40a Homilia de S João Crisóstomo

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QUADRAGÉSIMA HOMILIA ssssssssss 29. Se não fosse assim, que proveito teriam aqueles que se fazem batizar em favor dos mortos? Se os mortos realmente não ressuscitam, por que se fazem batizar em favor deles? O Apóstolo toca em outro ponto importante, às vezes sobre as obras de Deus, outras vezes, porém, sobre o que eles próprios praticam, comprovando seus dizeres. Não é pequeno argumento para defesa apresentar os contraditores por testemunhas do que se afirma, empregando aquilo mesmo que eles fazem. O que é, portanto, o que diz aqui? Ou quereis que primeiro explique como adulteram esta frase os infeccionados com a heresia de Marcião? Ora, sei que provocarei muito riso; tratarei, portanto, especialmente do assunto, a fim de melhor fugirdes desse contágio. De fato, se morre um deles ainda catecúmeno, escondem debaixo do leito do defunto um homem vivo, aproximam-se do morto e dirigem-se a ele perguntando se quer receber o batismo. Em seguida, como nada responde, o homem escondido, diz em vez dele, que quer ser batizado; e assim o batizam, em lugar do falecido, como se representassem uma peça teatral. Tanto pôde o diabo sobre almas tímidas. Depois, se acusados, alegam a palavra que afirma ter também o Apóstolo proferido: “Aqueles que se fazem batizar em favor dos mortos”. Viste que coisa ridícula? Acaso merece refutação? Não julgo oportuno, a não ser que se deva também discutir com os loucos o que proferem em delírio. Mas, a fim de que nenhum dos mais simples seja seduzido, é necessário submeter-nos a tal refutação. Se Paulo dizia isso, por que ameaçou Deus ao não batizado? Pois não é possível que doravante alguém fique sem batismo, quando se pensa dessa forma. Aliás, não seria culpa do defunto, mas dos vivos. Cristo disse a alguns: “Se não comerdes a carne do filho do Homem e não beberdes o seu sangue não tereis a vida em vós” (Jo 6,54). Foi aos vivos ou aos mortos? Dize-me, por favor. E ainda: “Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus” (ib. 3,5). Se, portanto, isso se realiza, sem necessidade do consentimento do receptor, nem do assentimento daquele que está vivo, o que impede que gentios e judeus se tornem fiéis, quando após a morte deles, realizem-no outros em seu favor? Mas para não trabalharmos em vão, rompendo mais teias de aranha, expliquemos o sentido dessa sentença. O que diz, portanto,

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Quadragésima homilia de São João Crisóstomo.

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QUADRAGSIMA HOMILIAssssssssss29. Se no fosse assim, que proveito teriam aqueles que se fazem batizar em favor dos mortos? Se os mortos realmente no ressuscitam, por que se fazem batizar em favor deles?

O Apstolo toca em outro ponto importante, s vezes sobre as obras de Deus, outras vezes, porm, sobre o que eles prprios praticam, comprovando seus dizeres. No pequeno argumento para defesa apresentar os contraditores por testemunhas do que se afirma, empregando aquilo mesmo que eles fazem. O que , portanto, o que diz aqui? Ou quereis que primeiro explique como adulteram esta frase os infeccionados com a heresia de Marcio? Ora, sei que provocarei muito riso; tratarei, portanto, especialmente do assunto, a fim de melhor fugirdes desse contgio. De fato, se morre um deles ainda catecmeno, escondem debaixo do leito do defunto um homem vivo, aproximam-se do morto e dirigem-se a ele perguntando se quer receber o batismo. Em seguida, como nada responde, o homem escondido, diz em vez dele, que quer ser batizado; e assim o batizam, em lugar do falecido, como se representassem uma pea teatral. Tanto pde o diabo sobre almas tmidas. Depois, se acusados, alegam a palavra que afirma ter tambm o Apstolo proferido: Aqueles que se fazem batizar em favor dos mortos. Viste que coisa ridcula? Acaso merece refutao? No julgo oportuno, a no ser que se deva tambm discutir com os loucos o que proferem em delrio. Mas, a fim de que nenhum dos mais simples seja seduzido, necessrio submeter-nos a tal refutao. Se Paulo dizia isso, por que ameaou Deus ao no batizado? Pois no possvel que doravante algum fique sem batismo, quando se pensa dessa forma. Alis, no seria culpa do defunto, mas dos vivos. Cristo disse a alguns: Se no comerdes a carne do filho do Homem e no beberdes o seu sangue no tereis a vida em vs (Jo 6,54). Foi aos vivos ou aos mortos? Dize-me, por favor. E ainda: Quem no nascer da gua e do Esprito, no pode entrar no Reino de Deus (ib. 3,5). Se, portanto, isso se realiza, sem necessidade do consentimento do receptor, nem do assentimento daquele que est vivo, o que impede que gentios e judeus se tornem fiis, quando aps a morte deles, realizem-no outros em seu favor? Mas para no trabalharmos em vo, rompendo mais teias de aranha, expliquemos o sentido dessa sentena. O que diz, portanto, Paulo? Em primeiro lugar a vs, iniciados nos mistrios, quero relembrar a palavra que na vspera vos mandam repetir os que vos iniciam, e ento explicarei o que Paulo quis dizer. Desta forma ficar mais claro. De fato, no fim de tudo, acrescentamos o que agora diz Paulo. E quero proferi-lo abertamente, mas no ouso por causa dos que ainda no foram iniciados. Eles tornam nossa exposio mais difcil, porque nos obrigam ou a no dizer abertamente ou a enunciar-lhes coisas secretas. Todavia, direi, medida do possvel, de modo encoberto e velado. Com efeito, aps o anncio daquelas terrveis palavras msticas e das tremendas regras dos dogmas revelados do cu, acrescentamos tambm no fim, antes do batismo, a ordem de dizer: Creio na ressurreio dos mortos; e tendo tal f, somos batizados. Depois de o confessarmos com os demais, ento descemos fonte das guas sagradas. Relembrando isso, dizia Paulo: Se os mortos realmente no ressuscitam, por que te faz batizar em favor dos mortos?, isso , dos corpos. s batizado porque acreditas na ressurreio do corpo morto, ou melhor, que no continua morto. Tu, na verdade, confessas por palavras a ressurreio dos mortos; o sacerdote, porm, como que em determinada imagem, mostra na realidade aquilo em que acreditaste e confessaste por palavras. Ao acreditares sem o sinal, ele apresentar-te- igualmente o sinal; quando fizeres o que te cabe fazer, ento Deus igualmente conceder-te- maior certeza. Como? Atravs da gua. Ser batizado, pois, mergulhar, em seguida emergir sinal da descida s regies inferiores e subida de l. Por isso Paulo tambm chama o batismo de sepulcro, nesses termos: Pelo batismo ns fomos sepultados com ele na morte (Rm 6,4). Desta maneira tambm torna crvel a realidade futura, isto , a ressurreio dos corpos. bem mais apagar os pecados do que ressuscitar os corpos. E enunciando-o, dizia Cristo: Com efeito,que mais fcil dizer: Os teus pecados te so perdoados, ou dizer: Levanta-te, toma o teu catre e anda? (Mt 9,5-6). Na verdade, aquilo mais difcil. Uma vez que no acreditais no que no evidente, e considerais difcil o que mais fcil, isto , a exibio de meu poder, no recusarei apresentar-vos tambm este indcio: Disse ento ao paraltico: Levanta-te, toma o teu catre e vai para casa (ib. 6).

E como, replicas, difcil, se os reis e prncipes podem faz-lo? Eles perdoam a adlteros e homicidas. Ests brincando, homem, ao falar deste modo, pois somente Deus pode perdoar os pecados. Entretanto, os prncipes e os reis, apesar de perdoarem e absolverem a adlteros homicidas, livram do suplcio presente, mas no apagam nem expiam os pecados, mesmo se elevarem os anistiados magistratura, ou at revestirem-nos de prpura, e impuserem-lhes o diadema. De fato, houve reis que o fizeram, contudo no libertaram dos pecados. Somente Deus o faz. Ele o opera no banho da regenerao. A graa toca-lhes a prpria alma, e de l arranca o pecado pela raiz. Por conseguinte, possvel ser srdida a alma daquele que foi perdoado pelo rei; a do batizado, no, porque est mais pura do que os raios do sol, tal como foi criada nos primrdios; ou antes, muito melhor do que ento, porque frui da presena do Esprito que a inflama totalmente e aumenta-lhe a santidade. E como, ao refundires o ouro ou a prata, tu o purificas e renovas, assim tambm o Esprito Santo no batismo fundindo-a como num crisol, e consumindo os pecados, faz com que brilhe mais do que o ouro purssimo. Da, ainda, torna crvel a ressurreio dos corpos. Na verdade, visto que o pecado introduziu a morte e a raiz secou, no se duvida mais da perda dos frutos. Por isso, tendo primeiro mencionado a remisso dos pecados, confessas tambm a ressurreio dos mortos, deduzindo esta daquela. Alm disso, como no basta o nome de ressurreio para explanar tudo (pois muitos dos que ressuscitaram, morreram novamente, como os que ressurgiram no Antigo Testamento, ou Lzaro, ou os ressuscitados por ocasio da crucifixo), manda-se proferir: E na vida eterna, a fim de que ningum pense mais em morte depois daquela ressurreio. Relembrando essas palavras, Paulo pergunta: Que proveito teriam aqueles que se fazem batizar em favor dos mortos? Com efeito, pode-se dizer, se no existe ressurreio, essas palavras so apenas pea teatral. Se no h ressurreio, de que modo os persuadiremos que acreditem naquilo que no damos? Assemelhar-se-ia a algum que ordenasse que se emitisse um recibo para um ou outro credor, mas de forma alguma entregasse o que foi escrito e depois que o recibo tiver sido assinado, exigir o que nele estiver escrito. O que enfim far o que assinou, porque se fez responsvel e no recebeu aquilo que assegurou ter recebido? O mesmo se diga dos que so batizados. O que faro, perguntas, os batizados que subscreveram a existncia da ressurreio dos corpos, todavia no a recebero, mas sero enganados? Haveria necessidade absoluta dessa confisso, se os fatos no se seguissem?