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4 Interatividade na publicidade: uma proposta conceitual e uma análise de suas práticas Diante da complexidade dos arranjos sociais e processos comunicacionais contemporâneos torna-se também complexa a tentativa de reflexão e compreensão dos fenômenos que se estabelecem na sociedade, suas características e as consequentes transformações que acarretam. Tomando como base todo o material coletado para análise, este capítulo traz como proposta refletir acerca das diferentes possibilidades de concretização de processos de interatividade nas práticas publicitárias. Para tanto, serão apresentadas formas dimensionais e níveis classificatórios que viabilizarão a distinção qualitativa dessas dinâmicas, sem, no entanto, impor limites rígidos de categorização. Vale ressaltar que a separação em níveis qualitativamente distintos não representa a atribuição de julgamento de valor, uma vez que o critério de valoração de “melhor” ou “pior” processo só poderia ser realizado tendo claramente definida a sua finalidade – melhor para quê? –, o que não representa a proposta deste estudo. Em contrapartida, pretende-se, com isso, levantar questões e sugerir um exercício de reflexão que contribua para uma visão mais apurada das fronteiras que delimitam o significado que carrega o conceito de interatividade, os níveis distintos incorporados a ele, assim como os limites que demarcam as diferenças entre esses níveis. E dessa maneira, observar, levando em consideração o lugar do consumidor, os resultados possíveis nas variadas formas de participação que as práticas publicitárias incitam. Antes, porém, algumas questões importantes serão apontadas ou retomadas por conta de sua relevância para a reflexão proposta.

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4 Interatividade na publicidade: uma proposta conceitual e uma análise de suas práticas

Diante da complexidade dos arranjos sociais e processos comunicacionais

contemporâneos torna-se também complexa a tentativa de reflexão e compreensão

dos fenômenos que se estabelecem na sociedade, suas características e as

consequentes transformações que acarretam.

Tomando como base todo o material coletado para análise, este capítulo traz

como proposta refletir acerca das diferentes possibilidades de concretização de

processos de interatividade nas práticas publicitárias. Para tanto, serão

apresentadas formas dimensionais e níveis classificatórios que viabilizarão a

distinção qualitativa dessas dinâmicas, sem, no entanto, impor limites rígidos de

categorização. Vale ressaltar que a separação em níveis qualitativamente distintos

não representa a atribuição de julgamento de valor, uma vez que o critério de

valoração de “melhor” ou “pior” processo só poderia ser realizado tendo

claramente definida a sua finalidade – melhor para quê? –, o que não representa a

proposta deste estudo.

Em contrapartida, pretende-se, com isso, levantar questões e sugerir um

exercício de reflexão que contribua para uma visão mais apurada das fronteiras

que delimitam o significado que carrega o conceito de interatividade, os níveis

distintos incorporados a ele, assim como os limites que demarcam as diferenças

entre esses níveis. E dessa maneira, observar, levando em consideração o lugar do

consumidor, os resultados possíveis nas variadas formas de participação que as

práticas publicitárias incitam.

Antes, porém, algumas questões importantes serão apontadas ou retomadas

por conta de sua relevância para a reflexão proposta.

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4.1. Enquadramento do conceito

Os estudos que abordam a interação na comunicação midiática representam

importante contribuição para a revisão dos paradigmas predominantes em muitas

postulações e teorias que permaneceram durante longos anos analisando a

comunicação sob o foco da transmissão linear de uma mensagem de um ponto

inicial a um ponto final e, como consequência, o suposto poder daquele que emite

– tendo em vista a ideia de formulação de signos fechados com codificação

comum aos dois pólos – sobre aquele que, simplesmente, recebe uma determinada

mensagem, com sua postura passiva. As variadas interpretações geradas a partir

da reação de cada receptor às mensagens midiáticas podem ser entendidas como

uma maneira ativa de interagir seus repertórios pessoais com o que tais mensagens

apresentam. De fato, não se pode falar em passividade. O comportamento do

receptor não é passivo, mas sim ativo através da produção de sentido e diversas

apropriações das mensagens realizadas na recepção.

De acordo com Jacques Rancière (2010), em princípio, a condição do

espectador é de passividade. O espectador olha o espetáculo e olhar é tido como o

oposto de conhecer, pois quem olha está diante de uma aparência sem saber o que

está por trás dela; e de agir, uma vez que olhar é estar imóvel, sem condições de

intervir. No entanto, o autor chama atenção para o fato de que o espectador que

olha, observa e absorve é o mesmo que produz algo a partir do que vê. Ele

observa, seleciona, compara e interpreta, conectando o que vê com o que já viu

em outros momentos. Olhar é também uma ação e interpretar é uma forma de

transformar, reconfigurar. Portanto, o espectador é um ser ativo.

A recepção pode ser entendida como o lugar de onde se iniciam as

mensagens, onde as interpretações ganham corpo e o sentido se concretiza. O

papel do receptor ganha extrema relevância na medida em que a compreensão da

comunicação se afasta do “modelo mecânico”. Modelo que ignora a produção de

sentido também possível na recepção e entende o comunicar como uma maneira

de levar “um significado já pronto, já construído, de um pólo a outro. Nele, a

recepção é um ponto de chegada daquilo que já está construído” (MARTÍN-

BARBERO, 1995, p.40). O receptor não deve ser visto como aquele que apenas

reage às intenções do emissor de acordo com as expectativas do mesmo embutidas

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no significado das mensagens, conforme aponta Martín-Barbero (1995), mas sim

como elemento que age a partir de suas escolhas e interesses, além das mediações,

novas construções e as interações com os demais receptores.

A questão da postura não passiva do receptor diante das mensagens oriundas

dos meios, principalmente, com estrutura de transmissão para massa, foi reforçada

com importantes reflexões sobre a interatividade na comunicação midiática, como

pode ser observado nos estudos de diversos autores como alguns já mencionados

aqui: Rafaeli (1988), Galindo (2002), Braga (2000), Fragoso (2001), entre outros.

Buscando apresentar elucidações sobre a definição de interatividade, Pierre Lévy

(1999) também contesta a passividade atribuída ao receptor dos meios de

comunicação:

De fato seria trivial mostrar que um receptor de informação, a menos que esteja morto, é passivo. Mesmo sentado na frente de uma televisão sem controle remoto, o destinatário decodifica, interpreta, participa, mobiliza seu sistema nervoso de inúmeras maneiras, e sempre de forma diferente de seu vizinho (LÉVY, 1999, p.79).

Lévy complementa o esclarecimento do conceito da interatividade

pontuando que “a possibilidade de reapropriação e de recombinação da mensagem

por seu receptor [o que demonstra seu papel ativo] é um parâmetro fundamental

para avaliar o grau de interatividade do produto” (LÉVY, 1999, p.79). No entanto,

é importante ressaltar que a interatividade não pode ser entendida, tão somente, a

partir da ideia de ação do receptor, uma vez que a compreensão do conceito não se

resume ao oposto da passividade. Com base nas considerações de Rafaeli (1988),

infere-se que, apesar de todo processo interativo ser constituído pela ação dos

integrantes envolvidos, uma vez que depende exclusivamente disto, nem toda

ação representa a interatividade. Estas ações podem se configurar como formas

quase isoladas, no que tange à relação e afetação entre os pólos participantes,

emissor e receptor, já que o primeiro, na maior parte das vezes, sequer toma

conhecimento das apropriações construídas pelo segundo.

Da mesma forma, a ideia de participação do receptor também não é

suficiente para a definição de interatividade. Participar é “ter ou tomar parte em”,

de acordo com a definição do dicionário Mini Aurélio (FERREIRA, 2010). Sendo

assim, em toda relação de comunicação, o receptor é parte integrante fundamental

e de igual importância do emissor. Conforme já mencionado, é ele o responsável

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por colocar em prática o processo de interpretação da mensagem apresentada, sem

o qual a comunicação não se efetiva. Portanto, sua participação, além da

importância, claramente evidentes não são suficientes para qualificar a diferença

entre os processos comunicacionais de base transmissional e aqueles que abrem

espaço para a bidirecionalidade. A conceituação da interatividade deve ir além,

somando outros atributos.

Contudo, é válido pensar a existência da interação avaliada sob o foco da

relação entre o receptor e o produto midiático, abordagem que se revela, grosso

modo, predominante nos estudos da Comunicação sobre o tema da interação. A

produção de sentido pode ser analisada sob esse aspecto. A interpretação e

apropriação do significado do conteúdo representa a interação do receptor com a

mensagem. De acordo com Braga (2000) não são apenas ações, mas verdadeiras

interações que se concretizam na “edição do material” por parte do receptor do

produto midiático.

É a partir desta perspectiva que Braga defende a ampliação do conceito de

interatividade para além da restrita relação emissor-receptor, englobando também

a relação entre os demais receptores que se constrói a partir do produto.

Os receptores passam a reagir nos seus grupos de participação de algum modo tendo incorporado (por aceitação ou por crítica) tais produtos em seu repertório. Além da evidente difusão de informações e leituras/interpretações do usuário para outros, o processo se coloca ainda como efetivamente interativo na medida em que as próprias leituras e usos feitos do produto são já informados pelas mediações culturais outras em que os usuários se inscrevem, por suas posições e tomadas de posição na sociedade (BRAGA, 2000, p.12).

Essas formas de interação (com o produto e com os outros a partir do

produto), normalmente imbricadas, geram resultados que são ações aferidas nos

diversos processos de verificação de audiência, o chamado feedback. Pode-se

afirmar que os processos tradicionais de transmissão de conteúdo informacional,

em geral, geram fluxos de retorno indiretos, dispersos e delongados (distantes no

tempo e no espaço). De fato, ainda que as interações com o produto, em especial a

aceitação ou não do mesmo por parte do receptor, não representem uma relação

direta com o emissor de um processo comunicacional midiatizado, não se pode

preterir a estreita influência e afetação das reações/ações da recepção na tomada

de decisão do pólo da produção, nos meios de comunicação de massa, em

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especial. Os diferentes produtos midiáticos podem gerar distintas formas de

retorno. Assim, é possível dizer que os resultados das aferições de audiência de

um programa televisivo ou radiofônico são tipos de feedback do público. Como

também no cinema, os números de bilhetes vendidos de um determinado filme

fazem parte do mesmo fenômeno. Ou ainda, a aderência do consumidor a uma

mensagem publicitária, seja através de uma mudança comportamental ou a

aquisição do produto anunciado – neste caso, sabendo que há, ainda mais que nos

demais exemplos, uma série de outros fatores implicados –, também representam,

de alguma forma, um feedback ao emissor/anunciante.

Os casos citados são exemplos típicos de algumas das principais formas de

retorno em tempos de hegemonia das mídias de massa. A ação do receptor estava

limitada a manifestar seu interesse ou a falta dele pelo produto midiático

apresentado, cabendo, quando possível e/ou desejável, um redirecionamento

criativo por parte do produtor para elaboração de nova proposta. À recepção não

cabia a exposição direta de suas vontades, desejos e opiniões revertidos em

resultado de interferência e/ou co-criação.

Dessa forma, o feedback e a interatividade representam dois fenômenos

distintos, ou ainda melhor, de níveis diferenciados de uma mesma realidade

processual. A interatividade é um tipo de retorno dotado de especificidades mais

restritas (RAFAELI, 1988), que se tornou mais evidente, principalmente, com o

surgimento e proliferação de um comportamento mais participativo, impulsionado

pela facilidade trazida pela tecnologia digital e as mídias que a abrigam.

Isso não significa uma classificação dos meios, nem ao menos uma

definição do termo em função das características dos mesmos, uma vez que toda

mídia tem potencial para gerar a interatividade. Pelo contrário, representa uma

análise de recorrência dos processos através do meio. Antes mesmo do advento da

internet, algumas formas de participação/intervenção já ocorriam, por exemplo,

através do envio de cartas ao jornal e posterior publicação, ou ainda, a

participação pelo telefone em programa de rádio ou televisão, entre outras. No

entanto, sabe-se que antes da inserção, no cotidiano dos receptores, das mídias

com “maior” potencial interativo, a importância dada a esse tipo de processo, de

participação mais atuante do receptor, não era considerada relevante. Não havia

grande espaço dedicado, devida abertura e facilidades (demandava outros

recursos, como o telefone), consequentemente, desestimulavam a participação.

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Tais manifestações ganham força a partir das possibilidades de amplitude e

repercussão das vozes pouco expressivas nos retornos da recepção e dos

movimentos sociais direcionados às formas comunicacionais mais participativas e

processos de colaboração.

As condições técnicas e tecnológicas de cada meio, por certo, modificam a

maneira como os indivíduos estabelecem a utilização do próprio meio e relação

com o mesmo, além de transformar os modos de produção e consumo do

conteúdo que circula através dele. Conforme Primo e Träsel,

Isso não é o mesmo que defender algum tipo de determinismo tecnológico (perspectiva que se desvincula de outros condicionamentos sociais, políticos, culturais, etc.), nem adotar impunemente a máxima macluhaniana de que o meio é a mensagem. Mas aceitar que o meio também é mensagem. Se a relação entre homem e técnica é recursiva, o processo comunicacional [...] demanda rearticulações a partir das estruturas tecnológicas em jogo (PRIMO; TRÄSEL, 2006, p.3)

Apesar do papel relevante da tecnologia nas transformações sociais, a

proposta tentadora de pensar a interatividade a partir das características das mídias

deve ser evitada para não reduzi-la, tão somente, às especificidades de cada meio,

conforme parece ecoar muitos discursos com tendência tecnicista. A

interatividade é um processo que depende do empenho e construção dos

participantes envolvidos. Sendo assim, classificar as mídias é um esforço

desnecessário. Seja qual for o meio, é possível promover um processo de troca

entre interagentes, mesmo que para isso seja necessário recorrer a canais

alternativos auxiliares. As mídias chamadas interativas diferenciam-se daquelas

tidas como tradicionais simplesmente pelo fato de possibilitar a realização da

interatividade através de seus próprios canais, o que facilita, agiliza e estimula a

participação. No entanto, como lembra Rafaeli (1988), potencial não é realidade.

Sendo assim, interatividade não é um privilégio exclusivo das mídias ditas

interativas, notadamente as de base digital; assim como uma mídia interativa não é

um pressuposto decisivo para realização da interatividade. Torna-se clara a

compreensão a partir de um objeto concreto. Em princípio, toda mídia de massa

tende à comunicação unidirecional, portanto são consideradas mídias não

interativas; enquanto a internet é tida como mídia interativa por excelência,

trazendo de forma inata em suas possibilidades comunicacionais a interatividade.

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No entanto, conforme mencionado anteriormente, a participação ao vivo de um

ouvinte/telespectador durante a transmissão de um programa de rádio/televisão

pode ser vista como um processo de interatividade, no qual a ação e interferência

mútua são efetivadas, enfatizadas e, ainda, potencializadas pela instantaneidade e

tempo real. Já a oferta de conteúdo informacional em um determinado site, rico

em hiperlinks, que propiciam uma estrutura de leitura não linear, nada mais é do

que saltar e recombinar conteúdos previamente dados – vale ressaltar:

transmitidos –, permitindo ao receptor unicamente construir seu próprio

repertório.

O mesmo pode ser observado na seleção de canais de televisão através do

controle remoto, a ação de “zapping”, que alguns autores consideram os

primórdios da interatividade. É possível apontar significativos limites na

associação do “zapping” à interatividade, esta entendida sob o foco da

permutabilidade de papeis entre emissores e receptores. Conforme ressalta Primo,

“a oferta de um grande número de canais na tevê a cabo [ou mesmo o número

mais reduzido da tevê aberta] garante ao telespectador mais opções de

entretenimento e informação. No entanto os canais disponíveis oferecem tão

somente um fluxo sequencial unilateral [...] sem permitir que eles [os

telespectadores] possam manifestar suas opiniões” (PRIMO, 2008, p.23). Soma-se

a isso o fato de que cada canal, assim como os programas contidos neles,

representam múltiplos emissores aos quais os receptores direcionam seletivamente

sua atenção no momento da escolha, configurando o processo de emissão e

recepção da mensagem em ações isoladas e sem relação direta e interdependente.

A troca de canal se resume, portanto, tão somente na seleção da emissora ao qual

será destinada a audiência, mantendo o processo transmissional de única via.

Para André Lemos (1997), a possibilidade de escolha entre opções de canais

televisivos representa um nível de “interação técnica” que pode ser observada na

análise do percurso tecnológico da televisão. Conforme estabelece o autor, ao

pensar sobre este percurso, é possível verificar “a evolução da interação técnica

em um aparelho de pouca interação social” (LEMOS, 1997, s/n). O primeiro

momento é chamado de “nível 0”. Nele a televisão é em preto e branco e não

possui mais do que dois canais. Para o autor, a interatividade aqui está limitada ao

ligar e desligar do aparelho, aos ajustes de volume, brilho e contraste, ou ainda a

escolha entre apenas duas emissoras. Com o surgimento da TV em cores e mais

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opções de emissoras, a possibilidade de zappear estabelece certa “autonomia da

‘telespectação’”, configurando o “nível 1”. “O “zapping” é assim um antecessor

da navegação contemporânea na “World Wide Web” (WWW ou Web)” (LEMOS,

1997, s/n).

Em continuidade à sua classificação, Lemos diz que o “nível 2” é aquele no

qual outros aparelhos podem ser acoplados à TV (videocassete, câmeras ou

videogames), permitindo a apropriação do objeto TV para outros fins e

temporabilidade diferenciada (assistir a um programa em horário diferente do

momento da transmissão). Restam ainda os níveis “3 e 4”, onde é possível

identificar o que o autor chama de “interatividade de cunho digital”. No “nível 3”,

há interferência do receptor no conteúdo apresentado através da participação pelo

telefone, email, entre outros. Por fim o “4” é o nível da “Televisão Interativa” que

possibilita a intervenção no conteúdo emitido em tempo real1.

A televisão tradicional permite uma interação com a máquina (ligar, “zappear”), sem permitir uma interação direta e mais ampla (que a simples votação por telefone), com o conteúdo das emissões. Embora emissões brasileiras como “Você Decide”, ou “Intercine” sejam interativas num sentido lato2, a interatividade se limita aqui a uma escolha entre duas ou três opções, a partir de ligações telefônicas. [...] A televisão digital interativa pode viabilizar, ao mesmo tempo, interações analógica (com a máquina), digital (conteúdo) e social (LEMOS, 1997, s/n).

Com esta perspectiva, o autor propõe que a interatividade é uma “qualidade

de interação”, ou seja, uma nova forma de “interação técnica”, relacionada às

novas mídias, de cunho “eletrônico-digital” que supera o paradigma “analógico-

mecânico”, possibilitando além da interação com o objeto, também com o

conteúdo e os outros indivíduos (interação social).

Embora as reflexões apresentadas pelo autor, diferentemente da proposta

deste estudo, abordem a interatividade a partir da relação humano-técnica e

apresentem níveis baseados nas características permissivas do objeto, em especial

a televisão, suas considerações contribuem para a análise proposta nesta pesquisa 1 No Brasil, os usos da “TV Interativa” ainda são muito incipientes e as possibilidades de

participação/intervenção do receptor através destes aparelhos parecem limitadas aos recursos tecnológicos agregados a ele (escolhas de câmera, gravações, acesso à internet...) ou às mesmas formas de escolhas de opções pré-definidas.

2 “Ambas são emissões da Rede Globo de Televisão. Em “Você Decide”, o espectador pode decidir, pelo voto por telefone, o final da história. Aqui a escolha se limita a duas possibilidades de desfecho do drama. Já em “Intercine”, os espectadores podem escolher o filme que passará no dia seguinte, escolhendo (também por telefone) a partir de três opções propostas pela emissora” [nota de rodapé do próprio autor] (LEMOS, 1997, s/n).

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em dois aspectos principais: na diferenciação conceitual entre os termos

“interação” e “interatividade” e no que tange à necessidade de qualificar as

diferentes formas de interagir com o objeto, com os outros e com o emissor na

construção e interferência do conteúdo apresentado. Por conseguinte, também

pensar os limites que cercam o conceito de interatividade, tratada aqui sem ignorar

a importância dos sistemas tecnológicos, mas também sem perder o foco das

trocas possíveis entre os agentes humanos do processo comunicacional. As

questões levantadas serão trabalhadas com mais detalhes nos próximos itens.

4.2. Uma proposta de definição do termo

Diante das análises até aqui apresentadas, infere-se que a interatividade não

pode ser definida a partir da postura ativa do receptor, nem da ideia de

participação deste no processo comunicacional, tão pouco com base nas

características da mídia ou sistema informático. O que, portanto, a definiria?

Talvez não haja uma palavra ou expressão única que, de forma simplificada, possa

referenciar da melhor maneira a significação do termo que é considerado mola

propulsora de um novo paradigma da comunicação na contemporaneidade. De

acordo com Arlindo Machado3, os tradicionais meios de comunicação, na

verdade, são meios de distribuição de informação que, normalmente, não têm

espaço para que o receptor possa responder, enviar outra informação e/ou intervir

naquilo que está sendo apresentado. São, portanto, sob este aspecto,

unidirecionais. A interatividade depende de haver um circuito comunicativo

bidirecional. Nicolau (2008) complementa:

Enquanto essas mídias tradicionais constituíram-se em um modelo essencialmente linear de comunicação, com as informações sendo despejadas diariamente junto ao público receptor ou mesmo em um modelo circular a partir de retroalimentações estabelecidas por cartas e telefonemas, as mídias da atualidade baseiam suas atuações, cada vez mais em diálogos constantes, participações e ações interativas (NICOLAU, 2008, p. 3).

3 Estes apontamentos de Arlindo Machado foram retirados de uma entrevista do autor,

realizada no VII Congresso da SOPCOM (Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação), na Universidade do Porto, em Portugal, de 15 a 17 de dezembro de 2011. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/videos/videosoi/interacao_e_interatividade_na_tv Acesso em: 26 jul. 2012

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Também no campo da Comunicação, como na Informática, onde o termo

surgiu para enfatizar uma diferença qualitativa de um processo similar que já

existia, é possível pensar a conceituação da interatividade com a finalidade de

apontar a distinção de processos comunicacionais que têm se concretizado através

de outros modelos e formatos. Nestes processos, é evidente a ação e participação

mais efetiva do receptor baseada na construção bidirecional, na qual todas as

partes integrantes da relação comunicacional se afetam de forma direta e mútua.

Para entender tal diferença qualitativa é necessário esclarecer a compreensão

distintiva dos termos “interação” e “interatividade” que direcionam as reflexões

deste estudo. Enquanto a interação é comumente utilizada para se referir a todo

tipo de ação e troca entre partes envolvidas em um dado processo, inclusive em

diversas outras áreas do conhecimento, a interatividade, pensada sob o foco da

comunicação, pode ser entendida como um termo a fim de qualificar uma

diferença processual na relação entre os pólos de emissão e recepção, através de

um meio de comunicação. Vale lembrar que a mediação não se refere somente ao

computador, como algumas definições se apresentam, entendendo-a como o

mesmo que “interação digital”. A interatividade abarca os processos entre

interagentes ocorridos através de qualquer meio, podendo, inclusive, envolver

mais de um, no mesmo evento – como o exemplo, já mencionado, da participação

ao vivo de um ouvinte, através de ligação telefônica, em um programa de rádio;

ou ainda, a inserção do conteúdo de carta ou email de telespectadores em

programas de televisão.

Silva, em seus estudos sobre os processos interativos na sala de aula,

enfatiza a necessidade de análise dos conceitos separadamente, pois entende que a

interatividade predispõe a bidirecionalidade (“fusão emissão-recepção”), a

participação e a intervenção. O autor afirma:

Esta perspectiva é para mim muito cara, uma vez que venho pesquisando o "professor interativo" na relação interpessoal em sala de aula. O professor pode se posicionar além da interação com seus alunos, pois essa interação já ocorre "naturalmente" na separação emissão-recepção (SILVA, 1998, s/n).

O mesmo pode ser observado na relação entre emissores e receptores da

produção midiática. O conceito de interatividade, mais do que demarcar as ações

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ocorridas entre pontos estanques, busca enfatizar a natureza relacional destas

partes e a possibilidade de constante troca não apenas de mensagens, mas

também, e necessariamente, de lugares a partir de interferências e afetações

mútuas. A interatividade é um processo realizado através de um meio – o que já a

difere de interação – que vem reforçar uma qualidade específica para além da

interação entendida nos limites da assimilação de mensagens e produção de

sentido e possui como base a bidirecionalidade, configurando-se como um tipo

específico de feedback, para além dos retornos imprecisos e indiretos de

verificação de audiência. Conforme salienta Machado (1988), a bidirecionalidade

de um meio de comunicação é caracterizada pela identificação de um processo no

qual os pólos emissor e receptor “dialogam entre si durante a construção da

mensagem” (Machado, 1988, p.208). Em suma, a interatividade pressupõe pelo

menos duas partes intercambiáveis, sem demarcações fixas e imutáveis de lugares

de emissão e recepção, possibilitando a experiência de intervenção no conteúdo

das mensagens trocadas e necessidade de reaproveitamento e referencialidade nas

sequências comunicacionais. Dessa forma, é possível dizer que a interatividade

depende, mais do que ação ou participação, de uma dimensão de participação

interventiva relacional, ou seja, uma participação com intervenção, estabelecendo

a relação entre os conteúdos trocados e as partes envolvidas, podendo ser

realizada em diferentes níveis.

Outro ponto importante que deve ser destacado é que a interatividade não

deve ser confundida com a interação face a face, nem ao menos compreendida sob

as mesmas diretrizes. Todo processo mediado é alterado de alguma maneira por

essa mediação. As especificidades do meio podem impor – e certamente o fazem

– outra gramática que modificam alguns atributos da relação presencial, como por

exemplo as deixas simbólicas capturadas através de gestos e expressões do outro,

as distâncias de espaço e tempo, ou ainda, os limites estabelecidos pelo esforço

e/ou conhecimento para utilização do próprio meio, entre outras. As ferramentas

interativas de contato interpessoal disponibilizadas na internet parecem buscar

avançar para potencializar os relacionamentos entre pessoas e grupos,

privilegiando a interação social, enquanto tende à quase “transparência” – no

sentido de percepção evidente – da interface, da interação com o objeto mediador.

Conforme observação de Galindo,

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[...] as novas tecnologias poderão contribuir ainda mais na segmentação e na direcionalidade das mensagens, ou seja, a desmassificação dos meios e a possibilidade de uma intermediação semelhante ao processo interpessoal, portanto, mais relacional e próximo do consumidor (GALINDO, 2008).

É com foco voltado para a construção de um relacionamento mais próximo

do consumidor que as marcas vêm direcionando seus objetivos nos últimos

tempos, fazendo uso das possibilidades interativas no estabelecimento da

comunicação com seu público. E as mídias digitais associadas ao sistema de rede

da internet têm se apresentado como um espaço apropriado de integração e

interação, configurando-se como mídias de relacionamento, nas quais podem ser

observados o fluxo constante de comunicação midiática e o desdobramento de

inúmeras conexões. (NICOLAU, 2008). A relação entre produtor e consumidor se

constitui através de um processo entre partes não triviais, com diferentes formas

de mediação e níveis de concretização, colocando em xeque o modelo

transmissional em prol de uma estratégia publicitária que busca criar e manter um

canal direto com o consumidor, incitando mais envolvimento e participação.

Torna-se imperativo evitar a lógica e os espaços publicitários típicos das mídias

de massa, ou seja, “a exibição das mensagens publicitárias em larga escala com a

expectativa de conseguir a atenção de boa parte do público alvo” (PEREIRA &

HECKSHER, 2008). Parece mais apropriada a estratégia da “concentração”:

A estratégia baseada na concentração busca identificar e criar situações e acontecimentos que, em um jogo eficaz de trocas, sejam capazes de atrair e envolver, em torno de um dado evento, um público específico identificado previamente como potenciais consumidores. No caso do contexto da cultura de massa tal estratégia poderia se dar através de feiras ou de exposições temáticas, por exemplo. Dentro do contexto do marketing digital, a estratégia de concentração pode ser ampliada em torno de ações que enfatizem a interatividade, a conectividade e a criatividade [...] A busca por canais interativos de comunicação, que estabeleça um diálogo mais direto com o público, evitando a habitual e invasiva emissão da mensagem publicitária do típico modelo massivo Um - Todos, deverá ser prática cada vez mais comum. (PEREIRA & HECKSHER, 2008, p.9)

Como não poderia deixar de ser, também na observação mais restrita das

práticas publicitárias, a análise do conceito da interatividade deve ser direcionada

às variadas formas e possibilidades implicadas nos processos. Neste âmbito, a

interatividade pode ser estabelecida como um processo no qual é possível

identificar a dependência da intervenção de ambas as partes no produto da

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comunicação publicitária. Tal produto, nessa relação entre marca e consumidor,

pode ser tanto o “objeto” oferecido ao consumo (produto ou serviço), como o

próprio conteúdo da mensagem. Em outras palavras, a participação interventiva

do consumidor pode se concretizar na colaboração para confecção de produtos da

marca anunciante ou na construção da comunicação anunciada. A interatividade

se apresenta, dessa maneira, como um rica ferramenta utilizada para fazer com

que o público receptor participe da produção e essa participação possa ser

mostrada. E ainda, através das ferramentas de compartilhamento disponíveis, a

marca passa a contar com a contribuição de inúmeros consumidores que

propagam, ao mesmo tempo que legitimam, suas mensagens. As plataformas de

redes sociais, ou mesmo a internet como um todo, tornam-se importantes aliadas,

uma vez que propiciam a fluidez de uma mensagem de forma fácil, ágil e “viral”,

unindo importantes elementos que a publicidade precisa para a construção da

comunicação e identidade das marcas anunciantes. Conforme pode ser observado

na análise dos discursos dos publicitários entrevistados, a participação e

possibilidade de propagação são elementos cruciais no contexto da publicidade

regida pelos imperativos da interatividade.

Dito isso, é válido refletir sobre o grau de intervenção na comunicação

inserido na lógica mercadológica, para que se possa verificar as formas e níveis de

participação do consumidor nesse novo contexto que se instaura e reconfigura as

práticas publicitárias. Para tanto será apresentado um modelo classificatório que

reúne os diferentes tipos de concretização de um processo interativo que toma

como parâmetros, principalmente, as partes envolvidas na relação processual e as

possibilidades interventivas nos conteúdos trocados. Antes, porém, é necessário

esclarecer que, por se tratar de uma questão de significativa complexidade, a

interatividade não está sendo aqui avaliada sob formas amplas e abstratas,

tornando-se necessária a delimitação da situação na qual ela se estabelece. Sendo

o foco deste estudo a relação entre emissores/anunciantes e

receptores/consumidores, há de se dedicar maior atenção aos processos que

envolvem tal relação, buscando uma perspectiva de compreensão do conceito sem

desprezar, tão pouco extrapolar esse limite.

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4.3. Modelo de classificação: as diferentes formas de interagir e os distintos níveis de interatividade

A partir de um corpus de quarenta produções publicitárias (ações,

campanhas, anúncios, divulgação em redes sociais, “virais”, entre outros), reunido

no decorrer da elaboração deste estudo, somada às reflexões até aqui apresentadas,

foi possível identificar três dimensões de formas de interagir distintas que cercam

o tema da interatividade nas práticas publicitárias:

1. Interagir com o produto:

Essa primeira forma de interagir compreende as ações entre o receptor e o

produto publicitário. Produto aqui é considerado tanto o conteúdo da mensagem

como o objeto que a veicula, que, em geral, estimula o manuseio. A possibilidade

de apropriação e interferência do receptor se concretiza sob duas instâncias

distintas: na resignificação do conteúdo da mensagem e no manuseio do objeto

mediador, podendo também, de alguma maneira, modificar a mensagem

inicialmente apresentada. A relação se estabelece entre consumidor e mensagem

publicitária, sem apresentar um retorno direto e evidente ao emissor/anunciante. A

reciprocidade se dá nas implicações que uma parte exerce sobre a outra: as ações

do receptor sobre a mensagem e a “modificação” desta, sofrida a partir de tais

ações. Contudo, a essencialidade da troca com o emissor é suprimida, não

havendo reação, nem adaptação, da parte emissora, nesse processo.

Na ação sobre o conteúdo, a possibilidade de apropriação é metafórica, uma

vez que a divergência e consequente (re)produção do sentido proposto, realizada

pelo receptor, em geral não afeta direta e materialmente a mensagem original,

nem o fluxo sequencial de uma dada proposta de comunicação publicitária. A

manipulação é possível de maneira simbólica na resignificação da mensagem

exposta, a partir da decodificação e recombinação do conteúdo apresentado. O

produto oferece, solicita, direciona etc, o receptor interpreta, se apropria, contesta,

“edita”... (BRAGA, 2000).

A segunda instância está relacionada à ação do receptor sobre o objeto

manipulável. Nesse caso, o produto publicitário incita e estimula o manuseio,

fazendo com que a forma e/ou o conteúdo da mensagem se apresente de maneira

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diferente da proposta inicial. O estado original do objeto é alterado com a inserção

de novos elementos e a mensagem é complementada, podendo reforçar ou até

modificar o sentido apresentado inicialmente – quando a intenção é revelar

alguma surpresa – com o resultado da manipulação.

Para ilustrar, são apresentados abaixo dois anúncios, nas Figuras 1 e 2.

Figura 1. Anúncio impresso do carro Peugeot 408 na revista Exame

O anúncio do carro Peugeot 4084 solicita que o leitor bata com força no

local indicado para descobrir por que o novo Peugeot 408 traz mais segurança,

como diz seu texto. Um mini air bag é inflado sobre a imagem do interior do

carro na página seguinte, onde se completa a mensagem com o texto que ressalta o

diferencial de segurança trabalhado no anúncio: “6 air bags com 8 pontos de

proteção para absorver qualquer impacto”.

Figura 2. Anúncio da Bradesco Seguros na revista QuadroRodas em versão para Ipad

4 Anúncio criado pela agência Loducca, veiculado na revista Exame, em junho de 2011.

Video-case do anúncio: http://www.youtube.com/watch?v=0SoM4xks2UQ&feature=player_embedded Acesso em: 15 out. 2012

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A peça publicitária da Bradesco Seguros5 traz o fator surpresa, com

modificação de forma (disposição dos elementos visuais) e conteúdo (a

mensagem). Inicialmente, parece ser um anúncio de um novo modelo de carro.

Aproveitando o próprio movimento de manuseio do Ipad, o deslizar do dedo para

passar as páginas da revista, o carro é chocado contra a lateral do tablet,

simulando uma batida. O carro, então, fica amassado e os elementos que aparecem

revelam o verdadeiro anunciante e o propósito da mensagem. Dessa forma, o

anúncio chama a atenção para os eventos inesperados e apresenta a solução com o

plano de seguro da Bradesco.

Ambos tentam despertar o interesse com o propósito inusitado, diferenciado,

envolvendo o receptor com a mensagem a partir de algum tipo de participação

para além da leitura e assimilação do conteúdo informacional. A possibilidade de

interferência e alteração do produto publicitário ocorre sob a forma de um sistema

fechado, ou seja, uma determinada ação do receptor é estimulada para que seja

completada a ideia inicial ou desvendado algum propósito, novo elemento, objeto

etc. O produto passa, então, a se apresentar de modo alterado, porém com

resultado pré-organizado e estabelecido, sempre dentro dos limites previstos.

Campanhas publicitárias que usam aplicativos e jogos criados

exclusivamente para divulgação de suas mensagens, através dos recursos do

entretenimento – os chamados advergames –, também se enquadram nessa

categoria. Como exemplo, pode ser citada a campanha de lançamento do carro

Vectra GT Remix6, cuja estratégia de divulgação contou, principalmente, com a

integração de ações na web e impressos em revistas segmentadas (Figura 3).

A versão do novo modelo do carro tinha como público alvo jovens que

gostam de música eletrônica, “baladas”, games e situações que estimulam a

adrenalina. Como estratégia, foi criado um hotsite exclusivo para divulgação da

campanha que utilizou uma música remixada por três DJ’s famosos e um jogo de

corrida de carro para atrair esse público. O aplicativo, baseado na tecnologia de

Realidade Aumentada7, permitia a integração do impresso com o digital. Para

5 Anúncio criado pela agência AlmapBBDO veiculado na revista QuatroRodas, versão para

Ipad, em maio de 2012. Video-case do anúncio: http://www.youtube.com/watch?v=lJVqlAMTU4g Acesso em: 15 out. 2012

6 Campanha criada pela agência McCann Erickson, lançada em março de 2009. Video-case da campanha: http://www.youtube.com/watch?v=8brDL0t42tY Acesso em: 15 out. 2012

7 Um recurso gráfico que, a partir da leitura de um código colocado em frente à webcam, é capaz de reproduzir uma imagem em três dimensões sobre a imagem do ambiente concreto que

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jogar, era necessário ter em mãos um código/marcador disponibilizado no anúncio

da campanha, veiculado em algumas revistas, e também no site, para baixar e

imprimir. O impresso continha, além do código, o desenho de um volante que, ao

ser capturada a imagem pela webcam, transformava-se em um carro virtual,

combinando elementos virtuais e concretos e possibilitando a transferência para

um novo ambiente. Dessa forma, ao internauta podia realizar um test drive

(simulado no ambiente online) no novo Vectra. A pontuação alcançada de acordo

com a habilidade do jogador liberava as três opções da música Take on me

remixada pelos DJ’s, para escolher a versão preferida e baixar o arquivo em mp3

para o computador.

Figura 3. Anúncio de revista8 e imagens do aplicativo criados para campanha de lançamento do Vectra GT Remix

A manipulação tátil e o desafio de um jogo proporcionados pela tecnologia

parecem gerar sensação de aproximação e afetividade com a marca e o produto

anunciado. O envolvimento e a participação, intelectual e sensorial, do usuário,

em aplicativos e jogos eletrônicos diversos, é indispensável para o funcionamento

dos mesmos e a realização da comunicação propositada nele. Dessa forma, é

possível capturar e prender por mais tempo a atenção do receptor, mantendo-o

imerso no conjunto de significados que a marca produz e representa, traduzidos no

conteúdo da mensagem que está sendo transmitida, explicita ou implicitamente,

nesse universo.

Também fica claro, nesse exemplo, que a interação ocorre entre receptor e

objeto, revelando o que Lemos chama de “interação técnica”. As produções da

está sendo capturada. Esse objeto é visualizado em todas as direções e se move de acordo com o manuseio do aparato, onde se encontra o código, nas mãos do usuário. Para mais informações, acesse: http://realidadeaumentada.com.br/

8 Texto do anúncio: Este é o primeiro test drive feito através de uma revista. Tem webcam? Acesse www.chevrolet.com.br/gtremix e dirija o Vectra GT com este anúncio.

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recepção continuam limitadas à relação restrita com o produto e a mensagem

construída sob um sistema fechado, ainda que esta seja apresentada em um

processo sequencial de comandos e retornos do sistema informático. A interação

com a marca emissora ocorre de forma menos concreta e mais simbólica, uma vez

que as trocas são, na verdade, uma imbricação do repertório de significados do

receptor com aqueles presentes na comunicação proposta.

Machado (1988), ao tratar dos jogos eletrônicos, entende que estes

solicitam a resposta do jogador/espectador (resposta inteligente em alguns casos; resposta mecânica na maioria dos outros), mas sempre dentro de parâmetros que são “as regras do jogo” estabelecidas pelas variáveis do programa (MACHADO, 1988, p.26).

Não há dúvidas que as interações dos seres humanos com os aparatos

técnicos são – como sempre foram – de extrema importância para o

desenvolvimento de capacidades e habilidades diversas, a formulação do

conhecimento e a estrutura do pensamento humano9. Diversos teóricos destacam

que as tecnologias de informação e comunicação contemporâneas estão mais

complexas, demandam uma atuação mais ativa e, com isso, estimulam um

refinamento na capacitação cognitiva de seus usuários (JOHNSON, 2005;

JENKINS, 2009). Contudo, é necessário destacar que não cabe nos limites desta

pesquisa o aprofundamento dessas questões, uma vez que o foco das reflexões

propostas está centrado nas possibilidades de participação, intervenção e

contribuição na construção das mensagens midiáticas que se instauram na relação

entre emissores e receptores – mais especificamente entre marcas e consumidores.

Esse ponto se revela de fundamental importância para as reflexões acerca das

produções e consumo de conteúdo midiático, onde entende-se que deve estar

posicionado o cerne do conceito da interatividade, sob a perspectiva dos estudos

da comunicação.

9 Para mais informações ver MATURANA & VARELA, 1997; BRUNO, 2002 e VAZ,

2002.

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2. Interagir com os outros consumidores a partir do produto:

A segunda forma de estabelecimento da interação tem como especificidade

as trocas simbólicas sociais que ocorrem a partir de um determinado produto

midiático. Conforme menciona Braga, “os receptores passam a reagir nos seus

grupos de participação de algum modo tendo incorporado (por aceitação ou por

crítica) tais produtos em seu repertório” (BRAGA, 2000, p.12).10

A publicidade sempre foi, em alguma medida, fascinante e envolvente, com

forte potencial de promover a interação entre os indivíduos. Seu discurso,

inevitavelmente, serve como mola mestra das conexões simbólicas entre

indivíduos e grupos, ordenando a sociedade. Sua narrativa explica formas de

sociabilidade, orientando sobre o que, onde, de que maneira e em que momento

consumir, em cada grupo social (ROCHA, 1990). Dessa forma, o produto

publicitário circula entre os indivíduos implícita ou explicitamente.

A prática de trocar informações e dividir experiências sobre produtos e

mensagens publicitárias, o chamado boca a boca, é um fator de fundamental

importância para a construção e propagação da comunicação e imagem de uma

marca anunciante, conforme já abordado no capítulo anterior quando mencionado

o ponto de vista dos entrevistados com relação ao potencial de proliferação entre

consumidores. As mídias digitais conectadas em estrutura de rede intensificam

esse potencial, somando atributos de facilidade, velocidade, instantaneidade e

longo alcance.

A partir da necessidade que os indivíduos possuem de estabelecer contato e

interagir com os outros, a publicidade faz uso das ferramentas disponíveis para

promover o compartilhamento espontâneo. Campanhas “virais” e ações

promocionais em plataformas de redes sociais na internet são alguns exemplos de

práticas publicitárias cujo aspecto principal não é, exatamente, a divulgação do

produto, mas sim a circulação da mensagem e o conjunto de valores simbólicos

embutidos na marca, seduzindo e envolvendo o consumidor de modo que ele se

torne, pelo menos naquele instante, uma âncora propagadora na sua rede de

contatos. 10 Os apontamentos de Braga são observados neste estudo e considerados bastante

relevantes para as reflexões propostas. No entanto, é necessário esclarecer que recorre-se a eles parcialmente, uma vez que sua compreensão de interatividade engloba todos os processos aqui citados, o que destoa do entendimento desta pesquisadora.

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A campanha da Nissan, Pôneis Malditos11, apostou no potencial de

“viralização” de vídeos e aplicativos na web para divulgação de sua marca e o

conceito de sua picape Frontier. O filme publicitário feito para televisão teve uma

versão estendida para internet12. O conceito trabalhado foi a potência do motor do

carro da Nissan que possui cavalos, enquanto os carros de seus concorrentes

teriam apenas “pôneis”, os “pôneis malditos” que gostam de atolar na lama. Os

aspectos de humor e incômodo, ao mesmo tempo, provocado pela cantoria dos

pôneis com vozes infantis, são os elementos explorados nas redes sociais, com

foco no efeito proliferador. No vídeo, disponibilizado no canal oficial da marca no

Youtube, ao final do filme, o singelo e simpático pônei rosa transforma-se em uma

figura demoníaca para ameaçar o espectador: “Se você não passar este vídeo

agora para dez pessoas, você vai sofrer a maldição dos pôneis e ficará o resto da

vida com essa música na cabeça” (Figura 4).

Figura 4. Cenas do filme publicitário e vídeo para internet da campanha Pôneis Malditos, da Nissan

Para fomentar ainda mais a “viralização”, também fez parte da campanha

um aplicativo para o Facebook, chamado Maldição do Pônei (Figura 5). Os

usuários que “pegavam a maldição”, deviam se livrar dela enviando outra para

seus amigos, escolhendo entre as “maldições” pré-definidas ou criando sua

própria. O amigo “contemplado” recebia, então, por cinco dias um post da Nissan

indicando para acessar o aplicativo e também se libertar dos Pôneis Malditos.

11 Campanha criada pela agência Lew&Lara/TBWA, realizada em agosto de 2011. 12 Versão do vídeo disponibilizado na internet:

http://www.youtube.com/watch?v=X3yGSJE53kU Acesso em: 15 out. 2012.

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Como nossas pesquisas detectaram baixa lembrança da marca entre os consumidores brasileiros, queríamos um comercial que fosse alegre, divertido, que as pessoas sentissem prazer em comentar com os amigos no boteco, além de ser recomendado nos e-mails e nas redes sociais (Murilo Moreno, diretor de marketing da Nissan do Brasil). 13

Como resultado, a campanha teve mais de cinco milhões de acessos ao

vídeo no Youtube em uma semana e permaneceu por alguns dias com a hashtag

#poneismalditos compondo a lista de Trending Topic do Brasil no Twitter. O

intenso compartilhamento possibilitou a circulação da marca e dos conceitos do

produto entre os consumidores, explorando a força de influência da rede de

convivência social online.

Figura 5. Página do Facebook da campanha Pôneis Malditos, da Nissan

Além da circulação e fixação de mensagens, outro fator de extrema

importância para as marcas na interação entre os consumidores diz respeito às

decisões de compra. Muitas pesquisas já demonstraram a relevância da opinião de

13 Informação retirada do site http://blog.konfide.com.br/%E2%80%9Cponeis-

malditos%E2%80%9D-a-reacao-e-viralizacao-da-nissan/ Acesso em: 15 out. 2012.

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outros consumidores, de círculo de amizade estreito ou não, no momento de

escolha e aquisição de um determinado produto.

Sabendo disso, a C&A realizou uma ação, dentro de uma de suas lojas, que

trazia um aplicativo capaz de integrar os ambientes das lojas e das redes sociais,

além de promover a interação entre suas consumidoras através de um processo de

recomendação. Chamada C&A Fashion Like14, a ação consistia na exposição, com

um sistema de sincronização via internet dentro do cabide, do número de

“curtidas” (Facebook) que cada peça de roupa da nova coleção recebeu. Trazendo

como mensagem “Quem não gosta de dar um palpite na hora de escolher uma

roupa? O seu pode ajudar muito”, a marca fez uso do poder de influência do

coletivo no processo de aquisição de produtos. Explorando a ideia de aprovação e

recomendação de outras pessoas na decisão de compra da peça de roupa, a

mensagem é reforçada na própria ação que ela incita: “curtir” o produto na página

do Facebook da C&A. (Figura 6).

Figura 6. Ação Fashion Like, da C&A

Práticas publicitárias que se enquadram nessa classificação não apresentam

uma participação direta e efetiva do consumidor na comunicação de uma

determinada marca. No entanto, é possível dizer que, ao compartilhar e fazer

circular o conteúdo comunicacional de um anunciante, em alguma medida, o

consumidor está contribuindo para a construção da imagem dessa marca. Ao

conteúdo circulante é somada, inevitavelmente, a impressão de quem o

compartilha, atribuindo um valor pessoal, conforme faz saber Cláudia Pereira

(2011). Dessa forma, são legitimados a mensagem, o sentido e os valores

14 Ação criada pela agência DM9DDB (São Paulo), realizada em maio de 2012. Video-case:

http://www.youtube.com/watch?v=K4qdNb6FvGY&feature=player_embedded Acesso em: 15 out. 2012.

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simbólicos ali envolvidos. Ao mesmo tempo que, quanto mais compartilhado,

confere ao membro do grupo prestígio e reconhecimento social (PEREIRA,

2011).

As interações, constituídas pelas contínuas trocas de mensagens, que

ocorrem entre os integrantes de uma rede estabelecem os laços sociais, que, por

sua vez, vão gerar o capital social, ou seja, o valor construído a partir das

interações entre os “atores” (RECUERO, 2009). De acordo com Raquel Recuero,

a interação é o primado fundamental do estabelecimento das relações sociais,

entre agentes humanos, que originarão as redes sociais, tanto no mundo concreto,

quanto no mundo virtual. A publicidade faz uso do poder de persuasão do

discurso inserido na relação entre pessoas que fazem parte de uma mesma rede,

em relações de amizade ou de contato por afinidade de gostos e interesses.

Apesar da sistematização apresentada, não se pretende com isso afirmar a

existência de uma separação lógica e nitidamente demarcada das características

observadas nas práticas publicitária no que diz respeito às formas e possibilidades

de interação e os diversos aspectos relacionados. Embora possa parecer notória a

predominância de especificidades distintas, tais aspectos classificatórios não são

excludentes, ou seja, não eliminam a co-existência de uns e outros em situações e

momentos iguais.

A imbricação de formas de interagir é bastante comum e pode ser observada

em diversas práticas publicitárias, como por exemplo no caso da marca de

refrigerante Guaraná Antarctica15. Na ocasião da data comemorativa dos

namorados, foi lançado um aplicativo para celular, chamado Ex Lover Blocker,

que possuía como finalidade bloquear as chamadas para o telefone do(a) ex-

namorado(a) do usuário, evitando que a pessoa restabelecesse o contato. O

aplicativo solicitava também a seleção de cinco amigos que seriam os

responsáveis pelo “resgate”. No momento de uma recaída, ao tentar efetuar a

ligação, a chamada era impedida. Na tentativa de desbloqueio, dentro de dois

minutos, tempo que os amigos tinham para ajudar e impedir a ligação, surgiam

mensagens lembrando o que levou ao fim do namoro. Se ainda assim a chamada

fosse efetuada, o aplicativo automaticamente publicava posts no Facebook

denunciando a recaída. (Figura 7).

15 Aplicativo criado pela agência DM9DDB, lançado em junho de 2012. Video-case:

http://www.youtube.com/watch?v=di8SbwWJqNQ Acesso em: 15 out. 2012.

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Figura 7. Telas do aplicativo Ex Lover Blocker, Guaraná Antarctica.

Na contramão da comunicação de inúmeras marcas realizada nessa época,

que reproduz um apelo ao romantismo e à felicidade dos casais apaixonados, a

ação revelou-se bastante inusitada, garantindo o sucesso entre os diversos jovens

solteiros que já vivenciaram a experiência de separação de um(a) namorado(a). O

conceito explorado ressalta a importância dos amigos em todas as situações,

principalmente nas mais difíceis como a superação de uma desilusão amorosa.

Dessa forma, pode-se dizer que o uso do aplicativo estimula o manuseio e a

interação com o objeto, além de promover a conexão e troca de experiências entre

os amigos, reforçando os valores de amizade, afeto e sociabilidade que

acompanham a mensagem transmitida e se associam à imagem da marca e do

produto anunciado.

3. Interagir com o emissor/anunciante

Diferentemente dos outros dois tipos apresentados, a terceira e última forma

de interagir engloba aquilo que se entende, neste estudo, como premissa básica

para a conceituação da interatividade: a relação de troca de forma direta,

específica e recíproca entre emissor/anunciante e receptor/consumidor. Conforme

já explorado anteriormente, a interatividade depende do estabelecimento de um

processo bidirecional e tem como condição indispensável a participação

interventiva da recepção na produção. A aplicação do conceito nas práticas

publicitárias se concretiza de diferentes modos, abrangendo variadas

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possibilidades com níveis distintos, observados a partir de determinados

atributos16:

• Bidirecionalidade: é uma característica presente em todos os níveis de

interatividade, uma vez que é inerente à peça publicitária que oferece

algum grau de abertura para participação interventiva do consumidor na

construção de sua comunicação e/ou co-criação do produto oferecido ao

consumo.

• Criatividade e imprevisibilidade: refere-se ao grau de imprevisibilidade

da resposta do receptor, ou seja, o potencial de realização de respostas

criativas, não limitadas e pré-estabelecidas pela proposta

comunicacional do emissor.

• Sequencialidade e reaproveitamento: grau de sequências do fluxo

comunicacional e reaproveitamento das respostas, explícito nas

mensagens subsequentes de uma determinada ação ou campanha

publicitária.

• Totalidade: contribuição do consumidor de forma plena, em outras

palavras, trata-se da intervenção criativa e integral do receptor na

construção do processo comunicacional de uma marca anunciante.

Quanto maior o número de atributos encontrados em um determinado

processo de comunicação publicitária, maior o grau de participação interventiva

do consumidor nesse processo, consequentemente, mais ele se aproxima de uma

forma plena.

Com base na análise dos atributos apresentados, é possível propor uma

classificação que divide a interatividade em quatro níveis possíveis de se

concretizar nas práticas publicitárias:

1º) Interatividade pré-configurada

Processo bidirecional que traz a participação pouco – ou nada – criativa do

consumidor, pois se realiza a partir da escolha de possibilidades pré-estabelecidas,

baseado no modelo estímulo-resposta com retornos previsíveis. A proposta

16 Os atributos apresentados estão baseados nos apontamentos, já explorados anteriormente,

de alguns dos autores referenciados, com por exemplo Rafaeli (1988) e a ideia de sequencialidade, ou ainda, Primo (2008) e suas considerações da interação mútua, entre outros.

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comunicacional não se apresenta completamente dada, pois solicita a intervenção

do receptor para selecionar um caminho dentro das opções previamente definidas.

A sequência depende do ato de escolha. A partir da participação têm-se resultados

distintos, porém já programados. Não há uma produção criativa, nem mesmo uma

alteração da mensagem do emissor inicial ou dos resultados possíveis com ela.

O reaproveitamento da participação pode ser observado na integração do

retorno do consumidor às mensagens posteriores que fazem parte da

ação/campanha publicitária, compondo aquilo que aqui está sendo considerado o

atributo de sequencialidade e reaproveitamento de respostas.

Como exemplo para esse tipo de interatividade podem ser citadas

campanhas que solicitam a escolha de nomes, produtos ou mensagens da marca a

partir de opções pré-definidas apresentadas ao público. Enquadram-se também

aqui ações promocionais com as mesmas características. A sequência

comunicacional se dá na divulgação do resultado da participação do consumidor.

Para ilustrar, pode ser citada a campanha da marca Chamyto, da Nestlé17.

Com o objetivo de inserir e comercializar um novo sabor na linha de produtos do

leite fermentado Chamyto, a Nestlé convidou seus consumidores para participar de

uma campanha de votação, realizada no site da marca através de um jogo

chamado Corrida dos Sabores, direcionado para o público infantil. As opções de

sabores concorrentes eram morango, uva, melancia e tangerina (Figura 8).

Figura 8. Jogo Corrida de Sabores no site da marca Chamyto / Nestlé

No jogo, a criança deveria completar a corrida para que seu voto fosse

computado, seguindo o conceito de vencer desafios para alcançar o que deseja,

trabalhado pela marca. Marcelo Tripoli, CEO da iThink, afirma que o objetivo foi

17 Campanha de junho/julho de 2012, criada pela agência iThink.

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criar uma estratégia de engajamento, fazendo com que a criança permanecesse até

o final da competição para que seu voto fosse validado18. No encerramento da

ação, que aconteceu em agosto de 2012, a Nestlé divulgou o resultado e integrou o

sabor mais votado, uva, na cartela de produtos de sua fabricação.

A ação utiliza como ferramenta persuasiva o entretenimento através de um

jogo eletrônico como forma de envolver o público na sua proposta. A participação

do consumidor é necessária para a realização da ação, no entanto seu potencial de

intervenção criativa esbarra nos limites pré-estabelecidos das opções apresentadas.

A sequencialidade se caracteriza, principalmente no aproveitamento do resultado

da participação/votação para definição do novo produto que irá compor a linha de

produtos da marca.

Para alguns autores que reforçam a necessidade de separação entre

processos reativos e interativos, considerados estanques e não pertencentes a uma

mesma categoria conceitual, o exemplo apresentado não se enquadraria no

conceito de interatividade, mas sim de reatividade. Tal oposição é bastante

relevante para as reflexões da relação entre produtores e consumidores, em

especial na comunicação de massa, uma vez que a separação e o desequilíbrio

entre os agentes é preponderante e evidente. A análise dessa dinâmica relacional

contribui para demarcar as possibilidades qualitativamente distintas desses

processos, principalmente no que se refere ao nível de participação interventiva do

consumidor – o que vem sendo bastante discutido aqui.

Contudo, o mais importante não é negar os processos reativos como

integrantes da compreensão que abrange o conceito da interatividade, uma vez

que parece evidente que tais processos também se apresentam como forma de

participação e interferência mútua entre partes atuantes de um sistema

comunicacional. É, portanto, mais produtivo observar as diferenças qualitativas

que distanciam os diversos mecanismos e, com isso, construir uma base idônea

para percepção e julgamento dos inúmeros produtos rotulados com o termo. Para

tanto, tem-se uma proposta de compreensão da interatividade com níveis

dimensionais qualitativamente distintos, conforme está sendo apresentada neste

estudo.

18 Informação retirada do site http://ccsp.com.br/ultimas/59575/Corrida-dos-sabores Acesso

em: 15 out. 2012.

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2º) Interatividade simplificada

Similar ao primeiro tipo, a interatividade simplificada pode ser definida

como um processo bidirecional através de sequências curtas e retroalimentação

simples, mas com produção criativa do consumidor. O que a difere da anterior,

principalmente, está relacionado à existência de respostas não previstas ou

previsíveis, pois não se trata de resultado de combinação ou escolha de opções

previamente apresentadas. Há uma sequência e um reaproveitamento da

participação do consumidor nas mensagens posteriores da marca, no entanto são

trocas sequenciais consideradas simples, sem desdobramentos. Um processo que

se encerra, basicamente, na resposta do consumidor ou, no máximo, na divulgação

do resultado dessa participação, seja em promoções, concursos ou campanhas que

incitam alguma contribuição criativa do consumidor, mas que não é utilizada

como parte da comunicação posterior da marca.

Como exemplo, podem ser citadas propostas de divulgação através de

promoções via redes sociais, como foi o caso da empresa Submarino com o

lançamento de um concurso de contos, ocorrido de setembro a outubro de 2009

(Figura 9).

Figura 9. Concurso Conte um Conto da marca Submarino

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Com o título Conte um conto. Seu conto vale uma coleção de livros!, a

empresa convidou os seguidores do twitter a criarem um pequeno conto, com

apenas cento e vinte e quatro caracteres e tema sobre literatura, para participarem

da promoção. A história deveria ser enviada para o perfil do @novo_submarino.

Dessa forma, a divulgação da promoção e da marca ficava registrada tanto no

perfil do Submarino, como do próprio seguidor/consumidor, podendo ser

visualizado por todos os seguidores de ambos os perfis. O conto mais criativo,

julgado por comissão interna, venceu o concurso e ganhou um kit com dez livros

de temas diversos. O resultado foi divulgado através de um post no perfil da

marca, como pode ser visto na Figura 10.

Figura 10. Resultado do concurso divulgado no Twitter

3º) Interatividade complementar

É o terceiro nível de interatividade proposto. Nesse modelo, há uma situação

de complementaridade. A interatividade complementar pode ser definida como

um processo bidirecional de sequências comunicacionais que abrangem a

colaboração do consumidor de forma complementar na construção das mensagens

publicitárias da marca anunciante. A participação do consumidor não se dá em

totalidade, mas de maneira parcial, complementando a mensagem original que,

depois de modificada, passa a compor a estratégia comunicacional da empresa,

sendo veiculada. Aqui o processo de troca é efetivo e a interferência do receptor

na produção se concretiza com resultados criativos. O reaproveitamento dessa

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contribuição se faz evidente, uma vez que a participação interventiva se realiza

acrescentando informações à comunicação iniciada pelo emissor.

Uma ação interativa realizada para divulgação da linha de produtos capilares

Natura Plant19 ilustra bem o conceito. Em parceria com o site de venda de

ingressos (Ingresso.com) e o Cinemark, a Natura realizou uma interferência no

momento da compra, para determinadas sessões, perguntando ao consumidor se

um dos ingressos comprados seria para uma mulher. Caso a resposta fosse sim, o

comprador era convidado a gravar um vídeo em homenagem a essa mulher que

assistiria ao filme junto com ele. No total, foram gravados onze depoimentos. Os

vídeos foram acrescentados ao anúncio da campanha da Natura e exibidos nas

sessões onde se encontravam os envolvidos, surpreendendo boa parte das

homenageadas e do público geral. A ação foi filmada, registrando as reações das

mulheres, e transformada em um vídeo para divulgação nos sites das redes sociais

da Natura.

O conceito trabalhado na campanha buscava transmitir a relação especial de

cuidado e capricho que cada mulher brasileira tem com seu cabelo e a importância

disso na construção da sua própria identidade, com seus diferenciais e

particularidades. Entendendo essa relação, a Natura oferece produtos que ajudam

as mulheres na busca pelo melhor tratamento para seu tipo de cabelo. Conforme

afirma o sócio e diretor de operações da Taterka, uma das agências envolvidas na

criação da campanha, “a Natura procura entender os diferentes perfis de suas

consumidoras e a comunicação reforça esse conceito da marca e valoriza a beleza

feminina”20 (Figura 11).

As homenagens foram planejadas como forma de elogio às mulheres e

reconhecimento dessa relação especial com seus cabelos, explorando o apelo

emocional envolvido. A participação dos consumidores que contribuíram com a

produção dos vídeos complementa a mensagem original e reforça seu conceito. Os

aspectos divertido, afetivo, envolvente e emocionante garantiram considerável

grau de atenção e boa repercussão à mensagem publicitária. Além do impacto

positivo e direto nas pessoas envolvidas na ação, os demais receptores também

19 Campanha realizada em outubro de 2011, somente no Cinemark do no Shopping Market

Place, de São Paulo, com criação e execução das agências Taterka e ID\TBWA. Video-case da campanha: http://www.youtube.com/watch?v=xjICQywTMQ4 Acesso em: 15 out. 2012.

20 Informação retirada do site http://natura.comunique-se.com.br/natura_si/show.aspx?id_materia=10173&id_canal=551 Acesso em: 15 out. 2012.

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foram impactados ao presenciar e compartilhar as emoções provocadas, gerando

uma interação social simbólica dentro daquela sessão, assim como uma troca

efetiva – o boca a boca – com outros consumidores para além das salas do cinema.

Figura 11. Ação da Natura no cinema

4º) Interatividade plena

Nesse nível há uma troca efetiva de papéis com influência e afetações

mútuas, além da interdependência das mensagens, as sequências comunicacionais,

os resultados imprevisíveis e as respostas criativas. A interatividade plena é um

processo de bidirecionalidade, com mensagens sequenciais que comportam a

participação criativa do consumidor na comunicação publicitária e/ou na co-

criação de produtos. Nesse tipo se enquadram os processos de colaboração total na

produção de mensagens e definição de novos produtos de uma determinada marca

anunciante.

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Em março de 2011, a Ruffles lançou uma campanha promocional que

convidava os consumidores a criar um novo sabor para as batatas. Com o título

Ruffles: Faça-me um sabor21, a campanha teve quatro fases que acompanharam o

processo da promoção (Figura 12).

Figura 12. Filmes de divulgação da campanha promocional Ruffles: Faça-me um sabor

A primeira contou com dois filmes, Feijões e Repolho22, com veiculação

nacional em TV, além de ações na internet e ponto de venda, para divulgar e

estimular a participação através de inscrições no site. Os consumidores deveriam

definir um sabor para as batatas, sugerir um nome, descrever os principais

ingredientes e enviar uma imagem que ilustrasse a inspiração para criação desse

novo sabor.

Ao final do prazo de inscrições, na segunda fase, uma banca julgadora

iniciou um processo de seleção das três melhores opções. Definidos os sabores

finalistas, foram criadas as novas embalagens e lançadas no mercado. A terceira

etapa divulgou os escolhidos e seus criadores. Nesse momento, iniciou-se a

campanha para chamar os consumidores a experimentar e votar, através do site,

no seu sabor preferido. Por fim, na última etapa foram divulgados o criador e o

21 Campanha realizada pelas agências Bullet e AlmapBBDO, de março a outubro de 2011. 22 Filmes publicitários: http://www.youtube.com/watch?v=fsofn2UJ4zY e

http://www.youtube.com/watch?v=CnveNxdC_Do&feature=plcp Acesso em: 15 out. 2012.

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sabor vencedor, que teve pontuação adquirida por critério de maior número de

vendas e votos, com circulação apenas na internet.

Os três finalistas, com os sabores Strogonuffles, YakissOBAAA! e

HoneyMoonstard, ganharam vinte mil reais em barras de ouro pela participação.

O grande vencedor, Strogonuffles, ficou com o prêmio de mais trinta mil reais,

também em barras de ouro, totalizando cinquenta mil reais, e um por cento sobre

o faturamento líquido gerado pela venda do produto. De acordo com Renata

Figueiredo, diretora de marketing da PepsiCo, é "a primeira vez, no Brasil, que

uma campanha da PepsiCo oferece não apenas prêmios, mas também parte dos

lucros pela participação do público, como um reconhecimento pela sua ajuda.23”

Ao final da promoção, somente o sabor campeão permaneceu fazendo parte da

linha de produtos da marca.

Figura 13. Embalagens dos sabores finalistas

Figura 14. Sabor vencedor da promoção

23 http://ccsp.com.br/ultimas/noticia.php?id=51035 Acesso em: 15 out. 2012.

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Todas as características antes mencionadas podem ser observadas nessa

campanha promocional da Ruffles. A participação interventiva direta e criativa do

consumidor foi fundamental para a realização tanto da promoção em si, como da

comunicação que se desenvolveu na divulgação da campanha. Diferentemente do

caso da marca Chamyto, que trazia opções para seleção de novo sabor, na

promoção da Ruffles a criação foi livre, isenta de possibilidades pré-estabelecidas.

A sequencialidade se concretiza nas diferentes etapas, com o reaproveitamento da

interferência do consumidor, das respostas às solicitações apresentadas,

necessárias para o desenrolar de cada nova etapa. O resultado foi a criação em

parceria de um novo produto que passou a fazer parte da produção em escala da

marca e uma comunicação publicitária que reforça e exalta essa colaboração, com

a exposição clara do participante vencedor e o sabor escolhido pelos próprios

consumidores.

A marca trabalha na campanha aspectos de humor e diversão para estimular

a participação, incentivada também pela recompensa da premiação. A troca se dá

através de um jogo de interesses particulares relevantes para ambos os lados.

Enquanto o consumidor almeja receber o prêmio, além do prazer em se envolver

na competição proposta, a marca anunciante consegue engajamento do público,

visibilidade através do próprios consumidores participantes, explorando todas as

ferramentas que facilitam essa exposição e o incentivo ao compartilhamento,

proximidade com a marca e os produtos anunciados, além de garantir a boa

aceitação do público com relação ao novo produto comercializado.

Diante da classificação apresentada, cabe ressaltar que, assim como as

formas de interagir não são estanques – conforme já mencionado anteriormente –,

os níveis de interatividade também não se apresentam rigidamente delimitados. É

possível encontrar ações/campanhas que se encontram no limite estrito entre dois

tipos, tornando extremamente difícil um enquadramento classificatório preciso.

Vale, porém, o exercício de análise para distinção das inúmeras possibilidades de

concretização da interatividade na publicidade.

Os quatro níveis de interatividade propostos representam, cada um em sua

medida, um certo grau de abertura na produção publicitária para interferência e

contribuição dos receptores. Não se pretende aqui ignorar a evidente intenção

mercadológica das marcas anunciantes com as propostas de estabelecimento de

relação mais próxima do seu público receptor. Sabe-se que o estímulo à

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participação faz parte das estratégias da empresa com foco no estreitamento do

contato com seu consumidor e possível fidelização do mesmo como resultado. A

empresa convida o público a entrar no universo da marca e o estímulo à produção

de informações, por meio de opiniões, sugestões e participações diversas dos

consumidores, é feito de forma estratégica para conhecer, estabelecer contato e

aproximação, relacionar-se melhor e produzir produtos e serviços mais adequados

a perfis individuais.

Vale ressaltar que do outro lado, os consumidores também se alimentam

desse jogo de interesse, interagindo com a marca por afinidade com a mesma e/ou

porque são beneficiados de diversas maneiras nessas trocas, seja através de

premiações e recompensas, para reivindicar melhorias, expor seus desejos ou pelo

mero prazer de se entreter. Ou ainda, conforme aponta Susan Fournier (1998), os

consumidores estabelecem relação com as marcas para se beneficiarem tanto dos

aspectos funcionais e utilitários, como dos valores e significados que a imagem da

marca acrescentam às suas vidas.

Assim como afirma Marcos Nicolau, a base de um relacionamento

mercadológico, no contexto das mídias interativas, é regida “pela necessidade de

ambos os lados fazerem uma negociação satisfatória” (NICOLAU, 2008, p.8). No

entanto, isso não extingue o caráter interativo relacional que se estabelece nessas

novas propostas que fogem do modelo invasivo habitual da comunicação massiva.

Analisar esses fenômenos ajuda a compreender as atuais transformações na

conjuntura comunicacional da sociedade.

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