47272-01 Lazer e Trabalho · Pós-Doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad Castilla-la...

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LAZER E TRABALHO: UM ENFOQUE SOB A ÓTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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Lazer e TrabaLho: um enfoque sob a óTica dos direiTos fundamenTais

SANDRA REGINA PAVANI FOGLIAAdvogada. Mestre em Direito pelo UNIFIEO. Especialista em Direito Civil, Processual Civil, Constitucional e

Administrativo pela Escola Paulista de Direito (EPD). Professora dos cursos de graduação em direito da Universidade Anhembi-Morumbi e da Faculdade Drummond, e pós-graduação da Escola Paulista de Direito (EPD) e da Uninove.

Foi integrante da Comissão da Mulher. Advogada da Subseção da OAB/SP-Tatuapé (2004/2006); membro efetivo da Comissão de Ação Social da Seccional OAB/SP (2010); membro efetivo da Comissão da Mulher. Advogada da Subseção da OAB/SP-Tatuapé (2010/2012); coordenadora da Comissão de Eventos Culturais e Sociais da Secional

OAB/SP-Tatuapé; Atualmente é Coordenadora da Comissão de Visitas e Recepção da Secional OAB/SP-Tatuapé (2013/2015) e também Coordenadora-Adjunta da Comissão OAB vai à Faculdade.

Lazer e TrabaLho: um enfoque sob a óTica dos direiTos fundamenTais

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Novembro, 2013

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índice para catálogo sistemático:

1. Direito de trabalho e direitos fundamentais 34:331:347.121.1

Foglia, Sandra Regina PavaniLazer e trabalho : um enfoque sob a ótica dos direitos fundamentais / Sandra

Regina Pavani Foglia. – 1. ed. – São Paulo : LTr, 2013.

Bibliografia.

1. Direito constitucional 2. Direito do trabalho 3. Direito fundamental 4. Lazer I. Título.

13-11996 CDU-34:331:347.121.1

Versão impressa - LTr 4727.2 - ISBN 978-85-361-2745-3Versão digital - LTr 7680.7 - ISBN 978-85-361-2795-8

Dedico este estudo à minha Mãe, que me ensinou a perseverar sempre para alcançar meus objetivos.

Agradeço ao Professor Domingos Sávio Zainaghi pela honrosa oportunidade de ser sua orientanda, e pelos conselhos afortunados.

Agradeço especialmente à Professora Anna Cândida da Cunha Ferraz pelo apoio e incentivo permanentes nesta trajetória, tantas vezes difícil.

Ao estimado Dr. Marcio Morena Pinto, meu carinho e agradeci-mento pela colaboração, brindando-me com suas sempre indenes reflexões.

Algumas outras pessoas foram demasiadamente importantes nes-te contexto. Assim, agradeço a Nadja Polezer (in memoriam), Marcelo Domingues de Andrade, Ana Cristina Moreira, Elizabeth Cavalcante Nantes, à Professora Debora Gozzo, amigos queridos que estarão sempre próximos. E, ao Professor Antonio Claudio da Costa Machado, por pontuar necessárias alterações desta obra.

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Sumário

Prefácio ........................................................................................................... 11

introdução....................................................................................................... 15

caPítulo 1. DIREITOS FUNDAmENTAIS: ASPECTOS GERAIS .................... 17

1.1. Conceito e terminologia ................................................................... 17

1.2. Evolução histórica ............................................................................ 22

1.2.1. Antiguidade ............................................................................... 22

1.2.2. magna Carta. A Petição de Direitos. A Lei de Habeas Corpus de 1679. Declaração de Direitos Inglesa de 1689 .......................... 25

1.2.3. O Iluminismo. A Declaração de Direitos de Virgínia. Decla-ração de Independência dos Estados Unidos e a Constituição Norte-Americana ....................................................................... 30

1.2.4. Revolução Francesa. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 ....................................................................... 33

1.2.5. A Constituição Francesa de 1848. O manifesto do Partido Co-munista. A Encíclica Rerum Novarum ..................................... 36

1.2.6. A Constituição mexicana de 1917. A Constituição Alemã de 1919. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 . 40

1.3. As diversas dimensões dos direitos fundamentais ............................ 43

1.3.1. Os direitos fundamentais de primeira dimensão ...................... 45

1.3.2. Os direitos fundamentais de segunda dimensão: econômicos, sociais e culturais ...................................................................... 46

1.3.3. Os direitos fundamentais de terceira dimensão: os direitos de solidariedade e de fraternidade ................................................. 49

1.3.4. Direitos fundamentais de quarta dimensão ............................... 50

caPítulo 2. AS TRANSFORmAçõES NO mUNDO DO TRABALHO ............ 51

2.1. O trabalho da Antiguidade grega à modernidade ............................. 52

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caPítulo 3. DIREITOS SOCIAIS E SUA POSITIVAçãO NAS CONSTITUIçõES BRASILEIRAS .................................................................................................. 61

3.1. Pós-modernidade: o Debate sobre a Centralidade do Trabalho ....... 733.2. A regulação do tempo de trabalho ................................................... 76

3.2.1. A regulação do tempo de trabalho na organização capitalista produtiva — de marx à superação do binômio pós-fordismo .. 81

3.2.2. Flexibilização da jornada de trabalho ....................................... 91

3.2.2.1. Banco de horas ....................................................... 923.2.2.2. Turnos de revezamento ........................................... 94

3.2.3. Normas fundamentais de limitação do tempo de trabalho ....... 96

caPítulo 4. DIREITO AO LAzER .................................................................... 101

4.1. Conceito sociológico ........................................................................ 1014.2. Conceito jurídico.............................................................................. 1044.3. Positivação constitucional do direito social ao lazer ........................ 1064.4. Efetivação do direito ao lazer ........................................................... 108

conclusões ...................................................................................................... 113

referências BiBliográficas ................................................................................ 115

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Prefácio

O Direito do Trabalho surge em meados do século XIX, como consequência da exploração extrema do trabalhador em razão da Revolução Industrial.

As jornadas de trabalho naquele período chegavam a alcançar dezesseis horas por dia, durando de segunda-feira a domingo, sem, portanto, nenhum descanso hebdomadário.

O manifesto Comunista redigido para o Partido Comunista Alemão por marx e Engels de 1948, já denunciava a injustiça dessa exploração, propondo medidas radicais para acabar com tal situação.

Assim escreveram marx e Engels:

“Portanto, à medida que aumenta o caráter enfadonho do trabalho, decrescem os salários. Quanto mais se desenvolvem o maquinismo e a divisão do trabalho, mais aumenta a quantidade de trabalho, quer pelo prolongamento das horas, quer pelo au-mento do trabalho exigido em um tempo determinado, pela aceleração do movimento das máquinas etc.”

A Encíclica Rerum Novarum de 1891, de autoria de Sua Santidade, o Papa Leão XXIII também denunciava o problema das longas jornadas de trabalho cum-pridas pelos trabalhadores:

“No que diz respeito aos bens naturais e exteriores, primeiro que tudo é um dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à desumanidade de ávidos especuladores, que abusam sem nenhuma discrição, das pessoas como das coisas. Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo ex-cesso de fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo. A atividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar. O exercício e o uso aperfeiçoam-na, mas é preciso de que quando em quando se suspenda para dar lugar ao repouso. Não deve, portanto, o trabalho prolongar-se por mais tempo do que as forças permitem. Assim, o número de horas do trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser proporcio-nada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde dos operários. O trabalho, por exemplo, de extrair pedra, ferro, chumbo, e outros materiais escondidos, debaixo da terra, sendo mais pesado e nocivo à saúde

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deve ser compensado, com uma duração mais curta. Deve-se também às estações, porque não poucas vezes um trabalho, que facilmente se suportaria numa estação, noutra é de fato insuportável ou somente se vence com dificuldade.”

Se no final do séc. XIX vivia-se a fase mais aguda da Revolução Industrial, no mesmo momento em que o proletariado buscava ter direitos maiores, e talvez mí-nimos de existência digna, não menos verdade é que hoje vive-se uma Revolução Tecnológica, onde os ganhos sociais advindos das revoltas do final daquele século e no decorrer do século XX, vêm sendo retirados dos trabalhadores sem mesmo que estes se apercebam da situação.

O teletrabalho, fenômeno hodierno, tem feito com que as jornadas de traba-lho dos empregados cheguem ao mesmo número de horas do final do século XIX, e, piormente hoje em dia, quando esse tipo de trabalho é exercido muita vez na residência do trabalhador, acarretando na deterioração da vida familiar.

mesmo quando o trabalho é exercido na sede do empregador, atualmente com a carga de trabalho a que são submetidos os empregados as jornadas tranquilamen-te passam de dez horas.

Como conseqüência das jornadas supras, o trabalhador vê prejudicado seu convívio familiar, social e até mesmo cultural, mesmo porque, no segundo caso acima, nos grandes centros urbanos facilmente um trabalhador gasta em transporte por dia quatro horas, que se somadas as efetivamente trabalhadas chega a quatorze horas diárias dedicadas ao trabalho, restando-lhe do dia apenas dez para si, sendo que destas no mínimo seis são reservadas ao sono.

O lazer se faz necessário para que o trabalhador recomponha suas energias tanto físicas como psíquicas, podendo desfrutar esse período como melhor lhe aprouver, inclusive dedicando-se somente ao ócio, que é, inclusive, sinônimo de lazer nos países de língua espanhola.

A Constituição brasileira traz o lazer como um dos Diretos Sociais inseridos em seu art. 6.

Além de ser uma norma da Lei maior dirigida aos governantes para proporcio-narem aos cidadãos o pleno gozo desse direito, sem dúvida nas relações de trabalho o estudo do lazer ganha especial realce.

As longas jornadas e duração semanal elastecidas impostas aos empregados, dificultam, quando não impedem, o pleno gozo do Direito ao Lazer.

Este trabalho, que tenho a honra de prefaciar, é fruto da dissertação de mes-trado de sua autora e traz excelente pesquisa sobre o tema, desde o conceito e ter-minologia do termo lazer, passando pela evolução histórica, estudando os Direitos Fundamentais da pessoa humana, as transformações no mundo do trabalho, para no final tratar da jornada de trabalho e a importância do lazer ao trabalhador.

A Justiça do Trabalho já vem reconhecendo o excesso de trabalho como forma de se prejudicar o Direito Constitucional ao Lazer, condenando empresas a indeni-zar o empregado prejudicado no gozo desse seu direito.

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A autora desta obra, professora Sandra Regina Pavani Foglia, foi exemplar aluna do programa de mestrado do UNIFIEO, tendo cursado a disciplina Direitos Sociais e meio Ambiente do Trabalho, por mim ministrada, onde lhe despertou o interesse em estudar o tema deste livro.

Tive a honra de ser seu orientador, e posso, portanto, testemunhar o zelo com que se dedicou a autora na elaboração do trabalho, que agora, após sua aprovação em banca de defesa pública, composta por mim, seu orientador, e pelos professo-res doutores, Antonio Cláudio da Costa machado e José Ribeiro de Campos, nos brinda com sua publicação.

Por todos estes atributos, a obra que você leitor tem em suas mãos, é daque-las que certamente se tornarão um clássico da literatura trabalhista brasileira, que não poderá deixar de constar nas bibliotecas de todos os que se dedicam, de uma maneira ou outra, ao Direito do Trabalho.

Felicito editora e autora pela oportuníssima publicação, que em boa hora vem a público, deitando luzes sobre tema tão importante.

Auguro sucesso à professora Sandra Regina Pavani Foglia, e que seu Sendero na vida acadêmica seja repleto de bençãos e sucesso.

Domingos Sávio Zainaghi

Pós-Doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad Castilla-la Mancha, Espanha. Doutor e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC. Presidente honorário da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. Membro da Academia Paulista de Direito. Professor do programa de mestrado do UNIFIEO.

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Introdução

As profundas e constantes alterações trazidas pelo desenvolvimento tecno-lógico jungidas à crise econômica e ao desequilíbrio social, refletem diretamente nas relações de trabalho, surgindo, inclusive, uma flexibilização dos processos do trabalho, criando várias categorias de trabalhadores. Além disso, essas transforma-ções submetem o tempo livre dos trabalhadores, destinado ao exercício do direito ao lazer, às necessidades do mercado capitalista e à competitividade entre as em-presas.

A atual Constituição Federal consagra inúmeros dispositivos à proteção da pessoa, aos direitos sociais, aos direitos individuais dos trabalhadores e aos direitos coletivos, como direitos fundamentais de aplicabilidade imediata, que devem ser concretizados.

Nesse viés, o artigo 6º da Carta magna tutela, dentre outros direitos sociais fundamentais, o direito ao lazer, a proteção ao tempo livre do trabalhador, direcio-nando a um repensar das disposições contidas nas regras de direito e no compor-tamento social.

Desde montesquieu e Rousseau, afirma-se que o trabalho é um direito do ho-mem, princípio fundante do próprio direito à vida, tendo em vista que para viver o homem necessita prover a sua subsistência através de um trabalho digno. Inegável, portanto, a dimensão pessoal e social do tempo de trabalho.

No entanto, importa perceber que o tempo livre do trabalhador também possui relevante conotação em sua vida, quer seja para o simples descanso, quer seja para o aperfeiçoamento profissional, para interagir com a família e a sociedade, buscar o desenvolvimento cultural e intelectual, ou, efetivamente, exercer o direito ao lazer.

O tema proposto para a pesquisa desperta interesse em razão das condições e reflexos sociais concretos, buscando demonstrar as exigências de transformação social que propiciará o crescimento do indivíduo, colaborando, ainda, com a mul-tiplicidade de aspectos em que a realidade se manifesta.

Neste estudo se demonstrará de maneira racional, e calcada em disposições jurídicas, bem como em reflexões inter e transdisciplinares, as reivindicações sociais emergentes para a concretização do exercício do direito ao lazer.

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Concordam os doutrinadores quanto ao reconhecimento da autorização esta-tal em defender e garantir ativamente os direitos fundamentais vaticinados na or-dem constitucional, consequência do processo histórico de afirmação dos direitos fundamentais.

Não se pode olvidar, no estudo do tema, que a globalização exacerba as desi-gualdades econômico-sociais, fortalecendo os poderes privados, e, assim, denotando a importância da tutela dos direitos dos trabalhadores.

A limitação da duração de trabalho é condição vital para assegurar o pleno desenvolvimento da personalidade, através de práticas do direito social ao lazer, previsto no artigo 6º da Carta, bem como para afirmação dos direitos fundamentais individuais da intimidade e da vida privada, para o repouso, para o desenvolvi-mento da formação da personalidade da pessoa, para a participação social e para a convivência com a família.

Por fim, numa sociedade em permanente transformação, deve-se atentar para a tutela dos direitos fundamentais individuais e sociais, especialmente na efetivação dos direitos garantidos constitucionalmente.

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Capítulo 1. Direitos fundamentais: aspectos gerais

1.1. CONCeitO e termiNOlOgiA

Ao longo da história, a doutrina e o direito positivo internacional usaram várias expressões ao tratar o assunto, cada qual espelhando, em variações termi-nológicas, conquistas da época, a exemplo das expressões direitos do homem, di-reitos humanos, direitos individuais, liberdades individuais e direitos humanos fundamentais.(1)

No entendimento de Norberto Bobbio, essa variação terminológica seria um itinerário de desenvolvimento dos direitos humanos, pois nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, quando cada Constituição incorpora Declarações de Direitos, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais(2).

Direitos do homem seriam aqueles direitos naturais ainda não positivados, possuindo conotação marcadamente jusnaturalista por sua mera condição humana de direitos não positivados. Quanto aos direitos humanos, seriam aqueles positi-vados na esfera do direito internacional, guardando relação com posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que aspiram validade universal. E direi-tos fundamentais seriam os direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado.

No Brasil, pouco se desenvolveu sobre o tema de 1948, ano em que foi pro-mulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e 1964, quando do golpe militar. mas, os direitos humanos são “descobertos” por organizações da socie-dade civil como “uma gramática utilíssima para o confronto com a ditadura”(3)

(1) O estudo desenvolvido no item 2 deste capítulo — Evolução histórica dos direitos fundamentais — demonstrará pontuadamente os momentos históricos, respectivas conquistas e terminologia utilizada.

(2) BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho, 5ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 37 a 42.

(3) VIEIRA, José Carlos. Democracia e direitos humanos no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 2005, p. 7.

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na década de 1970. Na década de 1980, com a valorização da democracia como valor universal, nasce a luta pela concretização dos direitos humanos.(4)

Tirante o curto espaço de tempo do processo de redemocratização iniciado em 1985, é promulgada em 1988 nossa Constituição da República, que “integra no ordenamento jurídico a gramática dos direitos humanos”, e mesmo com “erros de ortografia”(5), pois “relevantes medidas ainda necessitem ser adotadas pelo Es-tado brasileiro para o completo alinhamento do país à causa da plena vigência dos direitos humanos”(6), é considerada

(...) como marco jurídico da institucionalização dos direitos humanos e da transição democrática do País, ineditamente, consagra o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional.(7)

Nossa Constituição da República trata os direitos fundamentais com diversi-dade semântica: ora encontramos expressões como direitos humanos, a exemplo do inciso II, artigo 4º, ora direitos e garantias fundamentais, parágrafo 1º do artigo 5º; neste mesmo artigo, inciso LXXI, a expressão direitos e liberdades constitu-cionais, e no inciso IV, parágrafo 4º do artigo 60, direitos e garantias individuais, e dessa positivação seguem as diversas opções de nomenclatura justificadas pelos estudiosos da matéria como analisado a seguir.

José Afonso da Silva adota a expressão direitos fundamentais do homem, pois entende que essa

(...) refere-se a princípios que resumem a concepção de mundo e in-formam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de

(4) Ibidem, p. 7, 8 e 15. Importa aqui, como um sutil complemento, o pensamento de Norberto Bobbio em sua obra A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho, 5ª reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 22, in verbis: [...] Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo.

(5) VIEIRA, José Carlos. Democracia e direitos humanos no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 2005, p. 10.

(6) PIOVESAN, Flavia. Temas de direitos humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 36 e 37.

(7) Ibidem, p. 36 e 38.

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que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espé-cie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem sig-nifica direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais.(8)

Paulo Bonavides entende aceitável a utilização das expressões direitos hu-manos e direitos fundamentais como sinônimas, mas afirma que razões didáticas exigem que a expressão direitos humanos seja adotada quando o assunto versar sobre direitos da pessoa humana antes de sua constitucionalização ou positivação nos ordenamentos, e a expressão direitos fundamentais quando esses direitos es-tiverem normatizados.(9)

Esclarece manoel Gonçalves Ferreira Filho que a igualdade de direitos entre homem e mulher eliminou politicamente a expressão direitos do homem, impon-do, em substituição, a terminologia direitos humanos fundamentais, sendo direitos fundamentais sua abreviação correspondente.(10)

Para Sergio Rezende de Barros, a semântica correta é direitos humanos funda-mentais, afirmando ser um instituto uno e indivisível, que não comporta divisão em seus termos, sob pena de afetar o instituto jurídico, justificando que

Na verdade, o instituto nasceu uno e nunca foi senão um, conquanto admita, como outros institutos e conceitos jurídicos, níveis ou campos de compreensão e de extensão que podem variar do mais geral e fundamental ao mais particular a operacional.(11)

Para Ingo Wolfgang Sarlet os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem com as constituições nas quais foram reconhecidos e assegurados. Distingue o autor as expressões direitos humanos de direitos fundamentais a partir do critério de seu plano de positivação, optando em sua obra pela utilização da segunda ex-pressão(12). Sobre a distinção terminológica aduz:

(...) o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guarda relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, inde-

(8) Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed., rev. e atual. São Paulo: malheiros, 2001, p. 182.

(9) Os direitos humanos e a democracia. In: SILVA, Reinaldo Pereira e. [org.]. Direitos humanos como educação para a justiça. São Paulo: LTr, 1998, p. 16.

(10) Direitos Humanos Fundamentais. 8ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 14.

(11) Direitos Humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 39.

(12) SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 35 a 42.

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pendentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional.(13)

Já Vidal Serrano Nunes Junior conceitua direitos fundamentais como

(...) o sistema aberto de princípios e regras que, ora conferindo direitos subjetivos a seus destinatários, ora conformando a forma de ser e de atuar do estado que os reconhece, tem por objetivo a proteção do ser humano em suas diversas dimensões, a saber: em sua liberdade (direitos e garantias indi-viduais), em suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e em relação à sua preservação (solidariedade).(14)

E, explicita seu entendimento de serem os direitos fundamentais um sistema afirmando

Aponta-se que os direitos fundamentais constituem um sistema, na me-dida em que suas normas estão em constante interação, reconduzindo sempre ao mesmo objeto: a proteção do ser humano. Assim, um direito fundamental implica outro e um influencia o conteúdo do outro, de tal modo que, fora de uma análise sistemática, não poderiam ser enfocados como uma espécie de somatória de disposições analiticamente isoladas.(15)

Analisando a relação conceitual entre direitos fundamentais e direitos huma-nos, Vidal Serrano Nunes Junior afirma que o objeto de ambos é idêntico, germi-nando para o mesmo fim, qual seja, “a proteção do ser humano em todas as suas dimensões”(16), e se nota uma relação de derivação. O autor segue o entendimento que afirma serem os direitos fundamentais aqueles positivados internamente pelos Estados, e direitos humanos aqueles identificados em declarações e tratados inter-nacionais, mas entende não ser apenas essa diferença, ressaltando duas funções essenciais dos direitos humanos

· função normogenética, na medida em que servirão de fundamento para a consagração de direitos fundamentais nas respectivas ordens internas. Terão, em outras palavras, uma função de substanciação dos direitos fun-damentais, quer pela incorporação às respectivas constituições, quer pelo reconhecimento, pela ordem interna, dos tratados e convenções de direitos humanos.

(13) Ibidem, p. 35 e 36.

(14) A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 15.

(15) NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p 15.

(16) Ibidem, p. 23.

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· função translativa, na medida em que, verificada a insuficiência de um Estado no reconhecimento e na proteção dos direitos essenciais ao ser hu-mano, a questão se desloca da ordem interna para o cenário internacional.

Para enfeixar esta linha de reflexão, sobre a relação conceitual entre direitos humanos e direitos fundamentais, merece nota a questão que floresceu com o ad-vento da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, ao incorporar à ordem interna os tratados internacionais de direitos humanos, incluindo um § 3º ao artigo 5º(17), pois apesar da densidade normativa do artigo 5º, § 2º da Cons-tituição da República(18), entendia o Supremo Tribunal Federal que esses tratados mesmo relacionados a direitos fundamentais equivaleriam em nosso ordenamento a lei ordinária(19). Nesse período, o Supremo Tribunal Federal não admitia a força de convenção internacional, mesmo não menosprezando o objetivo nela contido.(20)

mas, a necessidade de evolução e atualização da jurisprudência por conta da Emenda n. 45 foi realçada em decisão sob a relatoria do ministro Celso de mello,

(17) § 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição.

(18) § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

(19) Para melhor entendimento dessa assertiva, ler decisão sob a relatoria do ministro Celso de mello que demonstra essa posição do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www. stf. jus. br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 18.11.2009. Decisão do Tribunal Pleno. ADI 1480 mC / DF — Distrito Federal. medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Rel. min. Celso De mello. j. 04.09.1997. DJ 18.05.2001. p. 00429.

(20) “EmENTA: I. medida provisória: a questão do controle jurisdicional dos pressupostos de relevância e urgência e a da prática das reedições sucessivas, agravada pela inserção nas reedições da medida provisória não convertida, de normas estranhas ao seu conteúdo original: reserva pelo relator de reexame do entendimento jurisprudencial a respeito. II. Repouso semanal remunerado preferentemente aos domingos (CF, art. 7º, XV): histórico legislativo e inteligência: arguição plausível de consequente inconstitucionalidade do art. 6º da m. Prov. n. 1.539-35/97, o qual — independentemente de acordo ou convenção coletiva — faculta o funcionamento aos domingos do comércio varejista: medida cautelar deferida. A Constituição não faz absoluta a opção pelo repouso aos domingos, que só impôs “preferentemente”; a relatividade daí decorrente não pode, contudo, esvaziar a norma constitucional de preferência, em relação à qual as exceções — sujeitas à razoabilidade e objetividade dos seus critérios — não pode converter-se em regra, a arbítrio unicamente de empregador. A Convenção n. 126 da OIT reforça a arguição de inconstitucionalidade: ainda quando não se queira comprometer o Tribunal com a tese da hierarquia constitucional dos tratados sobre direitos fundamentais ratificados antes da Constituição, o mínimo a conferir-lhe é o valor de poderoso reforço à interpretação do texto constitucional que sirva melhor à sua efetividade: não é de presumir, em Constituição tão ciosa da proteção dos direitos fundamentais quanto a nossa, a ruptura com as convenções internacionais que se inspiram na mesma preocupação.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. ADI 1675 mC/ DF — Distrito Federal. medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Rel. min. Sepúlvera Pertence. j. 24.09.1997. DJ 19.09.2003. p. 00014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 18.11.2009.

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ao tratar da prisão civil do depositário judicial, incorporando, a partir de então, a noção de que os tratados internacionais teriam caráter supralegal. E, recentemen-te o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral nos recursos extraordinários que versem sobre a questão da ilicitude de prisão civil de depositário infiel.(21)

Nesta análise, por fim, se constata que os direitos fundamentais são direitos dinâmicos que acompanham a evolução do homem em sociedade, possuindo ínti-ma relação com a dignidade da pessoa humana, vez que asseguram, dentre outros, o direito à vida, à integridade física e moral da pessoa, as condições mínimas para uma vida digna, como também, a exemplo, o pleno desenvolvimento da persona-lidade da pessoa humana. E mais, e principalmente, resguardam as liberdades do indivíduo frente aos poderes ou atos arbitrários do Estado, limitando-os na ordem democrática e constitucional(22), e em consonância com o sistema de direitos e garantias consagrados na Constituição da República e nos tratados internacionais de direitos humanos.

1.2. evOluçãO hiStóriCA

Do estudo da evolução histórica das religiões, da filosofia e da ciência se nota a preocupação especial em assegurar alguns direitos do homem considerados fun-damentais, irrompendo a história, no mais das vezes, quando necessária a resposta a agressões de várias espécies que violaram a dignidade da pessoa humana.

1.2.1. Antiguidade

“Embora não tenham sido os primeiros a refletir sobre a natureza da justiça, os gregos foram pioneiros na avaliação do indivíduo e na relação entre legisladores e governados”(23). Sua religião e cultura política antecedem reivindicações de uma lei universal que norteia o conceito moderno de direitos humanos. Ensinavam que a humanidade estava dentro da harmonia transcendente do universo, com origem na lei divina, e entrelaçada a vida humana pela lei da cidade-Estado.(24)

(21) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. HC 96772/ SP — São Paulo. Habeas Corpus. Rel. min. Celso de mello. DJe-157. Divulg 20.08.2009. Public. 21.08.2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 18.11.2009. Sobre a questão da ilicitude de prisão civil de depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral nos recursos extraordinários que versem sobre a questão, conforme decisão do RE 562051 RG/ mT — mato Grosso. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Rel. min. Cezar Peluso. Julg. 14.04.2008. DJe-172. Divulg. 11.09.2008. Public. 12.09.2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 18.11.2009.

(22) mARmELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p. 20.

(23) POOLE, Hilary. [org.] et al. Direitos humanos: referências essenciais. Série Direitos Humanos, 3. Trad. Fabio Larsson. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência (NEV), 2007, p. 14.

(24) Ibidem, p. 14.