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PROPRIEDADE INTELECTUALPROFESSOR: RONALDO LEMOS

2 EDIO

ROTEIRO DE CURSO 2010.1

Sumrio

Propriedade IntelectualDIREITOS AUTORAIS PRInCPIOS GERAIS .......................................................................................................................................3 DIREITOS AUTORAIS CIRCUlAO DA ObRA, lImITAES E ExCEES ............................................................................................19 lICEnAS PblICAS GERAIS (CREATIvE COmmOnS E OUTRAS) .........................................................................................................33 mODElOS DE nEGCIO DA WEb ......................................................................................................................................................46 SOCIOlOGIA DA PROPRIEDADE InTElECTUAl..................................................................................................................................69 SOfTWARE E SOfTWARE lIvRE ......................................................................................................................................................70 PATEnTES .....................................................................................................................................................................................80 mARCAS ..................................................................................................................................................................................... 105 COnCORRnCIA DESlEAl............................................................................................................................................................. 130 nOmES DE DOmnIO ................................................................................................................................................................... 145 TRATADO DE RADIODIfUSO, bROADCAST flAG, DRm E Tv DIGITAl ............................................................................................... 156 SISTEmA InTERnACIOnAl DE PROPRIEDADE InTElECTUAl............................................................................................................ 164 InDICAO GEOGRfICA E COnHECImEnTOS TRADICIOnAIS: PROTEO AO COnHECImEnTO TRADICIOnAl ASSOCIADO .................... 186 InDICAO GEOGRfICA E COnHECImEnTOS TRADICIOnAIS PARTE II .......................................................................................... 199

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direitos autorais princpios GeraisProf. Srgio Vieira Branco Jnior EmEntrio dE tEmaS

Princpios da proteo; obras protegidas e no protegidas; autoria; direitos morais e patrimoniais.

LEitura oBrigatria

LESSIG, Lawrence. Cultura livre, ed. Trama universitrio. p. 29-52.

LEituraS comPLEmEntarES

ABRO, Eliane Y. Direitos de autor e direitos conexos. So Paulo: Ed. do Brasil, 2002. P. 27-38 e 69-126. NETTO, Jos Carlos Costa. Direito Autoral no Brasil. So Paulo: FTD, 1998. p. 30-78.

1. rotEiro dE auLa 1.1. introduo ao assunto

A complexidade da vida contempornea tornou a anlise e a defesa dos direitos autorais muito mais difcil. At meados do sculo XX, a cpia no autorizada de obras de terceiros, por exemplo, era sempre feita com qualidade inferior ao original e por mecanismos que nem sempre estavam acessveis a todos. Com o avanar do sculo passado, entretanto, e especialmente com o surgimento da cultura digital cujo melhor exemplo a internet, tornou-se possvel a qualquer um que tenha acesso rede mundial de computadores acessar, copiar e modificar obras de terceiros, sem que nem mesmo seus autores possam ter o controle disso. Na prtica, a conduta da sociedade contempornea vem desafiando os preceitos estruturais dos direitos autorais. Conforme veremos adiante, nos itens que tratam das limitaes a tais direitos, a cultura digital permite que diariamente sejam feitas cpias de msicas, filmes, fotos e livros a partir do download das obras da internet, contrariamente literalidade da lei. A fim de supostamente proteger os direitos autorais, so criados mecanismos de gerenciamento de direitos e de controle de acesso s obras, mas tais mecanismos so freqentemente contornados e a obra mais uma vez se torna acessvel. Cada vez mais constantemente, temos assistido contestao judicial do uso de obra de terceiros. Recentemente, a IFPI (sigla em Ingls para designar Federao Internacional daFGV DIREITO RIO 3

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Indstria Fonogrfica) e a ABPD (Associao Brasileira de Produtores de Discos) anunciaram a inteno de processar judicialmente usurios da internet que disponibilizam grande nmero de msicas na rede. V-se, nesse passo, que a grande questo a ser analisada quanto ao estudo dos direitos autorais a busca pelo equilbrio entre a defesa dos titulares dos direitos e o acesso ao conhecimento por parte da sociedade.1.2. abrangncia da lei: obras protegidas

O art. 7 da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais, ou LDA) indica quais obras so protegidas pelos direitos autorais. Seus termos so os seguintes:Art. 7 So obras intelectuais protegidas as criaes do esprito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangvel ou intangvel, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I os textos de obras literrias, artsticas ou cientficas; II as conferncias, alocues, sermes e outras obras da mesma natureza; III as obras dramticas e dramtico-musicais; IV as obras coreogrficas e pantommicas, cuja execuo cnica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V as composies musicais, tenham ou no letra; VI as obras audiovisuais, sonorizadas ou no, inclusive as cinematogrficas; VII as obras fotogrficas e as produzidas por qualquer processo anlogo ao da fotografia; VIII as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cintica; IX as ilustraes, cartas geogrficas e outras obras da mesma natureza; X os projetos, esboos e obras plsticas concernentes geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e cincia; XI as adaptaes, tradues e outras transformaes de obras originais, apresentadas como criao intelectual nova; XII os programas de computador; XIII as coletneas ou compilaes, antologias, enciclopdias, dicionrios, bases de dados e outras obras, que, por sua seleo, organizao ou disposio de seu contedo, constituam uma criao intelectual.

Da simples leitura do caput do artigo acima transcrito, percebe-se que o legislador teve duas grandes preocupaes: (i) enfatizar a necessidade de a obra, criao do esprito, ter sido exteriorizada e (ii) minimizar a importncia do meio em que a obra foi expressa. De fato, relevante mencionar que sero protegidas apenas as obras que tenham sido exteriorizadas. As idias no so protegveis por direitos autorais. No entanto, o meio em que a obra expressa tem pouca ou nenhuma importncia, exceto para se produzir prova de sua criao ou de sua anterioridade, j que no se exige a exteriorizao da obra em determinado meio especfico para que a partir da nasa o direitoFGV DIREITO RIO 4

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autoral. Este existe uma vez que a obra tenha sido exteriorizada, independentemente do meio. A doutrina indica os requisitos para que uma obra seja protegida no mbito da LDA. So eles: a) Pertencer ao domnio das letras, das artes ou das cincias, conforme prescreve o inciso I do art. 7, que determina, exemplificativamente, serem obras intelectuais protegidas os textos de obras literrias, artsticas e cientficas. b) Originalidade: este requisito no deve ser entendido como novidade absoluta, mas sim como elemento capaz de diferenar a obra daquele autor das demais. Aqui, h que se ressaltar que no se leva em considerao o respectivo valor ou mrito da obra. c) Exteriorizao, por qualquer meio, conforme visto anteriormente, obedecendo-se, assim, ao mandamento legal previsto no art. 7, caput, da LDA. d) Achar-se no perodo de proteo fixado pela lei, que , atualmente, a vida do autor mais setenta anos contados da sua morte. Uma vez atendidos estes requisitos, a obra gozar de proteo autoral. No se exige que a obra que se pretende proteger seja necessariamente classificada entre os treze incisos do artigo 7, j que a doutrina unnime em dizer que o caput deste artigo enumera as espcies de obra exemplificativamente. Por outro lado, necessrio que a obra no se encontre entre as hipteses previstas no artigo 8 da LDA, que indica o que a lei considera como no sendo objeto de proteo por direitos autorais.1.3. obras no protegidasa)

O que NO direitO autOral: prOpriedade iNdustrial. muito comum haver confuso, por parte dos leigos, com relao ao objeto de estudo dos direitos autorais e os demais objetos de estudo de matrias afins. A propriedade intelectual classicamente dividida em dois grandes ramos. Um se dedica ao estudo dos direitos autorais, e dentro das disciplinas jurdicas, aloca-se dentro do Direito Civil. O outro ramo chamado de propriedade industrial e tem seu estudo sistematizado principalmente no mbito do direito comercial A propriedade industrial disciplinada no Brasil pela lei 9.279, de 14 de maio de 1996. De acordo com seu artigo 2:Art. 2: A proteo dos direitos relativos propriedade industrial, considerado seu interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas, efetua-se mediante: I concesso de patentes de inveno e de modelo de utilidade; II concesso de registro de desenho industrial; III concesso de registro de marca; IV represso s falsas indicaes geogrficas; eFGV DIREITO RIO 5

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V represso concorrncia desleal.

A propriedade industrial que vulgarmente chamada de marcas e patentes, o que denominao restritiva e insuficiente para delimitar-lhe a abrangncia tem um carter visivelmente mais utilitrio do que o direito autoral. As invenes e os modelos de utilidade, por exemplo, que podem ser objeto de concesso de patente, tm por finalidade, em regra, solucionar um problema tcnico1. Assim, quando o telefone foi inventado, resolvia-se com ele o problema de ser necessrio deslocar-se de um lugar a outro caso se quisesse falar com pessoa ausente. Por outro lado, a composio de uma determinada msica ou a confeco de uma escultura ou de uma pintura no pe fim a qualquer problema tcnico. O que se pretende com essas obras to somente estimular o deleite humano, o encantamento; o que se quer causar emoo.b)

O que O direitO autOral NO prOtege. que fazer cOm as idias? J vimos que o art. 7 da LDA estabelece quais as obras intelectuais protegidas pela lei. No artigo subseqente, a LDA indica o que NO protegido por direito autoral, nos seguintes termos:Art. 8 No so objeto de proteo como direitos autorais de que trata esta Lei: I as idias, procedimentos normativos, sistemas, mtodos, projetos ou conceitos matemticos como tais; II os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negcios; III os formulrios em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informao, cientfica ou no, e suas instrues; IV os textos de tratados ou convenes, leis, decretos, regulamentos, decises judiciais e demais atos oficiais; V as informaes de uso comum tais como calendrios, agendas, cadastros ou legendas; VI os nomes e ttulos isolados; VII o aproveitamento industrial ou comercial das idias contidas nas obras.

As idias so de uso comum e por isso no podem ser aprisionadas pelo titular dos direitos autorais. Se assim fosse, no seria possvel haver filmes com temas semelhantes realizados prximos um dos outros, como alis comum acontecer. Armageddon (Armageddon, dirigido por Michael Bay em 1998) tratava da possibilidade de a Terra ser destruda por um meteoro, mesmo tema de seu contemporneo Impacto Profundo (Deep Impact, de Mimi Leder, dirigido no mesmo ano). No mesmo sentido, O Inferno de Dante (Dantes Peak, de Roger Donaldson, 1997) trata de uma cidade beira da destruio por causa de um vulco que volta atividade, tema semelhante ao de Volcano A Fria (Volcano, de Mick Jackson, 1997). Exemplos mais eruditos podem ser considerados. Ao mesmo tempo em que Charles Darwin escreveu seu famoso A Origem das Espcies, Alfred Russel

Ver BaRBOSa, Denis Borges. Uma Introduo Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: ed. lmen Jris, 2003. p. 337 e ss.1

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Wallace encaminhou ao cientista um tratado com teoria semelhante, o que acabou tendo como conseqncia a publicao conjunta das obras. Ambos tiveram a mesma idia: escrever tratados cientficos a partir de pontos de vistas semelhantes, j que era impossvel, a qualquer um dos dois, apropriar-se da idia ou invocar sua exclusividade por ter-lhe ocorrido a idia primeiro. Diferentemente ocorre com os bens protegidos por propriedade industrial. Quanto a estes, o que se protege, inicialmente, a idia, consubstanciada em um pedido de registro (de marca) ou de patente (de inveno ou de modelo de utilidade). A LDA, inclusive, faz referncia ao fato, ao informar, no ltimo inciso do artigo 8, que no protegvel como direito autoral o aproveitamento industrial ou comercial das idias contidas nas obras. Ou seja: a obra descrevendo uma inveno ser protegida por direito autoral. Mas a inveno, em si, s ser protegida pela propriedade industrial, de acordo com o disposto na lei 9.279/96, se atendidos os requisitos legais de proteo.c)

plgiO (i)? um meNiNO eNtre feliNOs. Em 1981, o mdico e escritor Moacyr Scliar eleito em 2003 para a Academia Brasileira de Letras escreveu um breve romance chamado Max e os Felinos. Nele, um menino alemo chamado Max se via, aps um naufrgio transatlntico (vindo da Europa para o Brasil), dividindo um bote salva-vidas com um jaguar. Cerca de 20 anos depois, o escritor ingls Yann Martel venceu a mais elevada distino literria de seu pas com um livro chamado Life of Pi (publicado no Brasil pela editora Rocco sob o ttulo de A Vida de Pi), no qual um menino indiano chamado Pi se via, aps um naufrgio transatlntico (indo da ndia para o Canad), dividindo um bote salva-vidas com um tigre de bengala. Diante da sinopse das histrias, qual a sua opinio? Yann Martel se apropriou apenas da idia de Moacir Scliar ou houve plgio? Moacir Scliar deveria processar o escritor ingls? Para se ter acesso a entrevistas concedidas por ambos os autores, basta acessar o endereo abaixo: http://www.citador.pt/forum/viewtopic.php?t=2299&start=30&sid=2742b34a 9786d7414c7e19047dbeaa86 plgiO (ii)? uma bicicleta azul. Outro caso interessante envolveu o conceito de originalidade e de pardia, tendo sido apreciado pelos tribunais franceses. Imagine-se esta histria: jovem e corajosa mulher de temperamento forte v sua juventude interrompida pela guerra que explode e divide seu pas. Apaixona-se por um homem que no pode ter e enfrenta os dissabores da guerra tendo que cuidar de uma jovem frgil que engravida do homem por quem a jovem herona se apaixonara. Entre invases de inimigos, exploses e bombardeios, a jovem acaba por se envolver intensamente nos conflitos. Se o leitor acha esta sinopse parecida demais com a de ... E O Vento Levou, no est sozinho. Os tribunais franceses tambm acharam.FGV DIREITO RIO 7

d)

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Rgine Dforges publicou a trilogia A Bicicleta Azul tendo como pano de fundo a II Guerra Mundial e o romance foi grande sucesso de venda tanto na Frana quanto em outros pases, inclusive no Brasil. Ocorre que as semelhanas entre A Bicicleta Azul e o famoso e colossal relato de um drama familiar durante a Guerra Civil dos Estados Unidos, publicado pela primeira vez em 1936 por Margareth Mitchell, foram tantas que Rgine Dforges acabou sendo condenada por plgio pelos detentores dos direitos autorais de ... E O Vento Levou. Assim se pronunciou o tribunal que decidiu2:Baseado no estudo comparativo entre os 2 (dois) trabalhos, claro que o que Rgine Dforges pegou emprestado do trabalho de Margareth Mitchell e incorporou em A Bicicleta Azul perfeitamente identificvel e relaciona-se com os elementos mais importantes do romance da Sra. Mitchell.

Em adio, o tribunal entendeu que Dforges copiara o argumento, o desenvolvimento da idia e a progresso da narrativa, caractersticas fsicas e psicolgicas da maioria dos personagens, a relao entre eles, vrios personagens secundrios, um grande nmero de situaes caractersticas, a composio e a expresso de numerosas cenas e momentos dramticos chave de ...E O Vento Levou 3. Dessa forma, e mesmo tendo alegado que fizera uma pardia das idias contidas no livro clssico sobre a Guerra da Secesso americana, Dforges foi obrigada a pagar a quantia de US$ 333,000.00 (trezentos e trinta e trs mil dlares norte-americanos) aos titulares dos direitos autorais da obra considerada plagiada. O artigo extrado da internet esclarecedor e encerra com algumas consideraes interessantes: O caso foi longo e complicado porque h poucos precedentes. A Lei Francesa probe o plgio, mas autoriza a pardia, forma literria secular definida como imitao humorstica de um texto reconhecvel. Os herdeiros de Mitchell no viram nada de engraado a respeito de A Bicicleta Azul, a despeito das constantes afirmativas de Dforges no sentindo de que seu romance era uma pardia. Eu sei o que plgio e algo ruim, disse Dforges quando o caso foi parar na justia. Desde o incio, A Bicicleta Azul era para ser uma pardia. Nunca disse que era para ser algo diferente. A corte rejeitou seu argumento, dizendo que as diferenas entre os dois trabalhos eram inegavelmente secundrias e irrelevantes, dada a extenso de suas semelhanas. Como se v, o uso que Rgine Dforges fez de ... E O Vento Levou em sua trilogia foi muito diferente daquele que Yann Martel fez da obra de Moacyr Scliar. Dessa forma, o plgio no pode ser inferido apenas porque uma idia que se assemelha a outra. preciso que sejam considerados diversos elementos caractersticas dos personagens, eventos importantes da histria para que o plgio se configure, em anlise inevitavelmente casustica.

Disponvel em http://faculty. uccb.ns.ca/philosophy/115/ originality%20page2.htm. acesso em 18 de julho de 2004.2

Disponvel em http://faculty. uccb.ns.ca/philosophy/115/ originality%20page2.htm. acesso em 18 de julho de 2004.3

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1.4. Quem o autor? uma Pergunta difcil De incio, muito importante fazermos uma distino entre autor e titular dos direia)

autorais. Pela lei atendendo-se, pessOa fsica e pessOa jurdica: quem dONO da Obra? inclusive, a princpio lgico autor s pode ser A LDA categrica pessoa fsica. Afinal, apenas que autor a pessoa criar. Pessoa jurdica no pode cr ao afirmar, em seu artigo 11, o ser humano pode fsica criadora da obra literria, artstica ou cientfica. exceto por meio das pessoas fsicas que a compem, caso em que os autores ser No entanto, o pargrafo nico do mesmo artigo excepciona o princpio ao afirento, as pessoas fsicas. mar que a proteo concedida ao autor poder aplicar-se s pessoas jurdicas nos casos previstos na LDA.Muito diferente, entretanto, a questo da titularidade. Ainda que apenas uma pess fsica possa ser autora, distino entre autor a titularidade De incio, muito importante fazermos uma ela poder transferir e titular dos de seus direitos para qualqu direitos autorais. Pela lei atendendo-se,fsica ou jurdica. Nesse caso, ainda que a pessoa fsica seja pa terceiro, pessoa inclusive, a princpio lgico autor s pode ser a pessoa fsica. sempreapenas o ser humano pode criar. Pessoa jurdica no direitos sobre esta poder Afinal, a autora da obra, o titular legitimado a exercer os pode criar, exceto por meio das pessoas fsicas que a compem, caso em que os aupessoa jurdica ou pessoa fsica distinta do autor. tores sero, ento, as pessoas fsicas. Um exemplo pode da muito esclarecedor. O apenas Paulo Muito diferente, entretanto, a questo ser titularidade. Ainda que escritoruma Coelho poder transferir se pessoa fsica possa ser autora, ela poder transferir a titularidade de seus direitospara a editora responsvel por s direitos econmicos sobre a obra que escreveu para qualquer terceiro, pessoa fsica ou jurdica. Nesse caso,Paulo que a pessoa fsica seja publicao. Nesse caso, o ainda Coelho ser para sempre autor da obra, mas n para sempre a autora da obra, o titular legitimado a exercer os direitos sobre esta exercer pessoalmente o direito sobre sua obra, j que, com a transferncia, quem te poder ser pessoa jurdica ou pessoa fsica distinta do autor. legitimidade para exercer os direitos Coelho poder Um exemplo pode ser muito esclarecedor. O escritor Paulo ser a editora. transferir seus direitos econmicos sobre a obra que poder transferir os direitos para um amigo ou uma pessoa de s Por outro lado, o autor escreveu para a editora responsvel por sua publicao. Nesse caso,Da Paulo Coelho ser para sempre autor da obra, mas o exerccio de seus direi famlia. o mesma forma, continuar a ser autor da obra, mas no exercer pessoalmente o direito sobre sua obra, j que, com a transferncia, econmicos competir a quem recebeu os direitos por meio de contrato uma pess quem ter legitimidade para exercer os direitos ser a editora. fsica, neste segundo direitos para um amigo ou uma pesPor outro lado, o autor poder transferir os exemplo. Essa forma, continuar a relevante obra, mas o exerccio soa de sua famlia. Da mesma distino bastanteser autor dapara refletirmos sobre os propsitos da lei. Embora de seus direitos econmicos competir adireitosrecebeu os direitos por meio de conchame lei de quem autorais, na verdade a LDA protege principalmente o titular d trato uma pessoa fsica, neste segundo exemplo. o autor. direitos, que nem sempre Essa distino bastante relevante para refletirmos sobre os propsitos da lei. O Embora se chame lei de autor no precisa na verdade a LDA seu nome verdadeiro. De fato, a LDA, em seu a direitos autorais, se identificar com protege principal12, que nem sempre se identificar como autor, poder o criador da obra usar seu nom mente o titular dos direitos, dispe que para o autor. O autor no precisa civil, completocom abreviado at por suas iniciais, ade pseudnimo ou qualquer outro si se identificar ou seu nome verdadeiro. De fato, LDA, em seu art. 12, dispe que para se identificar como autor, poder o criador da obra convencional. usar seu nome civil, completo ou abreviado at por suas iniciais, de pseudnimo ou Assim como comum que atores e atrizes usem nomes artsticos, tambm auto qualquer outro sinal convencional. podem se e atrizes usem nomes artsticos, O famoso Assim como comum que atores apresentar com pseudnimos.tambm auto- escritor Marcos Rey, autor res podem se apresentarMalditos Paulistas, O famoso escritor Marcos Rey, autor livros infanto-juvenis tinha p com pseudnimos. Memrias de um Gigol e diversos de Malditos Paulistas,nome verdadeiro Edmundo diversos livrossua vez, o internacionalmente conhecido M Memrias de um Gigol e Donato. Por infanto-juvenis tinha por nome verdadeiro Edmundo Donato. Por sua vez, o internacionalmente Twain se chamava Samuel Longhorne Clemens. O poeta Edward Estlin Cummings conhecido Mark Twain se chamava Samuel Longhorne Clemens. O poeta Edward identificava apenas como Cummings, e o msico Prince Estlin Cummings se identificava apenas como E. E. E. E. Cummings, e o msico Prince Rogers Nelson decid Rogers Nelson decidiu, durante algum tempo, ser identificado por durante algum tempo, ser identificado por (ou, infor(ou, informalmente, o Artista Anteriorme malmente, o Artista Anteriormente Conhecido como Prince). Conhecido como Prince). Para ser identificado como autor de determinada obra, basta que o artista assim se apresente. De acordo com o artigo 13 da LDA, considera-se autor da obra, noFGV DIREITO RIO 9

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havendo prova em contrrio (e a o registro aparece como sendo um fato relevante), aquele que, por uma das modalidades de identificao referidas anteriormente, tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilizao. Tambm ser titular dos direitos autorais quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra cada em domnio pblico, no podendo opor-se outra adaptao, arranjo, orquestrao ou traduo, salvo se for cpia da sua. Nos tempos contemporneos, no entanto, nem sempre fcil identificar-se o autor da obra. Quando se trata de obra realizada por mais de uma pessoa, a questo pode ficar bem complicada. Nem tanto quando for o caso de co-autoria, mas sim quando se tratar de obra construda colaborativamente, quando o conceito de autor se torna fluido e diludo, como veremos nos tpicos a seguir.b)

cO-autOria e Obras cOletivas A questo da autoria das obras fica consideravelmente mais complicada quando se trata da existncia de mais de um autor. Existe co-autoria quando duas ou mais pessoas so autoras de uma mesma obra. A situao extremamente comum quando se trata de msica, sendo trivial a existncia de um letrista que trabalha em conjunto com o autor da melodia. A LDA determina que quando uma obra for feita em regime de co-autoria no divisvel, nenhum dos co-autores, sob pena de responder por perdas e danos, poder, sem consentimento dos demais, public-la ou autorizar-lhe a publicao, salvo na coleo de suas obras completas. Um bom exemplo de obra coletiva indivisvel o livro A Morte do Almirante, escrito por Agatha Christie e outros autores do chamado Detection Club. Trata-se de um romance escrito em cadeia, em que cada autor escreveu um captulo, tentando resolver elementos de mistrio propostos pelo autor do captulo anterior. No Brasil, o mesmo princpio foi usado para a elaborao de O Mistrio dos MMM, escrito por Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Guimares Rosa e Antonio Callado, entre outros. Por obra divisvel, entende-se, exemplificativamente, uma coletnea de contos, crnicas ou poemas, a partir da reunio de textos de diversos autores. Nos casos das obras indivisveis, os autores decidiro por maioria no caso de haver divergncia. Ao co-autor dissidente, a LDA assegura os seguintes direitos: (i) o de no contribuir para as despesas de publicao da obra, renunciando, entretanto, sua parte no lucro e (ii) o de vedar que se inscreva seu nome na obra. Cada co-autor poder, individualmente, mesmo sem o consentimento dos demais, registrar a obra e defender os prprios direitos contra terceiros. A LDA trata ainda dos casos em que no se configura co-autoria. Determina a LDA que no se considera co-autor quem simplesmente auxiliou o autor na produo da obra revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edio ou apresentao. As obras audiovisuais gozam de disciplina legal especfica quanto indicao dos autores. Diz a LDA que so co-autores das obras audiovisuais o autor do assunto ouFGV DIREITO RIO 10

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argumento literrio, musical ou ltero-musical, isto , o roteirista e o diretor. Dessa forma, sero co-autores de um filme o roteirista e o diretor. Se a obra se tratar de desenho animado, sero co-autores tambm aqueles que criam os desenhos utilizados na obra audiovisual. Ainda que o tema venha a ser tratado com maior profundidade nas pginas a seguir, preciso fazer uma breve nota sobre a distino entre direitos morais e patrimoniais. Estes so os chamados direitos econmicos da obra, ou seja, os que autorizam seu titular a explorar a obra economicamente. Aqueles so os que se referem aos direitos de personalidade de autor e garantem que, independentemente de quem exera os direitos patrimoniais, o autor ser sempre referido como o criador da obra. A LDA determina, conforme seu artigo 17, 2, que o organizador da obra coletiva quer seja pessoa fsica ou jurdica exercer a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto. autOria alm dO autOr? cOmO impedir a exibiO de Os dOze macacOs Muitas histrias curiosas podem ser invocadas para se ilustrar como a indstria do entretenimento vem transformando a propriedade intelectual em um fator de limitao criatividade. O excesso de proteo sobretudo nos Estados Unidos acaba por exceder os limites do razovel. Lawrence Lessig cita pelo menos trs casos interessantes4: o filme Os Doze Macacos teve sua exibio interrompida por deciso judicial vinte e oito dias depois de seu lanamento porque um artista alegava que uma cadeira que aparecia no filme lembrava um esboo de moblia que ele havia desenhado. O filme Batman Forever foi ameaado judicialmente porque o batmvel era visto em um ptio alegadamente protegido por direitos autorais e o arquiteto titular dos direitos exigia ser remunerado antes do lanamento do filme. Em 1998, um juiz suspendeu o lanamento de O Advogado do Diabo por dois dias porque um escultor alegava que um trabalho seu aparecia no fundo de determinada cena. Tais eventos ensinaram os advogados que eles precisam controlar os cineastas. Eles convenceram os estdios que o controle criativo , em ltima instncia, matria legal. Como se v, nem sempre o verdadeiro autor da obra tem total ingerncia sobre seu destino. cada vez mais comum a necessidade de realizao do clearing de direitos de obras alheias relacionadas na obra principal. Entende-se por clearing o pagamento pelo uso de obras de terceiros usadas em determinada obra. Exemplo clssico do filme Tarnation (Tormenta, em protugus, dirigido por Jonathan Caouette em 2003), que custou menos de 1.000 dlares, mas teve um custo de cerca de 230.000 dlares de liberao de direitos sobre msicas, filmes e programas de televiso que apareciam incidentalmente no filme.d) c)

Obras cOlabOrativas e O desaparecimeNtO dO autOr O mundo vem vivendo recentemente uma guinada conceitual quanto idia de autor. Primo Levi, escritor italiano, criou certa vez um personagem chamado senhor Simpson, simptico homem de negcios que oferecia em seu catlogo va-

lESSIG, lawrence. The Future of Ideas. new York: Random House, 2001. p .4.4

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riado de produtos, dentre outros, mquinas capazes de produzir, automaticamente, versos das formas desejadas, acerca dos temas escolhidos, dispensando o engenho do autor. Sabe-se que hoje a tecnologia j se encontra bem prxima disso se que no queremos admitir que essa realidade j existe. Pelo menos, diante das artes grficas, os computadores j so capazes da produo independentemente da mo humana. Diante dessas possibilidades revolucionrias, h que se repensar os conceitos de autor e de usurio da obra intelectual. J se entende que o autor no trabalha mais exclusivamente sozinho. preciso compreender quem o autor na sociedade da informao. Vrios so os exemplos que podem ser invocados: h autores que escrevem livros online contando com a contribuio dos leitores; programas de televiso que tm seu curso determinado pelos espectadores; usurios da internet que, diariamente, esto a criar obras derivadas de obras alheias num trabalho infinito e no sem valor artstico e cultural muito pelo contrrio. Em comunho com essas consideraes, h que se destacar, ainda, que os consumidores da arte h muito no exercem mais papel exclusivamente passivo, mas sim atuam de maneira relevante na disseminao das idias, na reinveno do mundo e na integrao das diversas culturas, manifestaes artsticas e criativas. a partir da idia de atuao conjunta que surge a idia das obras colaborativas. O conceito no novo. No entanto, o princpio agora sobretudo uma emanao do avesso do conceito de autor: o direito do autor fica em segundo plano e muitos participam de obras colaborativas porque consideram esta atividade divertida, outros o fazem porque acreditam estar retribuindo conhecimento sociedade, e outros ainda porque passam a se sentir parte de uma iniciativa global, que pode beneficiar diretamente centenas de milhares de pessoas, seno a humanidade como um todo5. Com base nesses preceitos, criou-se a wikipedia, em janeiro de 20016. A wikipedia um grande projeto de criao intelectual que desafia os paradigmas dos direitos autorais. Pondo em xeque os conceitos de autor, de titularidade, de edio e at mesmo de obra, a wikipedia pode ser considerada no mais uma obra coletiva, mas sim uma obra colaborativa. Trata-se de uma enciclopdia online (www.wikipedia.com) em que possvel a qualquer usurio da internet fazer qualquer alterao em qualquer verbete, de modo a torn-lo mais preciso ou mais completo, de acordo com seu julgamento. Sem contar com os problemas engessadores da Enciclopdia Britannica, por exemplo, tais como o tamanho fsico que ocupa, o custo de traduo, impresso e distribuio alm, evidentemente, do tempo gasto para reviso e atualizao, a wikipedia pode ser, ao mesmo tempo, universal e popular. Dessa maneira, conta com verbetes em 205 lnguas e dialetos e com atualidade impressionante. claro que h defeitos, mas especialistas afirmam que a prpria Enciclopdia Britannica os contm em nmero, por amostragem, quase igual. A revista Nature inglesa submeteu anlise de especialistas 50 artigos cientficos da wikipedia e da Britannica. Entre as 42 revises que foram devolvidas revista, o resultado foi

5 lEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura. cit., p .81-82.

conforme a revista poca, n. 401, de 23 de janeiro de 2006. p. 40.6

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que os especialistas apontaram uma mdia de 4 inconsistncias por verbete da wikipedia contra 3 de sua concorrente7. O sistema baseado no conceito de wikis segundo o qual os usurios podem no apenas acrescentar informaes, como nos blogs, mas tambm edit-las, e public-las pode servir a diversos fins de criao. A faculdade de Direito da Fundao Getlio Vargas, no Rio de Janeiro, tem projeto de adotar o sistema para uso dos alunos na elaborao do prprio material didtico conforme as aulas apresentadas em sala. Alm da wikipedia, diversos outros projetos colaborativos encontram-se em curso. Como exemplo, pode-se citar um projeto mantido pela NASA de catalogao das crateras do planeta Marte. O projeto j catalogou, at o momento, mais de um milho de crateras e continua aberto para quem quiser analisar as fotografias do planeta. Outro projeto o Kuro5hin, revista de tecnologia e cultura cuja ntegra da produo editorial realizada atravs de sofisticado trabalho colaborativo8.1.5. direitos morais

Os autores que se dedicaram ao estudo dos direitos autorais indicam que estes so dotados de uma natureza hbrida, dplice ou sui generis. O autor titular, na verdade, de dois feixes de direitos. Um deles diz respeito aos direitos morais, que seriam uma emanao da personalidade do autor e que esto intimamente ligados relao do autor com a elaborao, divulgao e titulao de sua prpria obra. O outro se refere aos direitos patrimoniais, que consistem basicamente na explorao econmica das obras protegidas. Os direitos morais do autor so aqueles que a LDA indica no seu artigo 24. Diz a lei que so os seguintes: a) b) c) d) reivindicar a autoria da obra; ter seu nome ou pseudnimo indicado como sendo o autor da obra; conservar a obra indita; assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificaes ou prtica de atos que, de qualquer forma, possam prejudic-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputao ou honra; e) modificar a obra, antes ou depois de utilizada; f ) retirar a obra de circulao ou suspender qualquer forma de utilizao j autorizada, quando a circulao ou utilizao implicarem afronta sua reputao ou imagem; g) ter acesso a exemplar nico ou raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem. Ao contrrio dos direitos patrimoniais, que regulam o exerccio do poder econmico do autor sobre a utilizao de sua obra por parte de terceiros, o que os direitos morais visivelmente procuram defender a relao do autor com sua prpria obra. Dividem-se em trs grandes direitos:conforme a revista poca, n. 401, de 23 de janeiro de 2006. p. 43.7 8 lEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura. cit., p. 82. Vejam-se os websites http://clickworkers.arc.nasa. gov/top e www.kuro5hin.org.

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indicao da autoria (itens a e b): o autor sempre ter o direito de ter seu nome vinculado obra. Por isso, qualquer remontagem de pea de Shakespeare ter que fazer referncia ao fato de a obra ter sido elaborada pelo escritor ingls, apesar de toda a sua obra j ter cado em domnio pblico; circulao da obra (itens c e f ): o autor tanto pode manter a obra indita como pode retirar a obra de circulao. Uma questo muito discutvel a de autores que deixam expressamente indicada sua vontade de no ter determinado livro publicado aps sua morte e ainda assim seus herdeiros publicamno; alterao da obra (itens d e e): compete ao autor modificar sua obra na medida em que lhe seja desejvel ou vetar qualquer modificao obra. Recentemente, o governo chins informou que no permitiria que o filme Os Infiltrados, do diretor americano Martin Scorsese fosse exibido nos cinemas chineses porque havia no filme referncia aquisio, por parte da mfia chinesa, de equipamentos militares. Solicitou-se a modificao do filme para que essa parte da histria fosse alterada, mas o pedido foi recusado. A propsito, diz a LDA que, no caso do Brasil, cabe exclusivamente ao diretor o exerccio dos direitos morais sobre a obra audiovisual. Veja em http://oglobo.globo. com/cultura/mat/2007/01/17/287443438.asp.

Todas estas hipteses j constavam, de modo mais ou menos idntico, da lei anterior de direitos autorais, a lei 5.988/73. No entanto, a LDA acrescentou mais uma possibilidade, que a do autor ter direito de acessar exemplar nico ou raro (a lei, sem qualquer preciso, afirma que o critrio de exemplar nico e raro), quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotogrfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memria, de forma que cause o menor inconveniente possvel a seu detentor, que, em todo caso, ser indenizado de qualquer dano ou prejuzo que lhe seja causado. Tambm em dois outros casos por motivos evidentes a LDA prev a possibilidade de haver prvia e expressa indenizao a terceiros: as hipteses indicadas nos itens e e f acima. A doutrina costuma classificar os direitos morais de autor como direitos de personalidade. Assim considerados, desfrutam das caractersticas dos direitos da personalidade em geral, sendo inalienveis e irrenunciveis, como indica a LDA em seu artigo 27. So, alm disso e embora a lei no o diga, talvez por ser de todo desnecessrio imprescritveis e impenhorveis. H, entretanto, que se fazer uma distino dos direitos autorais quanto aos demais direitos da personalidade. De modo geral, os direitos da personalidade (nome, imagem, dignidade, honra etc) nascem com o indivduo e so desde logo exercveis. Por outro lado, os direitos de personalidade relacionados aos direitos autorais s so exercveis caso o indivduo crie. Portanto, nascem latentemente nos indivduos, mas permanecem em condio suspensiva.

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1.6. Princpios de proteo e direitos patrimoniais

A propriedade intelectual encontra-se to indissoluvelmente ligada a nossas vidas que mal paramos para refletir sobre seus efeitos em nosso cotidiano. Mas inevitvel: no existe mais possibilidade de existirmos sem os bens criados intelectualmente. Os exemplos so fartos. Diariamente, deparamo-nos com as mais diversas marcas nos produtos que consumimos e usamos, nas lojas a que vamos e mesmo em nossos lugares de trabalho; utilizamos produtos tecnolgicos muitas vezes protegidos por patentes; usamos softwares ininterruptamente em nossas tarefas laborais e, finalmente, em nossos momentos de lazer, lemos livros, jornais, vemos filmes, assistimos novelas, ouvimos msica. E no custa lembrar: na cultura do sculo XXI, quase tudo tem um dono. Assim sendo, a utilizao dos bens de propriedade intelectual vem representando cada vez nmeros mais significativos dentro da economia globalizada. Segundo o jornal Valor Econmico, com o PIB mundial de mais de US$ 380 bilhes, o comrcio de bens culturais foi multiplicado por quatro num perodo de duas dcadas em 1980, totalizava US$ 95 bilhes9. De acordo com a autora Lesley Ellen Harris, advogada atuante no Canad, a propriedade intelectual responderia por cerca de 20 % (vinte por cento) do comrcio mundial, o que significa aproximadamente US$ 740 bilhes (a autora provavelmente se refere a quantias anuais) 10. Quando falamos de bens culturais, tratamos necessariamente de direito autoral, que um ramo da chamada propriedade intelectual. Conforme visto nos itens anteriores, o direito autoral apresenta duas manifestaes distintas, intrinsecamente conectadas, sendo uma de aspecto moral e outra de aspecto patrimonial, pecunirio ou, se preferirmos, econmico. Quanto parcela do direito moral, conforme vimos, a doutrina afirma que se trata de direito da personalidade. E como se sabe, os direitos da personalidade tm por caracterstica, entre outras, serem insuscetveis de avaliao pecuniria. Dessa forma, quando nos referimos aos aspectos do direito autoral relacionados sua avaliao econmica, no podemos estar nos referindo a outros direitos seno queles de carter patrimonial. Diversos so os princpios que podem ser invocados para explicarmos o sistema de direitos autorais. Vejamos alguns deles: a) temporariedade: de acordo com a LDA, para que a obra seja protegida por direitos autorais, precisa estar dentro do prazo de proteo, que o da vida do autor mais setenta anos contados de primeiro de janeiro do ano subseqente ao da sua morte (art. 41). Depois desse prazo, a obra cai em domnio pblico e ento qualquer pessoa poder dela valer-se patrimonialmente sem precisar de autorizao do titular dos direitos autorais. b) prvia autorizao: enquanto a obra no cair em domnio pblico, s ser possvel a terceiros se valerem dela no caso de terem prvia e expressa autorizao por parte do titular dos direitos sobre a obra. O artigo 29 da LDA traz

BORGES, Robinson. valor Econmico, Rio de Janeiro, 16 de julho de 2004. caderno Eu & Fim de Semana, p. 10.9 10 HaRRIS, lesley Ellen. Digital Property The Currency of the 21st. Century. McGraw Hill, 1998. p. 17.

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extensa lista de atos cuja execuo depende de autorizao: so os chamados direitos patrimoniais. Cabe mencionar que a lista exemplificativa e, por isso, possvel considerar-se a existncia de outras hipteses no constantes da LDA. Determina a lei que depende de autorizao prvia e expressa do autor a utilizao da obra, por quaisquer modalidades, tais como:I a reproduo parcial ou integral; II a edio; III a adaptao, o arranjo musical e quaisquer outras transformaes; IV a traduo para qualquer idioma; V a incluso em fonograma ou produo audiovisual; VI a distribuio, quando no intrnseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou explorao da obra; VII a distribuio para oferta de obras ou produes mediante cabo, fibra tica, satlite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usurio realizar a seleo da obra ou produo para perceb-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso s obras ou produes se faa por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usurio; VIII a utilizao, direta ou indireta, da obra literria, artstica ou cientfica, mediante: a) representao, recitao ou declamao; b) execuo musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas anlogos; d) radiodifuso sonora ou televisiva; e) captao de transmisso de radiodifuso em locais de freqncia coletiva; f ) sonorizao ambiental; g) a exibio audiovisual, cinematogrfica ou por processo assemelhado; h) emprego de satlites artificiais; i) emprego de sistemas ticos, fios telefnicos ou no, cabos de qualquer tipo e meios de comunicao similares que venham a ser adotados; j) exposio de obras de artes plsticas e figurativas; IX a incluso em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gnero; X quaisquer outras modalidades de utilizao existentes ou que venham a ser inventadas.

Dessa forma, a adaptao de A Casa das Sete Mulheres em mini-srie, a transformao de Olga em filme e a traduo de Dona Flor e Seus Dois Maridos para o italiano s puderam ser realizadas mediante autorizao dos titulares dos direitos. c) Ausncia de formalidade ou proteo automtica: de acordo com o artigo 18 da LDA, a proteo aos direitos autorais independe de registro. d) Perpetuidade do vnculo autor-obra: esta uma decorrncia do direito moral de autor. Como a autoria uma emanao da personalidade, o nome doFGV DIREITO RIO 16

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autor estar perenemente conectado obra que criou. Por isso, Cervantes ser para sempre o autor de Dom Quixote, e essa referncia dever ser feita em qualquer adaptao que se faa da obra para teatro, cinema, televiso ou qualquer outra utilizao que dela se faa. e) Individualidade da proteo: cada obra dever ser protegida independentemente. O livro O Cdigo DaVinci, escrito por Dan Brown, goza de proteo especfica na qualidade de obra intelectual que . J o filme O Cdigo DaVinci, dirigido por Ron Howard, obra independente e como tal goza tambm de proteo, incidindo sobre ambas, inclusive, prazos diferentes. f ) Independncia das utilizaes: Diz o artigo 31 da LDA que as diversas modalidades de utilizao de obras literrias, artsticas ou cientficas ou de fonogramas so independentes entre si, e a autorizao concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, no se estende a quaisquer das demais. Por isso, quando o titular dos direitos sobre os livros de Harry Potter autoriza sua adaptao para o cinema, no autoriza implicitamente nenhum outro uso possvel da obra. Se a autorizao para adaptao cinematogrfica, esta no vale para adaptao para programa de televiso, nem pea de teatro, nem traduo para outro idioma, a menos que essas autorizaes tambm estejam expressamente indicadas. g) direito de propriedade sobre o bem: quando adquirimos um bem protegido por propriedade intelectual, na verdade adquirimos o bem material em que a obra est fixada. Assim, se ganhamos um CD de presente, temos propriedade sobre o bem CD, mas no sobre as obras que dele constam. Assim, sobre o CD podemos exercer plenamente nosso direito de proprietrio: podemos guard-lo, do-lo, abandon-lo e at mesmo destru-lo. No entanto, no temos nenhum direito sobre as msicas que constam do CD. Por isso, at mesmo para fazer uma cpia integral de qualquer uma das msicas, seria necessrio termos autorizao do titular dos direitos. Trataremos do tema mais adiante, quando estudarmos as limitaes legais.

2. caSo gErador

Em 1999, Arnaldo Gibeiro trabalhava como relojoeiro e era, nas horas vagas, cientista amador. Depois de pesquisar durante muitos anos, conseguiu uma forma de fazer um teletransportador. Primeiro, conseguiu transmitir pequenas partculas de um lado a outro da sala e, depois, chegou a transportar uma ma de uma sala a outra. Animado com sua descoberta, Arnaldo escreveu um livro contando detalhadamente como se produz o artefato, em uma mistura de auto-ajuda e memrias, intitulado Como Fazer um Teletransportador em 10 Lies e as Lies que a Vida me Deu. O livro, que foi editado no fundo de sua prpria casa, em edio independente de 1.000 exemplares, foi um fracasso retumbante. Foram vendidos apenas 5 exemplares, dois por engano.FGV DIREITO RIO 17

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Muito chateado, Arnaldo colocou a mochila nas costas e foi viver no litoral de Pernambuco, onde, em 31 de dezembro de 2000, foi tragicamente devorado por um tubaro. Ivete, a gananciosa filha de Arnaldo, querendo se aproveitar da morte do pai, fez um grande estardalhao na imprensa, o que acabou por despertar o interesse de uma produtora local nordestina, chamada Maurizete. Maurizete ficou intrigada com os eventos de vida e morte de Arnaldo e decidiu fazer um documentrio sobre a vida do cientista, com o que Ivete concordou totalmente. O documentrio foi exibido em rede local e depois em rede nacional. O livro de Arnaldo, antes esquecido, tornou-se um sucesso. Ivete vendeu todos os exemplares. Querendo fazer nova edio do livro, Ivete entrou em contato com diversas editoras. No entanto, sendo Ivete pssima negociadora, no aceitou os 10% do preo de capa como remunerao (queria pelo menos 70%), nem aceitou discutir o assunto, e por isso a edio nova no saiu. Maurizete viu que seu documentrio fez muito sucesso e decidiu adaptar seu prprio documentrio para transform-lo em uma mini-srie de televiso, fazendo incluses de passagens do livro que no constavam do documentrio original. A mini-srie foi exibida em cadeia nacional, o que deixou Ivete enfurecida, porque de nada sabia e no recebeu nada pela nova verso do documentrio. Passou a mo no telefone e ligou para Maurizete. Esta, diante da fria incontrolvel de Ivete, disse apenas que no fez nada seno adaptar seu prprio documentrio, usando algumas passagens extras do livro, o que, em sua opinio, configura uso legtimo. Finalmente, Ivete ficou sabendo que vrios alunos de uma universidade de outro estado estavam fazendo cpia na ntegra do livro de seu pai, e pensavam em pedir, em nome deles, a patente pelo teletransportador. Desorientada, cansada e pensando em faturar mais alguns trocados, Ivete se indaga: a) Maurizete tinha direito em fazer a mini-srie a partir de seu documentrio? b) O uso por Maurizete de algumas partes do livro so admitidas diante de nossa lei? c) Se a mini-srie no contasse com nenhuma outra parte do livro, a resposta seria diferente? d) Caso Ivete se recuse definitivamente a publicar o livro de novo, a Editora poderia faz-lo? e) Uma vez que o livro no se encontra mais em circulao comercial, os alunos da universidade poderiam fazer cpia do texto na ntegra? f ) O fato de o pai de Ivete ter escrito o livro d a Maurizete o direito de exigir a patente sobre o invento?

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direitos autorais circulao da obra, limitaes e exceesProf. Srgio Vieira Branco Jnior

EmEntrio dE tEmaS

Funo social, limitaes e excees, contrato de edio, direitos conexos.

LEitura oBrigatria

LESSIG, Lawrence. Cultura livre, ed. Trama universitrio. p. 29-52.

LEituraS comPLEmEntarES

BRANCO JR., Srgio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias. Ed. Lmen Jris, 2007. P. [...]; ASCENSO, Jos de Oliveira. Breves Observaes ao Projeto de Substitutivo da Lei de Direitos Autorais. Direito da Internet e da Sociedade da Informao. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2002. p. 173-191.

1. rotEiro dE auLa 1.1. um direito social

A Constituio Federal prev, em seu art. 5, incisos XXII e XXIII, que garantido o direito de propriedade, sendo que esta atender a sua funo social (grifamos). Adiante, no art.170, que inaugura o captulo a respeito dos princpios gerais da atividade econmica, a Carta Magna estabelece que a ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados determinados princpios, dentre os quais se destaca a funo social da propriedade (grifamos). Ora, se de acordo com a doutrina dominante, o direito autoral ramo especfico da propriedade intelectual, h que se averiguar em que medida sobre o direito autoral incide a funcionalizao social de sua propriedade. Preliminarmente, diante das caractersticas dos direitos da propriedade, observase que possvel atribuir-se ao direito autoral as peculiaridades atinentes propriedade, exceto no que diz respeito perpetuidade. Como se sabe, o titular do direito autoral tem sua propriedade limitada no tempo nos termos da LDA. Afinal, os direitos patrimoniais de autor perduram por 70 anos, contados de 1 de janeiro do ano subseqente ao seu falecimento, obedecida a ordem sucessria da lei civil11.

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art. 41 da lDa.

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Na limitao temporal do direito autoral reside a primeira distino entre os direitos autorais e os demais direitos de propriedade. Mas no s aqui o direito autoral deve ser considerado distinto destes; nem esta sua distino mais relevante. Segundo Antnio Chaves12, a diferena entre o direito autoral e os demais direitos de propriedade material revela-se pelo modo de aquisio originrio (j que o direito autoral s surge para o autor por meio de criao da obra) bem como pelos modos de aquisio derivados. Afinal, quanto a estes, no direito autoral no existe perfeita transferncia entre cedente e cessionrio, uma vez que a obra intelectual no sai completamente da esfera de influncia da personalidade de quem a criou, em decorrncia da manuteno dos direitos morais. Quando da aquisio de um bem mvel qualquer, seu titular exercer sobre o referido bem as faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar. Dessa forma, o proprietrio poder, exemplificativamente, usar a coisa, abandon-la, alien-la, destrula, ou, ainda, limitar seu uso por meio da constituio de direitos em nome de terceiros. No entanto, quando se trata de direito autoral13, faz-se necessrio apontar uma peculiaridade que constitui diferena bsica entre a titularidade de um bem de direito autoral e a titularidade dos demais bens: a incidncia da propriedade sobre o objeto. A aquisio de um livro cuja obra se encontra protegida pelo direito autoral no transfere ao adquirente qualquer direito sobre a obra, que no o livro mas, se assim pudermos nos expressar, o texto que o livro contm. Dessa forma, sobre o livro, bem fsico, o proprietrio poder exercer todas as faculdades inerentes propriedade, como se o livro fosse um outro bem qualquer, tal como um relgio ou um carro. Poder destru-lo, abandon-lo, emprest-lo, aluglo ou vend-lo, se assim o quiser. No entanto, o uso da obra em si, do texto do livro, s poder ser efetivado dentro das premissas expressas da lei. Por isso, embora numa primeira anlise ao leigo possa parecer razovel, no facultado ao proprietrio do livro copiar seu contedo na ntegra para revenda. Afinal, nesse caso no se trata de uso do bem material livro, mas sim uso do bem intelectual (texto) que o livro contm. Esse princpio est na LDA, em seu artigo 37, que dispe que a aquisio do original de uma obra, ou de exemplar, no confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo conveno em contrrio entre as partes e os casos previstos nesta Lei. Mesmo que se trate de um quadro, em que a obra estar indissociavelmente ligada a seu suporte fsico, a alienao do bem material no confere a seu adquirente direitos sobre a obra em si, de modo que ao proprietrio do quadro no ser facultado, a menos que a lei ou o contrato com o autor da obra assim preveja, reproduzir a obra em outros exemplares.1.2. mas em qu, ento, consiste a funo social?

cHaVES, antnio. Direito de Autor Princpios fundamentais. cit., p. 16.12 13 a lDa, em seu art. 28, atribui explicitamente ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literria, artstica e cientfica.

A concepo clssica do direito de propriedade previa que o proprietrio poderia exercer seu domnio sobre a coisa como melhor lhe aprouvesse. Contemporaneamente,

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no entanto, a concepo bem diversa. A propriedade tem, por determinao constitucional, uma funo a cumprir. Na busca para se atingir o equilbrio entre o direito detido pelo autor e o direito de acesso ao conhecimento de que goza a sociedade, a funo social exerce papel relevantssimo. Ao contrrio do sistema anglo-americano (de copyright), que pauta-se pela anlise do caso concreto e valoriza mais acentuadamente as decises judiciais, nossa lei, de tradio romano-germnica, tenta prever todas as hipteses legais em que determinada situao possa vir a se enquadrar. No entanto, a leitura literal da lei brasileira desautoriza uma srie de condutas que esto em conformidade com a funcionalizao do instituto da propriedade. Por exemplo: pela LDA, no se pode fazer cpia de livro que, ainda que no tenha sido publicado nos ltimos 5 ou 10 anos, ainda esteja no prazo de proteo de direitos autorais. No entanto, diante dos princpios constitucionais do direito educao (art. 6 , caput, art. 205), do direito de acesso cultura, educao e cincia (art. 23, V) e, mais importante, pela determinao de que a propriedade atender sua funo social, necessrio que se admita cpia do livro, ainda que protegido. Do contrrio, haveria um contra-senso, uma inverso da lgica jurdica, j que princpios constitucionais teriam que se curvar ao disposto em uma lei ordinria (a LDA), quando na verdade o contrrio que deve se verificar. Vrios so os exemplos de atos que, ainda que aparentemente contrrios lei, so efetivao do princpio da funo social dos direitos autorais. Podemos citar, entre outros: a) a cpia para preservao da obra, inclusive por meio de sua digitalizao; b) representao e execuo de toda obra autoral em instituies de ensino pblicas ou gratuitas; c) autorizao de cpia privada de obra legitimamente adquirida; d) permisso de representao e execuo de obras em mbito privado.1.3. Limites Legais

Pode-se dizer que as limitaes aos direitos autorais so autorizaes legais para o uso de obras de terceiros, protegidas por direitos autorais, independentemente de autorizao dos detentores de tais direitos. E uma vez que a regra impedir a livre utilizao das obras sem consentimento do autor, as excees previstas pela LDA em seu artigo 46 so interpretadas como constituindo rol taxativo, ou seja, no se admite qualquer exceo se ela no estiver explicitamente indicada no artigo 46. Diz a lei que:Art. 46. No constitui ofensa aos direitos autorais: I a reproduo: a) na imprensa diria ou peridica, de notcia ou de artigo informativo, publicado em dirios ou peridicos, com a meno do nome do autor, se assinados, e da publicao de onde foram transcritos;FGV DIREITO RIO 21

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b) em dirios ou peridicos, de discursos pronunciados em reunies pblicas de qualquer natureza; c) de retratos, ou de outra forma de representao da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietrio do objeto encomendado, no havendo a oposio da pessoa neles representada ou de seus herdeiros; d) de obras literrias, artsticas ou cientficas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reproduo, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatrios; II a reproduo, em um s exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro; III a citao em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicao, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crtica ou polmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra; IV o apanhado de lies em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicao, integral ou parcial, sem autorizao prvia e expressa de quem as ministrou; V a utilizao de obras literrias, artsticas ou cientficas, fonogramas e transmisso de rdio e televiso em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstrao clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilizao; VI a representao teatral e a execuo musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didticos, nos estabelecimentos de ensino, no havendo em qualquer caso intuito de lucro; VII a utilizao de obras literrias, artsticas ou cientficas para produzir prova judiciria ou administrativa; VIII a reproduo, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plsticas, sempre que a reproduo em si no seja o objetivo principal da obra nova e que no prejudique a explorao normal da obra reproduzida nem cause um prejuzo injustificado aos legtimos interesses dos autores.

O denominador comum das limitaes indicadas no art. 46 da LDA evidentemente o uso no comercial da obra. Concomitantemente a esse requisito, a lei valoriza o uso com carter informativo, educacional e social. Assim que vamos encontrar, em pelo menos trs incisos do art. 46 (I, a, III e VI), a autorizao de uso da obra com finalidade informativa, para fins de discusso ou ainda, no caso especfico de obra teatral, que venha a ser usado com propsitos didticos. Entende-se, nesses casos, que a informao em si (inciso I, a) no protegida por direitos autorais e que a comunidade tem direito livre circulao de notcias. Alm disso, o direito de citao para fins de estudo, crtica ou polmica (inciso III) fundamental para o debate cultural e cientfico de qualquer sociedade. Sobre esse aspecto, observe-se que o art. 33 da LDA probe que se reproduza na ntegra obra que no pertena ao domnio pblico, a pretexto de anot-la, coment-la ou melhor-la, podendo-se, entretanto, publicar os comentrios em separado.FGV DIREITO RIO 22

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A autorizao decorrente do uso no comercial da obra em si, ainda que possa haver finalidade comercial transversa, respalda o uso da obra de acordo com os incisos V e VIII do multicitado art. 46. Dessa forma, possvel um estabelecimento comercial que venda eletrodomsticos valer-se de obra protegida por direito autoral, independentemente de autorizao dos seus titulares, para promover a venda de aparelhos de som, televisores ou aparelhos de vdeo cassete ou DVD, por exemplo. Da mesma forma, o art. 46 (inciso VIII) permite o uso de obra protegida desde que esse uso se restrinja a pequenos trechos (exceto quanto a obras de artes plsticas, quando a reproduo poder ser integral) desde que a reproduo em si no seja o objetivo principal da obra nova e que no prejudique o uso comercial da obra reproduzida. No se veda aqui, portanto, que a nova obra seja comercializada. O que no pode a obra citada ter sua explorao comercial prejudicada. Outro parmetro utilizado pela LDA para limitar os direitos autorais de seus titulares o autor valer-se de sua obra publicamente ou que haja, no caso, interesse pblico. Assim que no constitui ofensa aos direitos autorais a reproduo de discursos pronunciados em reunies pblicas de qualquer natureza (inciso I, b) e o apanhado de aulas ministradas em estabelecimento de ensino, vendando-se neste caso, expressamente, sua publicao total ou parcial sem autorizao prvia e expressa de quem as ministrou. H que se mencionar o carter altrusta do inciso I, d, do art. 46, que prev a possibilidade de reproduo, sem que esta constitua ofensa aos direitos autorais, de obras literrias, artsticas e cientficas para uso exclusivo de deficientes visuais. A condio imposta pela lei, entretanto, , mais uma vez, que a reproduo seja feita sem finalidade comercial. Da mesma forma, sem finalidade comercial, mas respaldado por forte interesse pblico, ser o uso de obras literrias, artsticas e cientficas para produzir prova em juzo, autorizado nos termos do inciso VII do art. 46. Observe-se que em alguns casos, a lei no exige que a obra seja utilizada parcialmente, autorizando-se sua exibio integral (incisos I, letras a e b, V e VI), de modo que no podemos considerar que o uso integral da obra por parte de terceiros, sem autorizao do autor, seja sempre vetado por nosso ordenamento. Embora seja verdade que o uso parcial da obra seja requisito indispensvel em outros casos (incisos II, III e VIII).1.4. o problema do pequeno trecho: um dispositivo insuficiente

O art. 46, II, da LDA, determina que no constitui ofensa aos direitos autorais a reproduo, em um s exemplar, de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro. Nos termos precisos da lei, observa-se que o legislador inovou significativamente o ordenamento jurdico anterior. De fato, o Cdigo Civil de 1916, em seu artigo 666, VI, permitia uma cpia manuscrita desde que no se destinasse a venda. Posteriormente, a Lei 5.988/73 passou a prever a possibilidade de reproduo da obra na ntegra, desde que no houvesse finalidade de se obter lucro com a cpia.FGV DIREITO RIO 23

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Com o advento da Lei 9.610/98, entretanto, sobreveio a mudana. Nos termos de nossa lei, portanto, possvel a reproduo apenas de pequenos trechos, e no mais da ntegra da obra. A deciso do legislador causa problemas ostensivamente incontornveis. A comear por um evidente problema prtico apontado pela prpria autora: o cumprimento do disposto na lei de quase impossvel fiscalizao. Muito em razo disso, milhares de pessoas descumprem o mandamento legal diariamente. A seguir, e talvez o mais grave, a lei no distingue obras recm publicadas de obras cientficas que s existem em bibliotecas e que ainda esto no prazo de proteo autoral. Nesse caso, torna-se a lei extremamente injusta, por no permitir a difuso do conhecimento por meio de cpia integral de obras raras cuja reproduo no acarretasse qualquer prejuzo econmico a seu autor, nem mesmo lucro cessante. Dessa forma, com o advento da LDA, e diante de seus termos estritos, muitas condutas praticadas diariamente so, a rigor, diante da interpretao literal da lei, simplesmente ilegais. Afinal, pelo que determina a LDA, deixou de ser possvel copiar um filme em vdeo para uso particular, gravar um CD legitimamente adquirido na ntegra para ouvir em ipod ou no carro ou, ainda, reproduzir o contedo integral de um livro com edio esgotada h anos. Tais condutas s sero admitidas se abrangidas pelo conceito da funo social da propriedade e do direito autoral, em interpretao aparentemente contrria LDA mas definitivamente em conformidade com a nossa Constituio Federal. Bem se v a gama de dificuldades que o texto da LDA capaz de acarretar. Em primeiro lugar, a caracterizao dos pequenos trechos. Pergunta-se: que so pequenos trechos? Criou-se nas universidades, em razo do disposto neste inciso, a mtica dos 10% ou dos 20%, que seria o mximo considerado por pequeno trecho e que poderia ser copiado por alunos sem que houvesse violao de direitos autorais. Ocorre que no h qualquer dispositivo legal que limite a autorizao de cpias a 10% (dez por cento) da obra e fazer tal exigncia incorrer em ilegalidade. No a extenso da cpia que deve constituir o critrio mais relevante para autorizar-se sua reproduo, mas certamente o uso que se far da parte copiada da obra. Interessante jurisprudncia do Tribunal Constitucional alemo apreciou a questo relativa aos limites constitucionais do direito de citao, ou seja, do uso em uma obra de trechos de outra obra, de titularidades diversas. Percebe-se que o confronto existente no entre o direito de propriedade e direito informao, mas sim entre o direito de propriedade e o direito de expresso. Tratava-se, in caso, de obra de Henrich Mller em que o autor usava, como meio de expresso, extensos trechos de Bertold Brecht. Denis Borges Barbosa, citando Markus Schneider, conclui que h um interesse constitucionalmente protegido no direito de citao, no obstante a extenso dessas, desde que as citaes se integrem numa expresso artstica, nova e autnoma (grifamos)14.BaRBOSa, Denis Borges. Uma Introduo Propriedade Intelectual. cit., p. 100-101.14

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1.5. Pardias e seus limites: ...E o Vento Levou, idos com o Vento e the Wind done gone

Alm dos casos especificados no art. 46, a LDA prev, ainda, a liberdade de parfrases e pardias15 que no forem verdadeiras reprodues da obra originria nem lhe implicarem descrdito. claro que a pardia ser tanto mais bem sucedida quanto melhor identifique o objeto parodiado. Por isso, a referncia evidente so os grandes sucessos da cultura popular. Bons exemplos cinematogrficos so filmes como Todo Mundo em Pnico e o recente Epic Movie, cuja sinopse segue: Quatro rfos de diferentes cantos do mundo so escolhidos para visitarem uma fbrica de chocolate, cujo dono tem uma personalidade muito estranha. L, descobrem um guarda-roupa mgico que os transporta para a terra de Gnrnia. Na viagem muito louca, conhecem o pirata exibicionista Jack Swallows e estudantes de bruxaria, incluindo um CDF chamado Harry e sua amiga Hermoine. Juntos, tentam derrotar a bruxa branca de Gnrnia, com a ajuda de Superman, Wolverine e at Paris Hilton e Mel Gibson16. Naturalmente, um filme como ... E O Vento Levou desperta a tentao da pardia. Foi este o argumento usado por Rgine Dforges quando processada sob acusao de plgio do romance em sua trilogia A Bicicleta Azul. Como vimos, seus argumentos no convenceram. Pelo menos, no os tribunais franceses. No entanto, Posner e Landes do notcia de uma autntica pardia de ... E o Vento Levou que no , entretanto, cmica (caracterstica padro em se tratando de pardias), chamada The Wind Done Gone, em que o autor da pardia aponta os aspectos racistas da obra original. No Brasil, foi realizado em 1983 o curta Idos com o Vento, dirigido pela dupla Isay Weinfeld e Mrcio Kogan, com o ator Patrcio Bisso no elenco. No se trata exatamente de uma adaptao de ... E O Vento Levou, mas sim da orelha do livro, envolvendo ainda aspectos da vida da prpria Margareth Mitchell, autora da obra. Na televiso, so inmeros os exemplos de stiras e pardias, como os quadros de humor do extinto TV Pirata e do programa Casseta e Planeta Urgente.1.6. a licena e a cesso: autorizaes necessrias

Normalmente, o artista cria por demanda de sua criatividade. Tornou-se famosa uma entrevista dada pela escritora Rachel de Queirs em que ela foi indagada por uma jornalista se era verdade que preferia o jornalismo literatura. Ao dizer que sim, a jornalista lhe perguntou, ento, por que ela produzia literatura, ao que a escritora teria respondido com a seguinte pergunta: Voc j pariu?. Diante da negativa da entrevistadora, ela completou: Quando se fica grvida, imperativo parir. Normalmente, no entanto, no basta parir. Uma vez criada a obra, o artista geralmente gosta de v-la circular, de modo a atingir o maior nmero possvel de pessoas para que nelas cause a impresso desejada. Como em regra apenas o autor pode dar

lanDES, William M. e pOSnER, Richard a. The Economic Structure of Intellectual Property Law. cit., p. 147.15 16 http://oglobo. globo.com/cultura/ mat/2007/01/29/287597408. asp. acesso em 29 de janeiro de 2007.

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origem circulao da obra, a LDA prev os mecanismos de autorizaes para que a obra atinja o pblico. O que se verifica na prtica que um msico precisar de algum que fixe o fonograma e faa cpias de seus CDs; o escritor precisar de uma editora; aquele que tem um roteiro para obra audiovisual precisar de uma produtora e assim por diante. Com o avano da tecnologia, a necessidade dos intermedirios vem diminuindo consideravelmente a ponto de, hoje em dia, vrios serem os artistas que produzem e distribuem suas prprias obras. Mas mesmo esses dificilmente escaparo da necessidade de, em maior ou menor grau, celebrar contratos relacionados aos direitos autorais das suas obras. A matria relativa circulao de direitos autorais est prevista a partir do artigo 49 da LDA. Diz o artigo 49 que os direitos de autor podero ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a ttulo universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concesso, cesso ou por outros meios admitidos em Direito. Caracteriza-se a cesso pela transferncia de titularidade da obra intelectual, com exclusividade para o(s) cessionrio(s). J a licena representa uma autorizao por parte do autor para que terceiro se valha da obra, com exclusividade ou no, nos termos da autorizao concedida. Ou seja, a cesso se assemelha a uma compra e venda (se onerosa) ou a uma doao (se gratuita) e a licena, a uma locao (se onerosa) ou a um comodato (se gratuita). A prpria LDA prev algumas limitaes concernentes possibilidade de transmisso total (cesso total) dos direitos autorais. As principais so as seguintes: a) a transmisso total deve compreender todos os direitos de autor, exceto naturalmente os direitos morais (que so intransmissveis) e aqueles que a lei exclui; b) a cesso total e definitiva depender de celebrao de contrato por escrito; c) caso no haja contrato escrito, o prazo mximo de cesso dos direitos ser de cinco anos; d) a cesso se restringir ao Pas em que se firmou o contrato; e) a cesso somente poder se operar para modalidades de utilizao j existentes quando da celebrao do contrato; f ) a interpretao do contrato, sendo restritiva, ter como conseqncia que no havendo especificao quanto modalidade de utilizao, endender-se- como limitada apenas a uma que seja aquela indispensvel ao cumprimento da finalidade do contrato; g) a cesso total ou parcial dos direitos de autor presume-se onerosa; h) a cesso dos direitos de autor sobre obras futuras abranger, no mximo, o perodo de cinco anos.

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1.7. transmisso de direitos

Diz a LDA que os direitos de autor podero ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a ttulo universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concesso, cesso ou por outros meios admitidos em Direito (art. 49). Conforme se depreende da leitura do caput do art. 49 da LDA, os direitos de autor podem ser transferidos, por quem de direito, a terceiros, em sua integralidade ou apenas parcialmente. A transferncia pode se dar a ttulo universal ou singular (ou seja, abrangendo toda uma gama de obras, sem que cada uma das obras seja identificada, ou apenas uma obra especfica) e ser efetivada sobretudo por meio de licena ou cesso. Caracteriza-se a cesso pela transferncia de titularidade da obra intelectual, com exclusividade para o(s) cessionrio(s). J a licena representa uma autorizao por parte do autor para que terceiro se valha da obra, com exclusividade ou no, nos termos da autorizao concedida. Tanto a cesso como a licena podem ser total ou parcial, o que significa que podem se referir integralidade do uso econmico da obra ou apenas a alguma(s) das faculdades de seu aproveitamento econmico. Um exemplo pode ser esclarecedor. Como todos sabemos, Paulo Coelho se celebrizou a partir de sua obra O Alquimista. Considerando-se a hiptese de ser o autor o nico titular dos direitos patrimoniais sobre sua obra (ou seja, no caso de ele no ter transferido seus direitos a ningum), poder autorizar o uso da obra O Alquimista por terceiro ou ceder seus direitos. Vejamos na prtica essas possibilidades: a) Paulo Coelho consultado por diretor de teatro de Fortaleza, interessado em transformar O Alquimista em pea teatral. Paulo Coelho autoriza, por meio de licena, a adaptao da obra para o palco. Neste caso, Paulo Coelho continua titular de todos os direitos. O diretor cearense no pode fazer nada com a obra exceto realizar sua montagem. Trata-se, portanto, de licena parcial. b) Paulo Coelho procurado pelo mesmo diretor de teatro, que tem, entretanto, diversas idias para uso do livro. Pede que lhe seja concedida uma licena total, para que no prazo de dois anos, por exemplo, possa explorar a obra em toda a sua amplitude. Neste caso, o licenciado (o diretor de teatro) teria poderes amplssimos. Se quisesse, poderia transformar o livro em filme, em pea de teatro, em espetculo de circo, em musical, em novela, em histria em quadrinhos etc. Ainda assim, por se tratar de licena (mesmo que total), Paulo Coelho continuaria titular dos direitos patrimoniais. No entanto, durante dois anos, no poderia exerc-lo sem consultar previamente o licenciado. c) Seria possvel, ainda, que o diretor de Fortaleza quisesse ter para sempre o direito de transformar o livro em espetculo teatral. Para isso, demandaria uma cesso parcial da obra. Ou seja, se Paulo Coelho fizesse uma cesso de seus direitos patrimoniais referentes possibilidade de transformar o livro emFGV DIREITO RIO 27

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pea, estaramos diante de uma hiptese muito semelhante compra e venda. Se assim fosse, o prprio Paulo Coelho restaria desprovido desse direito no futuro, uma vez que a cesso tenha sido realizada. d) Por fim, possvel se realizar uma cesso total. Nesse caso, todos os direitos patrimoniais pertenceriam ao diretor de teatro, se com ele o contrato fosse celebrado. Assim, caso no futuro algum desejasse transformar o livro O Alquimista em filme, precisaria negociar com o diretor de teatro, e no com Paulo Coelho que, embora autor, teria se desprovido dos direitos patrimoniais relacionados obra na medida em que realizasse a cesso total. A bem da verdade, comum haver confuso entre cesso parcial e licena, j que ambas tm eficcia menor se comparadas cesso total. Muito embora a lei no defina licena, possvel difini-la como autorizao de uso, de explorao, sem que acarrete uma transferncia de direitos. Eliane Y. Abro17 diz que (...) no na exclusividade que reside o diferencial entre cesso e licena, porque h licenas exclusivas. Na cesso de direitos, qualquer que seja o seu alcance, parcial ou total, a exclusividade outorgada ao cessionrio encontra-se subjacente explorao de uma determinada obra, porque o exerccio da cesso implica o da tutela da obra e o da sua oponibilidade erga omnes. Na licena exclusiva tambm. Nas licenas comuns, ao contrrio, pode o autor consentir que diversos licenciados explorem pelo tempo convencionado diversos aspectos da mesma obra, simultaneamente ou no, e no abdicando de seus direitos em favor do licenciado. O que distingue a cesso de direitos, parcial ou integral, e licenas exclusivas, das licenas no exclusivas a oponibilidade erga omnes das primeiras. No Brasil, exclusividade condio prevista em lei somente para o contrato de edio. Dessa forma, v-se que as licenas constituem uma das modalidades previstas em lei para se efetivar a transferncia de direitos autorais a terceiros e que por meio delas no h transferncia de direitos, mas to-somente uma autorizao de uso, que manteria a integralidade dos direitos autorais com o titular destes. De fato, podem ser definidas como autorizao de uso por parte do titular dos direitos autorais, a ttulo gratuito ou oneroso. Podem ser conferidas com ou sem clusula de exclusividade, sendo que quanto ao contrato de edio a lei obriga a exclusividade. Assim que os diversos contratos tipicamente relacionados aos direitos autorais, tais como os contratos de edio, de gravao, de traduo, de adaptao etc, sero instrumentalizados por meio da celebrao de instrumentos contratuais que prevero, em sua essncia, a cesso ou a licena de uso de direitos autorais alheios. Dessa forma, um autor que queira publicar seu livro celebrar contrato de edio pelo qual ceder ou licenciar a depender dos termos da negociao seus direitos autorais sobre a obra criada. Convm observar que, no caso de contrato de edio, a exclusividade ser concedida ao editor independentemente de se tratar de cesso ou de licena por fora do disposto no art. 53, caput, da LDA. Convm anotar, finalmente, que a cesso, total ou parcial, dever se fazer sempre por escrito e presume-se onerosa. J a licena poder ser convencionada oralmente

17 aBRO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. cit., p. 137.

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e sobre ela no recai presuno legal de onerosidade. Ainda assim, a celebrao de contrato sempre altamente recomendada, sobretudo porque como determina a prpria LDA, os negcios jurdicos envolvendo direitos autorais so interpretados restritivamente e a questo de prova em contratos feitos oralmente sempre causa grande dificuldade s partes envolvidas.1.8. contrato de edio: um contrato tpico, afinal?

O contrato de edio previsto na LDA entre os artigos 53 e 67. Na verdade, trata-se do nico contrato expressamente previsto na LDA, e por isso considerado o contrato paradigmtico da lei. Pelo contrato de edio, determina a LDA que o editor, obrigando-se a reproduzir e a divulgar a obra literria, artstica e cientfica, fica autorizado, em carter de exclusividade, a public-la e explor-la pelo prazo e nas condies pactuadas com o autor. Embora o contrato de edio seja tipicamente o contrato utilizado para obras literrias, entende-se que no se aplica apenas a elas, podendo tambm versar sobre obras musicais, por exemplo. De acordo com a LDA, em cada exemplar da obra, dever o editor mencionar: o ttulo da obra e seu autor; no caso de traduo, o ttulo original e o nome do tradutor; o ano da publicao e seu nome (do editor), ou marca que o identifique.

Caso no haja previso expressa no contrato, entende-se que o contrato de edio versa apenas sobre uma edio. E se eventualmente no houver referncia ao nmero de exemplares, se entender que esse nmero 3.000 (trs mil).1.9. direitos conexos: Quem so os titulares?

Os direitos conexos tambm so chamados de direitos vizinhos, ou droits voisins, por serem direitos prximos, assemelhados aos direitos autorais, embora no sejam eles prprios direitos autorais. Trata-se, a bem da verdade, de um direito referente difuso de obra previamente criada. O esforo criativo aqui evidente no o de criao da obra, mas sim de sua interpretao, execuo ou difuso. Diante dessa aproximao conceitual, a LDA estipula que as normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intrpretes ou executantes, dos produtores fonogrficos e das empresas de radiodifuso. No mbito internacional, os direitos conexos so regulados pela Conveno de Roma, de 1961.

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1.10. intrpretes que podem demais

A primeira classe dos titulares de direitos conexos abrange os artistas intrpretes ou executantes. Distinguem-se os primeiros dos ltimos por sua atuao diante da obra. O cantor de uma banda ou um ator intrprete. Os msicos da banda so executantes. Ocorre que a LDA atribui aos intrpretes e executantes um feixe to vasto de direitos que acaba por representar um entrave a mais na circulao das obras. Conforme determina o art. 90 da LDA, tem o artista intrprete ou executante o direito exclusivo de, a ttulo oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir: a) a fixao de suas interpretaes ou execues; b) a reproduo, a execuo pblica e a locao das suas interpretaes ou execues fixadas; c) a radiodifuso das suas interpretaes ou execues, fixadas ou no; d) a colocao disposio do pblico de suas interpretaes ou execues, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem; e) qualquer outra modalidade de utilizao de suas interpretaes ou execues. Diante do enorme nmero de intrpretes e/ou executantes que podem participar da concepo de determinada obra, a orquestrao dos direitos conexos pode significar grande dificuldade para o titular dos direitos autorais sobre a obra. Basta ver o quanto os atores de um filme sero capazes de impedir na utilizao do filme diante dos poderes a eles conferidos pela LDA.1.11. o direito dos produtores fonogrficos

Os produtores fonogrficos so aqueles que investem dinheiro na produo do fonograma. De modo leigo, pode-se dizer que os produtores fonogrficos so, hoje em dia, as produtoras de CD. Da mesma forma porm com menos razo a LDA confere aos produtores fonogrficos direitos conexos que acabam consistindo verdadeiros entraves circulao das obras intelectuais. Diz-se que com menos razo porque no h qualquer justificativa artstica para se conferir aos produtores fonogrficos um direito dito intelectual. Quanto aos intrpretes e executantes, ao menos, possvel vislumbrar atuao intelectual diante da obra. Quanto aos produtores fonogrficos, nem isso. Ainda assim, garantiu-se aos produtores de fonogramas que tivessem o direito exclusivo de, a ttulo oneroso ou gratuito, autorizar-lhes ou proibir-lhes: a) a reproduo direta ou indireta, total ou parcial; b) a distribuio por meio da venda ou locao de exemplares da reproduo;FGV DIREITO RIO 30

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c) a comunicao ao pblico por meio da execuo pblica, inclusive pela radiodifuso; d) quaisquer outras modalidades de utilizao, existentes ou que venham a ser inventadas.1.12. o direito das empresas de radiodifuso

Alm dos direitos conferidos aos intrpretes e executantes e s produtoras de fonogramas, a LDA confere direitos s empresas de radiodifuso, ou seja, de maneira genrica, s rdios e aos canais de televiso. Determina a LDA que cabe s empresas de radiodifuso o direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmisso, fixao e reproduo de suas emisses, bem como a comunicao ao pblico, pela televiso, em locais de freqncia coletiva, sem prejuzo dos direitos dos titulares de bens intelectuais includos na programao.1.13. o que o Ecad?

O ECAD Escritrio Central de Arrecadao e Distribuio tem sua existncia prevista no art. 99 da LDA, que determina que as associaes mantero um nico escritrio central para a arrecadao e distribuio, em comum, dos direitos relativos execuo pblica das obras musicais e ltero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifuso e transmisso por qualquer modalidade, e da exibio de obras audiovisuais. O ECAD uma sociedade civil, de natureza privada e sem fins lucrativos. Foi insitudo pela Lei 5.988/73 e mantido pela atual LDA. De acordo com o website da instituio (www.ecad.org.br), o rgo possui cadastrados em seu sistema mais de 214 mil titulares diferentes. Esto catalogadas 795 mil obras, alm de 412 mil fonogramas, que contabilizam todas as verses registradas de cada msica. Os nmeros envolvidos fazem com que 40 a 50 mil boletos bancrios sejam enviados por ms, cobrando os direitos autorais daqueles que utilizam as obras musicais publicamente, os chamados usurios de msica, que somam mais de 225 mil no cadastro do ECAD.

2. caSo gErador

Em julho de 1998, a ento modelo iniciante Vanice Valderez protagonizou um filme para cinema, de reputado diretor brasileiro, chamado Quero Mais. No filme, Valderez atuava em trridas cenas de sexo (no explcito), inclusive com um jovem (supostamente) menor de idade. O filme fez muito sucesso, atraindo multides s salas de cinema. Por conta da repercusso do filme, Valderez foi convidada a posar nua para diversas revistas especializadas e at mesmo sondada para participar da primeira verso da Casa dos Artistas.FGV DIREITO RIO 31

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Em maio de 2005, entretanto, Valderez decidiu mudar seu estilo de vida. Depois de muita negociao, aceitou ser garota propaganda de uma famosa marca de brinquedos. A ateno das crianas foi atrada para a modelo, que acabou gravando um CD com msicas infantis. O CD se tornou enorme sucesso (Valderez tem tambm muita sorte), e duas emissoras de televiso disputaram o privilgio de contrat-la. Valderez acabou protagonizando a novela das seis da tarde de uma das emissoras, mas seu desempenho foi massacrado pela crtica. Ao trmino da novela, como a emissora a havia contratado pelo prazo de 5 anos, decidiu lhe agraciar com um programa infantil na desprestigiada e combalida parte da manh. Surpreendentemente, o programa foi mais um sucesso. Valderez se tornou dolo internacional das crianas, gravou novo CD com o respectivo DVD, passou a fazer shows, servia de exemplo, era imitada. Todas as crianas amavam Valderez. Em outra reviravolta, o falecimento de seu querido tio-av paraguaio fez a famosa jovem se converter a uma faco mais rigorosa de uma igreja evanglica, sendo que sua escalada ao sucesso passou a incluir o ttulo de Pastora Honorria da igreja. A partir da, a existncia do filme Quero Mais passou a assombr-la. Valderez desejou jamais t-lo feito, mas mesmo suas mais fervorosas clamaes no fizeram o filme desaparecer do imaginrio coletivo. Ao contrrio. Com a disseminao da cultura digital, o filme passou a ser encontrado at mesmo em sites de compartilhamento de arquivos. Desesperada, Valderez procurou voc para saber o que poderia fazer para evitar maior exposio de sua imagem. Ao analisar o contrato para Valderez fazer o filme, voc verifica que a autorizao seria apenas para veicular o filme nos cinemas e em vdeo, embora seja possvel encontrar o filme tambm em DVD e na televiso a cabo. Diante dos fatos, como seria possvel responder s seguintes questes: a) Valderez titular de direitos autorais em alguma medida sobre o filme Quero Mais? De que direitos ela titular? b) Valderez pode impedir a distribuio de filmes em DVD e sua exibio na tv cabo? Por qual argumento? c) E a comercializao do filme em vdeo? d) O fato de ela ter se tornado dolo das crianas e seguidora religiosa deve em alguma medida afetar a deciso do juiz sobre o caso? e) Se ela continuasse a ser atriz de cinema, sem qualquer incurso no universo dos programas infantis ou na igreja, a deciso do juiz deveria ser diferente? f ) O que Valderez pode fazer para impedir que o filme se torne disponvel na internet? g) Caso trechos do filme sejam tornados disponveis no YouTube!, poder Valderez tomar alguma medida judicial para remover os vdeos do site?

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licenas pblicas Gerais (creative commons e outras)Prof. ronaldo Lemos

EStratgiaS Para SE Lidar com dirEitoS autoraiS na WEB

Como visto nas aulas anteriores, o direito autoral protege, sem a necessidade de registro, todas as criaes do esprito. Para utilizar criaes de terceiro , assim, necessrio pedir autorizao. Essa utilizao inclui, por exemplo, o direito de modificar e editar qualquer contedo. Considere o caso da Wikipedia. A Wikipedia, para funcionar, depende do direito de livre modificao, alterao, edio e mesmo de reproduo. A Wikipedia jamais poderia ter sido criada, se houvesse a necessidade de pedir autorizao para os respectivos titulares de direito autoral todas as vezes que algum fosse editar ou modificar um artigo da enciclopdia. Em outras palavras, se as regras gerais do direito autoral que se aplicam internet como u