41A Revolucao Tecnologica Da Gramatizacao

download 41A Revolucao Tecnologica Da Gramatizacao

of 5

Transcript of 41A Revolucao Tecnologica Da Gramatizacao

  • 8/12/2019 41A Revolucao Tecnologica Da Gramatizacao

    1/5

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

    CEFIELCentro de Formao Continuada de Professores

    Alfabetizao e LinguagemRede Nacional de Formao Continuada de

    Professores de Educao Bsica

    Resenha do Texto

    A Revoluo Tecnolgica da Gramatizao

    AUROUX, Sylvain. A Revoluo Tecnolgica da Gramatizao Campinas:

    Editora da Unicamp, 1992, 134 pginas.

    Ana Cludia Fernandes Ferreira

    Resumo

    A obra de Sylvain Auroux estuda o modo como, na histria do homem,

    foram se constituindo saberes sobre a linguagem. No estudo do autor, dois

    marcos fundamentais dessa histria so colocados em destaque: o

    aparecimento da escrita e o processo de gramatizao das lnguas no mundo.

    A Revoluo Tecnolgica da Gramatizao

    A obra de Sylvain Auroux apresenta duas teses de fundamental

    importncia sobre o aparecimento da escrita e sobre processo de gramatizao

    das lnguas do mundo.

    A primeira delas a considerao do aparecimento da escrita como umarevoluo tecno-lingstica e, enquanto tal, como um dos fatores necessrios

    ao aparecimento das reflexes sobre a linguagem.

    A segunda tese a considerao do processo de gramatizao das

    lnguas do mundo como a segunda revoluo tecno-lingstica, a qual mudou

    profundamente a ecologia da comunicao humana e deu ao Ocidente um

    meio de conhecimento/dominao sobre as outras culturas do planeta.

  • 8/12/2019 41A Revolucao Tecnologica Da Gramatizacao

    2/5

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

    CEFIELCentro de Formao Continuada de Professores

    Alfabetizao e LinguagemRede Nacional de Formao Continuada de

    Professores de Educao Bsica

    O estudo de Auroux tem incio com uma reflexo sobre o nascimento

    das metalinguagens. Nessa reflexo, o autor distingue dois tipos de saberes

    sobre a linguagem: um saber que epilingstico e um saber que

    metalingstico.

    O saber epilingstico, escreve Auroux, o saber inconsciente que todo

    locutor possui de sua lngua e da natureza da linguagem. este saber que nos

    permite, por exemplo, entender piadas e jogos de linguagem. E, mais do queisso, este saber que nos permite produzir piadas e jogos de linguagem.

    J o saber metalingstico construdo e manipulado enquanto tal com a

    ajuda de uma metalinguagem. este saber que permite que possamos no

    apenas entender e produzir piadas e jogos de linguagem, mas tambm

    desenvolver reflexes a respeito do funcionamento das piadas e dos jogos de

    linguagem.

    Segundo o autor, o aparecimento da escrita teve um papel decisivo na

    passagem dos saberes epilingsticos aos saberes metalingsticos. Por este

    motivo ele considera o aparecimento da escrita como uma revoluo

    tecnolgica.

    Um ponto importante que o autor observa que no se trata de

    considerar a escrita como a origemde uma tradio de saber lingstico. Isso

    porque o que se tem no uma origem, mas um processo. Processo esse quepassa, necessariamente, pela escrita e que pode ser bem longo.

    Segundo Auroux, o que faz deslanchar verdadeiramente uma reflexo

    lingstica a alteridade, considerada essencialmente do ponto de vista da

    escrita. Ou seja, atravs da dificuldade de ler textos antigos, palavras ou textos

    estrangeiros foi necessrio refletir sobre o funcionamento dessas lnguas para

    poder traduzi-las.

  • 8/12/2019 41A Revolucao Tecnologica Da Gramatizacao

    3/5

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

    CEFIELCentro de Formao Continuada de Professores

    Alfabetizao e LinguagemRede Nacional de Formao Continuada de

    Professores de Educao Bsica

    A este respeito, o autor observa que a primeira anlise gramatical no

    nasceu da necessidade de falar uma lngua qualquer, mas de compreender um

    texto. Em nossos dias, salienta Auroux, a gramtica antes de tudo uma

    tcnica escolar destinada s crianas de dominam mal sua lngua ou que

    aprendem uma lngua estrangeira. Segundo o autor, isto se deve tanto ao

    desenvolvimento do sistema escolar quanto ao da gramtica. Em tempos

    remotos, ressalta, nunca se teve espontaneamente a idia de fazer uma

    gramtica para aprender a falar.

    A obra apresenta duas causas da gramatizao das lnguas. A primeira

    delas, segundo o autor, a necessidade de aprendizagem de uma lngua

    estrangeira em um contexto onde j existe uma tradio lingstica. Esta

    necessidade suscetvel de responder a vrios interesses prticos: o acesso a

    uma lngua de administrao; a um corpusde textos sagrados; a uma lngua de

    cultura (no sentido opositivo lngua de cultura/lngua vulgar; a lngua de cultura

    em questo o latim, por exemplo, em oposio s lnguas vulgares); relaes

    comerciais e polticas; viagens (expedies militares, exploraes);

    implantao/exportao de uma doutrina religiosa; colonizao.

    A segunda causa da gramatizao concerne essencialmente poltica

    de uma lngua dada, e pode se reduzir a dois interesses: organizar e regular

    uma lngua literria; desenvolver uma poltica de expanso lingstica de uso

    interno ou externo.

    Auroux escreve que durante o desenvolvimento das concepes

    lingsticas europias desde o sculo V de nossa era at o fim do sculo XIX,

    tem-se o desenrolar de um processo nico em seu gnero: a gramatizao

    massiva, a partir de uma s tradio lingstica inicial (a tradio greco-latina),

    das lnguas do mundo. Um marco importante durante esse perodo, destacado

    pelo autor, o Renascimento Europeu (XIV a XVI). O Renascimento um

    momento em que so produzidos, em uma quantidade extremamente

  • 8/12/2019 41A Revolucao Tecnologica Da Gramatizacao

    4/5

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

    CEFIELCentro de Formao Continuada de Professores

    Alfabetizao e LinguagemRede Nacional de Formao Continuada de

    Professores de Educao Bsica

    significativa, dicionrios e gramticas de diversas lnguas do mundo (e no

    somente dos vernculos europeus) na base da tradio greco-latina.

    Esta gramatizao constitui a segunda revoluo tcnico-lingstica, que

    tem considerveis conseqncias prticas para a organizao das sociedades

    humanas. Segundo o autor, trata-se propriamente de uma revoluo

    tecnolgica to importante para a histria da humanidade quanto a revoluo

    agrria do Neoltico ou a Revoluo Industrial do sculo XIX.

    A gramatizao definida por Auroux como um processo que conduz a

    descrevere a instrumentar uma lngua na base de duas tecnologias, que so

    ainda hoje os pilares de nosso saber metalingstico: a gramtica e o

    dicionrio.

    Desse ponto de vista, a gramtica e o dicionrio no so vistos como

    simples descries da linguagem natural. Eles so concebidos tambm como

    instrumentos lingsticos. O aparecimento dos instrumentos lingsticos no

    deixa intactas as prticas lingsticas humanas. Assim como as estradas, os

    canais, as estradas-de-ferro e os campos de pouso modificaram nossas

    paisagens e nossos modos de transporte, a gramatizao modificou

    profundamente a ecologia da comunicao e o estado do patrimnio lingstico

    da humanidade. As lnguas, pouco ou menos no instrumentalizadas, escreve

    Auroux, foram por isso mesmo mais expostas ao que se convm chamar

    lingicdio, quer seja ele voluntrio ou no.

    O processo de gramatizao corresponde a uma transferncia de

    tecnologia de uma lngua para outras lnguas, transferncia que no , ressalta

    o autor, nunca totalmente independente de uma transferncia cultural mais

    ampla.

    Essa transferncia pode ser de dois tipos. Ela pode ser uma

    endotransfernciaou uma exotransferncia. O autor especifica estes dois tipos

  • 8/12/2019 41A Revolucao Tecnologica Da Gramatizacao

    5/5

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

    CEFIELCentro de Formao Continuada de Professores

    Alfabetizao e LinguagemRede Nacional de Formao Continuada de

    Professores de Educao Bsica

    de transferncia pelos termos endogramatizao (correspondente a uma

    endotransferncia) e exogramatizao (correspondente a uma

    exotransferncia). A gramatizao espontnea (fora de transferncia)

    corresponde para o autor a uma endogramatizao.

    Um caso de endogramatizao a transferncia de tecnologia das

    tradies lingsticas gregas para a lngua latina, pelos latinos. A gramatizao

    dos vernculos europeus a partir das tradies latinas pelos europeustambm um caso de endogramatizao. Um caso de exogramatizao a

    transferncia de tecnologia do portugus para as lnguas indgenas, pelos

    portugueses (e no pelos indgenas) no qual foram gramatizados vernculos

    sem escrita.

    Um outro ponto extremamente importante a ser destacado no estudo do

    autor a sua observao de que a gramtica no surgiu de uma necessidade

    didtica.

    O autor observa, a esse respeito, que as crianas gregas ou latinas que

    freqentavam a escola do gramtico j sabiam sua lngua, sendo a gramtica

    s uma etapa do acesso cultura escrita.

    J para um europeu do sculo IX, o latim era antes de tudo uma

    segunda lngua que ele deve aprender.

    Somente com a constituio das naes europias que a gramtica

    passa a ser utilizada para fins de aprendizagem da prpria lngua. Naquele

    momento, houve uma profunda transformao das relaes sociais. A

    expanso das naes acarretou uma situao de luta entre elas, o que se

    traduziu, ao final, por uma concorrncia entre as lnguas. Com as naes

    transformadas em Estados, estes vo fazer da aprendizagem e do uso de uma

    lngua oficial uma obrigao para os cidados.