CaI:dade considerada sociologicamente significaria umestabelecimento de casas pegadas umas às outras ou muitojunt,as, que repres~ntam, portanto, um estabelecimento amplo,porem ~onexo, pOIS.do contrário )altafi~ .0 conhecimento pes-s?~l mutuo dos habitantes, que .e específico da associação devlZ~nhan~a. Nesse caso só localidades relativamente grandessecam cidades, e dependeria das condições culturais gerais oponto a partir do qual se deveria começar a considerá-Iascomo, tais. Po.rém 'p~r~ aquela~ localidades que no passadopossuiram caráter iunatco de Cidades não se aplica de formaalguma essa característica. E na Rússia atual existem "aldeias"co~ vári?s milhares de habitantes, maiores que muitas "cida-des antigas (por exemplo, nc território de estabelecimentospolacos da Prússia Or.ental) , que não possuíam mais que

* ~ublic~~o pela primeirà vez no Archiv [iir Sozialwlssenschajt,!nq Sozial politik, T. 47, 1921, pp. 621 ss. [Primeira parte do trabalhointitulado "Die Sta<,lt".] ~r~duzido de Economia y Sociedud-Il, Fondode Cultura Ec~m6mlca, México, 1964, trad. por José Medina Echevarríae outros, cotejado com The City, op. cito

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algumas centenas de vizinhos. O tamanho por si só não podedecidir. Se tentássemos definir a cidade do ponto de vista eco-nômico, então teríamos de fixar um estabelecimento cuja maio-ria dos hab.tantes vive do produto da indústria ou do comércio,e não da agricultura. Porém, não seria adequado' designar como nome de "cidade" todas as localidades desse tipo. Assim,não poderiam chamar-se "cidade" aqueles estabelecimentos quese compõem de membros de um clã com um só tipo de ocupa-ção industrial, hereditariamente fixado, por exemplo,' as "al-deias industriais" da Ásia e da Rússia. Teríamos que acres-centar como outra característica certa "diversidade" de ocupa-ções industriais. Porém, nem mesmo com isso teríamos umacaracterização decisiva. Uma cidade pode fundar-se de doismodos. Seja, a) existindo previamente algum domínio terri-torial ou, sobretudo, uma sede de principado como centro deum lugar em que exista uma indústria em regime de especia-lização, para satisfazer suas necessidades econômicas ou po-líticas, e onde, por isso, se comerciem mercadorias. Porém,um oikos senhorial ou principesco, com um estabelecimento deartesãos e comerciantes submetidos a serviços obrigatórios e atributos, mesmo grande, não pode ser denominado de cidade,apesar de que historicamente uma grande quantidade de ci-dades muito importantes surgiu de tais estabelecimentos e aprodução p3.ra a corte do príncipe constituiu para muitas delas(vcidades principescas") uma fonte de rendas muito impor-tante, se não a mais importante com que contavam seus ha-bitantes. Outra característica que se teria que acrescentar parapoder falar de "cidade" seria a existência de um intercâmbioregular e não ocasional de mercadorias na localidade,' comoelemento essencial da atividade lucrativa e do abastec:mento deseus habitantes, portanto de um mercado. Porém, não é qual-quer mercado que transforma a localidade na qual ele existeem "cidade". Mercados periódicos e feiras anuais, nos quaisem épocas determinadas se encontravam comerciantes de re-giões distantes para trocar entre si suas mercadorias, ou colo-cá-Ias' diretamente em mãos do consumidor, tinham lugar fre-qüenternente em locais que hoje reconhecemos serem "aldeias".Falaremos de "cidade" no sentido econômico quando a popu-lação local satisfaz uma parte economicamente essencial de suademanda diária no mercado local e, outra parte essencialtambém, mediante produtos que os habitantes da localidade ea povoação dos arredores produzem ou adquirem para colo-cá-Ias no mercado. Toda cidade no sentido que aqui damosa essa palavra é um "local' de mercado", quer dizer, contacomo centro econômico do estabelecimento com um mercado

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local e no qual em virtude de uma especialização permanenteda produção econômica, também a população não-urbana seabastece de produtos industriais ou de artigos de comércio oude ambos e, como é natural, os habitantes da cidade trocamos produtos especiais de suas economias respectivas e satis-f~zem desse modo suas necessidades, E normal que a cidade,ta? logo se apresenta com uma estrutura diferente do campo,seja por sua vez sede de um senhor, ou de um príncipe, elugar de mercado, ou possua centros econômicos de ambasas espécies - oi~os. e mercado - e também é freqüente quetenham lugar periodicamente na localidade, além do mercadol~ regular, feiras de comerciantes em trânsito. Porém acidade - no sentido que usamos o vocábulo aqui - é umestabelecimento de mercado.

A existência do mercado repousa, freqüentemente numaconcessão ou garantia de proteção do senhor do domínio oudo príncipe, o qual tem interesse, por um lado na ofertaregular de artigos mercantis e de produtos indust~iais estran-geiros que lhe oferece a feira, direitos alfandegários, direitosde escolta e proteção, direitos de mercados, de justiça etc ....que geralmente traz consigo e, por outro lado, no estabeleci-?lento local de indu~triais e comerciantes que possam pagarunpostos, e, na medida em que o mercado traz consigo umestabelecimento geral, também espera tirar lucros com as rendasdo solo.

Essas ~robabilidades têm tanto maior importância paraele na medida em que se trata de rendas monetár.as queaumentam seu tesouro de metais preciosos. Pode ocorrer queuma cidade careça desse apoio, até mesmo espacial, numa sedesenhorial ou principesca e que se localize num determinadol~al eI? virtude d~ concessão de um senhor ou prínc.pe quenao resida na localidade, ou que nasça por usurpação dos inte-ressados como um estabelecimento de mercado. Ou tambémse pode outorgar uma concessão a um empreendedor para queestabeleça um mercado e habitantes neste local. Esse fenô-meno era bastante freqüente na Idade Média, especialmentena Europa nórdica, oriental. e central, nas zonas onde se fun-d~~ cidades, e se apresenta também ao longo de toda ahistória e ?e todo ~ mundo, ainda que não seja o normal. .Porém a cl~ad~ pod:a nascer também; b) sem esse apoio nacort~_ do p~mclpe ou da concessão do príncipe, mediante areumao de intrusos, piratas ou comerciantes colonizadores oun~tivos; dedicados ao comércio intermediário, e esse fenômenofOI bastante freqüente nas costas mediterrâneas nos primeiros

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tempos da Antiguidade e também, por vezes, nos primeirostempos da Idade Média. Tal cidade podia ser um puro localde mercado. Porém, de qualquer maneira, era mais freqüentea existência de grandes propriedades patrimoniais, se.nhoriaisou de príncipes, de um lado, e o mercado, de outro. A cortesenhorial ou do príncipe, como ponto de apoio da cidade, podiacobrir suas necessidades pela via mais comum da economianatural, mediante serviços obrigatórios e tributos em espéciedos artesãos ou comerciantes dependentes dela, ou podia ía-zê-lo pela troca no mercado urbano, como seu cliente de maiorcapacidade aquisitiva. Quanto mais dominasse esse últimoaspecto, tanto mais sobressaía a base de mercado da cidade eesta deixava de ser um puro apêndice, um mero estabeleci-mento de mercado junto ao oikos e, apesar de apoiar-se nasgrandes propriedades, se convertia em uma "cidade de mer-cado". Em geral, a expansão quantitativa das cidades de prin-cipados e sua importância econômica marcharam paralelamentea um incremento do abastecimento no mercado da propriedadedo príncipe de outras propriedades dos vassalos ou de grandesfuncionários que formavam sua corte.

Aproximam-se do tipo de "cidade de principado", querdizer, daquela cidade cujos habitantes dependem em suas pro-babilidades aquisitivas de maneira dominante, direta ou indi-retamente, do poder aquisitivo da grande propriedade do prín-cipe e de outras grandes propriedades, aquelas cidades nasquais o poder aquisitivo de outros grandes consumidores, querdizer, os que vivem de rendas, determina de modo decisivoas possibilidades de lucro dos artesãos e comerciantes que ahabitam.

Porém esses grandes consumidores podem ser de tiposmuito diversos, segundo a classe e a origem de suas rendas.Podem ser: 1) funcionários que gastam nela suas rendas legaisou ilegais, ou 2) proprietários territoriais e chefes políticosque fazem o mesmo com suas rendas imobiliárias de fora dacidade ou com outras rendas, de caráter político. Em ambosos casos a cidade se aproxima do tipo de "cidade de princi-pado", repousa em rendas patrimoniais e políticas que cons-tituem a base do poder aquisitivo dos grandes consum'dores(exemplo de cidade de funcionários é Pequim; de cidade deelementos que vivem de rendas, Moscou antes da supressão daservidão). Deve-se distinguir, inicialmente, desses casos, outroque lhe é semelhante: aquele no qual as rendas de terra urbanasão determinadas pela "situação de monopólio das trocas" depropriedades de terra que tem suas fontes indiretamente na

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indústria e no comercio da cidade concentrando-se nas mãosde uma ar.stocracia urbana (esse tipo se estendeu por todaas épocas, e muito especialmente pela Antiguidade, desde osprimeiros tempos até Bizâncio, e também na Idade Média).A cidade não é então, economicamente falando, uma cidadede comerciantes ou de artesãos, e essas rendas significam otributo das pessoas laboriosas aos donos das casas. A sepa-ração conceptual entre esse caso e o outro em que o determi-nante são as rendas não-urbanas não impede que na realidadeambos os tipos se confundissem bastante no passado. Ou, tam-bém, os grandes consumidores podem ser capitalistas que de-pendem na cidade de receitas de tipo lucrativo, atualmentesobretudo receitas por valores e dividendos: o poder aquisitivorepousa, sobretudo, em fontes de ingressos condicionadas poruma economia monetária, especialmente capitalista, Ou re-pousa, ainda, em pensões do Estado ou outras rendas públicas(como a cidade de Wiesbadén, uma verdadeira Pensionópolis).Em todos esses casos e outros parecidos, a cidade vem a ser,em maior ou menor grau, segundo as circunstâncias, uma ci-dade de consumidores. Pois é decisivo para as possib.lidadesaquisitivas de seus artesãos e comerciantes o domicílio urbanodesses grandes consumidores, de natureza econômica tão di-versa.

Ou temos ainda o oposto: a cidade é de produtores, e ocrescimento de sua população e de seu poder aquisitivo repousaem que - como ocorre em Essen ou em Bochum - estãolocalizadas nela fábricas, manufaturas ou indústrias domici-liares que abastecem o exterior (tipo moderno); ou existemna localidade indústrias artesanais cujos produtos são enviadospara fora (tipo asiático, antigo e medieval). Os consumidoresdo mercado local são, de um lado, os grandes consumidores:empresários - se é que residem na localidade, o que nemsempre se dá - e, de outro lado, a massa de consumidores,trabalhadores e artesãos; porém, em parte também, e comograndes consumidores, os consumidores e capitalistas indireta-mente alimentados por eles. Porém, a cidade industrial, assimcomo a c'dade de consumidores, se opõe à cidade mercantil,quer dizer, aquela em que o poder aquisitivo de seus grandesconsumidores repousa na venda varejista de produtos estran-geiros no mercado local (como os cortadores de panos daIdade Média) ou na venda para fora de produtos naturais oude artigos produzidos por pessoas da iocalidade - como aHansa com os arenques - ou na aquisição de produtos estran-ge.ros para colocá-los fora, com ou sem arrnazenamento nalcidade (cidades de comércio intermediário). Ou também -

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e este é, naturalmente, um caso muito freqüente - combi-nam-se todas essas coisas: a commenda e a societas maris dospaíses mediterrâneos significavam em grande parte que umtractator (mercador viajante) conduzia para os mercados doLevante, com o capital que lhe haviam emprestado no todo ouem parte os capitalistas da localidade, os produtos da mesma,ou adquiridos em seu mercado, para vendê-los lá, comprarcom o produto da venda mercadorias orienta.s e trazê-Ias aomercado nativo, onde as vendia, repartindo o produto da vendasegundo o que fora acertado entre o tractator e os capitalistas.Freqüenternente também se dirigia ao Oriente sem nenhumamercadoria. Portanto, também o poder aquisitivo e a capa-cidade tributária da cidade mercantil repousam, assim comoos de toda cidade de produtores, em oposição à de consumi-dores, em explorações. industriais locais. Às possibilidades aqui-sitivas dos comerciantes, juntam-se as dos expedidores, encar-regados do frete e outros numerosos encargos da indústriamaior e menor. Entretanto, os negócios que compõem a vidadesses empreendimentos só no caso da venda no varejo têmlugar no mercado local, enquanto no caso do comércio exterior,em parte considerável ou preponderante ocorrem no exterior.Algo semelhante leva a que uma grande cidade moderna (Lon-dres, Paris, Berlim) se converta em sede dos financistas na-cionais ou internacionais e de grandes bancos, ou em sede degrandes sociedades anônimas (Dusseldorf). A maior parte dosjuros que procedem da indústria fluem, em maior grau queantes, para um lugar diferente daquele no qual são obtidos.E, por outro lado, somas crescentes dos juros não são consu-midas por seus beneficiários nos grandes centros urbanos onderesidem, porém fora, nos arredores, no campo, nos hotéis-inter-nacionais etc.. .. Paralelamente a isso surge a parte da cidadeque se compõe quase exclusivamente, ou exclusivamente, decasas de negócios, a City, que mais que uma cidade vem aser um bairro da mesma. Não nos propomos oferecer umacasuística mais detalhada, como a que corresponderia a umateoria rigorosamente econômica da cidade. Apenas cabe dizerque as cidades representam, quase sempre, tipos mistos e que,portanto, não podem se, classificadas em cada caso senãotendo-se em conta seus componentes predominantes.

A relação das cidades com o campo não tem sido demodo algum unívoca, Existiam e existem "cidades agrárias",quer dizer, lugares que, como sedes do intercâmbio de mercadoe de tío.cas indústrias urbanas, se distanciam muito do tipomédio de aldeia, porém nelas um amplo setor de seus habi-tantes cobre suas necessidades com economia própria e até

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produzem para o mercado. O normal é, c~rtamente, que ~uantomaior seja uma cidade, menos seus habitantes d:sponham deuma terra de cultivo que guarde alguma propo~çao com su_asnecessidades de sustento e que lhes sirva de me:o de obtençãode produtos alimentícios; e tampouco disponham, na m~lOnados casos, do aproveitamento de pastos e ,~osq~~~ suflcIen~espara suas necessidades, como sucede na al?eIa. A maiorcidade a.emã da Idade Média, Colônia, carecia por comple~oao que parece da alme~da, da qual.não carecia.nen?uma a~delanormal de então. Porem outras cidades medievais alema~ eestrangeiras dispunham, entretanto, .de prados ~ bosq:ues Im-portantes à disposição de seus habitantes. E a medida quedescemos para o sul e retrocedemos em direção ao passado émais freqüente o caso de cid~des que d.ispunham de gra,n~escampos de cultivo. Se na atual:dade con~lder~mos que o tlpl.COhabitante da cidade é um homem que nao cobre suas pr6pn~snece.ssidades com o cultivo próprio, na maior parte das CI-dades típicas da Antiguidade (poUs). o~orria pre~isam~nte _ ocontrário. Já veremos como o pleno direito do antigo cldada~,diferentemente do burguês medieval, caracterizou-se em sua on-gem precisamente porque era proprietário de um kl~r?s, jurujus(em Israel chclek), quer dizer, ?e um lote d? ~ual _VlVla.AssI~,o cidadão completo da Antiguidade e um cidadão lavrador .

Encontramos propriedade agrária sobretudo nas, r:tãos dascamadas urbanas privilegiadas, tanto na Idade Méd~a ~ e,também mais no sul que no norte - como na Antiguidade."Propnedade agrária em largas dimensões, ~ncontramos ~a CI-dade-Estado medieval ou antiga, quer em maos das autond~d~sde cidades poderosas, que exerciam s?~re elas :um domíniopolítico territorial, como quer sob o domínio senhorial: de, ~Jgunscidadãos ilustres: exemplos disso enconuamo~. no domIllIO. ~eMilcíades no Quersoneso ou as possessões pohtlc~s. e senhoriaisde famílias aristocráticas urbanas da Idade Medl~, .como osgenoveses Grimaldi na Provença e em. o~tros dOml~I?S ~ltra-marinos. Porém essas possessões e direitos senh~mals mter.:-locais de cidadãos isolados não eram, em geral, objeto da ~h-tica econômica da cidade, se bem que ocorra um caso muitos.ngular quando a propriedade do indivíduo, qu~ pertence a.opoderoso grupo dos notáveis, é protegida pe~a Cidade, e A a .Clo<dade chega mesmo a participar de seu rendimento econormcoou político, coisas que não eram raras no pas~ad~. .

O tipo de relação da cidade, suporte da ~dustna ou ~ocomércio, como o campo, fornecedor dos m:!Os de SUbSIS-tência, constitui parte de um complexo de fenofllenos que ~edenominou de "economia urbana" e que se opos, como uma

determinada "etapa da economia", à "economia autárquica",por um lado, e à economia nacional, por outro (ou a umadiversidade de outras' etapas que se constituíram de formasemelhante). Porem nesse conceito se confundem medidas depolítica econômica com categorias puramente econômicas. Arazão está em que o mero fato da coexistência de comerciantesou industriais e o abastecimento das necessidades quotidianasregulado pelo mercado não esgotam o conce.to de "cidade".Quando isso ocorre, quer dizer, quando dentro dos estabele-cimentos autárquicos tomamos como diferença unicamente ograu da própria satisfação das necessidades por meio da agri-cultura ou - o que não é a mesma (coisa) - o grau deprodução agrária em relação à atividade ~lucrativa não-agrária,e a ausência ou presença de mercados, falaremos de "locali-:dades" industriais e mercantis e de "zonas de mercado", p0-rém não de "cidade". O fato de a cidade ser não só um con-junto de casas, mas também (tima associação econômica compropriedade territorial própria, com economia de receitas edespesas. não a diferencia da aldeia, que conhece as mesmascoisas, ainda que qualitativamente a diferença possa ser muitogrande. Também. não é peculiar à cidade o fato de que alémde associação econômica seja, no passado pelo menos, associaçãoreguladora. A aldeia também conhece os ofícios, a regulamen-tação dos pastos, a proibição da exportação de madeira' epalha e outras regulamentações econômicas semelhantes, por-tanto, uma política econômica da associação enquanto tal. Oque tem sido realmente peculiar é o tipo de associação quecostumava apresentar-se. no passado e, sobretudo, os objetosdessa regulamentação e a amplitude das medidas adotadas.Essa "política econômica urbana" orientava em grande parte'suas medidas, de acordo com o fato de que a maioria dascidades do interior com as condições de transportes da época- pois não se pode dizer o mesmo sobre as cidades marí-timas, como nos demonstra a política cerealista de Atenas eRoma - tinha que satisfazer suas necessidades com as possi-bilidades dos arredores, do campo; e essa zona constituía tam-bém o mercado para a maior parte da indústria urbana - nãode toda ela - e o processo de intercâmbio local encontravaseu lugar natural, se não único, no mercado urbano, especial-mente no que se refere à compra e venda de artigos de subsis-tência. Também tinha em conta que a maior parte da produçãoindustrial se desenvolvia tecnicamente como artesanato e, doponto de vista da organização, como pequena exploração espe-cial.zada sem capital ou com pouco capital, com um númerolimitado de oficiais especializados e, economicamente, como

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trabalho assalariado ou como trabalho de encomenda para ocliente, e que o mercado local dos varejistas era em grandeparte mercado de clientes. A "política econômica urbana" emsent.do específico se caracterizava, portanto, porque se tratavade fixar essas condições da economia urbana, em grande me-dida oferecida pela natureza, com vistas a assegurar uma ali-mentação constante e barata da massa e a estabilidade daspossibilidades aquisitivas dos industriais e comerciantes. Masessa regulamentação econômica, 'como veremos, não se cons-titui no único objeto e sentido da política econômica urbana.nem mesmo se verificou em todas as épocas; ou ao menos emsua plen.tude não ocorreu senão em algumas (sob o regimepolítico dos grêmios), nem pode ser caracterizada como umaetapa geral de todas as cidades, De qualquer modo, essa polí-tica econômica ·não representa uma etapa universal da eco-nomia. Só se pode dizer que o mercado urbano local repre-senta,com seu intercâmbio entre produtores agrícolas e não-agrícolas e comerciantes locais à base das relações com osclientes e a pequena ofic.na sem capital, uma espécie da réplicado oikos em regime de economia de troca, pois este conheceuma gestão econômica que depende de uma distribuição orga-nizada de serviços e tributos unidos com a acumulação e acooperação do trabalho na corte do senhor, representando aregulamentação das relações de troca e de produção na cidadecomo réplica da organização das contribuicões das diversaseconomias reunidas no oikos. •

Pela mesma razão que ao fazer essas considerações nosvemos obrigados a falar de "política" econômica urbana, deuma "zona urbana" e de uma "autoridade urbana", vemos queo conceito de "cidade" tem que ser encaixado em outra sériede conceitos, além dos conceitos econômicos usados até agora,quer d.zer, em conceitos políticos. Um príncipe também podeser o sustentáculo de uma política econômica urbana, um prín-cipe cuja zona de dominação política inclua, como objeto, acidade com seus' habitantes. Se é executada nesse caso umapolitica econômica urbana, ela o será para a cidade de seushabitantes, porém, não partirá dela. Mas esse não é caso quenos interessa. No' nosso caso, a c.dade tem que se apresentarcomo uma associação autônoma em algum nível, como umaglomerado com instituições políticas e administrativas especiais.

Deve-se ter em mente, de qualquer modo, que é precisoseparar o conceito econômico, explicado até agora, do con-ce.to político-administrativo da cidade. Só nesse último sentidocorresponde-lhe um âmbito urbano especial. No sentido polí-tico-administrativo, a noção de cidade pode corrcsponder a

uma localidade que economicamente não poderia pretender taltít';llo. Na Id~d.e Média existiram "c.dades" no sentido jurídicocujos nove décimos dos habitantes, e por vezes mais, de qual-9u~r .forma num nível muito maior que em muitas localidadesjuridicamente regulamentadas como "aldeias", viviam do cul-ti.vo. A passagem ~e uma "cidade agrária" desse tipo para umaCIdade de consumidores, produtores ou comerciantes é natu-ralmente. muito fluida. ~á~ en~etanto, um ponto em que umestabelecimento que adm.nistrativamente se distingue da aldeiae é tratado como cidade se diferencia do estabelecimento rural:~~ .modo de .regulamentar as relações da propriedade imobi-liária. Nas CIdades, no sentido econômico da palavra, esse1l!-odode regulamentação. ~e acha condicionado pelo tipo espe-cial das bases de rentabilidade que a propriedade imobiliárian:bana oferece: a propriedade das casas, que é como um apên-dlce. da terra agre~ada. Mas, administrativamente, a situaçãop~~lcu~ar d~ propne~ade ur~ana depende, sobretudo, de prin-CIpIOSimpositrvos muito particulares, e também, quase sempred~ u~a carac!erística decisiva para o conceito po1ítico-admi~nístratívo de CIdade e que se subtrai à pura análise econômicana medida em que a cidade, tanto na Antiguidade como naIda~e Média, dentro e fora da Europa, constitui uma cate-gor:a especial de fortaleza e de guarnição. Atualmente essacaracterística desapareceu por completo, mas mesmo no pas- .sad~ neT sempre era encontrada. Assim, por exemplo, noJapao nao era o caso geral. Do ponto de vista administrativo,pode-se duvidar, pois, com Rathgen, se houve no Japão ver-dadeiras "cidades". Pelo contrário, na China cada cidade estavarodeada de muralhas. Mas também localidades que economi-camente .eram puramente rurais, que não eram cidades doponto de vista administrativo - quer dizer, no caso da Chinanão são sedes de autoridades políticas - estavam tambémrodeadas de m?~a.lhas. Em. muitas zon~s do Mediterrâneo, porexemplo, na SICII-a. e devido a uma msegurança secular nãose conheceram habitantes que estivessem fora de recinto; mu-rados urbanos, nem sequer os camponeses. Na velha Héladetemos o caso da polis de Esparta sem muralhas, porém convémnesse caso a característica de "guarnição", no sentido esnecí-fico, v'sro que, por ser aberto o acampamento dos espartanos,desorezavam as muralhas. Se, todavia, se alega quanto tempoesteve Atenas sem muralhas. o certo é aue possuía com a Acró-pole. tal como todas as cidades helênicas, exceto Esparta, umcastelo rochoso; e também Ecbátana e Persópolis eram burgosrea's com estabelecimentos adjacentes. Porém. de modo geral,tanto a cidade oriental como a do Mediterrâneo antigo e acidade medieval conhecem o burgo com muralhas.

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A cidade não era a urrca nem a mais antiga fortaleza.Toda aldeia era cercada de muros nas zonas fronteiriças dispu-tadas ou quando havia um estado crônico de guerra. Assim, osestabelecimentos dos eslavos, cuja forma nacional parece tersido, desde o início, a aldeia em linha reta, adotaram a forma,certamente sob a pressão do perigo constante da guerra na zonado Elba e do Oder, de uma muralha com estaca, e possuindoUma só entrada por onde fazia passar o gado à noite. Ou entãoadotou-se por todo o mundok~to entre os judeus da Jordâniaoriental como na Alemanha, essa outra forma de fortalezaselevadas, onde se refugiavam o gado e as pessoas sem armas.As chamadas "cidades de Henrique I", da Alemanha oriental,não eram senão fortalezes desse -tipo. Na Inglaterra todo con-dado da época anglo-saxã contava com um "burgo" (borough)ao qual devia seu nome, e o serviço de vigilância e guarniçãoconstituía um dos gravames específicos mais antigos das pes-soas e terras determinadas. Se em tempos normais não seencontram vazios, mas se mantém uma guarn'ção constanteem troca de soldo ou terra, facilmente se passa ao burgoanglo-saxão, uma "cidade de guarnição", no sentido da teoriade Maitland, como burgenses como habitantes, cujo nome pro-cede nesse caso, como em outros, do fato de que sua posiçãojurídico-po'Itica, assim como a condição jurídica da casa e daterra aue possuíam - especialmente burgenses - estava de-terminada pela obrigação de vigiar e defender a fortaleza. Mas,h'storicamente, nem as aldeias com paliçada nem as fortalezasde emergência foram precedentes jmportantes da fortaleza ur-bana, porém, -outro tipo, a saber, o burgo senhorial, uma for-taleza habitada pelo senhor com seus funcionários patrirnon'aisou com os guerreiros de seu séquito; juntamente com as famí-lias e seus servidores.

A construção militar de fortalezas é muito antiga, certa-meri'e mais do que o carro de guerra e até mais do que aiitlizacão guerreira do cavalo. Assim como o carro de guerradeterminou a guerra cavaleiresca e real, também na velhaChina dos cantos 'clássicos. na índia dos. Vedas, no Egito ena Mesopotâmia, em Canaã, em Israel do Canto de Débora,na éooca homérica, entre os etrUSCOS e os celtas e entre osirlandeses, a construção de .fortalezas e o principado com for-talezas ou burgos é algo universalmente conhecido. As velhasfontes egípcias conhecem O· burgo e o comandante do burgo,e parece certo que os burgos significavam, no início, outrostantos pequenos principados. Segundo os mais velhos documen-tos, na Mesopoiãmia o desenvolvimento da realeza foi prece-dido por um principado espalhado em burgos, como foi o caso

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na lndia ocidental da época dos Vedas, como parece provávelter sido no Irã na época dos mais velhos Gathas, enquanto noNorte da lndia, no Ganges, imperava, ao que parece, a desa-gregação política: o velho xátria, que' as fontes nos mostramcomo uma figura intermediária entre o rei e os nobres, é cer-tamente um príncipe desses burgos. Na época da cristianizaçãoo encontramos também na Rússia, na Síria ao tempo da di-nastia Tutmósis, na época da aliança israelita (Abimeleque) \e também a velha literatura chinesa permite suspeitá-lo em suasorigens. Os burgos ma.ítimos .helênicos e da Ásia Menor foramseguramente um fenômeno universal até onde alcança a pira-taria, e a época em que se levantaram os palácios cretensessem muralhas, em lugar de burgos, deve ter sido uma épocade grande paz. Burgos tão importantes na Guerra do Pelo-poneso como Deceléia foram no seu tempo fortalezas de linha-gens nobres. Também o desenvolvimento medieval do estadosenhorial politicamente independente começa na Itália. com oscastelli, e a independência dos vassalos no Norte da Europacom suas numerosas construções de burgos, cuja importânciafundamental nos' ilustrou muito bem Below, pois na épocamoderna a residência do indivíduo no campo dependia, na Ale-manha, de que a família possuísse um castelo, ainda que fosseuma pobre ruína. Dispor do burgo significava o domínio mi-litar da reg'ão e a questão era quem o tinha em suas mãos,se o castelão ou uma confederação de cavaleiros ou um prín-cipe que pudesse confiar no feudatário, lugar-tenente ou oficialseu que ali residisse.

A cidade-fortaleza, no primeiro estágio de seu desenvol-vimento no sentido de uma estrutura política particu'ar, era,continha ou se apoiava no burgo de um rei, ou de um senhornobre ou de uma associação destes. que ou residiam no burgoou mantinham nele uma guarnição de mercenários, vassalos ouservidores. Na Inglaterra anglo-saxã o direito de possuir umhaw, uma casa-fortaleza, em um burgh, era um direito que seconcedia mediante prerrogativa a determinados proprietáriosdas cercanias, do mesmo modo aue na Antiguidade e na Itáliamedieval encontramos a casa urbana dos nobres junto a seuburgo rural. Os habitantes interiores ou adjacentes do burgo,todos eles ou determinadas camadas, estão obrigados diante dogovernador militar da cidade a determinadas tarefas militares,especialmente à construção e reparação de muralhas, sentinelae defesa, e, às vezes, a outros serviços militares importantes(por exemplo, de mensageiro) ou de abastecimento. Na me-dida e no grau em que participa da associação defensivatirbana, o burguês é membro de um estamento. Isso foi de-

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monstrado com especial clareza por Maitland no· caso da In-glaterra:. as casa~ do burgh são, ao contrário do que ocorre~a aldeia, propnedade de pessoas cuja obrigação primordiale defender a fortaleza. A paz militar burguesa encontra-secomo a paz do mercado,. garantida pelo rei ou pelo senho;em favo~ ?O m~~cado da. CIdade. O burgo pacificado e o mer-cado ~OI~tICO-mlhtar da CIdade, lugar de exercício e de reuniãodo exercito e da assembléia dos burgenses, de um lado e deoutro o mercado econômico pacificado da cidade encontram-s~ freqüentemente um p.óximo ao outro num dualisrno plás-tICO. N~m seI?pre separados localmente. Assim, a pnyx áticaera m~~to mais I?o?erna que a ágora que, originalmente, serviua? tráfico economico tanto quanto aos atos políticos e reli-g.osos. E em Roma temos desde há muito o comitium e ocampus Martius junto dos joraeconômicos. Na Idade Médiat~mos, ~m Siena, a. Piazza de! Campo (praça de torneios e.a~nda, 'pIsta de corridas do bairro), adiante do palácio muni-c:pal, JU?t~ ~o mercado, ,que está atrás; e, anaJogamente, nascI?ades islâmicas o Kasbeh, acampamento fortificado dos guer-r~Iros, localm.ente separado do bazar; e na 1ndia meridional aCIdade (política) dos notáveis junto à cidade econôm'ca. Oproblema da relação entre a guarnição, os burgenses da forta-leza, de um. lado, e a população burguesa dedicada às ativi-dades lucr~tIVas, do outro, é muito complicado, porém decisivonas questoes fundamentais da história constitucional urbana.On.de quer que exista um burgo estabelecem-se ou são estabe-lecídos artesãos para cobrir as necessidades da fazenda senho-rial e as dos guerreiros; por um lado, a capacidade de con-sum~ de uma corte guerreira e a proteção que presta atrai oart~ao e, por outro lado, o pr6prio senhor tem interesse ematrair essa ~ente, porque. assim se encontra em situação deb?scar rendulJentos e!ll dinheiro, seja participando dessas ati-vidades atrave~ ~e adiantamento de capital, seja exercendo elemesmo o comercio ou monopol'zando-o, ou, ainda. se se tratade burgos marítimos, participando dos juros, como possuidord~ barcos ou como senhor dos portos, de forma pacífica ouvlOIe?ta: Na mesma s~tuação. se encontram também as pessoasdo séquito ou os vassalos residentes na localidade, se bem queo senhor ou conceda isso voluntariamente ou não tenha outroremédio senão fazê-Io dessa forma para contar com sua boavontade. Nas vel~as c~dades helênicas, como Cirene, vemos nosvasos como o rei assiste à pesagem da mercadoria; no Egitoquando começam as ~otícias históricas sobre o país encon~tra+os a frota comercial rln faraó do baixo Ezito. E muitoespalhado por todas as regiões (mas não somente nas "cida-des"), especialmente na costa (ainda que não s6 nela), porque

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é na costa que se pode controlar mais facilmente o comércio,temos o segu.nte fenômeno: junto ao monopólio do prínc.pedo burgo, cresceu o ínte.esse dos guerreiros da localidade emparticipar dos lucros do comércio, e isso acabou por quebraro monopólio do prínc.pe, se é que existia. Se tal acontecia,e.ntão o príncipe não era mais que um primus inter t{Jqres, ou,Simplesmente, achava incorporado ao círculo das linhagensurbanas paritárias, e participava de alguma forma do comérciopacífico através de capital, que da Idade Média era sobretudocapital de commenda, ou da pirataria e da guerra marítimacom sua própria pessoa; era e.eito por pouco tempo e nessecaso seu poder se encontrava muito limitado. Esse é um fenô-meno que se desenvolveu igualmente nas cidades marítimas daAntiguidade, desde a época homérica, com o trânsito gradualà magistratura anual, como na baixa Idade Média, assim comoem Veneza com respeito aos doges e ~ com uma repartiçãode forças diferente segundo se tratasse de um conde ou vis-c?nde real ou de um bispo ou de qualquer outro senhor daCidade - em outras cidades mercantis típ.cas. Mas deve-se-distinguir - e é o mesmo nos primeiros tempos da Antigui-dade e na Idade Média - entre capitalistas urbanos, interes-sados no tráfico, que dão o dinheiro para o comércio, e no-táveis específicos da cidade, autênticos "profissiona.s" do co-mércio que residem nela, verdadeiros comerciantes, ainda queambas as camadas se entrelacem com freqüência. Porém, comisso nos ad.antamos às explicações que virão depois.

No interior, os pontos de nascimento, foz ou confluênciade rios, pontos semelhantes em uma rota de caravanas (porexemplo, Babilônia), podem converter-se em cenários de de-senvolvimentos semelhantes. O príncipe que habita o. burgo dacidade pode encontrar um competidor, por vezes, no sacerdotedo templo ou no senhor sacerdotal da cidade. Pois os pertencesdo templo, quando se trata de deuses muitos conhecidos.. ofe-recem uma proteção sagrada ao comércio intertribal, quer dizer,não-protegido politicamente, e podem dar origem, portanto; aum estabelecimento de tipo urbano que será sustentado eco-nom'camente pelas receitas do templo, como a cidade princi-pesca é sustentada pelas receitas do príncipe.

Apresenta-se de' forma muito diferente em cada caso ofato de o interesse nas receitas pecuniáriasque lhe proporcionaa concessão de vantagens aos industriais e comerc:antes quese dedicam a suas at'vidades lucrativas independentemente daCorte do senhor,· porém, contribuindo com os impostos paraela, pesar mais ou menos que o interesse de que suas própriasnecessidades sejam cobertas com as forças de trabalho própria

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de que disponha e com o monopólio do comércio; assim comotambém varia muito o tipo de privilégios concedidos no pri-meiro caso. 1:: claro que ao atrair forasteiros mediante taisvantagens o senhor tinha que levar em conta os interesses e acapacidade aquisitiva, que o afetava economicamente, dos re-sidentes que depend.am dele, quer senhorial, quer politicamente.A todas essas diferenças da possível evolução se soma a estru-tura político-militar, que também podia ser muito diferente da-quela associação dedóminação dentro da qual ocorria a fun-dação ou o desenvolvimento da cidade. Consideremos as antí-teses pr.ncipais que decorrem desse desenvolvimento urbano,

Nem toda "cidade" no sentido econômico, nem toda for-taleza qu~, no sentido político-administrativo, supunha um di-reito particular dos habitantes, constitui uma "comunidade".A comunidade, urbana, no sentido pleno da palavra, existe comofenômeno extenso unicamente no Ocidente. Além disso existeem uma parte do Oriente Próximo (Síria, Fenícia, talvez Meso-potâmia), porém só eventualmente em embrião. Para isso' serianecessário que encontrássemos estabelecimentos de caráter in-dustrial-mercantil bastante pronunciado, a que correspondes-sem estas características: 1) a fortaleza, 2) o mercado, 3) tri-bunal próprio e direito ao me!los parcialmente próprio, 4 )caráter de associação, e, unidoa Isso, 5) ao menos uma auto-nomia e autocefalia parcial, portanto, administração a cargode autoridade em cuja escolha -os burgueses participassem dealguma forma. Esses direitos se revestiram no passado da formade privilégios estamentais. Portanto, um estamento * de bur-gueses, como titular desses privilégios, constitui a característicada cidade 1)0 sentido político. ,Avaliadas por essa padrão, sóem parte as cidades da Idade Média ocidental eram "comu-n.dades urbanas", e as do século XVIII numa parte mínima.Porém as da Ásia, talvez com -éxceções isoladas, não o foram,ou só embrionariamente. Todas tinha mercados e eram tam-bém fortalezas. As grandes sedes da indústria e do comérciochinês estavam todas fortificadas, e as pequenas na sua maioriatambém, a contrário do que ocorre no Japão. O mesmo sepassa no Eg.to, Oriente Próximo e India. Também não é raroque as sedes industria's desses países constituam distritos judi-ciais especiais. Na China, Egito, Oriente Próximo e India,foram também sede das autoridades centrais, enquanto isso

, não 'ocorria nas cidades ocidentais dos começos da Idade Mé-

* N. do Org. - A propósito do conceito de cstamcnto ver Es-trutura de Classes e Estratiiicaçào Social, org. por A. R. Berte.Ii, M.Palmeira e O. G. Velho, Textos Básicos de Ciências Sociais, ZaharEd., Rio.

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dia, principalmente no Norte. Mas as cidades asiáticas nãoconheceram um direito material ou processual que fosse própriode seus habitantes como tais, nem conheceram também tribu-nais autônomos. Puderam conhecê-los unicamente na medidaem que as guildas e as castas (na índia), que em geral tinhamseu assento em uma cidade, eram portadoras de ta.s privilégiose tribunais especiais.

Porém essa sede de fato dessas associações era algo juri-dicamente acidental. Era-lhes totalmente desconhecida ou sóconhecida em seus vestígios, a administração autônom~ e, so-bretudo, e isto é o mais importante, o caráter de associaçãoda cidade, e o conceito de "cidadão" em oposição a "rústico",Disso também não havia mais do que embriões. Na China, ohabitante da cidade correspondia jurid.camente a seu clã e,através deste, à sua aldeia nativa, onde se encontrava o templode seus antepassados e com a qual mantinha cuidadosamenterelações, assim como o russo que habitava a cidade e ganhavanela seu sustento continuava a ser juridicamente camponês.No que d.z respeito ao habitante hindu da cidade acontecia,além de tudo, que era membro de sua casta. Os habitantes dacidade eram também .eventualmente, e até geralmente, mem-bros de associações profissionais locais, de guildas e grêmios,que tinham seu assento específico na cidade. Pertenciam, alémdisso, aos distritos administrativos, bairros da cidade, distritosde rua em que a polícia oficial dividia a cidade, e correspon-diam a eles dentro dessas demarcações algumas obrigaçõesespeciais e também, por vezes, alguns direitos. Principalmenteos bairros ou distritos urbanos podiam ser responsáveis soli-dários de serviços litúrgicos, para a garantia da paz, em bene-fício da segurança das pessoas ou outras finalidades policiais.Por essas razões podiam constituir-se em associações com fun-cionários eleitos ou com anciãos hereditários, como ocorria noJapão, onde acima dessas asociações, com sua administraçãoautônoma, havia como instância superior um ou vários corposde administração civil (mashibugyo). Mas não existia um di-reitourbano no sentido da Antiguidade e da Idade Média,nem o caráter corporativo da cidade. De qualquer modo, ficavasendo um distrito adm'nistrativo especial, como ocorreu tam-bém no reino dos merovíngios e dos carolíngios. E muito dis-tante do que ocorria no Ocidente medieval e antigo, onde aautonomia e a participação dos habitantes da cidade nos assun-tos da administração local, em uma localidade, portanto, relati-vamente grande e de tipo industrial-mercantil, era fenômenomais extenso que no campo, nesse caso ocorria exatamente ocontrário. Por 'exemplo, na China, ocorria que a confederação

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dos mais idosos era nesses casos quase onipotente, e desse modoo taotai se via obrigado de fato a contar com sua cooperação,ainda que a lei a desconhecesse. A comunidade de aldeia daIndia e o mir russo tinham atr.buições muito efetivas, que exer-ceram com plena autonomia até os tempos mais recentes, naRússia até a burocratização introduzida por Alexandre lU. Emtodo o Oriente Próximo foram os. "mais idosos" (em Israel,sekenimy, quer d.zer, originariamente os anciãos do clã, mais.tarde os chefes das linhagens de notáveis, representantes eadministradores da localidade e dos tribunais locais. Nada dissoencontramos na cidade asiática, porque regularmente ela era asede dos altos funcionários ou dos príncipes do país e se achavadiretamente sob a vigilância de sua guarda pessoal. Porémera uma fortaleza principesca e, portanto, administrada porfuncionários do príncipe (em Israel, sarim) e oficiais que dis-punham também do poder judicial. Em Israel pode-se acom-panhar muito bem o dualismo de funcionários e anciãos naépoca dos reis. Nos reinos burocráticos chineses triunfou, portoda parte, o funcionário real. :É verdade que não era todo-poderoso. Ao contrário, tinha que levar em conta a voz dopovo com uma freqüência que nos surpreende. O· funcionáriochinês se tornava absolutamente impotente frente às associa-ções locais, prof.ssionais e de clã, quando estas faziam umafrente comum em circunstâncias particulares, e perdia seu cargonos casos em que se Iazia uma séria resistência comum. Aobstrução, o boicote, o fechamento das oficinas e o abandonodo trabalho por parte dos artesãos e comerciantes em caso depressão eram co'sas diárias e limitavam o poder do funcio-nário. Porém, essas limitações foram do tipo muito indeterrni-nado. Por outro lado, encontramos na China e na India certasatribuições concretas das guildas ou de outras associações pro-Iissionais pela necessidade de fato que tem o funcionário elecolocar-se de acordo com elas. Também ocorria que os chefesdessas associações aplicavam -amplas medidas coatoras contraterceiros. Mas, em tudo isso, não se trata senão do poder defato de determinadas associações em determinados casos, queafetam seus interesses concretos de g1'upo. Em geral, não existenenhuma associação comum representando ·uma comunidadedos habitantes da cidade como tais. Esse conceito não existede nenhuma forma. Mais que tudo, falta a qualificação espe-cificamente estamental dos habitantes da cidade, Nada dissopode ser encontrado na China, no Japão e na India, sendo queno Oriente Próximo só se encontram. germes.

No Japão a organização estamental é puramente feudal:DS samurai (cavaleiros) e os kasi ministeriais (sem cavalo)

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enfrentavam os comerciantes e artesãos grupados, parcialmente,em associações profissionais. Mas faltava o conceito de "cida-dania" assim como o de "comunidade urbana". Na China, naépoca feudal, a situação era a mesma, porém desde a épocaburocrát.ca o letrado que passasse 'nos exames se achava frenteaos diversos níveis de gente iletrada e, além disso, encontramosas guildas de artesãos dotadas de privilégios econômicos. Masfaltava, igualmente, o conceito de "comunidade" e de bur-guesia urbana. Na Ch'na e no Japão, as associações profis-sionais gozavam de' "autonomia administrativa", mas não ocor-ria o mesmo com as cidades, ao contrário das aldeias. NaChina, a cidade era fortaleza e sede adm.nistrativa das autori-dades imperiais e, no Japão, não havia "cidades" nesse sen- .tido. Na India, as cidades eram sedes reais ou oficiais da admi-nistração real, fortalezas e mercados. Além disso, também en-contramos guildas de comerciantes e castas, que coincidemamplamente com as associações profissionais, ambas com umagrande autonomia no estabelecimento e na aplicação do direitopróprio. Mas a articulação hereditária em castas da sociedadena India, com sua separação ritual dos ofic'os, exclui o nasci-mento de uma burguesia urbana, ass'm como de uma "comu-nidade". Havia e há entretanto muitas castas de comerciantese de artesãos com 'um grande número de subcastas. Porém nãoera possível equiparar qualquer uma delas à burguesia urbanaocidental, ao estamento burguês. nem se poderiam azruoar emalgo que correspondesse à cidade grem'al da Idade Média, por-que a segregação das castas entre si impedia ouatouer irman-dade. É verdade. que na época das grandes "religiões de sal-vação" as guildas constituem em muitas cidades uma associaçãocom seus anciãos hereditários à frente (schreschth) e ficamcomo vestígio de então algumas cidades (allahabad) Com umschreschth comum Ílo'q<jverno, que corresponde ao prefeito ouburgomestre ocídentàl=Também na época anterior aos grandesreinos burocráticos '~~exIstiram alzurnas cidades politicamenteautônomas e regidas por um natríc'o recrutado entre os clãsque eauipam o exérc'to de. elefantes. Porém esta situação desa-pareceu completamente depois. O advento da segregação ritualentre as castas rompeu a associação das guildss, e a burocraciareal, unida aos brâmanes, limpou esses embriões e aquelesrestos do Noroeste da Índia.

Na Antiguidade egípcia e no Oriente Próximo, as cidadessão fortalezas ou sedes reais ou oficiais com privilégios de mer-cado concedidos pelos reis. Mas na época dos grandes reinos,elas não possuem autonomia,· regime munic'pal e uma burgue-sia privilegiada como estamento. No Egito, durante o Médio

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Império havia um feudalismo oficial ou administrativo e noNovo uma administração burocrática de escribas. Os "privi-légios das cidades" não eram senão concessões aos titulares dosfeudos ou das prebendas do poder oficial nas localidades cor-respondentes (como os velhos privilégios episcopais na Ale-manha). Mas não em favor de uma burguesia autônoma. Pelomenos até agora não se pode assinalar nenhum embrião sequerde um "patriciado urbano". Na Mesopotâmia e na Síria, prin-cipalmente na Fenícia, encontramos, ao contrário, nos pri-meiros tempos. a típica realeza urbana das praças de comérciomarítimo ou de caravanas, parte de caráter sacerdotal e parte,com ma'or freqüência, de caráter secular, e também encontra-mos o poder, tip'camente em ascensão, das Iinhagens patríciasna "casa-aglomerado" (bitu nas tabuletas de Tell-el-Amarna) naépoca dos combates de carros. A confederação cananéia decidades não era outra coisa senão um agrupamento constituídopelos cavaleiros que combatiam em carros, residentes nas ci-dades, Que mantinham os camponeses na servidão por dívidase na clientela, assim como nos primeiros tempos da oolisgreza, Algo semelhante ocorre, sem dúvida, .na Mesopotâmia,onde o "patrício", quer dizer. o grande burguês possuidor deterras, canaz de armar-se, distineue-se do camponês, e as ca-oírats recebem imunidades e liberdades outorgadas pelos reis.Porém na med'da em Que cresceu o poderio da realeza militarisso também desapareceu. Mais tarde, não encontramos naMesonorâmia nada que se assemelhasse a cidades politicamenteautônomas, a um estamento burguês como encontramos noOcidente. um direito esnecial urbano iunro ao direito real. So-mente os fenícios mantiveram a cidade-Estado com o domíniodo natriciado nroorietário de terras oue participava com seucapital no comércio. As moedas de Tiro e Cartazo com o seucam Zor e o cam Karthechdeschoth dificilmente mencionamum proprietário do demos. e, se isto ocorre, corresnonde auma época posterior. Em Israel, a Judéia foi uma c'dade-Es-tado, mas os sekenim (anciãos) Que dirigiam a adrnin'stracãonas cidades daouela época. como chefes das linhagens na-ríc'as,perdem seu poder na éooca dos reis: 0<;eibborim (cava'e'ros)for=m integrantes do séouito real e soldados, e nas !Fande<;ci-dades, em' contra posição ao campo. díriz'am os funcionáriosrea's t sarim'[, Só depois do cativeiro surge a "comunidade"(kahal) ou a "corporação" (cheber) como instituição sobrebases confessionaís, mas sob o domínio das linhagens sacer-dotais.

De qualquer maneira, encontramos aqui, nas margens doMediterrâneo e no Eufrates, as primeiras analogias reais com

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a polis antiga, algo assim como o estado em que se encontravaRoma na época da admissão da gens Claudia. Sempre ocupao poder um patriciado urbano, cujo poder se assenta econo-micamente nos lucros do comércio e, em segundo lugar, napropriedade da terra e nos esc~~vos por dívidas, e em se~sinvestimentos em escravos, e militarmente na sua preparaçaoguerreira a cavalo: freqüentemente lutavam entre si e, todavia,conheciam associações interlocais com um rei como primusinter pares ou com schojetas ou sekenim ---- como a nobrezaromana com seus cônsules - no Governo, e estavam por vezesameaçados pela tirania de heróis guerreiros carismáticos que ,seapoiavam em sua guarda pessoal (Abimeleque, Jefté, DaVI).Antes do período helenístico, esse estágio não foi superado emnenhum lugar ou não foi superado de forma duradoura.

Também prevaleceu certamente a mesma situação nas ci-dades da costa arábica na época de Maomé, e subsistiu nascidades islâmicas onde, ao contrário do que ocorreu nas gran-des cidades, não se destruiu por completo a autonomia ,d~scidades. e seu patriciado. Parece, pelo menos, que sob o domínioislâmico persistiu muito da velha situação oriental. Encontra-mos então uma autonomia bastante frágil das linhagens urbanasfrente aos funcionários do príncipe. A riqueza das linhagensurbanas, que repousava na participação nas possibilidades delucro que a cidade oferecia e que se achava invest.da na suamaior parte em terras e escravos, era o que servia de base àsua posição no poder, com a qual tinham que contar o prí~-cipe e seus funcionários, independente de qualquer reconheci-mento juríd'co formal, para a execução de suas disposições,tão freqüentemente como o taotai chinês tinha que contar coma possível obstrução dos anciãos do clã das aldeias e das cor-porações de comerciantes e outras associações profissionais dascidades. Porém a "cidade" nem por isso se enquadrava emalgo que se pudesse considerar como uma associação autô-noma. Freqüentemente ocorria o contrário. Tomemos um exem-plo. As cidades árabes, como Meca, .oferecem na Idade Médiae até os umbrais do presente o quadro típico de um estabele-cimento de linhagens. A cidade de Meca, como nos faz ver adescrição de Snouck Hurgronjes, estava cercada de bilad: querdizer, de domínios territoriais dos dewis, dos clãs hassânidasde Ali e outros clãs nobres, ocupados por camponeses, clientese beduínos em situação de protegidos. Os bilad se encontravamaglomerados. Era dewis todo clã no qual algum antepassadohavia sido cherij. O cherii, por sua vez, pertencia desde o ano1200 à família Katadahs de Ali, e segundo o dire.to oficialtinha que ser nomeado pelo governador representante do Caliía

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(que freqüentemente não era um homem livre e no tempo deHarum-al-Raschid era um escravo berbere), porém de fatoera eleito dentre as famílias qualificadas pelos chefes dos dewisestabelec.dos em Meca. Por esta razão, e porque a residênciaem Meca oferecia oportunidades para tomar parte na explo-ração dos peregrinos, os chefes de clã ou emires viviam nacidade. Existiam entre eles "acordos" acerca da paz e da di-visão de todas as possibilidades de lucro, mas esses acordoseram revogáveis a qualquer momento e sua revogação signifi-cava o reativamento da luta fora e dentro da cidade, servindo-sede suas tropas de escravos. Os vencidos em cada ocasião tinhamque abandonar a c.dade e, todavia, em virtude de subsistentecomunidade de interesses das linhagens inimigas diante daspessoas de fora, existia a "cortesia", mantida pela ameaça daind.gnação geral, incluída a dos próprios partidários, de resnei-tar os bens e as vidas dos familiares e clientes dos desterrados.Na época moderna, encontramos em Meca como autoridadesoficiais: 1) um conselho administrativo de tipo colegiado ins-tituído pelos turcos.jmas que existia só no papel (medschlis);2) como autoridade efetiva: o governador turco que represen-tava o papel de "senhor protetor" (antes esse cargo era exer-cido quase sempre pelos governantes do Eg.to ) ; 3) os quatro

, cadis dos ritos ortodoxos, sempre cidadãos proeminentes vindosdas famílias (schfitas) mais distintas, durante séculos prove-nientes de uma só famíl'a, nomeados pelo cherii ou propostospelo senhor; 4) o cherii, ao mesmo tempo chefe da corpo-

, ração aristocrática da cidade; 5) os grêmios, especialmente osde guia e 199o após os de comerciantes de carne, de grãos eoutros; 6) o bairro urbano com seus anciãos. Essas autori-dades concorrem entre si sem atribuições fixas. Um recla-mante procura a autoridade que lhe pareça mais favorável ecuio poder seja mais efetivo frente à parte contrária. O gover-nador da cidade não podia impedir a apelação ao Cádi, queconcorria com ele em todos os assuntos em que estava impli-cado o dire-to eclesiástico. O cherij ese a autoridade própriapara os nativos; o governador se entregava à sua boa dispo-sição em todos os assuntos que d'ziam respeito aos beduínose às caravanas de peregrinos, e a corporação dos nobres eratão importante nesta como em outras cidades e distritos árabes.No século IX, encontramos um desenvolvimento que lembraum pouco as circunstâncias ocidentais nas lutas entre os tulu-nidas e os dschaieridas em Meca, com a posição que as guildasdos comerciantes de carne e de grãos tiveram um peso deci-sivo, enquanto na época de Maomé não teve importância senãoa posição, adotada ~las nobres linhagens coraichitas. porém

CONCEITO E CATEGORIAS DA CIDADE 89

nunca surgiu um governo de guildas; as tropas de escravossustentadas com os lucros das estirpes urbanas assegurarama estas uma posição decisiva, assim como no Ocidente medie-val o poder efetivo nas cidades italianas tendia a cair nasmãos das estirpes de cavaleiros representantes do poder militar.Em Meca faltava a associação que converterra a Cidade emunidade corporativa, e nisso reside a diferença característicaem relação ao synoikismo da polis antiga e à commune dosprimórdios da Idade Média na Itália. POFém, quanto ao resto,há motivos suficientes para considerar essa situação da' cidadeárabe - se não levamos em conta os traços islâmicos assina-lados anteriormente ou se os transpomos para termos cristãos- como inteiramente típica, para a época anterior às "comu-nidades", em relação a outras cidades marít.rnas mercantis,inclusive as ocidentais.

Até onde alcança o conhecimento seguro dos. estabeleci-mentos asiásticos orientais que tinham as características eco-nômicas da cidade, a situação normal era esta: somente asfamílias ilustres e, eventualmente, as associações profíssiona.s,mas não a burguesia urbana enquanto tal, constituíam o su-jeito de ação da associação. É evidente que a passagem deum estágio a outro é muito gradual. Mas também os grandescentros que abarcam centenas de milhares, e por vezes milhõesde habitantes, oferecem esse quadro. Na Constantinopla bí-zantina da Idade Média, os representantes dos bairros que fi-nanciam (como em Siena as corridas de cavalos) as corridasno circo, são os que representam os partidos, e a rebelião deNica na época de Justiniano originou-se das divisões locais dacidade. Também na Constantinopla da Idade' Média íslâmica- portanto até o século XIX - junto às associações pura-mente militares dos janízaros e dos sipotis e das organizaçõesdos ulemás e dos dervixes encontraremos somente guildas decomerciantes e grêmios como representantes de interesses bur-gueses. porém nenhuma representação da cidade. Na Alexan-

'dria bizantina dos últimos tempos encontramos algo parec'do,já que, junto aos poderes atribuídos aos patriarcas protegidospelos seus belicosos monges, e ao governador protegido porsua pequena guarn'ção, não existiam senão as milícias de bairro,dentro das quais os' partidos circenses dos "verdes" e "azuis"representavam as principais organizações.