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105 R. CEJ, Brasília, n. 17, p. 105-110, abr./jun. 2002 LITISPENDÊNCIA POR IDENTIDADE DE CAUSA DE PEDIR* DIREITO PROCESSUAL CIVIL Theophilo Antonio Miguel Filho RESUMO Centra-se nos dispositivos do Código de Processo Civil que tratam do instituto da litispendência, o qual se constitui num problema à máquina judiciária, que se vê na contingência de apreciar uma mesma matéria várias vezes, colocando em risco a segurança jurídica e diversos princípios processuais, como o juiz natural, a livre distribuição, a lealdade processual e a coisa julgada. Enfatiza que o mandado de segurança é uma das vias mais utilizadas para decompor a tese autoral em tantas ações quantas bastem para fazê-la bem sucedida, em face do seu rito comportar provimento judicial initio litis, bem como por contar com a benesse legal da prioridade para julgamento. Afirma que o estudo da matéria impõe-se para preservar a integridade dos diversos princípios processuais, coibindo, assim, a proliferação de práticas e procedimentos que enfraqueçam a segurança jurídica e a credibilidade dos pronunciamentos judiciais. PALAVRAS-CHAVE Código de Processo Civil; litispendência; Poder Judiciário; princípio processual; mandado de segurança. ______________________________________________________________________________________________________________ * Baseado em dissertação de Mestrado em Direito da Administração Pública apresentada junto à Universidade Gama Filho, sob a orientação do Professor Leonardo Greco.

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105R. CEJ, Brasília, n. 17, p. 105-110, abr./jun. 2002

LITISPENDÊNCIA PORIDENTIDADE DE CAUSA DE

PEDIR*

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Theophilo Antonio Miguel Filho

RESUMO

Centra-se nos dispositivos do Código de Processo Civil que tratam do instituto da litispendência, o qual se constitui num problema à máquinajudiciária, que se vê na contingência de apreciar uma mesma matéria várias vezes, colocando em risco a segurança jurídica e diversos princípiosprocessuais, como o juiz natural, a livre distribuição, a lealdade processual e a coisa julgada.Enfatiza que o mandado de segurança é uma das vias mais utilizadas para decompor a tese autoral em tantas ações quantas bastem para fazê-la bemsucedida, em face do seu rito comportar provimento judicial initio litis, bem como por contar com a benesse legal da prioridade para julgamento.Afirma que o estudo da matéria impõe-se para preservar a integridade dos diversos princípios processuais, coibindo, assim, a proliferação de práticase procedimentos que enfraqueçam a segurança jurídica e a credibilidade dos pronunciamentos judiciais.

PALAVRAS-CHAVECódigo de Processo Civil; litispendência; Poder Judiciário; princípio processual; mandado de segurança.

______________________________________________________________________________________________________________* Baseado em dissertação de Mestrado em Direito da Administração Pública apresentada junto à Universidade Gama Filho, sob aorientação do Professor Leonardo Greco.

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I PROBLEMÁTICA

Em virtude da pesada cargatributária imposta pelo Governo,vem-se tornando freqüente a

utilização, por parte dos contribuintes,das vias judiciais em busca de umprovimento jurisdicional que osdesonere do recolhimento de deter-minado tributo.

O problema surge quando oPoder Judiciário não lhes dá guarida,mas, mesmo assim, os contribuintes,mormente as pessoas jurídicas,insistem em fazer prevalecer, a todocusto, os argumentos que dãosupedâneo à pretensão esposada emjuízo, por intermédio de brechasexistentes na interpretação da legis-lação processual.

Uma das vias mais largamenteutilizadas é o mandado de segu-rança, em virtude de seu rito suma-ríssimo, que comporta provimentojudicial initio litis, bem como dabenesse legal da prioridade parajulgamento1.

Uma das técnicas utilizadasconsiste em decompor a tese autoralem tantos argumentos quantosbastem para fazê-la bem sucedida,ainda que, para tanto, mais de umaação mandamental tenha de serajuizada com o intuito de se alcançaro mesmo resultado prático.

Em regra, a autoridade impe-trada é a mesma, deparando-se estacom dois mandados de segurançaversando sobre o mesmo assunto,verbi gratia, pretensão desconsti-tutiva de notificação fiscal de lan-çamento de débito. O caso é levadoao Poder Judiciário, em sede depreliminar de mérito nas informaçõesprestadas, para pronunciamentoacerca da existência de possívellitispendência. Indigitado óbice érefutado pelo impetrante, ao argu-mento de se tratarem de açõesdistintas, por diversidade da causapetendi.

II OBJETIVOS

Ao final do presente trabalho,restará demonstrado que a causa depedir não pode ser desdobrada emdiversos argumentos, gerando diver-sas ações e oportunidades paraobtenção do sucesso de uma teseautoral, eis que com eles não seconfunde.

III JUSTIFICATIVA

A importância deste estudo sejustifica para preservar a integridade

de diversos princípios processuais,como o do juiz natural, o da livredistribuição, o da lealdade proces-sual, bem como o da coisa julgada,coibindo a proliferação de práticasprocessuais que enfraqueçam asegurança jurídica e a credibilidadedos pronunciamentos judiciais.

IV METODOLOGIA E TÉCNICASUTILIZADAS

A pesquisa jurisprudencial edoutrinária, inclusive com aborda-gens relativas ao Direito Comparado,será o método utilizado para sealcançar a conclusão.

V DESENVOLVIMENTO

Objetivando atingir a melhorcompreensão acerca da matéria,admitamos que uma pessoa jurídicaimpetre ação mandamental contra atodo Chefe da Divisão de Arrecadaçãodo Instituto Nacional de SeguridadeSocial – INSS, objetivando serdesobrigada do recolhimento doadicional de 2,5% incidente sobre acontribuição previdenciária devidainstituído pelo art. 22, § 1º, da Lei n.8.212/91, em relação às parcelasvencidas ou vincendas, pelo fato dea cobrança do indigitado acréscimoviolar o princípio da isonomia, uma vezque confere tratamento tributáriodesigual a contribuintes que têm amesma capacidade contributiva.

Uma vez proferida sentença demérito denegando a segurança,retorna ao Poder Judiciário mediantenovo ajuizamento, sustentando,dessa vez, não ser sociedade segu-radora e, conseqüentemente, sujeitopassivo da relação jurídica de natu-reza tributária.

Aduz a impetrante, como causapetendi, que a pretensão ora dedu-zida baseia-se na premissa de nãoser sociedade seguradora, portanto,contribuinte do tributo em questão.

Assim, afirma que se tem comoarbitrária e ilegal a iminente cobrançaque está para ser ajuizada, tendo aimpetrante sofrido sérios danos emrazão da inscrição de tal débito emdívida ativa, com o conseqüenteindeferimento de expedição decertidão negativa de débitos fiscais.

Daí se serve de outro writ ofmandamus, objetivando a concessãode ordem judicial para afastar acobrança do mesmo adicional de2,5%, regulado pelo art. 22, § 1º, daLei n. 8.212/91, haja vista não seenquadrar nas hipóteses previstas emlei para tal cobrança, por não sersociedade seguradora.

La litispendencia es uno deesos temas clásicos que siempre haestado ahí. Fácil de identificar, de usocotidiano en el foro, polémico enmuchos aspectos concretos, condi-cionante de otras instituciones2.

A litispendência e a coisajulgada são dois institutos proces-suais afins cujo objetivo é obtersegurança jurídica e estabilidade nasrelações sociais, evitando a perpe-tuação dos conflitos de interesses.

Encontram-se elas definidaspela Lei Processual Civil nos trêsprimeiros parágrafos do art. 301. Comefeito, (...) verifica-se a litispendênciaou a coisa julgada, quando sereproduz ação anteriormente ajuizada,sendo que (...) uma ação é idêntica àoutra quando tem as mesmas partes,a mesma causa de pedir e o mesmopedido. Há litispendência quando serepete ação que está em curso; hácoisa julgada quando se repete açãoque já foi decidida, de que não caibarecurso.

Destarte, competindo ao réu,antes de discutir o mérito, alegá-las(art. 301, incs. V e VI), incumbe aojuiz extinguir o processo, indepen-dentemente de apreciação meritória,quando acolher a alegação, a teor danorma autorizadora insculpida no inc.V do art. 267 da Lei Adjetiva.

Daí exsurge a importância daprecisa identificação dos elementossubjetivo, objetivo e causal da ação,vale dizer, por intermédio da perfeitaidentidade das partes, pedido ecausa de pedir, poder-se-á identificarquando uma ação é idêntica à outra.

A causa de pedir consubs-tancia-se nos fatos e fundamentosjurídicos do pedido, assim conformedefinido pelo inc. III do art. 282 doCódigo de Processo Civil.

Segundo Eduardo ArrudaAlvim, (...) responde à tradição doDireito brasileiro e, em realidade,representa posição universal, a deque, para se identificar uma ação, éabsolutamente imprescindível exami-narem-se os fatos e os fundamentosjurídicos em que se baseia esta ação(causa de pedir), os quais são, a seuturno, os fatos e os fundamentosjurídicos do pedido, nos quais sedeve assentar a sentença que hajajulgado essa ação, agora em formade sua fundamentação. Uma açãodeve ser identificada à luz de suasubstância, que são os fatos jurídicosocorridos (teoria da substanciação) 3.

José Carlos Barbosa Moreira4

afirma que a identificação da causapetendi coincide com a resposta àsperguntas: por que o autor pede tal

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providência? Qual o fundamento desua pretensão? Prossegue definindo-acomo o fato ou conjunto de fatos aque o autor atribui a produção do efeitojurídico por ele afirmado, sendo quenão integram a causa de pedir aqualificação jurídica dada pelo autorao fato em que apóia sua pretensãoe a norma jurídica aplicável à espécie.

Destarte, segundo Luiz Fux,(...) se o autor promove uma açãovisando à anulação de uma escritura,alegando erro e não obtém êxito, nãopode, posteriormente, propor amesma ação com base nos mesmosfatos, sob a invocação de que o quehouve foi dolo. Nesta hipótese, o autorestaria apenas alterando a qualifi-cação jurídica do fato e não a suaconseqüência jurídica que é o des-fazimento do vínculo, mercê de repetira mesma base fática, incidindo navedação das ações à luz da teoriada substanciação 5.

Para Araken de Assis6, (...) érigorosamente neutro o fundamentolegal, ou nomen iuris, na expressãode certa doutrina, na caracterizaçãoda causa petendi. Deriva tal certezade antigo e obscuro brocardo – iuranovit curia –, que atribui exclusi-vamente ao órgão jurisdicional odever de joeirar os fatos e encontrara regra jurídica na qual, suposta-mente, incidiram.

Afirma que (...) no que tange àcumulação de ações, (...) admitir aindiferença do fundamento legalimplica identificar uma única ação, seo autor, após expor o complexo defatos, invoca duas ou mais regrasjurídicas para designar a conse-qüência reconhecida neste material.Daí, se alguém se vitimou em aci-dente de trânsito quando era pas-sageiro de um ônibus e, na ação dereparação de seus prejuízos, apontatanto o art. 159 quanto o art. 1.056 doCCB como regras que autorizam opedido, trata-se de uma única ação.

Segundo Antônio Carlos deAraújo Cintra, Ada Pellegrini Grinovere Cândido Rangel Dinamarco7, (...)vindo a juízo, o autor narra os fatosdos quais deduz ter o direito quealega. Esses fatos constitutivos, a quese refere o art. 282, inc. III, do Códigode Processo Civil, (...) tambémconcorrem para a identificação daação proposta (...).

O fato que o autor alega (...)recebe da lei determinada qualificaçãojurídica (...). Mas o que constitui acausa petendi é apenas a exposiçãodos fatos, não sua qualificaçãojurídica. Por isso é que, se a quali-ficação jurídica estiver errada, mas

mesmo assim o pedido formuladotiver relação com os fatos narrados,o juiz não negará o provimentojurisdicional (...). O Direito brasileiroadota, quanto à causa de pedir, achamada doutrina da substanciação,que difere da individuação, para aqual o que conta para identificar aação proposta é a espécie jurídicainvocada (...), não as meras “circuns-tâncias” de fato que o autor alega.

Para Humberto TheodoroJunior8, (...) a causa petendi, por suavez, não é a norma legal invocada pelaparte, mas o fato jurídico que amparaa pretensão deduzida em juízo.

Todo direito nasce do fato, ouseja, do fato a que a ordem jurídicaatribui um determinado efeito. Acausa de pedir, que identifica umacausa, situa-se no elemento fático eem sua qualificação jurídica. Ao fatoem si dá-se a denominação de “causaremota” do pedido; e à sua reper-cussão jurídica, a de “causa próxima”do pedido.

Para que sejam duas causastratadas como idênticas é preciso quesejam iguais tanto a causa próximacomo a remota.

Na hipótese vertente, insurge-se a impetrante contra ato adminis-trativo que a autuou pelo não-recolhi-mento do adicional incidente sobre a

contribuição previdenciária previstona Lei n. 8.212/91. Dessa autuaçãoexsurgiram alguns efeitos, dentreeles, a constituição do créditotributário e o conseqüente indeferi-mento do pedido de expedição decertidão negativa de débito. Estedecorreu daquele. Em verdade, o fatoé único, mas com desdobramentoslógicos.

Para impugná-lo, a deman-dante valeu-se da ação manda-mental, obtendo pronunciamentojurisdicional desfavorável. Sua pri-meira tese autoral repousou emsuposta violação ao princípio daisonomia.

Após a prolação da sentença,comparece a outro juízo, atacando omesmo ato administrativo, todavia,com novos argumentos jurídicos.

Nessa nova oportunidade,alega não ser contribuinte do adicionalde 2,5%, incidente sobre a contri-buição social, instituído pelo art. 22,§ 1º, da Lei n. 8.212/91, por não sersociedade seguradora.

Data venia, tal expediente éinviável tecnicamente, além de atentarcontra os princípios processuais dojuiz natural, da lealdade e da boa-fé.Ao demandante não é dado deduzirsua pretensão parceladamente,revelando paulatinamente argumentospara dar supedâneo à sua demanda,à medida em que os anteriores sãorechaçados.

Em elucidativa hipótese, (...)se alguém propõe ação declaratóriade investigação de paternidadealegando concubinato (art. 363, I, doCC) entre a mãe do investigante e oinvestigado, poderia o juiz, nãoobstante a falta de prova do concu-binato, julgar procedente a açãoporquanto, na instrução, se provou aexistência de relações entre aquelaspessoas na época própria da con-cepção? E indicando o autor, desdelogo, na inicial, o concubinato e asrelações sexuais (art. 363, II, CC), ter-se-ia cumulação de ações ou umaação com dois fundamentos? Inclina-se Ovídio A. Baptista da Silva pelaúltima solução e aduz: “a circuns-tância de estarem os fundamentos deuma mesma demanda distribuídospor dois ou mais dispositivos legais,não implicará que existam necessaria-mente tantas ações quantos sejam ospreceitos legais em causa”9 (grifonosso).

Conforme José Rogério Cruz eTucci10, (...) diferentemente de outraslegislações, em especial a alemã e aitaliana, nas quais sempre predo-minou a liberdade das partes na

A litispendência e acoisa julgada são doisinstitutos processuaisafins cujo objetivo éobter segurança jurídicae estabilidade nasrelações sociais,evitando a perpetuaçãodos conflitos deinteresses.

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apresentação de suas respectivasalegações, é da tradição do processobrasileiro a adoção da regra daeventualidade, impondo aos deman-dantes o dever de propor, nummesmo momento, todos os meios deataque e defesa. Como anotaLiebman, o nosso processo civil, fielàs suas origens, manteve doispostulados herdados do processocomum medieval: o de uma ordemlegal necessária das atividadesprocessuais, como uma sucessão deestádios ou fases diversas, nitida-mente separadas entre si; e o prin-cípio da eventualidade, que obriga aspartes a propor ao mesmo tempotodos os meios de ataque ou dedefesa, ainda que contraditóriosentre si (grifo nosso).

Ensina Ernane Fidélis dosSantos11 que (...) o processo não éapenas instrumento de solução delitígios, no interesse das partes. Étambém meio de que o Estado seutiliza para impor a paz social. Daínão ficar o processo a critério daspartes, a ponto de lhes permitir o usodesregrado de expedientes frau-dulentos, procrastinatórios e imorais,para conseguir seus objetivos (...).

Com efeito, na exata dicção domandamento insculpido no art.14, inc.II, da Lei Adjetiva, compete às partese a seus procuradores proceder comlealdade e boa-fé.

Ademais, há evidente litispen-dência, conforme anteriormentedefinido.

Comparando as duas açõesmandamentais, as partes, o fato e oobjeto são os mesmos. O que variasão os argumentos dos quais se valeo autor para obter o provimentojudicial pretendido.

Em voto da lavra do eminenteRelator Francisco de AssisVasconcellos Pereira da Silva, naApelação n. 492.544-0, de 2 de julhode 1992, decidiu a 7a Câmara do 1ºTribunal de Alçada Cível do Estadode São Paulo que (...) o fato e ofundamento jurídico do pedido (direitoafirmado pela autora) integram acausa de pedir, que por força daadotada teoria da substanciaçãohaverá de se conservar inalteradadurante todo o processo. Entretanto,não integram a causa de pedir osargumentos em que a autora sebaseia para sustentar os fundamentosdo pedido. A propósito, calha preci-samente a explicação do ilustreProfessor José Ignacio Botelho deMesquita, constante de parecerveiculado na Revista dos Tribunais n.564, p. 41: “Do mesmo modo, não se

confunde o fato constitutivo do direito,que é a hipótese de fato prevista nalei como necessária e suficiente paragerá-lo, com os argumentos de fatocom que o autor procura demonstrara ocorrência daquela hipótese, o queos italianos denominam fattispecie dilegge. Daí a afirmação de Pontes deMiranda, transcrita na sentença:simples mudança de fato na susten-tação dos fundamentos da ação nãoconstitui alteração do pedido”12 (grifonosso).

Na Apelação n.146.089-1/4, 2ªCâmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado de São Paulo, em 20 deagosto de 1991, afirmou o eminenteRelator Silveira Paulilo: (...) Não sepode olvidar que “Passada emjulgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas asalegações e defesas, que a partepoderia opor assim ao acolhimentocomo à rejeição do pedido”. É o quediz o art. 474 do CPC. Enfática, ainda,nesse sentido, a lição da egrégia 4ªCâmara Civil deste Tribunal: “Quandoexamina se ocorre ou não nulidade dearrematação, o juiz não fica adstritoaos fundamentos invocados pelaparte. Esta apenas aponta o fato. Ojuiz lhe dá o Direito: Da mihi factum,dabo tibi ius. Se já foi decidido que apraça não é nula porque não houveirregularidade da arrematação, nãopode a parte volver a juízo espo-sando a mesma pretensão e variandoapenas o fundamento” (cf. RT 605/46)(grifo nosso).

Em ambas o fato jurídico éúnico: autuação do impetrado pelaentidade autárquica previdenciária,sendo que por intermédio do PoderJudiciário quer ver desconstituída. Aobtenção de certidão negativa dedébito não consubstancia pretensãoautônoma, mas mera conseqüência doacolhimento da primeira.

Para tanto, vale-se de diversosargumentos desdobrados para fun-damentar sua pretensão descons-titutiva, enquanto deveria utilizá-los deuma só vez, sob pena de estarmaculando a salutar disciplina do art.474 do Código de Processo Civil,dispositivo este que alberga osprincípios da igualdade processual(art.125, inc. I, do Código de Proces-so Civil) e da paridade de armas, queinformam o Direito processual comoum todo.

O supra indigitado art. 474, aoestabelecer que (...) passada emjulgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas asalegações e defesas que a partepoderia opor assim ao acolhimento

como à rejeição do pedido, está,verdadeiramente, a consagrar o prin-cípio da eventualidade, inserido no art.300 da Lei Adjetiva, às avessas.Resta, assim, assegurado o trata-mento isonômico preconizado peloart. 5º, caput, da Constituição daRepública.

Nesse diapasão, pode-secategoricamente afirmar, em síntese,a fim de definir o preciso conceito delitispendência, que a causa de pedirnão se confunde com os argumentosdos quais se vale o demandante paraembasar a pretensão deduzida.Afigura-se inconcebível admitir que atese autoral seja desmembrada emdiversos argumentos e pulverizada aolongo de tantos processos quantossejam necessários até ulterior suces-so, pois tal expediente acarretaprejuízo para a defesa do réu e colidefrontalmente com o princípio do juiznatural.

Insatisfeito com a improce-dência da pretensão deduzida, aodemandante não é permitido alterarseus argumentos e ajuizar nova(rectius: a mesma, em verdade) açãoperante outro juízo, a fim de, em umasegunda tentativa, obter outra chancede sucesso.

Com efeito, os argumentostécnico-jurídicos dos quais se utilizao demandante para dar supedâneo àtese esposada não se prestam àindividualização da causa de pedir,sob pena de se admitir o desmem-bramento em tantas ações quantasforem os diversos argumentos, emevidente afronta aos ditames do art.474 do CPC e, por conseguinte, aosprincípios processuais de lealdade,boa-fé e igualdade das partes.

A argumentação jurídica nãointegra a individualização da causapetendi. A qualificação jurídica seinclui na motivação ou fundamentaçãojurídica da pretensão, mas não naindividualização da causa de pedirnem, por fim, no objeto do processo.

Há de se observar que o efeitoprático a ser alcançado com a tutelaestatal é rigorosamente o mesmo nasduas ações entre as quais sustenta-se a ocorrência de litispendência.

Impende trazer à colação aelucidativa lição de Francisco MálagaDiéguez13, in verbis:

Por último, es preciso subrayarque la causa petendi comprendeúnicamente hechos: la calificación yargumentación jurídicas no integran elobjeto del juicio, sino más bien lafundamentación o motivación de lademanda, ya que los elementosjurídicos alegados en la misma no

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vinculan al Juez por obra de losaforismos iura novit curia y da mihifactum et dabo tibi ius. No pretendenegarse aquí el importante papel quela norma jurídica juega en laconfiguración de la causa de pedir,pues es evidente que ésta sólocomprende aquellos hechos que, aloriginar e individualizar la acción quese ejercita, han sido previstos pordicha norma como imprescindiblespara la concesión de la tutela judicialque se pretende. Sin embargo, estaexigencia de relevancia normativa noimpide distinguir los hechos de sufundamentación jurídica, de suerteque, si los primeros coinciden ensendos juicios, la divergencia en unode los elementos de la segunda(denominación de la acción,calificación jurídica) no obsta en modoalguno a la existencia de identidadcausal. En este punto, debesuscribirse por tanto la teoría de lasustanciación, en demérito de la teoríade la individualización, según la cualsólo integran la causa petendi “elderecho o razones jurídicasdeterminantes de lo que se pide”, asícomo de la denominada teoríasincrética, según cuyos postulados lacausa de pedir ha de estar“fácticamente sustanciada yjurídicamente individualizada”.

En la dirección que aquí sepropone apunta como una parte de lajurisprudencia más reciente de la Sala1ª del Tribunal Supremo, queconceptúa la causa petendi como “elrelato fáctico que fundamenta laacción y desemboca unas concretaspeticiones”. No obstante, tambiénexisten numerosas sentencias en lasque parece suscribirse la mencionadateoría sincrética, al afirmarse queintegran dicha causa los hechos y sucalificación jurídica. A pesar de estosúltimos pronunciamientos, debeconcluirse que, si en dos juicios seformula la misma pretensión entre lasmismas partes, basada en losmismos hechos individualizadores, elmero cambio de calificación jurídicano altera ni transforma la causa depedir, y por tanto el segundo Juezdeberá admitir la eficacia excluyentede la litispendencia.

Conforme recente pesquisa najurisprudência italiana14:

Em caso de ação declaratóriatendo por objeto a validade de umnegócio, a sentença de procedênciapreclui ao réu rediscutir tal relação,exercitando em separado juízo quepretenda anulá-la que podia e sabiapoder exercitar já no curso do primeiroprocesso.

Segundo Ernesto Fabiani, talsolução parece impor-se por força:

• do princípio pelo qual ojulgado cobre (não só o deduzido mastambém) o deduzível, a menos quese queira anular esse princípio;

• do princípio – prevalente sejaem doutrina seja em jurisprudência –pelo qual o julgado preclui mesmo asações relativas a direitos diversosdaquele declarado, mas com eleincompatíveis – quer tenham eficáciaimpeditiva, modificativa ou extintivaa respeito da situação subjetivadeduzida – e deduzíveis em via deexceção ou de demanda recon-vencional no primeiro processo (naespécie, direitos do réu de impug-nativa do negócio declarado exis-tente);

• da própria essência do jul-gado, que se veria de outro modotornada vã se se considerassepossível que o “bem da vida” por eleatribuído possa sucessivamente serreposto em discussão medianteinstauração de um novo juízo.

Vejamos elucidativos posicio-namentos jurisprudenciais que de-notam a distinção que ora se pretendedemonstrar:

Filiação. Segunda ação deinvestigação da paternidade. Causade pedir da primeira distinta da causapetendi da segunda. Inexistência deofensa à coisa julgada. CCB, art. 363.

Pelo disposto nos incs. do art.363 do CCB, o filho dispõe de trêsfundamentos distintos e autônomospara propor a ação de investigaçãoda paternidade. O fato de ter sidojulgada improcedente a primeira açãoque teve como causa de pedir aafirmação de que ao tempo da suaconcepção a sua mãe estava concu-binada com seu pretendido pai, nãolhe impede de ajuizar uma segundademanda, com outra causa petendi,assim entendida que a sua concep-ção coincidiu com as relações sexuaismantidas por sua mãe com seupretendido pai.

São dois fundamentos dife-rentes, duas causas de pedir dis-tintas, e a admissibilidade do proces-samento da segunda ação nãoimporta em ofensa ao princípio daautoridade da coisa julgada15.

Processual Civil. Administra-tivo. Mandado de Segurança. Ser-vidora Pública Estadual. Remoção.Litispendência. Ocorrência.

• O mandado de segurança,embora seja uma ação de naturezaconstitucional destinado à proteçãode direito líqüido e certo contra atoilegal ou abusivo de poder emanadode autoridade pública, é reguladosubsidiariamente pelo Código deProcesso Civil e, portanto, devesubmeter-se ao comando do art. 267,V, que prevê a extinção do processosem julgamento de mérito quandoverificado o instituto da litispen-dência.

• Nos termos da nossa leiinstrumental civil, reputam-se idên-ticas duas ações quando houveridentidade entre as partes, a causade pedir e o pedido (art. 301, § 2º, doCPC).

• Em consonância com taisconceitos, ocorre a litispendência nahipótese em que servidora públicaestadual postula o reconhecimento dodireito à remoção para acompanharmarido, funcionário público estaduallotado na Secretaria de Fazenda,reproduzindo pleito formulado emação mandamental anteriormenteajuizada, em curso, sendo irrele-vantes, in casu, os novos docu-mentos anexados quanto à situaçãofuncional e residencial de seu cônjuge.

• Recurso ordinário despro-vido16.

(...) a causa de pedir não seconfunde com osargumentos dos quais sevale o demandante paraembasar a pretensãodeduzida. Afigura-seinconcebível admitir que atese autoral sejadesmembrada em diversosargumentos e pulverizadaao longo de tantosprocessos quantos sejamnecessários até ulteriorsucesso, pois tal expedienteacarreta prejuízo para adefesa do réu e colidefrontalmente com oprincípio do juiz natural.

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VI CONCLUSÃO

O mesmo fato jurídico poderender ensejo a diversas conse-qüências. A fim de impugná-las, ojurisdicionado não pode desmembrarsua pretensão ao longo de diversosargumentos para engendrar, supos-tamente, distintas ações, sob penade investir contra o mandamentoprocessual insculpido no art. 474 daLei Adjetiva.

Com efeito, o princípio daeventualidade existe para ambos oslitigantes, com vistas a preservar aigualdade entre eles, a segurançajurídica e a consecução da esta-bilidade nas relações sociais.

Logo, conforme o caso, existirácoisa julgada ou litispendênciaquando o demandante retornar a juízo,com novos argumentos, mas ata-cando o mesmo fato jurídico geradorde sua irresignação e suas diversasconseqüências. Nesse diapasão, éde se acolher preliminar de litispen-dência ou coisa julgada para extingüiro segundo processo, sem julgamentodo mérito, na forma autorizadora doart. 267, inc. VI, do Código deProcesso Civil.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Art. 17, caput, da Lei n. 1.533, de 31 dedezembro de 1951.

2 DIÉGUEZ, Francisco Málaga. LaLitispendência. Barcelona: José MariaBosch Editor, 1999.

3 ALVIM, Eduardo Arruda. Curso de DireitoProcessual Civil. v. 1. São Paulo: Revistados Tribunais, 1999.

4 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O NovoProcesso Civil Brasileiro. 15. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1993.

5 FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil.Rio de Janeiro: Forense, 2001.

6 ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações.1. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dosTribunais, 1991.

7 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo;GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO,Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo.9. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros,1993.

8 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Cursode Direito Processual Civil. v. 1. 19. ed. Riode Janeiro: Forense, 1997.

9 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. TeoriaGeral do Processo Civil. São Paulo: Revistados Tribunais, 1997.

10 TUCCI, José Rogério Cruz e. A causapetendi no Processo Civil. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1993.

11 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual deDireito Processual Civil. v. 1. 4. ed. SãoPaulo: Saraiva, 1996.

12 No mesmo sentido, vide acórdão do 2ºTribunal de Alçada Cível na Apelação n.211.720-8, 5ª Câmara, 22/12/87, Relator

Alves Bevilacqua: JTACSP, Lex, n. 110, p.286.

13 DIÉGUEZ, 1999.14 FABIANI, Ernesto. Interesse ad agire, mero

accertamento e limiti oggettivi del giucato.Rivista di Diritto Processuale, ano LXIII, n.2, abr./jun. 1998, p. 545-577.

15 Superior Tribunal de Justiça, RecursoEspecial n. 112.101-RS, Rel. Min. CesarAsfor Rocha, J. 29/6/00, DJ 18/9/00.

16 Superior Tribunal de Justiça, RecursoOrdinário em Mandando de Segurança n.8.240 – MG, Relator Ministro Vicente Leal,Sexta Turma, data da decisão: 24 de junhode 1999.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BOTELHO DE MESQUITA, José Ignácio.Conteúdo da causa de pedir. In: Consultas ePareceres. Revista dos Tribunais, São Paulo,n. 564, p. 41-51, out. de 1982.GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendênciaem ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.

ABSTRACT

Theophilo Antonio Miguel Filho é JuizFederal e Diretor do Foro da SeçãoJudiciária do Estado do Rio de Janeiro.

The article is centered on the devicesof the Code of Civil Procedure that deals withthe pendente lite institute, which constitutesitself in a problem to the Judiciary machine,that is in the contingency of appreciating a samematter several times, placing at risk the juridicalsecurity and various procedural principles, suchas the natural judge, the free distribution, theprocedural loyalty and the res judicata.

It stresses that the writ of mandamus isone of the most utilized ways to decomposethe authorial thesis in so many actions asneeded in order to make it well succeed, in theface of its rite holds judicial provision initio litis,as well as counts upon the legal benefit of thepriority for judgment.

It affirms that the study of the matter isimposed to preserve the integrity of the severalprocedural principles, cohibiting, therefore, theproliferation of practices and procedures thatweaken both the juridical security and thecredibility of the judicial pronouncements.

KEYWORDS – Code of Civil Procedure;pendente lite; Judiciary Power; proceduralprinciple; writ of mandamus.