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    DIREITO DO TRABALHO I

    PROF. MARIA DO ROSRIO PALMA RAMALHO

    Faculdade de Direito de Lisboa

    DISCLAIMER

    Estes apontamentos no dispensam o estudo dos manuais recomendados peloProfessor Regente e Assistente.

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    PARTE I: INTRODUO

    1. DOGMTICA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO

    1: NOO LEGAL

    O nosso ordenamento jurdico dispe de uma noo legal de contrato de trabalho: o

    contrato de trabalho aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuio, a

    prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direco destas (art.

    10).

    Partindo desta noo legal, conseguimos delimitar o conceito de contrato de trabalho

    recorrendo aos seguintes elementos:

    Actividade produtiva: a actividade laboral valoriza-se por si mesma e no

    pelos resultados em que se traduza. Este elemento coincide com o conceito

    jurdico deprestao, uma vez que uma conduta desenvolvida no interesse

    do credor. Mais concretamente, trata-se de uma prestao defacto positiva.

    Actividade livre: o requisito da liberdade deve ser entendido de duas

    perspectivas enquanto liberdade do trabalhador enquanto homem, e

    enquanto acto voluntrio no imposto por nenhuma das partes. A importncia

    histrica deste elemento bvia.

    o Da conjugao destes dois elementos isolamos o conceito de

    actividade produtiva livre, o qual engloba realidades como o trabalho

    subordinado, que ser nesta sede estudado.

    Actividade retribuda: a retribuio o elemento essencial do contrato de

    trabalho, uma vez que consiste no corolrio do requisito da liberdade do

    prestador o trabalho servil no pago.

    Actividade desenvolvida em situao de dependncia: necessrio que o

    trabalhador se encontre numa posio de dependncia ou de subordinao em

    relao ao credor. Este elemento encontra-se patente na noo legal supra

    (sob a autoridade e direco [do empregador]). A maioria doutrinriaprefere a expresso heterodeterminao para indicar que o contedo do

    elemento de trabalho determinado pelo credor. Mais do que reconduzir este

    elemento actividade de trabalho em si, ROSRIO PALMA RAMALHO prefere

    evidenciar a dimenso subjectiva da dependncia pessoal do trabalhador.

    Actuao jurdica privada do credor do trabalho: o trabalho subordinado

    privado aquele que interessa ao Direito do Trabalho, pelo que no

    estudaremos o regime da funo pblica (na qual o ente pblico actua munido

    de ius imperii).

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    2: NOO PROPOSTA

    Face ao que foi exposto supra, adoptaremos a noo de trabalho subordinado

    enquanto modalidade de actividade laborativa: actividade humana produtiva, destinada ab

    initio satisfao das necessidades de outrem, desenvolvida a ttulo oneroso para um sujeitoprivado ou que actua como tal, por um trabalhador livre e dependente.

    Nestes termos, o trabalho subordinado constitui o fenmeno nuclear do Direito do

    Trabalho.

    2. FONTES DO DIREITO DE TRABALHO

    1: O SISTEMA DE FONTES LABORAIS

    As fontes do Direito do Trabalho podem dividir-se em:

    Fontes internacionais:

    o Direito Internacional

    o Direito Comunitrio

    Fontes internas comuns

    Fontes laborais internas especficas

    o Autnomas

    o Heternomas

    2: HIERARQUIA DE FONTES

    As fontes juslaborais obedecem seguinte hierarquia:

    1. CRP

    o Direito Internacional geral

    Direito Comunitrio originrio

    o Direito Comunitrio derivado

    2. Lei

    3. IRCT

    4. Regulamento Interno de Empresa (RIE)5. Costume

    6. Usos

    Esta primeira abordagem insuficiente, uma vez que podemos observar casos de

    conflitos hierrquicos entre algumas fontes, pelo que cumpre apreciar.

    3: A CONSTITUIO

    A Constituio encontra-se no topo da hierarquia das fontes do Direito do Trabalho.

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    Neste mbito, a matria que assume maior importncia so os princpios

    constitucionais de incidncia laboral. Assim, temos princpios que:

    Se dirigem a todos os trabalhadores, subordinados ou no:

    o Direito ao trabalho(art. 58, n 1 CRP)

    o Direito de acesso a cargos pblicos (art. 50, n 1 CRP)

    o Liberdade de circulao (art. 44 CRP)

    o Acidentes de trabalho (art. 59, n 1 f) CRP)

    o Liberdade de escolha da profisso (art. 47 CRP)

    Se dirigem apenas aos trabalhadores subordinados (do sector privado e

    pblico):

    o Segurana no emprego

    o Proibio de despedimento sem justa causa (art. 53 CRP)

    o Direito a frias (art. 59 CRP)

    o Retribuio e tempo de trabalho

    o Liberdade sindical (art. 55 CRP)

    o Greve (art. 57 CRP)

    o Negociao colectiva (art. 56 CRP)

    Coloca-se, a este respeito, o problema da denominada eficcia civil ou horizontal dos

    direitos laborais fundamentais, ie, at que ponto podem estes direitos ser invocados no

    contedo de vnculos de natureza privada e entre sujeitos privados (j que foram

    originariamente concebidos enquanto prerrogativas dos cidados perante o Estado).

    VITAL MOREIRA e GOMES CANOTILHO sustentaram que as normas constitucionais

    obrigam as entidades privadas do mesmo modo que obrigam as entidades pblicas.

    J JORGE MIRANDA considera que s se verifica a eficcia directa e imediata dos

    direitos fundamentais nos vnculos privados nos casos em que uma das partes detm uma

    posio de poder ou de autoridade e com base num argumento de identidade de razo com os

    vnculos pblicos. A relao de trabalho , pois, uma relao de poder e o trabalhador pode

    invocar o direito fundamental contra o empregador, mas no o inverso.

    Por fim, MENEZES CORDEIRO assume uma posio mais restritiva, segundo a qual aeficcia civil dos direitos fundamentais no directa, carecendo necessariamente da

    mediao de princpios gerais (vg princpio da boa f ou abuso do direito), no s pela

    natureza privada dos entes jurdicos em questo e dos interesses em jogo, mas tambm pelos

    riscos de utilizao disfuncional que uma posio demasiado aberta poderia envolver.

    Estabelece, de seguida, a distino entre direitos fundamentais de incidncia laboral e

    direitos fundamentais que assistem ao trabalhador e ao empregador, no nessa qualidade mas

    enquanto pessoas ou cidados (vg reserva da intimidade da vida privada, liberdade poltica e

    religiosa, exames mdicos, discriminaes, tratamento de dados pessoais, etc.).

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    Neste sentido, ROSRIO PALMA RAMALHO sustenta que os direitos fundamentais de

    incidncia laboral podem ser directamente invocados no vnculo de trabalho, desde que

    revistam natureza preceptiva (art. 59, n 1 a) CRP), e no programtica (natureza

    programtica: a norma no de aplicao imediata para os particulares, uma vez que estes

    tm que invocar a inconstitucionalidade por omisso contra o Estado, e no contra outrosparticulares). A autora defende o reconhecimento da eficcia civil dos direitos fundamentais

    no domnio laboral, j que o vnculo laboral engloba dois elementos essenciais: o elemento de

    poder e o elemento de pessoalidade.

    Conclui-se: eventuais restries a estes direitos fundamentais devem ser limitadas ao

    mnimo, assegurando-se a salvaguarda do contedo essencial dos mesmos.

    Perante uma norma constitucional devemos classific-la da seguinte forma:

    1 critrio: quanto ao mbito de aplicao norma que se aplica a todos os

    trabalhadores, ou apenas aos trabalhadores subordinados?

    2 critrio: quanto matria norma que se aplica a situaes individuais

    laborais ou ao direito colectivo do trabalho?

    3 critrio: quanto eficcia civil norma preceptiva ou programtica?

    Os direitos fundamentais de incidncia laboral so susceptveis dos seguintes limites:

    Limites imanentes: inerentes a qualquer direito (j que nenhum direito

    absoluto ou ilimitado) e podem conduzir a situaes de abuso do direito (art.

    334 CC) exemplo: despedimento de dois trabalhadores que tiveram relaes

    sexuais no local de trabalho, descobertos porque algum espreitara pela

    fechadura da porta (justificado, na opinio de ROSRIO PALMA RAMALHO,contra MENEZES CORDEIRO).

    Limites extrnsecos: decorrem do relevo de outros interesses ou direitos (vg

    direito fundamental do prprio empregador, como o direito livre iniciativa

    econmica arts. 61, 80 c) e 86 CRP), que podem entrar em coliso com os

    direitos dos trabalhadores. A soluo parte da cedncia recproca e

    equilibrada dos direitos em confronto, ou da prevalncia do direito

    correspondente ao interesse que, no caso concreto, seja superior (coliso de

    direitos, art. 335 CC). Exemplos em que os interesses da organizao devemprevalecer:

    o Trabalhador numa loja do Benfica que ostenta um cachecol do

    Sporting: liberdade de imagem do trabalhador vs direito imagem da

    empresa de tendncia.

    o Mdico recusa-se a ser submetido a um teste ao vrus da SIDA: direito

    integridade fsica vs direito sade dos pacientes. Ao negar-se a

    fazer o teste, viola ilegitimamente o dever de obedincia e h

    fundamento para despedimento com justa causa (art. 19).

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    o Trabalhador despedido de uma empresa por ter praticado o crime

    de furto noutra empresa.

    o Muulmano que trabalha numa fbrica de cerveja no pode invocar a

    liberdade religiosa para no se deslocar ao local de trabalho.

    o O mdico catlico pode recusar-se a praticar IVG, por razes ticas,mas no depois de ter concorrido para trabalhar numa clnica de

    abortos.

    o Um partido poltico de direita pode despedir um empregado que se

    assuma de partido poltico oposto.

    Limites voluntrios: podem decorrer da vontade do prprio trabalhador

    (auto-limitaes) ou do acordo entre o trabalhador e o empregador, exarado

    no CT. ROSRIO PALMA RAMALHO prope a aplicao conjugada do regime

    de tutela de direitos, liberdades e garantias (art. 18 CRP) e do regime daproteco dos direitos de personalidade (art. 81 CC). Admitida a eficcia

    privada dos direitos fundamentais, qualquer pacto ou declarao do

    trabalhador no sentido da restrio desses direitos fundamentais tem que

    reconduzir-se ao mnimo e deve deixar intocado o contedo essencial

    daqueles direitos (sob pena de invalidade). Mesmo os limites voluntrios so

    limitados.

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    CASOS PRTICOS

    1.

    Em 2008 foi assinado um acordo entre a Associao de Empregadores do Norte do

    Sector do Comrcio e o Sindicato dos Trabalhadores do Norte do Sector do Comrcio.

    Associaes de empregadores (arts. 506 ss): pessoas laborais colectivas que

    representam os interesses dos trabalhadores, enquanto tais. Constituem o

    parceiro natural das associaes sindicais.

    Associaes sindicais (art. 451 c) e 475 ss): associaes privadas cujo

    objectivo a defesa dos interesses scio-profissionais dos trabalhadores,

    entre as quais se conta o sindicato, ou associao sindical stricto sensu (art.

    476 a)).

    O acordo celebrado entre estas duas entidades, em representao dos seus

    membros, designa-se conveno colectiva de trabalho (doravante, CCT) e

    consiste num IRCT negocial (instrumento de regulamentao colectiva de

    trabalho). Visa regular as situaes juslaborais individuais e colectivas numa

    profisso ou num sector de actividade, numa determinada rea geogrfica ou

    no mbito de uma empresa.

    Mais concretamente, a CCT em apreo um contrato colectivo (art. 2, n 3a)): conveno celebrada ente associaes sindicais e associaes de

    empregadores. O critrio distintivo das trs modalidades de CCT consagradas

    na lei (contrato colectivo, acordo colectivo e acordo de empresa: CC, AC e

    AE, respectivamente) reside na qualidade dos entes laborais outorgantes.

    Atendendo ao mbito substancial de aplicao das CCT, estas podem ser (art.

    535):

    o CCT horizontais: aplicveis a uma profisso ou a uma categoria

    profissionalo CCT verticais: aplicveis a um sector de actividade econmica

    No caso em estudo, o CC vertical, aplicvel ao sector do comrcio.

    Esse acordo inclua a seguinte norma, actualizada para esse ano: o salrio

    mnimo dos trabalhadores de 500.

    A, balconista numa loja de roupa do Porto (inscrita naquela associao de

    empregadores), sindicalizado h muito no referido sindicato, teve conhecimento daquela

    norma e, questionando a sua validade face retribuio mnima garantida por lei

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    (426/ms para 2008, ao abrigo do art. 266), tem dvidas sobre o valor correcto do seu

    salrio.

    A est sindicalizado no sindicato outorgante do CC: decorre do princpio da

    filiao, consagrado no art. 552, que uma CCT apenas obriga osempregadores que a subscrevam ou que estejam inscritos na associao de

    empregadores outorgante, bem como os trabalhadores ao servio desses

    empregadores, desde que estes sejam membros das associaes sindicais

    outorgantes. Neste caso, ao contrato de trabalho de A (doravante, CT) aplica-

    se o CC vertical em causa, bem como qualquer outra CCT que venha a ser

    acordada.

    A norma do CC prev a remunerao de 500, em contraste com a previso

    legal que consagra o salrio mnimo de 426/ms (art. 266). Estamos peranteum conflito hierrquico entre duas fontes do Direito do Trabalho: os IRCT (CC,

    no caso) e a lei (o Cdigo do Trabalho).

    O conflito em causa hierrquico na medida em que contrape fontes de

    Direito do Trabalho de diferente grau hierrquico: a lei situa-se, em princpio,

    num patamar superior ao do IRCT. Todavia, esta situao pode ser invertida,

    em termos que veremos infra.

    Impe-se a resoluo de uma questo prvia, antes da resposta a este

    conflito:

    o 1: o IRCT foi validamente celebrado? sem dados que apontem em

    sentido inverso, defenderemos que sim: pelo menos, as partes

    outorgantes correspondem quelas legalmente previstas para a

    celebrao do CC (art. 2, n 3 a)).

    o 2: o IRCT aplica-se a este trabalhador? A est filiado, pelo que a

    resposta no pode deixar de ser afirmativa, por fora do princpio da

    filiao (art. 552).

    Respondida a questo prvia supra, cumpre qualificar a norma legal em causa

    (art. 266), para saber como e at que ponto pode a fonte laboral inferior (oIRCT) afastar a fonte laboral superior (a lei). A classificao da norma laboral

    impe-se no s quanto s normas legais, mas tambm quanto s normas que

    constem de IRCT. As normas laborais podem corresponder a trs categorias:

    o Normas supletivas: normas que admitem o seu afastamento em

    qualquer sentido (mais ou menos favorvel), quer por fonte de valor

    inferior, quer pelo CT.

    o Normas imperativas absolutas: normas que no admitem o seu

    afastamento em qualquer sentido, seja ele mais ou menos favorvel.

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    o Normas imperativas mnimas: normas que admitem o seu afastamento

    apenas no sentido em que mais favorea o trabalhador, quer por

    fonte de valor inferior, quer pelo CT. Sob outra perspectiva, estas

    normas so imperativas absolutas quanto s condies mnimas que

    prescrevem. nesta categoria que se insere a norma que consta do art.

    266: imperativa absoluta quanto ao montante mnimo da

    remunerao garantida (426) e imperativa mnima face a

    normas que consagrem um valor superior a esse limite

    (necessariamente mais favorvel ao trabalhador).

    o No restam dvidas quanto classificao da norma laboral, pelo que

    no necessrio recorrer presuno de supletividade da norma

    legal perante o IRCT: concluiremos pela possibilidade de o CCprevalecer sobre o art. 266, nos termos gerais do art. 4, n 1, uma

    vez que daquela norma no resulta a sua imperatividade absoluta,

    mas sim a sua imperatividade mnima (quanto a valores acima dos

    426/ms).

    A norma do CC vlida e aplica-se a A, passando este a auferir 500/ms.

    Ao tempo da celebrao daquele acordo, A, empregado daquela loja desde 2002,

    auferia efectivamente 300/ms a tempo inteiro, apesar de no seu contrato de trabalho

    constar a retribuio de 600, em letras miudinhas.

    A remunerao de 300/ms contraria o disposto no art. 266: conforme

    exposto supra, esta norma imperativa absoluta relativamente a outras

    normas que consagrem um valor remuneratrio inferior a 426/ms, e

    imperativa mnima quanto a montantes superiores a essa fasquia legal. Para

    mais, A desconhece, sem culpa, que deveria auferir 600 (est de boa f,

    enfim).

    Questiona-se se a prtica reiterada da remunerao de apenas 300/ms,desde 2002, quando o montante que consta do CT outro, pode ser

    considerada um uso laboral, maxime um uso contrrio boa f (art. 1). Por

    uso entende-se a prtica social reiterada no acompanhada de convico de

    obrigatoriedade (vs costume). Enquanto fonte do Direito, em termos gerais,

    os usos s so atendveis quando a lei o determine expressamente, e desde

    que no contrariem a boa f (art. 3 CC). No caso do Direito do Trabalho, o

    art. 1 dispe no mesmo sentido. Todavia, para que uma prtica social seja

    considerada um uso, esta deve ser bilateral. No o caso.

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    Ainda que considerssemos tratar-se de um uso, seria um uso laboral

    contrrio boa f, uma vez que reiteradamente foi paga a A a quantia de

    300, quando deveria auferir efectivamente 600.

    Quanto ao montante da retribuio, conforme consta do CT, cumpre apreciar:

    o Forma de celebrao do CT: no depende da observncia de forma

    especial (princpio do consensualismo), pelo que a forma escrita

    opcional.

    o Quando as partes optem por reduzir o CT a escrito, maxime tratando-

    se de um CT de adeso (art. 95), o regime das CCG -lhe aplicvel

    (art. 96). Esta questo releva para efeitos da discusso da validade

    de clusulas contratuais redigidas em letra demasiado reduzida: seria

    exigvel que A tivesse conhecimento do contedo das mesmas? No

    nos parece.o Mesmo que a remunerao de 300 tivesse sido acordada a posteriori,

    verbalmente, as estipulaes acessrias posteriores celebrao do

    CT consideram-se excludas do mesmo, nos termos gerais (art. 221

    CC).

    Conclui-se: a prtica reiterada de ser atribuda a remunerao de 300 a A

    no considerada um uso laboral e , por isso, irrelevante.

    Assumiremos que A deve receber o montante que efectivamente consta do CT

    por si celebrado: 600. Cumpre, pois, analisar os seguintes conflitos:

    o CT vs lei (art. 4, n 3 e 114. n 2): o conflito entre o CT (600) e a

    lei (art. 266 - 426) no um conflito hierrquico, uma vez que o CT

    no fonte juslaboral. Verificada a questo prvia da validade de

    ambas as normas e da sua aplicao a este trabalhador (pelo princpio

    da filiao), e classificada a norma legal em causa (imperativa

    mnima, quanto a valores acima da fasquia dos 426), conclui-se que

    a norma legal pode ser afastada pelo CT, uma vez que este dispe em

    sentido mais favorvel (600 > 426). A clusula do CT vlida.

    o CT vs CC (art. 531): o conflito entre o CT (600) e o CC (500)

    tambm no um conflito hierrquico, pelas mesmas razes supra.

    Verificada a questo prvia da validade de ambas as normas e da sua

    aplicao a este trabalhador (pelo princpio da filiao), e classificada

    a norma que consta desse CC (imperativa mnima, admitindo

    afastamento por CT mais favorvel), conclui-se pela aplicao do CT a

    A (agora em termos rigorosos, quanto ao montante de 600).

    A tem o direito de auferir 600/ms, ao abrigo do seu CT.

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    A dirige-se ao seu empregador e, colocando-lhe a questo, este argumenta que se

    encontra em vigor naquela loja um regulamento interno que estabelece que os

    balconistas s podem auferir 300.

    A desconhecia tal regulamento, uma vez que este no se encontrava visvel na

    loja.

    O regulamento interno da empresa (RIE) , segundo ROSRIO PALMA

    RAMALHO, fonte de Direito do Trabalho. Previsto nos arts. 95, n 1 e 153, o

    RIE , em princpio, facultativo e constitui um instrumento de importncia

    crescente na regulao de matrias como a segurana, sade e higiene no

    mbito da empresa.

    O RIE assume duas facetas:

    o Faceta negocial (art. 95, n 1): funo integradora do contedo do

    CT, uma vez que este no est, em princpio, sujeito a forma

    especial.

    o Faceta normativa (art. 153): funo organizativa e disciplinadora

    das relaes laborais, ao abrigo do poder de direco do

    empregador.

    A qualificao do RIE enquanto fonte juslaboral no pacfica:

    o ROMANO MARTINEZ: acentua a faceta negocial do RIE para, assim,

    negar a sua qualificao enquanto fonte laboral.

    o MENEZES CORDEIRO: invoca a generalidade e abstraco das

    disposies do RIE para, assim, afirmar a sua qualificao enquanto

    verdadeira fonte laboral. Neste sentido, tambm se pronuncia

    ROSRIO PALMA RAMALHO. Com efeito, a generalidade e abstraco

    das normas impostas pelo RIE torna-as aplicveis a todo o universo de

    trabalhadores da empresa, presentes ou futuros. , contudo, fonte

    de direito mediata, na medida em que depende da celebrao de CT.

    Ainda que sustentemos a sua qualificao como fonte de direito, em sentido

    prprio ou meramente mediata, o RIE s pode estar, em termos hierrquicos,em patamar inferior lei e aos IRCT, no elenco das fontes juslaborais.

    No caso, o RIE regulava a retribuio dos trabalhadores, matria que se

    considera integrante da faceta contratual desta figura (arts. 95 e 98 h)).

    Todavia, s podemos recorrer ao mecanismo de adeso, expressa ou tcita,

    ao RIE se o procedimento de emisso do mesmo estiver conforme o art. 153.

    Tendo sido desrespeitado o nus de dar a devida publicidade ao RIE, pelo

    empregador, nos termos do art. 153, n 3, este no pode invocar a adeso

    tcita ante o silncio do trabalhador, consagrada no art. 95, n 2. Neste

    mbito, dois cenrios possveis se adivinham:

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    o 1: o trabalhador contratado, estando j em vigor um RIE, depois

    de devidamente publicitado desconhece, sem culpa, nem

    obrigado a conhecer.

    o 2: o trabalhador contratado e s depois entra em vigor um RIE,

    devidamente publicitado a existncia do RIE presume-se ser doconhecimento do trabalhador (art. 95, n 2).

    No caso em apreo, o RIE no pode ser invocado pelo empregador uma vez

    que nulo por violao de disposio imperativa (art. 266 - mnimo de

    426), nos termos gerais (art. 294 CC).

    Mesmo que se conclusse pela sua aplicao, a regra prevista no RIE (300)

    seria menos favorvel que aquela que consta do CT (600), e cairia

    necessariamente no confronto com este (considerando a hierarquia das

    fontes juslaborais). A deve, por isso, auferir 600/ms, nos termos do seu CT.

    O empregador acrescentou que, mesmo antes de entrar em vigor o regulamento,

    esta regra (300/ms) era h muito aplicada a todos os balconistas.

    O empregador invoca um uso da empresa (prtica social reiterada),

    juridicamente atendvel se no for contrrio boa f (art. 1). O uso situa-se

    no sop da hierarquia das fontes juslaborais.

    O uso em questo viola o art. 266, referente ao salrio mnimo nacional,

    norma essa que imperativa absoluta at ao valor de 426, e quanto a

    normas que consagrem montantes inferiores.

    O uso contrrio lei e, consequentemente, nulo (art. 3 CC), sem produzir

    quaisquer efeitos.

    A deve ainda auferir 600/ms, nos termos do seu CT.

    A tentou esclarecer-se junto de um colega, que lhe disse que entretanto soube de

    um regulamento de extenso recentemente elaborado que prev 600/ms para os

    balconistas.

    O regulamento de extenso (RE), previsto nos arts. 2, n 4 e 573 ss, um

    IRCT no negocial, produto de uma deciso administrativa, atravs do qual o

    Governo (art. 574, n 1 e 2) determina o alargamento do mbito de aplicao

    de uma CCT ou de uma deliberao arbitral. Esse alargamento pode ter um

    duplo alcance, nos termos do art. 575, n 1 e 2:

    o Regulamento de extenso interna (n 1): alargamento do mbito deaplicao de uma CCT a empregadores que no a outorgaram

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    inicialmente e que se situam no mesmo sector de actividade, e a

    trabalhadores da mesma profisso que no sejam membros das

    associaes outorgantes daquela CCT.

    o Regulamento de extenso externa (n 2): alargamento do mbito de

    aplicao de uma CCT a empregadores e trabalhadores do mesmosector profissional, quando no existam associaes sindicais ou de

    empregadores.

    Os RE pretendem integrar o vazio de regulamentao colectiva relativamente

    aos trabalhadores no filiados nas associaes sindicais outorgantes das CCT e

    aos empregadores que no as outorgaram. Permite, neste sentido, uma

    uniformizao do regime jurdico aplicvel aos trabalhadores de um

    determinado sector.

    ROSRIO PALMA RAMALHO entende que a proliferao desta prtica pode ser

    contraproducente para a autonomia colectiva, desincentivando a filiao

    sindical.

    1: No caso em apreo, o RE um IRCT horizontal, na medida em que se

    aplica profisso de balconista.

    2: Assumiremos que foi cumprido o procedimento de elaborao do RE, nos

    termos do art. 576.

    3: No conflito entre IRCT negocial (o CC que prev 500) e IRCT no

    negocial (o RE que prev 600), conflito esse que no hierrquico, por se

    encontrarem ambos no mesmo patamar, cumpre distinguir:

    o Se o RE, sendo vlido, j se encontrava em vigor aquando da

    celebrao do CC, tambm ele vlido (art. 538): o IRCT negocial (CC)

    afasta a aplicao do RE, no mbito a que respeita, mesmo que

    parcialmente invlido na sua relao com a lei (caso em que a norma

    invlida se tem por no escrita e substituda pela norma legal) no

    o caso.

    o Se o RE, sendo vlido, s entra em vigor aps a celebrao do CC,

    tambm ele vlido (art. 3): o IRCT negocial (CC) prevalece, uma vezque o RE no poderia ter sido emitido o caso.

    O RE invlido por violao de norma legal imperativa (art.

    3) e , consequentemente, nulo, nos termos gerais (art. 294

    CC). No produz quaisquer efeitos, ainda que mais favorvel

    do que o CC (600>500)! Esta concluso radica na presuno

    inilidvel de que o que foi regulamentado em termos

    colectivos mais favorvel do que o que foi imposto em

    termos administrativos, independentemente de o

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    trabalhador, com a aplicao do IRCT negocial, auferir menos

    do que auferiria com a aplicao do IRCT no negocial.

    No entender de ROSRIO PALMA RAMALHO, a concorrncia entre IRCT

    negociais e no negociais um concurso meramente aparente, pela relao

    de subsidiariedade entre estas duas categorias.

    Se o RE fosse vlido (600), este seria considerado mais favorvel do que a

    norma legal imperativa mnima (art. 266), em concurso hierrquico, e no

    poderia ser afastado pelo CT (600), uma vez que ambos estabeleciam

    condies iguais (art. 531) conflito no hierrquico.

    A tem, ainda assim, direito remunerao nos termos do seu CT (600).

    Outro colega de A avisa-o que o sindicato em que A se filiou tambm celebrou

    outro acordo, desta vez com a Associao Nacional de Empregadores de Lojas de Roupa(da qual o empregador de A tambm era membro).

    Nos termos deste acordo, o salrio mnimo previsto para os balconistas era de

    400/ms.

    Como foi dito supra, este IRCT aplica-se ao CT celebrado por A, por fora do

    princpio da filiao (art. 552): uma CCT apenas obriga os empregadores que

    a subscrevam ou que estejam inscritos na associao de empregadores

    outorgante, bem como os trabalhadores ao servio desses empregadores,

    desde que estes sejam membros das associaes sindicais outorgantes.

    O acordo em causa um IRCT negocial, mais concretamente uma CTT: acordo

    celebrado entre as duas associaes, em representao dos seus membros.

    Em termos ainda mais especficos, estamos perante um CC, face ao facto de

    se tratar de uma associao sindical e de uma associao de empregadores

    (art. 2, n 3 a)).

    Qualificando este IRCT, conclumos tratar-se de um IRCT vertical (art. 535),

    uma vez que nele nenhuma profisso identificada, mas sim todo um sector

    de actividade (o sector das lojas de roupa, no mbito do comrcio, integraprofisses como a de balconista, gerente de loja, etc.).

    Suscita-se, pois, um problema de conflito hierrquico entre IRCT e lei. J

    respondemos s duas questes prvias que se impem neste mbito:

    o 1: O IRCT foi validamente celebrado? Cremos que sim.

    o 2: O IRCT aplica-se a este caso concreto? Sim, por fora do princpio

    da filiao.

    3: Cumpre, pois, classificar a norma legal em causa. Uma vez mais, o IRCT

    versa sobre a retribuio mensal dos trabalhadores, matria essa queencontra consagrao legal no art. 266. Com efeito, e como j repetidas

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    vezes o afirmmos, esta norma imperativa absoluta at ao valor mnimo que

    prev (426), e imperativa mnima face a normas ou clusulas que prevejam

    valores superiores. No h qualquer dvida quanto qualificao desta

    norma, pelo que no necessrio recorrer presuno de supletividade das

    normas legais perante os IRCT (art. 4, n 1). Consequentemente, o CC invlido (rectius, nulo), por violao de norma

    legal imperativa (arts. 4, n 1 in fine e 533, n 1 a)), e no produz quaisquer

    efeitos, nos termos gerais (art. 294 CC). Todavia, esta nulidade meramente

    parcial, pelo que a norma nula tem-se por no escrita e, em seu lugar, cabe

    aplicar a norma legal prevalecente: o art. 266. Nestes termos, este acordo

    prev um salrio mnimo de 426/ms aos balconistas.

    Neste momento, duas CCT so aplicveis ao CT de A:

    o 1: Uma primeira CCT (CC), que previa uma remunerao de 500.

    o 2: Esta segunda CCT (CC), agora prevendo a remunerao de 426,

    conforme previsto no art. 266.

    o 3: O CT de A, de onde consta a remunerao de 600, ainda que em

    letra muito reduzida.

    Cumpre apreciar. No conflito entre a 1 e a 2, ambas IRCT, no tm

    aplicao:

    o art. 3 e 538, alternadamente: uma vez que so IRCT negociais.

    o art. 535: uma vez que so IRCT negociais verticais.

    o art. 560: uma vez que no se suscita um problema de revogao da

    1 pela 2, j que se depreende, da leitura do caso, que as partes que

    a outorgaram no foram as mesmas (para a maioria doutrinria, este

    pressuposto condio de aplicabilidade daquele regime, contra

    ISABEL VIEIRA BORGES). No estamos perante um caso de revogao

    de IRCT posterior, mas sim de um verdadeiro concurso (no

    hierrquico) entre IRCT.

    A soluo passa, pois, pela aplicao do disposto no art. 536: sublinhe-se que

    os critrios patentes nos n 1 a 6 so sucessivos, pelo que a ordem da resposta

    tem necessariamente que partir do 1 para o 2, e assim por diante. Veremos:

    o n 1 e n 2: princpio de especialidade a aplicar quando se trate de

    concurso:

    AE vs AC e/ou CC

    AC vs CC

    Aqui, temos dois CC em confronto, pelo que este caso se

    subsume aplicao dos critrios patentes dos n 3 a 6:

    critrios que solucionam todos os outros casos. Na

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    interpretao desta expresso (que consta do n 3), cumpre

    adoptar uma de duas posies possveis:

    Interpretao literal do preceito (maioria doutrinria)

    interpretando todos os outros casos em sentido

    literal, os critrios dos n 3 a 6 aplicar-se-iam aosconflitos:

    o AE vs AE

    o AC vs AC

    o CC vc CC o caso.

    Interpretao extensiva do preceito (ISABEL VIEIRA

    BORGES) interpretando todos os outros casos

    extensivamente, os critrios dos n 3 a 6 aplicar-se-

    iam aos conflitos:o DAV vs AA (deciso de arbitragem voluntria

    vs. acordo de adeso), os restantes IRCT

    negociais para alm daqueles supra (art. 2,

    n 2).

    o n 3: critrio da escolha pelos trabalhadores nada nos referido

    neste sentido, pelo que presumimos no ter havido escolha pelos

    trabalhadores.

    o n 5: critrio do IRCT mais recente no h dados para concluirmos

    neste sentido.

    o n 6: critrio do IRCT mais especfico, quanto actividade principal

    da empresa (e no quanto circunscrio geogrfica a que respeita).

    O 1 CC foi celebrado entre a Associao de Empregadores do

    Norte do Sector do Comrcio e o Sindicato dos Trabalhadores

    do Norte do Sector do Comrcio: este CC mais abrangente,

    uma vez que respeita ao sector do comrcio, em geral, ainda

    que apenas na zona Norte do pas.

    O 2 CC foi celebrado entre a Associao Nacional deEmpregadores de Lojas de Roupa e o Sindicato dos

    Trabalhadores do Norte do Sector do Comrcio: este CC

    mais especfico, uma vez que respeita ao sector das lojas de

    roupa em particular, ainda que relativamente a todo o

    territrio nacional. Este CC prevalece.

    Conclui-se: no concurso entre os dois CC, o 2 (426) prevalece sobre o 1

    (500). O 2 CC aplica-se, em termos tericos, ao CT celebrado por A, por

    fora do j enunciado princpio da filiao (art. 552). Todavia, um ltimoconflito fica por resolver:

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    No conflito entre o 2 CC (426) e o CT celebrado por A (600), conflito esse

    que no hierrquico, uma vez que o CT no fonte juslaboral, resolvidas as

    questes prvias da validade de ambos e da aplicao do primeiro ao CT de A

    (pelo princpio da filiao), concluiremos:

    o A norma prevista pelo 2 CCT (com aplicao do art. 266 no vaziolegal provocado pela invalidade parcial), uma norma imperativa

    mnima quanto a clusulas contratuais que prevejam montantes

    superiores a 426. o caso: a clusula que consta do CT de A, ainda

    que em letra reduzida, efectivamente mais favorvel (600), pelo

    que afasta a disposio do 2 CC, nos termos do art. 531.

    A mesma concluso se impe: A tem direito a auferir 600/ms, nos termos

    do seu CT.

    Perante estes distrbios na loja, o empregador de A decide assinar um acordo

    directamente com o sindicato em que A est filiado, prevendo os referidos 300 de

    salrio para todos os balconistas, com incio de vigncia em 2009.

    O acordo celebrado um acordo de empresa (AE), na medida em que uma

    CCT subscrita por uma associao sindical (Sindicato dos Trabalhadores do

    Norte do Sector do Comrcio) e por apenas um empregador, para uma

    empresa ou estabelecimento em concreto (art. 2, n 3 c)). um IRCT

    negocial (art. 2, n 2), vertical (art. 535): respeita a todo o sector do

    comrcio, e no a uma profisso em particular.

    Aplica-se ao CT de A, por fora do art. 552 (princpio da filiao).

    O AE encontra-se em conflito hierrquico com a lei (uma vez mais, o art.

    266), j que prev uma remunerao (300) abaixo da retribuio mnima

    garantida por lei (426). O conflito hierrquico, uma vez que respeita a

    duas fontes juslaborais que se encontram em patamares diferentes da

    hierarquia das fontes. Como j indicimos supra, a lei prevalece, em

    princpio, sobre o IRCT, embora desvios a esta regra geral sejam admissveis. Resolvida a questo prvia da aplicao do AE ao CT de A (princpio da

    filiao), e partindo do pressuposto que o AE foi validamente celebrado,

    cumpre classificar a norma em causa: o art. 266 uma norma imperativa

    absoluta quanto a normas e clusulas contratuais que prevejam uma

    retribuio inferior a 426. No h qualquer dvida quanto qualificao

    dessa norma legal, pelo que no cabe recorrer presuno de supletividade

    das normas legais perante os IRCT (art. 4, n 1).

    A norma do AE nula por violao de norma legal imperativa (art. 533, n 1a)) e considera-se no escrita. A nulidade meramente imparcial, pelo que o

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    vazio normativo preenchido pela norma legal em causa (o art. 266): o AE

    prev agora 426/ms para os balconistas daquela empresa.

    Todavia, impe-se o conflito entre as duas CCT que se aplicam ao mesmo CT

    celebrado por A:

    o 1 CCT: o CC que previa 500.o 2 CCT: o novo AE que prev, agora, 426.

    No estamos perante um problema de revogao da 1 CCT pela 2, posterior,

    uma vez que a aplicao do regime do art. 560 pressupe, segundo a maioria

    doutrinria, que as partes que celebraram as duas CCT foram as mesmas

    (contra ISABEL VIEIRA BORGES). No sendo este o caso, repetiremos os

    passos supra quanto ao conflito entre dois IRCT (conflito no hierrquico, por

    se encontrarem no mesmo patamar):

    No se aplica:o art. 3 ou 538, alternadamente: uma vez que ambos so IRCT

    negociais.

    o art. 535: uma vez que ambos so IRCT verticais.

    Resta-nos aplicar o disposto no art. 536 (uma vez que ambos so IRCT

    negociais), seguindo os critrios sucessivos consagrados nessa sede:

    o O critrio consagrado no n 1 a) resolve desde logo o problema:

    tratando-se de conflito entre CC e AE, o ltimo prevalece sobre o

    primeiro, ainda que menos favorvel do que aquele, por fora do

    princpio da especialidade.

    Conclui-se: o AE (426) aplica-se ao CT de A (600), por fora do princpio da

    filiao. No concurso entre ambos, concurso esse que no hierrquico, uma

    vez que o CT no fonte juslaboral, a norma prevista no AE imperativa

    mnima e admite que seja afastada por clusula contratual mais favorvel

    (art. 531). o caso.

    Uma vez mais, A tem direito a auferir 600/ms, nos termos do seu CT.

    Entretanto, entra em vigor um regulamento de condies mnimas aplicvel a

    todos os trabalhadores do comrcio nacional, regulamento esse que prev a retribuio

    de 500/ms.

    O regulamento de condies mnimas (RCM) o IRCT no negocial por

    excelncia (art. 2, n 4 e 577 ss). Permite estabelecer regulamentao

    colectiva para um determinado sector de actividade ou profisso, quando

    no exista regulamentao colectiva de origem convencional ou quando no

    seja vivel o recurso extenso administrativa da CCT j em vigor naquelaempresa. Este mecanismo de aplicao residual, tendo actualmente cado

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    Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL

    em desuso. Ainda assim, cumpre estudar o procedimento e as condies de

    adopo de um IRCT desta ndole.

    O IRCT no negocial em causa vertical, uma vez que se aplica a todos os

    trabalhadores do sector do comrcio nacional, sem distino de profisses

    (art. 535). De acordo com o disposto no art. 578, um RCM s pode ser emitido nos casos

    em que no seja possvel o recurso a um RE e em que se verifique a

    inexistncia de associaes sindicais ou de associaes de empregadores. No

    caso em apreo, no s h um RE anterior, como por diversas vezes se

    assistiu interveno de associaes sindicais e de associaes de

    empregadores.

    Nestes termos, o RCM um IRCT nulo, que no produz quaisquer efeitos nos

    termos gerais, sem que passemos sequer anlise do potencial conflito entre

    este IRCT no negocial, e os IRCT negociais em vigor.

    Ainda que fosse vlido, e no eventual confronto entre o RCM e o AE anterior,

    aplicar-se-ia o art. 3:

    o No o art. 538, porque a aplicao deste pressupe que o RE ou o

    RCM seja vlido e j esteja em vigor aquando da aprovao de um

    IRCT negocial como o AE. No seria o caso.

    o J o art. 3, perfeitamente subsumvel a este caso se o RCM fosse

    vlido, uma vez que pressupe a preexistncia de um IRCT negocial

    vlido (o AE anterior, vg), impediria o RCM de ser emitido. De umaforma ou de outra, a concluso seria a mesma: o RCM seria nulo por

    violao de norma imperativa (o art. 3). nos termos gerais (art. 294

    CC).

    O RCM em nada alterou o status quo, pelo que A continua a ter o direito de

    auferir 600/ms, ao abrigo do seu CT.

    A descobre que o seu sindicato (Sindicato dos Trabalhadores do Norte do Sector do

    Comrcio) assinou um acordo com um conjunto de empregadores de escritrio (onde seinclui a loja onde A trabalha), que prev um salrio de 450.

    A receia que esse acordo lhe seja aplicvel, uma vez que ele tambm exerce,

    ainda que ocasionalmente, servios de escriturrio. Todavia, essa no a sua categoria

    profissional nem aquela que consta do seu recibo de retribuio.

    O acordo em causa um acordo colectivo (AC): IRCT negocial (art. 2, n 2)

    celebrado entre uma associao sindical e uma pluralidade de empregadores

    para diferentes empresas (art. 2, n 3 b)). um IRCT vertical, uma vez que

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    se aplica a todos os trabalhadores do sector do comrcio, independentemente

    da profisso que exeram (art. 535).

    Dir-se-ia que este AC se aplica ao CT de A, por fora do princpio da filiao

    (art. 552). Todavia, para efeitos de interpretao desse princpio, a

    categoria de trabalhador aquela que consta do recibo e aquela que efectivamente exercida. Neste caso, a categoria profissional de A a de

    balconista, ainda que exera servios de escriturrio, pelo que o AC no lhe

    aplicvel. A questo prvia que se impunha foi respondida negativamente,

    pelo que no necessrio proceder anlise do potencial conflito entre o AC

    e o AE anterior.

    Ainda que o AC fosse aplicvel ao CT de A, nunca prevaleceria sobre o AE

    anterior, num conflito entre IRCT negociais (conflito esse que no

    hierrquico, como j vimos).

    No caberia aplicao:

    o art. 3 ou 538, alternadamente: uma vez que ambos so IRCT

    negociais.

    o art. 535: uma vez que ambos so IRCT verticais.

    Resta-nos aplicar o disposto no art. 536 (uma vez que ambos so IRCT

    negociais), seguindo os critrios sucessivos consagrados nessa sede:

    o O critrio consagrado no n 1 a) resolve desde logo o problema:

    tratando-se de conflito entre AC (450) e AE (426), o ltimo

    prevaleceria sobre o primeiro, por fora do princpio da

    especialidade.

    A deve auferir 600/ms, ao abrigo do seu CT.

    Durante esta discusso, entra em vigor uma substituio do primeiro acordo

    referido (o CC que previa 500/ms), por um outro, de cujo texto consta, sem

    fundamentao substancial: este acordo globalmente mais favorvel do que o acordo

    que ora substitui. O acordo substituto prev um salrio mnimo de 400/ms para os

    balconistas.Quando deve A auferir pelo seu trabalho?

    A substituio a que o caso alude parece remeter-nos para uma questo de

    revogao de uma CCT por outra CCT posterior. H revogao quando,

    encontrando-se dois IRCT em vigor, e se nada for dito nesse sentido, o

    segundo submeta, total ou parcialmente, uma mesma matria (j regulada

    pelo primeiro) a uma disciplina jurdica distinta. A aplicao das regras do

    regime de aplicao de IRCT no tempo (art. 560) pressupe, segundo amaioria doutrinria, que as partes que celebraram os dois IRCT sejam as

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    mesmas, e nesse estado se tenham mantido (contra, ISABEL VIEIRA BORGES).

    Parece ser o caso. Se a considerarmos vlida, a 2 CCT substitui a 1.

    A aplicao do art. 560, n 1 e 2 pressupe que a 2 CCT (aqui, o acordo

    substituto) seja vlida, i.e., no diminua a proteco global dos

    trabalhadores, conforme garantia a 1 CCT (o CC que previa 500). J o n 3 desse artigo consagra o princpio da irredutibilidade das posies

    adquiridas (a expresso de ROSRIO PALMA RAMALHO): admite-se a

    reduo pontual de direitos adquiridos (500, no caso), desde que do texto da

    nova CCT (400, aqui) conste, em termos expressos, o seu carcter

    globalmente mais favorvel. Com uma nuance (n 4): esses direitos adquiridos

    no podem ter sido expressamente ressalvados pelas partes.

    Como entender a exigncia de que o carcter globalmente mais favorvel do

    IRCT conste expressamente do texto desse IRCT? Segundo ROSRIO PALMARAMALHO, esta exigncia no pode ser entendida em termos meramente

    formais. Com efeito, no basta que o IRCT se apresente, formalmente, como

    mais favorvel: essa declarao deve, em termos substanciais, corresponder

    realidade.

    Na delimitao do conceito de direitos adquiridos, para efeitos de

    aplicao deste regime, ROSRIO PALMA RAMALHO prope um entendimento

    restritivo dos mesmos, que circunscreve o universo de toda e qualquer

    vantagem obtida pelos trabalhadores ao abrigo do IRCT anterior ao ncleo de,

    apenas, direitos subjectivos dos trabalhadores que sejam juridicamente

    exigveis enquanto tal, e aos quais correspondam verdadeiros deveres e

    sujeies do empregador. o caso: a retribuio no s um direito

    subjectivo, juridicamente exigvel por todo e qualquer trabalhador, como um

    elemento essencial do contrato de trabalho.

    Neste caso, observamos uma CCT que, sem mais, se afirma globalmente mais

    favorvel do que o CC anterior, ainda que preveja uma retribuio inferior

    quele (400 vs 500). No deve, por isso, ser considerada substancialmente

    mais favorvel, ainda que essa caracterstica conste, em termos formais, daprpria CCT.

    Como tal, a norma que consta da nova CCT padece de invalidade parcial (face

    ao art. 560, n 3) e no produz quaisquer efeitos, nos termos gerais (art.

    294 CC), pelo que se tem por no escrita. O vazio legal preenchido pela

    norma do 1 CC (substitudo por esta nova CCT, uma vez que as partes se

    presumem as mesmas) que previa 500/ms para os balconistas.

    Deparamo-nos, neste momento, com uma nova CCT que prev 500/ms, em

    conflito com o AE para 2009, prevendo 426/ms. No estamos perante umproblema de revogao, pelo que repetiremos os passos supra quanto ao

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    conflito entre dois IRCT (conflito no hierrquico, por se encontrarem no

    mesmo patamar):

    o No se aplica:

    art. 3 ou 538, alternadamente: uma vez que ambos so IRCT

    negociais. art. 535: uma vez que ambos so IRCT verticais.

    o Resta-nos aplicar o disposto no art. 536 (uma vez que ambos so IRCT

    negociais), seguindo os critrios sucessivos consagrados nessa sede:

    O critrio consagrado no n 1 a) resolve desde logo o

    problema: tratando-se de conflito entre CC e AE, o ltimo

    prevalece sobre o primeiro, ainda que menos favorvel do

    que aquele, por fora do princpio da especialidade.

    Pelo princpio da filiao, duas CCT se aplicam ao CT de A:o O AE de 2009 (426)

    o O CC que inicialmente previa 400 (com a invalidade parcial, 426) e

    que cara no confronto com o 1 CC (500).

    No conflito (no hierrquico) entre os dois IRCT, o AE afasta o CC, uma vez

    mais, pelo princpio da especialidade conforme consagrado no art. 536, n 1

    a).

    O AE (426) aplica-se ao CT de A (600), por fora do princpio da filiao. No

    concurso entre ambos, concurso esse que no hierrquico, a norma previstano AE imperativa mnima e admite que seja afastada por clusula contratual

    mais favorvel (art. 531). o caso.

    Em concluso, A tem direito a auferir 600/ms, nos termos do seu CT.

    2. No sector da indstria, est em vigor um acordo celebrado entre a Associao

    de Empregadores do Centro e Sul e o Sindicato dos Trabalhadores da Indstria Nacional.

    Decorridos dois anos, so emitidos dois regulamentos, por fora de circunstncias

    sociais e econmicas justificadoras:

    1. O primeiro alarga a aplicao da conveno anterior a todas as

    empresas e trabalhadores do Centro e Sul do pas, no sector do

    comrcio, que no sejam abrangidos por essa conveno.

    2. O segundo alarga a aplicao da mesma conveno a todos os

    empregadores e a todos os trabalhadores do sector da indstria, do

    Norte do pas, que no assinaram aquela conveno.

    O acordo celebrado entre a associao de empregadores e o sindicatoem causa uma CCT, mais concretamente um CC, nos termos do art. 2, n 3

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    a). Trata-se de um IRCT vertical, uma vez que respeita a um determinado

    sector de actividade (a indstria) e no a uma profisso em particular (art.

    535).

    O primeiro regulamento emitido um RE, previsto nos arts. 2, n 4 e

    573 ss: IRCT no negocial, produto de uma deciso administrativa, atravs doqual o Governo (art. 574, n 1 e 2) determina o alargamento do mbito de

    aplicao de uma CCT ou de uma deliberao arbitral. Esse alargamento pode

    ter um duplo alcance, nos termos do art. 575, n 1 e 2:

    o Regulamento de extenso interna (n 1): alargamento do mbito de

    aplicao de uma CCT a empregadores que no a outorgaram

    inicialmente e que se situam no mesmo sector de actividade, e a

    trabalhadores da mesma profisso que no sejam membros das

    associaes outorgantes daquela CCT.

    o Regulamento de extenso externa (n 2): alargamento do mbito de

    aplicao de uma CCT a empregadores e trabalhadores do mesmo

    sector profissional, quando no existam associaes sindicais ou de

    empregadores.

    No caso, foi respeitada a exigncia de circunstncias sociais e econmicas

    que justifiquem a sua emisso (art. 573, n 3).

    De modo a aferir se a extenso interna ou externa, cumpre determinar a

    rea geogrfica de aplicao do RE:

    o CC em vigor aplicava-se a (no mbito do sector da indstria):

    Empregadores do Centro e Sul do pas

    Trabalhadores de todo o pas

    A rea geogrfica comum a estas duas entidades o

    Centro e Sul do pas.

    o O RE alarga o CC a (no mbito do sector do comrcio):

    Empresas e Trabalhadores do Centro e Sul

    Conclui-se: a rea geogrfica de aplicao a mesma (Centro e Sul), ainda

    que o sector de actividade seja diferente (indstria vs comrcio). Nestestermos, a extenso interna (n 1).

    O segundo regulamento emitido tambm um RE, incidindo agora sobre o

    mesmo sector de actividade (indstria). Dir-se-ia tratar-se de uma extenso

    externa (n 2).

    Todavia, os requisitos que qualificam uma extenso como externa so

    cumulativos, e um deles no se encontra preenchido: exige-se que no

    existam associaes sindicais ou associaes de empregadores (art. 575, n 2

    in fine).

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    Como tal, o segundo RE invlido, padecendo de nulidade por violao de

    uma norma legal imperativa, e no produz quaisquer efeitos, nos termos

    gerais (art. 294 CC).

    3. Um grupo de trs advogados divide escritrio para o exerccio de advocacia e,

    por isso, contrata a mesma secretria para os auxiliar. O salrio desta pago atravs de

    trs cheques, emitidos por cada um dos advogados, no valor total de 600.

    Aps uma zanga, um dos trs advogados sai do grupo.

    Os outros dois advogados comunicam secretria que esta passar a auferir 400.

    Quais os direitos da secretria?

    Estamos perante uma situao de pluralidade de empregadores (art. 92),

    uma vez que o trabalhador (a secretria, aqui) presta uma actividade para

    vrios empregadores. Esta situao beneficia de tutela legal especfica, desde

    que lhe seja aplicvel o regime que consta do art. 92.

    Esse regime aplicvel por uma de duas vias:

    o 1. Verificados os requisitos cumulativos do n 1 a), b) e c) e tratando-

    se de uma relao societria de participaes recprocas, de domnio

    ou de grupo.

    o 2. Verificados os requisitos cumulativos do n 1 a), b) e c), tratando-

    se de uma situao equiparada por lei a uma relao societria de

    participaes recprocas, de domnio ou de grupo: a existncia de

    uma estrutura organizativa comum (art. 92, n 2). o caso.

    Sublinhe-se que a situao aqui equiparada apenas beneficia do regime do

    art. 92 se se verificarem os requisitos cumulativos do n 1, nos termos gerais.

    Violado um dos requisitos, seja ab initio, seja supervenientemente, o

    trabalhador tem o direito de optar pelo empregador a quem quer ficar

    unicamente vinculado, nos termos do n 5.

    Diferentemente, se aps se verificarem os requisitos cumulativos, houveralterao superveniente das circunstncias data da celebrao do CT (seja

    pela sada de um dos empregadores, como no caso em apreo), tem aplicao

    o disposto no n 4: o trabalhador fica vinculado ao empregador que

    represente os demais (a indicao do empregador representante um dos

    requisitos do n 1: c)). Neste caso, dois cenrios so possveis:

    o O empregador que deixa a estrutura organizativa comum no o

    empregador representante: o trabalhador fica exclusivamente

    vinculado ao empregador representante (n 4).

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    o O empregador que deixa a estrutura organizativa comum o

    empregador representante:

    Se houve acordo superveniente, no sentido de determinar

    novo representante: o trabalhador fica exclusivamente

    vinculado ao novo empregador representante (n 4). Se no houve acordo superveniente, sem escolha de novo

    representante (parece ser o caso em apreo): o trabalhador

    tem o direito de optar pelo empregador relativamente ao

    qual ficar exclusivamente vinculado (n 5).

    De uma forma ou de outra, o trabalhador tutelado.

    Concluso: a secretria pode escolher qualquer um dos dois empregadores. A

    secretria ficar exclusivamente vinculada quele que escolher, podendo

    exigir-lhe os 600 habituais, por duas razes fundamentais:o 1: por fora do princpio da irredutibilidade da retribuio.

    o 2: mesmo se assim no fosse, a retribuio de 400 seria proibida por

    norma legal imperativa absoluta (art. 266).

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    O VNCULO DE TRABALHO

    1: EVOLUO HISTRICA

    Trs grandes orientaes contriburam para a construo dogmtica do vnculo

    laboral: Construo civilista (incio sec. XX):

    o O vnculo laboral era enquadrado na projeco da figura histrica

    romana da locatio conductio: contrato de locao (prestao de

    servios).

    o A relao laboral era vista como uma relao entre actividade laboral

    e respectiva retribuio.

    o Reconhece-se a liberdade do trabalhador, renegando a origem

    histrica do trabalho servil.o A actividade laboral entendida em termos abstractos, separada da

    pessoa do trabalhador.

    Construo comunitrio-pessoal (at 70s):

    o Ante a afirmao da posio frgil do trabalhador, so consagrados os

    primeiros deveres de assistncia do empregador, para a modalidade

    do contrato de prestao de servio.

    o Estes deveres suscitam o problema jurdico da igualdade entre as

    partes contraentes, no mbito de um contrato de Direito Privado:como explicar a proteco de uma das partes, em detrimento da

    outra?

    o A nova concepo valorizava os traos da relao de trabalho que

    mais a afastam dos vnculos obrigacionais anteriormente enfatizados.

    Acentuam-se os elementos da pessoalidade e comunitrio.

    o O contrato de trabalho nesta altura considerado um contrato

    pessoal, globalmente subtrado lgica dos contratos obrigacionais.

    Por outro lado, esboam-se as primeiras ideias de integrao do

    trabalhador subordinado na organizao do empregador. A mtua

    colaborao entre um e outro para a prossecuo do mesmo fim

    incentivada.

    o Esta concepo encontra fundamentao contratualista e

    institucionalista:

    Contratualista: a relao comunitria de trabalho assenta no

    contrato de trabalho, mas no enquanto contrato

    obrigacional.

    Institucionalista: o contrato de trabalho, enquanto factoconstitutivo da relao de trabalho, desvalorizado em favor

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    da incorporao e a empresa reconduzida categoria de

    instituio.

    Construo obrigacional (a partir 80s):

    o Recusa-se o elemento comunitrio, pelo seu irrealismo, uma vez que

    no seria possvel reconhecer, no vnculo laboral, uma comunidade

    em sentido jurdico. A existncia do elemento da pessoalidade no

    negada, mas -lhe atribudo um valor secundrio, uma vez que so os

    deveres e interesses patrimoniais que prevalecem.

    o O cerne do contrato de trabalho , de novo, deslocado para o binmio

    patrimonial de troca entre actividade laboral e retribuio. Contrato

    de trabalho e prestao de servio aproximam-se.

    o Desenvolveu-se a teoria da remunerao (entre ns, MENEZES

    CORDEIRO sustentou-a), segundo a qual a consagrao dos deveres deassistncia do empregador no impede uma construo obrigacional

    do contrato de trabalho. O dever de lealdade do trabalhador visto

    como uma manifestao laboral do princpio geral da boa f no

    cumprimento dos contratos, e a esse dever deve ser reconduzida a

    tradicional concepo comunitarista e pessoal do contrato de

    trabalho.

    2: APRECIAO CRTICA

    Para ROSRIO PALMA RAMALHO, as prestaes essenciais das partes no contrato de

    trabalho so a actividade laboral e a retribuio, pelo que os deveres de lealdade e de

    assistncia devem ser reconduzidos categoria de deveres acessrios. A autora considera

    inconsistente o reconhecimento de um elemento comunitrio no vnculo laboral, maxime face

    ao ambiente de elevada conflitualidade social que lhe est subjacente. Nestes termos,

    rejeita a concepo comunitrio-pessoal, tanto na sua fundamentao contratualista, como

    na sua fundamentao institucionalista.

    Esta rejeio no significa que a autora sustente as concepes obrigacionais, ou que

    as considere satisfatrias. Apesar de coerente e simples, essa formulao redunda naconstruo artificial do vnculo de trabalho, reconduzindo-o a mais uma modalidade de

    prestao de servios. A riqueza e a complexidade do contrato de trabalho deve ser

    evidenciada, e esta concepo tem-se por redutora e simplista.

    3: RECONSTRUO DO VNCULO LABORAL

    Antes de procedermos construo dogmtica do vnculo laboral, conforme proposta

    por ROSRIO PALMA RAMALHO, cumpre proceder decomposio das caractersticas

    essenciais do contrato de trabalho.

    Eis as duas caractersticas essenciais deste vnculo:

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    Carcter negocial:

    o um contrato e, alm disso, corresponde a um tipo contratual

    especfico. H liberdade de celebrao e, quase sempre, liberdade

    de estipulao (cfr. art. 95).

    o Reconhecer-se este carcter negocial implica recusar as concepes

    institucionalistas da relao de trabalho.

    Complexidade do contedo:

    o No contedo do contrato de trabalho concorrem elementos

    objectivos e subjectivos, patrimoniais e pessoais, e uma dimenso

    organizacional.

    o O contedo pode ser reconduzido a um duplo binmio:

    Binmio objectivo: as prestaes essenciais das partes so a

    actividade laboral e a retribuio.

    Binmio subjectivo: o trabalhador assume uma posio de

    subordinao ou dependncia, enquanto que o empregador

    assume uma posio de domnio ou de poder.

    o Para alm destes elementos, refira-se a importante componente de

    pessoalidade e o contexto organizacional.

    Analisaremos cada um destes elementos individualmente.

    4: BINMIO OBJECTIVO

    Na delimitao objectiva do vnculo de trabalho, consideraremos isoladamente a

    actividade laboral em si, a retribuio e os deveres acessrios do trabalhador e do

    empregador.

    TRABALHADOR

    Actividade laboral:

    A prestao da actividade laboral constitui o dever principal do trabalhador,

    conforme se pode retirar da noo legal de contrato de trabalho (art. 10), mas tambm do

    enunciado de deveres do trabalhador (art. 121, n 1 c)).

    Em relao ao nexo entre a actividade laboral prestada e os fins concretamente

    prosseguidos pelo empregador, cumpre atender ao que supra foi referido quanto noo de

    actividade laboral: atende-se ideia de actividade produzida, e no aos concretos resultados

    dessa actividade. Este pressuposto mantm-se, nesta sede, e permite-nos distinguir o

    contrato de trabalho da prestao de servio, onde o resultado da actividade reveste mais

    interesse para o credor. O trabalhador , em princpio, irresponsvel pela frustrao dosresultados pretendidos em concreto pelo empregador: mas essa irresponsabilidade no

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    total, uma vez que temperada com recurso ideia de diligncia (art. 121, n 1 b)).

    Contudo, a regra geral a de que o risco da no obteno dos resultados previstos corre por

    conta do empregador.

    Dois problemas se suscitam relativamente conjugao do conceito jurdico de

    prestao de facto positivo e as actividades de simples presena ou as situaes deinactividade material do trabalhador. H situaes em que a prestao do trabalhador se

    cumpre exactamente atravs da ausncia de uma actividade material positiva (vg guarda

    vigilante ou modelo que posa nua para um quadro). Por outro lado, h momentos em que o

    trabalhador no se encontra a desenvolver nenhuma actividade (vg encerramento temporrio

    de uma empresa para obras). Estes exemplos evidenciam a necessidade de conjugao do

    conceito de actividade com o conceito de disponibilidade. Entende-se, neste mbito, que o

    trabalhador cumpre a sua prestao, no apenas quando desenvolve em concreto a

    actividade, mas tambm quando est disponvel para exercer aquela actividade(MONTEIRO

    FERNANDES).

    ROSRIO PALMA RAMALHO considera que o recurso ideia de disponibilidade,

    embora tempere um entendimento demasiado restritivo do conceito de actividade, no o

    substitui enquanto prestao principal do trabalhador. No caso da prestao do trabalhador

    ser puramente passiva (o guarda ou a modelo), a prestao continua, ainda assim, a ser

    positiva, uma vez que a disponibilidade do trabalhador direccionada para uma actividade

    (de mera presena).

    A actividade laboral caracteriza-se pelos seguintes elementos:

    Actividade com valor patrimonial e com uma componente de pessoalidade Actividade diversificada (intelectual ou manual, etc.)

    Actividade material e/ou jurdica (art. 111, n 3) vg advogado, balconista

    ou condutor

    Actividadepassvel de ser retribuda

    Actividade lcita, determinvel e no contrria boa f ou aos bons costumes

    (arts. 280 e 281 CC e 117).

    Deveres acessrios do trabalhador:

    O trabalhador assume uma posio debitria complexa, na qual se recortam inmeros

    deveres acessrios e o j referido dever principal de prestao da actividade laboral.

    Pelo critrio da fonte, estes deveres podem ser classificados em:

    Deveres normativos (impostos pela lei ou por IRCT administrativo):

    o De forma exemplificativa, art. 121, conjugado com o art. 396

    o Os deveres acessrios legais so deveres necessrios

    Deveres convencionais (com origem no CT ou em IRCT convencional):

    o Os deveres acessrios convencionais so deveres secundrios

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    Deveres empresariais ou profissionais (decorrem de RIE):

    o Os deveres decorrentes de RIE so deveres secundrios

    Deveres cuja origem radica em conceitos indeterminados ou princpios gerais:

    o Boa f (art. 119)

    o Os deveres acessrios decorrentes de princpios gerais so deveres

    necessrios

    Contudo, classificaremos os deveres acessrios e secundrios do trabalhador pelo

    critrio especificamente laboral da sua ligao com o dever principal, distinguindo:

    Deveres acessrios integrantes da prestao principal:

    o Deveres que, pela sua natureza, esto intrinsecamente ligados ao

    dever de prestar a actividade laboral.

    Assiduidade (art. 121, n 1 b))

    Pontualidade (art. 121, n 1 b))

    Obedincia (art. 121, n 1 d) e n 2): consiste na

    manifestao, por excelncia, da subordinao do

    trabalhador no vnculo laboral, para alm da sujeio ao

    poder disciplinar sancionatrio do empregador.

    Zelo e diligncia (art. 121, n 1 c))

    Custdia dos bens disposio do trabalhador (art. 121, n 1

    f))

    Produtividade (art. 121, n 1 g))

    Deveres acessrios autnomos da prestao principal:

    o Deveres do trabalhador que no se encontram ligados ao dever

    principal, pelo que so exigveis tanto na pendncia da actividade

    principal, como em situaes em que o trabalhador no se encontre

    adstrito ao cumprimento desta actividade.

    Respeito e urbanidade para com o empregador e colegas (art.

    121, n 1 a))

    Lealdade ao empregador sigilo e no concorrncia (art.

    121, n 1 e)): stricto sensu (dever de sigilo sobre os negcios

    e os interesses da organizao e dever de no concorrncia

    com o empregador) e lato sensu (conduta do trabalhador

    conforme boa f, cfr. art. 119, n 1). Mantm-se

    omnipresente durante toda a execuo do contrato e persiste

    mesmo aps a respectiva cessao: dotado de ps-eficcia.

    Exemplo: um pasteleiro que tenha trabalhado para os Pastis

    de Belm no pode, depois da cessao do contrato, revelar o

    segredo do fabrico dos mesmos.

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    Cooperao e actuao em matria de segurana, higiene e

    sade no local de trabalho, bem como quando sejam

    confiados bens da empresa ao trabalhador, no associados

    prestao de trabalho vg carro (art. 121, n 1 h) e i))

    Custdia (art. 121, n 1 f))

    EMPREGADOR

    Retribuio:

    O pagamento da retribuio constitui o dever principal do empregador no contrato de

    trabalho (art. 120 b)). A retribuio consiste na contrapartida da actividade laboral e

    evidencia a dimenso obrigacional deste contrato.

    As prestaes remuneratrias do empregador podem ser consideradas em sentidoestrito (retribuio), que constitui a contrapartida do trabalho prestado, e que ora

    abordamos; ou em sentido amplo (remunerao), que engloba as prestaes de contedo

    patrimonial do empregador que emergem de um contrato de trabalho.

    O conceito de retribuio delimitado pelo art. 249:

    Prestao de dare (cumprimento consubstancia-se na entrega de um bem).

    Prestao de contedo patrimonial (o seu objecto avalivel em dinheiro)

    deve ser satisfeita em numerrio (dinheiro em cash) ou equivalente, pelo

    menos em parte (art. 267, n 1 e 3).

    Contrapartida pelo trabalho prestado (o contrato de trabalho oneroso e

    sinalagmtico, art. 249, n 1).

    Prestao peridica (o seu cumprimento fraccionado no tempo em

    intervalos regulares, art. 249, n 2).

    Constitui um direito do trabalhador(art. 249, n 1).

    Para alm das situaes em que o pagamento do salrio constitui a contrapartida da

    actividade prestada (de forma sinalagmtica), h casos em que o dever de retribuio escapa

    a este requisito de contrapartida, a saber remete-se, aqui, para o conceito de

    remunerao, lato sensu:

    Situaes em que no prestada qualquer actividade laboral, em termos

    efectivos, mas que so equiparadas a tempo de trabalho: o trabalhador tem

    direito, ainda assim, ao respectivo pagamento nos dias feriados (art. 259),

    perodo de frias (art. 255, n 1), faltas justificadas (art. 230, n 1 e 2) ou

    crdito de horas (art. 454).

    Prestaes remuneratrias complementares gerais: vg subsdios de frias e de

    Natal ou diuturnidades, prestaes pecunirias com fundamento na

    antiguidade do trabalhador cfr. arts. 255, n 2, 254 e 250, n 2 b))

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    Outras prestaes remuneratrias complementares: vg trabalho nocturno,

    por turnos, suplementar, etc. cfr. arts. 256 a 258; subsdios de refeio,

    transporte ou alojamento, subsdios de risco relativamente a certas

    profisses).

    Encargos patrimoniais associados constituio e execuo de um vnculo

    de trabalho subordinado: inscrio do trabalhador na segurana social,

    celebrao de contrato de seguro de acidentes de trabalho.

    Encargos patrimoniais associados aos deveres de formao profissional dos

    trabalhadores.

    Refira-se que a retribuio, mais do que contrapartida tcnica do trabalho prestado,

    assume uma funo eminentemente alimentar, enquanto meio de subsistncia da maioria dos

    trabalhadores e dos respectivos agregados familiares. Neste sentido dispe o art. 59 CRP.

    Deveres acessrios do empregador

    Um conjunto de deveres acessrios completa a posio debitria do empregador no

    vnculo laboral. Uma vez mais, o critrio da fonte permite-nos distinguir deveres normativos

    e deveres convencionais, bem como deveres decorrentes de princpios gerais como a boa f

    (art. 119). Remete-se, a este respeito, para o que supra foi referido em relao aos deveres

    acessrios do trabalhador.

    A novidade reside no facto de, de acordo com o critrio do destinatrio dos

    comportamentos debitrios, o empregador tem ainda deveres para com o Estado (vg inscrio

    do trabalhador na segurana social, reteno na fonte do imposto sobre o rendimento do

    trabalho e outros deveres em matria de condies de trabalho, higiene e segurana).

    Os deveres do trabalhador encontram-se enunciados no art. 120, que deve ser

    completado com outras disposies do Cdigo (vg art. 122). Eis as principais categorias de

    deveres legais do empregador:

    Deveres gerais relativos pessoa do trabalhador:

    o Respeito e urbanidade (art. 120 a))

    o Contribuio para a promoo humana, profissional e social do

    trabalhador (art. 119, n 2 in fine)o Permitir ao trabalhador o exerccio de cargos em organizaes

    representativas de trabalhadores (art. 120 f))

    o No oposio, por qualquer forma, ao exerccio dos seus direitos pelos

    trabalhadores e no tratamento desfavorvel (art. 122 a))

    Deveres relativos pessoa do trabalhador mas com um escopo funcional ou

    profissional:

    o Proporcionar ao trabalhador boas condies fsicas e morais de

    trabalho (art. 120 c))o Ocupao efectiva (art. 122 b))

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    o Contribuio para a elevao do nvel de produtividade do

    trabalhador, vg proporcionando-lhe formao profissional (art. 120

    d))

    o Respeito pela autonomia tcnica do trabalhador (art. 120 e))

    Deveres especficos em matria de higiene, segurana e sade:o Prevenir riscos e doenas profissionais

    o Indemnizar o trabalhador dos prejuzos decorrentes de acidentes de

    trabalho

    o Cumprimento de disposies legais em matria de higiene, sade e

    segurana (art. 120, n 1 i))

    o Informao ao trabalhador em matria de preveno de doenas

    profissionais e acidentes de trabalho

    Deveres relativos ao controlo da situao dos trabalhadores na organizao:o Manuteno de um registo actualizado sobre os aspectos mais

    relevantes da situao laboral de cada trabalhador (art. 120 j))

    Tal como conclumos em relao ao trabalhador, a posio debitria do empregador

    no vnculo laboral complexa e integra deveres patrimoniais e pessoais. Da que, reitere-se,

    rejeitemos uma construo obrigacional do vnculo de trabalho.

    5: BINMIO SUBJECTIVO

    No mbito da delimitao subjectiva do vnculo laboral, cumpre analisar a posio de

    subordinao do trabalhador, por um lado, e os poderes laborais do empregador, por outro. O

    binmio subjectivo do vnculo laboral evidencia o relacionamento desigual entre as partes,

    como veremos de seguida.

    TRABALHADOR

    Subordinao

    A posio de subordinao do trabalhador perante o empregador releva para o estudo

    da componente subjectiva do vnculo laboral.O trao verdadeiramente delimitador da situao juslaboral do trabalhador, como j

    repetimos supra, precisamente a subordinao jurdica, permitindo distinguir o contrato de

    trabalho de outras actividades laborais similares. A noo legal aponta para esta

    caracterstica, ao enunciar que o trabalhador se obriga a desenvolver certa actividade sob a

    autoridade e direco do empregador (art. 10), colocando-se, portanto, numa posio de

    dependncia perante o credor.

    Encontramos indcios desta subordinao em normas que referem autoridade e

    direco (o j referido art. 10) e poder disciplinar (art. 365), do lado do empregador, e

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    dependncia (art. 13), do lado do trabalhador. No sobejam, pois, dvidas relativamente

    ao reconhecimento legal deste elemento do contrato de trabalho.

    A tendncia actual (por todos, MENEZES CORDEIRO) pende para a reconduo da

    subordinao jurdica actividade laboral em si, justificando a sua heterodeterminao, e

    no ao estado pessoal do trabalhador. ROSRIO PALMA RAMALHO discorda desteentendimento, uma vez que identifica subordinao a um status, e no a uma qualidade da

    actividade de trabalho. Exemplifiquemos: se a tnica da subordinao assentasse na

    actividade per se, nada distinguiria o contrato de trabalho da prestao de servios e, em

    ltima linha, um advogado poderia ser equiparado a um mdico que trabalhasse num

    consultrio, desenvolvendo trabalho de escritrio. Ora a nica forma de distinguir a

    actividade profissional desenvolvida num contexto autnomo da actividade profissional

    subordinada , precisamente, acentuar o estado de dependncia pessoal do indivduo perante

    o credor.

    Por outro lado, seria redutor reconduzir a subordinao jurdica ao reverso do poder

    de direco do empregador, como parece indiciar uma leitura desatenta de algumas das

    normas legais supra citadas. subordinao correspondem, mais correctamente, os poderes

    de direco (orientao do trabalhador atravs de ordens e de instrues) e disciplinar

    (regras de disciplina e sanes disciplinares em caso de incumprimento).

    Assim se compreende que a situao passiva do trabalhador seja complexa e englobe

    deveres como o dever de obedincia ou o dever de acatamento (rectius, o estado de sujeio)

    das sanes disciplinares eventualmente aplicadas. Enquanto que ROSRIO PALMA RAMALHO

    reconduz a natureza jurdica da subordinao a um estado de sujeio apenas quanto aodever de acatamento de sanes disciplinares (no reverso do poder disciplinar), MENEZES

    CORDEIRO f-lo relativamente a toda a sujeio, globalmente considerada. Para a autora o

    dever de obedincia traduz-se num dever proprio sensu.

    O dever de obedincia avulta como o dever que, por excelncia, caracteriza o estado

    de subordinao do trabalhador:

    O trabalhador deve cumprir as ordens e instrues do empregador, nos termos

    do art. 121, n 1 d) em termos particularmente extensos, uma vez que

    pode incluir regras de funcionamento da empresa e ainda comportamentos

    extra-laborais.

    O trabalhador deve obedincia no apenas ao empregador, mas tambm a

    superiores hierrquicos nos quais tenha sido delegado o exerccio do poder

    directivo, conforme o art. 121, n 2 esta norma evidencia a intensidade do

    dever de obedincia.

    Por fim, cumpre referir de forma sumria as caractersticas da subordinao:

    Natureza jurdica e no econmica: o estado de sujeio do trabalhador no

    se confunde com a necessidade de este auferir um salrio que lhe garanta a

    subsistncia ou que tenha de trabalhar em exclusivo para o credor.

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    Pode ser meramente potencial: no necessria a actuao efectiva e

    constante dos poderes laborais.

    Comporta graus e no tem carcter tcnico: a intensidade da subordinao

    varia consoante as aptides tcnicas do trabalhador, a especificidade da sua

    actividade ou a importncia da funo que desempenha. compatvel com a

    autonomia tcnica para o desempenho de uma actividade especializada, bem

    como com a autonomia deontolgica (quanto a profisses sujeitas a um

    cdigo deontolgico, cfr. art.112).

    Limitada por um critrio funcional: a subordinao justifica-se em funo do

    contrato de trabalho e no quadro desse contrato, confinando-se dentro dos

    limites do dbito negocial do trabalhador. O contrato no deve, pois,

    interferir com a vida pessoal do trabalhador.

    EMPREGADOR

    Poderes laborais de direco e disciplina

    subordinao do trabalhador correspondem os poderes de direco (arts. 150 ss) e

    disciplina (arts. 365 ss) do empregador.

    O poder de direco o poder atravs do qual o empregador atribui uma funo

    concreta ao trabalhador no mbito da actividade para a qual foi contratado (art. 151) e

    adequa a prestao deste aos seus prprios interesses, ao longo da execuo do contrato

    (art. 150). Respeita ao modo de prestao de trabalho e reconduz-se a um poder de escolha

    ou de especificao.

    Poder de direco:

    o Titularidade: na generalidade dos casos pertence ao empregador.

    Excepes:

    Contrato temporrio (art. 20, n 1 LTT)

    Contrato de trabalho porturio

    Cedncia ocasional do trabalhador (art. 322)

    o Modo de exerccio: pode ser exercido directamente pelo empregador

    ou pode ser delegado nos superiores hierrquicos do trabalhador (art.

    121, n 2).

    o Forma de actuao: ordens ou instrues concretas para cada

    trabalhador (art. 121, n 2) ou genericamente, atravs da emisso de

    directrizes genricas para todos ou de RIE (art. 153).

    o Limites: poder bastante amplo, que se encontra limitado pela prpria

    prestao de trabalho e pelos direitos e garantias do trabalhador.

    o Funo no mbito do contrato de trabalho: um elemento essencial,mas no suficiente para delimitar o contrato de trabalho face a outras

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    figuras similares (verifica-se tambm relativamente a certos credores

    de prestaes de servio).

    o Natureza: direito subjectivo stricto sensu (permisso normativa

    especifica de aproveitamento de um bem, para MENEZES CORDEIRO).

    O poder disciplinar (art. 365) tem um duplo contedo: contedo ordenatrio ouprescritivo (estabelecimento de regras de comportamento e disciplina no seio da organizao

    que no possam ser imputadas ao poder directivo) e contedo sancionatrio ou punitivo

    (sanes disciplinares ao trabalhador em caso de incumprimento do seu dever principal ou dos

    seus deveres acessrios, legais ou convencionais, cfr. art. 366 - sanes disciplinares de

    gravidade crescente). As sanes disciplinares tm um escopo punitivo e no ressarcitrio

    (por isso a lei prev separadamente a responsabilidade disciplinare a responsabilidade civil,

    arts. 366, n 1 e 363).

    Poder disciplinar:

    o Titularidade: pertence sempre ao empregador, mesmo quando haja

    desdobramento dos poderes laborais por diversas entidades.

    o Modo de exerccio: exercido directamente pelo empregador ou pelos

    superiores hierrquicos do trabalhador, por delegao (art. 365, n 2)

    o Forma de actuao: as sanes disciplinares so obrigatoriamente

    precedidas de um processo (processo disciplinar comum, cfr. arts.

    371 e 372 ou, no caso da sano do despedimento imediato por

    facto imputvel ao trabalhador, arts. 411 ss).

    o Limites: direitos e garantias do trabalhador (arts. 122 e 374);

    algumas sanes tm tambm limites de durao ou valor (art. 368).

    o Funo no mbito do contrato de trabalho: poder essencial, na

    medida em que garante a posio de domnio do empregador (meio

    clere e eficaz de reaco contra o incumprimento do trabalhador), e

    no tem paralelo noutros contratos de Direito Privado na dvida,

    ser sempre um contrato de trabalho.

    o Natureza: direito subjectivo, mais concretamente direitopotestativo,

    colocando o trabalhador numa posio de sujeio.

    6: COMPONENTE ORGANIZACIONAL

    Esta componente do vnculo laboral enquadra globalmente o relacionamento entre o

    empregador e o trabalhador no contrato.

    Traduz-se na influncia quotidiana que a organizao predisposta pelo empregador

    tem neste vnculo. A referncia a esta componente nesta sede no comporta a afirmao de

    qualquer perspectiva comunitria da relao laboral, como supra j afastmos, uma vez que a

    organizao predisposta unilateralmente pelo empregador e porque o interesse de gesto

    tambm um interesse prprio do empregador.

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    A ideia de organizao aflora do sistema normativo nacional:

    Princpio geral da colaborao das partes no contrato de trabalho (art. 119,

    n 2) tende para a obteno de maior produtividade da empresa, cfr. art.

    121, n 1 g).

    Possibilidade de as partes terem interesses secundrios comuns no seio daorganizao vg quando o trabalhador parcialmente remunerado em funo

    dos resultados (prmios de produtividade, art. 261), quando recebe uma

    participao nos lucros (cfr. art. 262) ou quando compra aces da sua

    empresa.

    Alguns regimes laborais (maxime certas modalidades de contrato de trabalho)

    so condicionados pelo requisito do interesse da empresa ou interesse de

    gesto vg contrato a termo resolutivo (art.129,n 1), trabalho suplementar

    (art. 199, n 1), descida de categoria (art. 313, n 1), mudana definitiva ou

    temporria do local de trabalho (arts. 315 e 316), etc.

    Nestes termos, o contrato de trabalho apresenta-se enquanto um contrato de

    insero organizacional necessria, uma vez que pressupe a integrao do trabalhador na

    empresa ou na organizao predisposta pelo empregador.

    Esclarea-se que esta componente organizacional se observa em todos os contratos

    de trabalho, mesmo naqueles que so celebrados num ambiente familiar, j que em todos

    eles avulta uma organizao (ainda que rudimentar) e surgem interesses do empregador

    inerentes a essa mesma organizao.

    O elemento organizacional permite-nos ainda argumentar no sentido do afastamentode uma perspectiva puramente obrigacional do contrato de trabalho (neste sentido, ROSRIO

    PALMA RAMALHO, contra MENEZES CORDEIRO e a maioria doutrinria):

    A modificao do contrato de trabalho pode ser por vontade unilateral de

    uma das partes, j que prevalecem os interesses de gesto do empregador

    sobre o acordo negocial (vs art. 406 CC).

    7: COMPONENTE DE PESSOALIDADE

    O ltimo elemento a analisar, a componente de pessoalidade do vnculo laboral,

    emerge da prestao efectuada pelo trabalhador, no obstante o carcter inequivocamente

    patrimonial da actividade desenvolvida. Uma vez mais, reitere-se que o reconhecimento

    desta componente no significa o retorno s concepes comunitrio-pessoais,

    definitivamente ultrapassadas.

    Uma dimenso patrimonial do contrato de trabalho no colide com o reconhecimento

    de uma componente de pessoalidade neste mbito. Com efeito, as qualidades pessoais do

    trabalhador relevam para a celebrao e para a subsistncia do contrato de trabalho,

    tornando a actividade laboral indissocivel da pessoa do prprio trabalhador:

    O contrato de trabalho tem uma vocao duradoura

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    Interessa ao trabalhador a disponibilidade e o empenhamento pessoal do

    trabalhador nos objectivos da organizao

    O contedo amplo dos poderes laborais permite impor ao trabalhador regras

    de conduta que ultrapassam o cumprimento da sua prestao (vg regras de

    comportamento, indumentria, etc.).

    A subsistncia do vnculo laboral depende das qualidades pessoais do

    trabalhador (contra, alguma doutrina invoca o anonimato das relaes de

    trabalho e o afastamento entre empregador e trabalhador para afirmar uma

    concepo puramente obrigacional do contrato de trabalho). Se o trabalhador

    vier a evidenciar uma desadequao insupervel em relao funo, h

    direito de despedimento por inadaptao, nos termos dos arts. 405 ss. Da

    que o contrato de trabalho seja, para ROSRIO PALMA RAMALHO, um

    contrato intuitu personae.A componente de pessoalidade permite explicar a consagrao de deveres de

    assistncia no patrimoniais que assistem ao empregador (vg condies de trabalho, sade e

    higiene), j que no integram o conceito de remunerao lato sensu. Por outro lado, s a

    afirmao da pessoalidade nos permite justificar a possibilidade de o trabalhador poder, nos

    limites da lei e sem necessidade de acordo do empregador, fazer prevalecer os seus

    interesses pessoais ou familiares (extra-contratuais) sobre o acordo contratual vg falta

    justificada por casamento (art. 225, n 2 a)), tutela do trabalhador estudante (arts. 79 ss e

    147 ss RCT) ou possibilidade de falta para assistncia famlia (arts. 40 e 45 ss).

    Por fim, refira-se a ampla tutela dos direitos de personalidade do trabalhador, nesta

    sede (arts. 15 ss).

    8: RECONSTRUO DO CONTEDO DO CONTRATO DE TRABALHO

    Face ao que foi dito