47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
Transcript of 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
1/67
DIREITO DO TRABALHO I
PROF. MARIA DO ROSRIO PALMA RAMALHO
Faculdade de Direito de Lisboa
DISCLAIMER
Estes apontamentos no dispensam o estudo dos manuais recomendados peloProfessor Regente e Assistente.
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
2/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
PARTE I: INTRODUO
1. DOGMTICA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO
1: NOO LEGAL
O nosso ordenamento jurdico dispe de uma noo legal de contrato de trabalho: o
contrato de trabalho aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuio, a
prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direco destas (art.
10).
Partindo desta noo legal, conseguimos delimitar o conceito de contrato de trabalho
recorrendo aos seguintes elementos:
Actividade produtiva: a actividade laboral valoriza-se por si mesma e no
pelos resultados em que se traduza. Este elemento coincide com o conceito
jurdico deprestao, uma vez que uma conduta desenvolvida no interesse
do credor. Mais concretamente, trata-se de uma prestao defacto positiva.
Actividade livre: o requisito da liberdade deve ser entendido de duas
perspectivas enquanto liberdade do trabalhador enquanto homem, e
enquanto acto voluntrio no imposto por nenhuma das partes. A importncia
histrica deste elemento bvia.
o Da conjugao destes dois elementos isolamos o conceito de
actividade produtiva livre, o qual engloba realidades como o trabalho
subordinado, que ser nesta sede estudado.
Actividade retribuda: a retribuio o elemento essencial do contrato de
trabalho, uma vez que consiste no corolrio do requisito da liberdade do
prestador o trabalho servil no pago.
Actividade desenvolvida em situao de dependncia: necessrio que o
trabalhador se encontre numa posio de dependncia ou de subordinao em
relao ao credor. Este elemento encontra-se patente na noo legal supra
(sob a autoridade e direco [do empregador]). A maioria doutrinriaprefere a expresso heterodeterminao para indicar que o contedo do
elemento de trabalho determinado pelo credor. Mais do que reconduzir este
elemento actividade de trabalho em si, ROSRIO PALMA RAMALHO prefere
evidenciar a dimenso subjectiva da dependncia pessoal do trabalhador.
Actuao jurdica privada do credor do trabalho: o trabalho subordinado
privado aquele que interessa ao Direito do Trabalho, pelo que no
estudaremos o regime da funo pblica (na qual o ente pblico actua munido
de ius imperii).
2
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
3/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
2: NOO PROPOSTA
Face ao que foi exposto supra, adoptaremos a noo de trabalho subordinado
enquanto modalidade de actividade laborativa: actividade humana produtiva, destinada ab
initio satisfao das necessidades de outrem, desenvolvida a ttulo oneroso para um sujeitoprivado ou que actua como tal, por um trabalhador livre e dependente.
Nestes termos, o trabalho subordinado constitui o fenmeno nuclear do Direito do
Trabalho.
2. FONTES DO DIREITO DE TRABALHO
1: O SISTEMA DE FONTES LABORAIS
As fontes do Direito do Trabalho podem dividir-se em:
Fontes internacionais:
o Direito Internacional
o Direito Comunitrio
Fontes internas comuns
Fontes laborais internas especficas
o Autnomas
o Heternomas
2: HIERARQUIA DE FONTES
As fontes juslaborais obedecem seguinte hierarquia:
1. CRP
o Direito Internacional geral
Direito Comunitrio originrio
o Direito Comunitrio derivado
2. Lei
3. IRCT
4. Regulamento Interno de Empresa (RIE)5. Costume
6. Usos
Esta primeira abordagem insuficiente, uma vez que podemos observar casos de
conflitos hierrquicos entre algumas fontes, pelo que cumpre apreciar.
3: A CONSTITUIO
A Constituio encontra-se no topo da hierarquia das fontes do Direito do Trabalho.
3
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
4/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Neste mbito, a matria que assume maior importncia so os princpios
constitucionais de incidncia laboral. Assim, temos princpios que:
Se dirigem a todos os trabalhadores, subordinados ou no:
o Direito ao trabalho(art. 58, n 1 CRP)
o Direito de acesso a cargos pblicos (art. 50, n 1 CRP)
o Liberdade de circulao (art. 44 CRP)
o Acidentes de trabalho (art. 59, n 1 f) CRP)
o Liberdade de escolha da profisso (art. 47 CRP)
Se dirigem apenas aos trabalhadores subordinados (do sector privado e
pblico):
o Segurana no emprego
o Proibio de despedimento sem justa causa (art. 53 CRP)
o Direito a frias (art. 59 CRP)
o Retribuio e tempo de trabalho
o Liberdade sindical (art. 55 CRP)
o Greve (art. 57 CRP)
o Negociao colectiva (art. 56 CRP)
Coloca-se, a este respeito, o problema da denominada eficcia civil ou horizontal dos
direitos laborais fundamentais, ie, at que ponto podem estes direitos ser invocados no
contedo de vnculos de natureza privada e entre sujeitos privados (j que foram
originariamente concebidos enquanto prerrogativas dos cidados perante o Estado).
VITAL MOREIRA e GOMES CANOTILHO sustentaram que as normas constitucionais
obrigam as entidades privadas do mesmo modo que obrigam as entidades pblicas.
J JORGE MIRANDA considera que s se verifica a eficcia directa e imediata dos
direitos fundamentais nos vnculos privados nos casos em que uma das partes detm uma
posio de poder ou de autoridade e com base num argumento de identidade de razo com os
vnculos pblicos. A relao de trabalho , pois, uma relao de poder e o trabalhador pode
invocar o direito fundamental contra o empregador, mas no o inverso.
Por fim, MENEZES CORDEIRO assume uma posio mais restritiva, segundo a qual aeficcia civil dos direitos fundamentais no directa, carecendo necessariamente da
mediao de princpios gerais (vg princpio da boa f ou abuso do direito), no s pela
natureza privada dos entes jurdicos em questo e dos interesses em jogo, mas tambm pelos
riscos de utilizao disfuncional que uma posio demasiado aberta poderia envolver.
Estabelece, de seguida, a distino entre direitos fundamentais de incidncia laboral e
direitos fundamentais que assistem ao trabalhador e ao empregador, no nessa qualidade mas
enquanto pessoas ou cidados (vg reserva da intimidade da vida privada, liberdade poltica e
religiosa, exames mdicos, discriminaes, tratamento de dados pessoais, etc.).
4
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
5/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Neste sentido, ROSRIO PALMA RAMALHO sustenta que os direitos fundamentais de
incidncia laboral podem ser directamente invocados no vnculo de trabalho, desde que
revistam natureza preceptiva (art. 59, n 1 a) CRP), e no programtica (natureza
programtica: a norma no de aplicao imediata para os particulares, uma vez que estes
tm que invocar a inconstitucionalidade por omisso contra o Estado, e no contra outrosparticulares). A autora defende o reconhecimento da eficcia civil dos direitos fundamentais
no domnio laboral, j que o vnculo laboral engloba dois elementos essenciais: o elemento de
poder e o elemento de pessoalidade.
Conclui-se: eventuais restries a estes direitos fundamentais devem ser limitadas ao
mnimo, assegurando-se a salvaguarda do contedo essencial dos mesmos.
Perante uma norma constitucional devemos classific-la da seguinte forma:
1 critrio: quanto ao mbito de aplicao norma que se aplica a todos os
trabalhadores, ou apenas aos trabalhadores subordinados?
2 critrio: quanto matria norma que se aplica a situaes individuais
laborais ou ao direito colectivo do trabalho?
3 critrio: quanto eficcia civil norma preceptiva ou programtica?
Os direitos fundamentais de incidncia laboral so susceptveis dos seguintes limites:
Limites imanentes: inerentes a qualquer direito (j que nenhum direito
absoluto ou ilimitado) e podem conduzir a situaes de abuso do direito (art.
334 CC) exemplo: despedimento de dois trabalhadores que tiveram relaes
sexuais no local de trabalho, descobertos porque algum espreitara pela
fechadura da porta (justificado, na opinio de ROSRIO PALMA RAMALHO,contra MENEZES CORDEIRO).
Limites extrnsecos: decorrem do relevo de outros interesses ou direitos (vg
direito fundamental do prprio empregador, como o direito livre iniciativa
econmica arts. 61, 80 c) e 86 CRP), que podem entrar em coliso com os
direitos dos trabalhadores. A soluo parte da cedncia recproca e
equilibrada dos direitos em confronto, ou da prevalncia do direito
correspondente ao interesse que, no caso concreto, seja superior (coliso de
direitos, art. 335 CC). Exemplos em que os interesses da organizao devemprevalecer:
o Trabalhador numa loja do Benfica que ostenta um cachecol do
Sporting: liberdade de imagem do trabalhador vs direito imagem da
empresa de tendncia.
o Mdico recusa-se a ser submetido a um teste ao vrus da SIDA: direito
integridade fsica vs direito sade dos pacientes. Ao negar-se a
fazer o teste, viola ilegitimamente o dever de obedincia e h
fundamento para despedimento com justa causa (art. 19).
5
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
6/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
o Trabalhador despedido de uma empresa por ter praticado o crime
de furto noutra empresa.
o Muulmano que trabalha numa fbrica de cerveja no pode invocar a
liberdade religiosa para no se deslocar ao local de trabalho.
o O mdico catlico pode recusar-se a praticar IVG, por razes ticas,mas no depois de ter concorrido para trabalhar numa clnica de
abortos.
o Um partido poltico de direita pode despedir um empregado que se
assuma de partido poltico oposto.
Limites voluntrios: podem decorrer da vontade do prprio trabalhador
(auto-limitaes) ou do acordo entre o trabalhador e o empregador, exarado
no CT. ROSRIO PALMA RAMALHO prope a aplicao conjugada do regime
de tutela de direitos, liberdades e garantias (art. 18 CRP) e do regime daproteco dos direitos de personalidade (art. 81 CC). Admitida a eficcia
privada dos direitos fundamentais, qualquer pacto ou declarao do
trabalhador no sentido da restrio desses direitos fundamentais tem que
reconduzir-se ao mnimo e deve deixar intocado o contedo essencial
daqueles direitos (sob pena de invalidade). Mesmo os limites voluntrios so
limitados.
6
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
7/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
CASOS PRTICOS
1.
Em 2008 foi assinado um acordo entre a Associao de Empregadores do Norte do
Sector do Comrcio e o Sindicato dos Trabalhadores do Norte do Sector do Comrcio.
Associaes de empregadores (arts. 506 ss): pessoas laborais colectivas que
representam os interesses dos trabalhadores, enquanto tais. Constituem o
parceiro natural das associaes sindicais.
Associaes sindicais (art. 451 c) e 475 ss): associaes privadas cujo
objectivo a defesa dos interesses scio-profissionais dos trabalhadores,
entre as quais se conta o sindicato, ou associao sindical stricto sensu (art.
476 a)).
O acordo celebrado entre estas duas entidades, em representao dos seus
membros, designa-se conveno colectiva de trabalho (doravante, CCT) e
consiste num IRCT negocial (instrumento de regulamentao colectiva de
trabalho). Visa regular as situaes juslaborais individuais e colectivas numa
profisso ou num sector de actividade, numa determinada rea geogrfica ou
no mbito de uma empresa.
Mais concretamente, a CCT em apreo um contrato colectivo (art. 2, n 3a)): conveno celebrada ente associaes sindicais e associaes de
empregadores. O critrio distintivo das trs modalidades de CCT consagradas
na lei (contrato colectivo, acordo colectivo e acordo de empresa: CC, AC e
AE, respectivamente) reside na qualidade dos entes laborais outorgantes.
Atendendo ao mbito substancial de aplicao das CCT, estas podem ser (art.
535):
o CCT horizontais: aplicveis a uma profisso ou a uma categoria
profissionalo CCT verticais: aplicveis a um sector de actividade econmica
No caso em estudo, o CC vertical, aplicvel ao sector do comrcio.
Esse acordo inclua a seguinte norma, actualizada para esse ano: o salrio
mnimo dos trabalhadores de 500.
A, balconista numa loja de roupa do Porto (inscrita naquela associao de
empregadores), sindicalizado h muito no referido sindicato, teve conhecimento daquela
norma e, questionando a sua validade face retribuio mnima garantida por lei
7
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
8/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
(426/ms para 2008, ao abrigo do art. 266), tem dvidas sobre o valor correcto do seu
salrio.
A est sindicalizado no sindicato outorgante do CC: decorre do princpio da
filiao, consagrado no art. 552, que uma CCT apenas obriga osempregadores que a subscrevam ou que estejam inscritos na associao de
empregadores outorgante, bem como os trabalhadores ao servio desses
empregadores, desde que estes sejam membros das associaes sindicais
outorgantes. Neste caso, ao contrato de trabalho de A (doravante, CT) aplica-
se o CC vertical em causa, bem como qualquer outra CCT que venha a ser
acordada.
A norma do CC prev a remunerao de 500, em contraste com a previso
legal que consagra o salrio mnimo de 426/ms (art. 266). Estamos peranteum conflito hierrquico entre duas fontes do Direito do Trabalho: os IRCT (CC,
no caso) e a lei (o Cdigo do Trabalho).
O conflito em causa hierrquico na medida em que contrape fontes de
Direito do Trabalho de diferente grau hierrquico: a lei situa-se, em princpio,
num patamar superior ao do IRCT. Todavia, esta situao pode ser invertida,
em termos que veremos infra.
Impe-se a resoluo de uma questo prvia, antes da resposta a este
conflito:
o 1: o IRCT foi validamente celebrado? sem dados que apontem em
sentido inverso, defenderemos que sim: pelo menos, as partes
outorgantes correspondem quelas legalmente previstas para a
celebrao do CC (art. 2, n 3 a)).
o 2: o IRCT aplica-se a este trabalhador? A est filiado, pelo que a
resposta no pode deixar de ser afirmativa, por fora do princpio da
filiao (art. 552).
Respondida a questo prvia supra, cumpre qualificar a norma legal em causa
(art. 266), para saber como e at que ponto pode a fonte laboral inferior (oIRCT) afastar a fonte laboral superior (a lei). A classificao da norma laboral
impe-se no s quanto s normas legais, mas tambm quanto s normas que
constem de IRCT. As normas laborais podem corresponder a trs categorias:
o Normas supletivas: normas que admitem o seu afastamento em
qualquer sentido (mais ou menos favorvel), quer por fonte de valor
inferior, quer pelo CT.
o Normas imperativas absolutas: normas que no admitem o seu
afastamento em qualquer sentido, seja ele mais ou menos favorvel.
8
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
9/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
o Normas imperativas mnimas: normas que admitem o seu afastamento
apenas no sentido em que mais favorea o trabalhador, quer por
fonte de valor inferior, quer pelo CT. Sob outra perspectiva, estas
normas so imperativas absolutas quanto s condies mnimas que
prescrevem. nesta categoria que se insere a norma que consta do art.
266: imperativa absoluta quanto ao montante mnimo da
remunerao garantida (426) e imperativa mnima face a
normas que consagrem um valor superior a esse limite
(necessariamente mais favorvel ao trabalhador).
o No restam dvidas quanto classificao da norma laboral, pelo que
no necessrio recorrer presuno de supletividade da norma
legal perante o IRCT: concluiremos pela possibilidade de o CCprevalecer sobre o art. 266, nos termos gerais do art. 4, n 1, uma
vez que daquela norma no resulta a sua imperatividade absoluta,
mas sim a sua imperatividade mnima (quanto a valores acima dos
426/ms).
A norma do CC vlida e aplica-se a A, passando este a auferir 500/ms.
Ao tempo da celebrao daquele acordo, A, empregado daquela loja desde 2002,
auferia efectivamente 300/ms a tempo inteiro, apesar de no seu contrato de trabalho
constar a retribuio de 600, em letras miudinhas.
A remunerao de 300/ms contraria o disposto no art. 266: conforme
exposto supra, esta norma imperativa absoluta relativamente a outras
normas que consagrem um valor remuneratrio inferior a 426/ms, e
imperativa mnima quanto a montantes superiores a essa fasquia legal. Para
mais, A desconhece, sem culpa, que deveria auferir 600 (est de boa f,
enfim).
Questiona-se se a prtica reiterada da remunerao de apenas 300/ms,desde 2002, quando o montante que consta do CT outro, pode ser
considerada um uso laboral, maxime um uso contrrio boa f (art. 1). Por
uso entende-se a prtica social reiterada no acompanhada de convico de
obrigatoriedade (vs costume). Enquanto fonte do Direito, em termos gerais,
os usos s so atendveis quando a lei o determine expressamente, e desde
que no contrariem a boa f (art. 3 CC). No caso do Direito do Trabalho, o
art. 1 dispe no mesmo sentido. Todavia, para que uma prtica social seja
considerada um uso, esta deve ser bilateral. No o caso.
9
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
10/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Ainda que considerssemos tratar-se de um uso, seria um uso laboral
contrrio boa f, uma vez que reiteradamente foi paga a A a quantia de
300, quando deveria auferir efectivamente 600.
Quanto ao montante da retribuio, conforme consta do CT, cumpre apreciar:
o Forma de celebrao do CT: no depende da observncia de forma
especial (princpio do consensualismo), pelo que a forma escrita
opcional.
o Quando as partes optem por reduzir o CT a escrito, maxime tratando-
se de um CT de adeso (art. 95), o regime das CCG -lhe aplicvel
(art. 96). Esta questo releva para efeitos da discusso da validade
de clusulas contratuais redigidas em letra demasiado reduzida: seria
exigvel que A tivesse conhecimento do contedo das mesmas? No
nos parece.o Mesmo que a remunerao de 300 tivesse sido acordada a posteriori,
verbalmente, as estipulaes acessrias posteriores celebrao do
CT consideram-se excludas do mesmo, nos termos gerais (art. 221
CC).
Conclui-se: a prtica reiterada de ser atribuda a remunerao de 300 a A
no considerada um uso laboral e , por isso, irrelevante.
Assumiremos que A deve receber o montante que efectivamente consta do CT
por si celebrado: 600. Cumpre, pois, analisar os seguintes conflitos:
o CT vs lei (art. 4, n 3 e 114. n 2): o conflito entre o CT (600) e a
lei (art. 266 - 426) no um conflito hierrquico, uma vez que o CT
no fonte juslaboral. Verificada a questo prvia da validade de
ambas as normas e da sua aplicao a este trabalhador (pelo princpio
da filiao), e classificada a norma legal em causa (imperativa
mnima, quanto a valores acima da fasquia dos 426), conclui-se que
a norma legal pode ser afastada pelo CT, uma vez que este dispe em
sentido mais favorvel (600 > 426). A clusula do CT vlida.
o CT vs CC (art. 531): o conflito entre o CT (600) e o CC (500)
tambm no um conflito hierrquico, pelas mesmas razes supra.
Verificada a questo prvia da validade de ambas as normas e da sua
aplicao a este trabalhador (pelo princpio da filiao), e classificada
a norma que consta desse CC (imperativa mnima, admitindo
afastamento por CT mais favorvel), conclui-se pela aplicao do CT a
A (agora em termos rigorosos, quanto ao montante de 600).
A tem o direito de auferir 600/ms, ao abrigo do seu CT.
10
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
11/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
A dirige-se ao seu empregador e, colocando-lhe a questo, este argumenta que se
encontra em vigor naquela loja um regulamento interno que estabelece que os
balconistas s podem auferir 300.
A desconhecia tal regulamento, uma vez que este no se encontrava visvel na
loja.
O regulamento interno da empresa (RIE) , segundo ROSRIO PALMA
RAMALHO, fonte de Direito do Trabalho. Previsto nos arts. 95, n 1 e 153, o
RIE , em princpio, facultativo e constitui um instrumento de importncia
crescente na regulao de matrias como a segurana, sade e higiene no
mbito da empresa.
O RIE assume duas facetas:
o Faceta negocial (art. 95, n 1): funo integradora do contedo do
CT, uma vez que este no est, em princpio, sujeito a forma
especial.
o Faceta normativa (art. 153): funo organizativa e disciplinadora
das relaes laborais, ao abrigo do poder de direco do
empregador.
A qualificao do RIE enquanto fonte juslaboral no pacfica:
o ROMANO MARTINEZ: acentua a faceta negocial do RIE para, assim,
negar a sua qualificao enquanto fonte laboral.
o MENEZES CORDEIRO: invoca a generalidade e abstraco das
disposies do RIE para, assim, afirmar a sua qualificao enquanto
verdadeira fonte laboral. Neste sentido, tambm se pronuncia
ROSRIO PALMA RAMALHO. Com efeito, a generalidade e abstraco
das normas impostas pelo RIE torna-as aplicveis a todo o universo de
trabalhadores da empresa, presentes ou futuros. , contudo, fonte
de direito mediata, na medida em que depende da celebrao de CT.
Ainda que sustentemos a sua qualificao como fonte de direito, em sentido
prprio ou meramente mediata, o RIE s pode estar, em termos hierrquicos,em patamar inferior lei e aos IRCT, no elenco das fontes juslaborais.
No caso, o RIE regulava a retribuio dos trabalhadores, matria que se
considera integrante da faceta contratual desta figura (arts. 95 e 98 h)).
Todavia, s podemos recorrer ao mecanismo de adeso, expressa ou tcita,
ao RIE se o procedimento de emisso do mesmo estiver conforme o art. 153.
Tendo sido desrespeitado o nus de dar a devida publicidade ao RIE, pelo
empregador, nos termos do art. 153, n 3, este no pode invocar a adeso
tcita ante o silncio do trabalhador, consagrada no art. 95, n 2. Neste
mbito, dois cenrios possveis se adivinham:
11
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
12/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
o 1: o trabalhador contratado, estando j em vigor um RIE, depois
de devidamente publicitado desconhece, sem culpa, nem
obrigado a conhecer.
o 2: o trabalhador contratado e s depois entra em vigor um RIE,
devidamente publicitado a existncia do RIE presume-se ser doconhecimento do trabalhador (art. 95, n 2).
No caso em apreo, o RIE no pode ser invocado pelo empregador uma vez
que nulo por violao de disposio imperativa (art. 266 - mnimo de
426), nos termos gerais (art. 294 CC).
Mesmo que se conclusse pela sua aplicao, a regra prevista no RIE (300)
seria menos favorvel que aquela que consta do CT (600), e cairia
necessariamente no confronto com este (considerando a hierarquia das
fontes juslaborais). A deve, por isso, auferir 600/ms, nos termos do seu CT.
O empregador acrescentou que, mesmo antes de entrar em vigor o regulamento,
esta regra (300/ms) era h muito aplicada a todos os balconistas.
O empregador invoca um uso da empresa (prtica social reiterada),
juridicamente atendvel se no for contrrio boa f (art. 1). O uso situa-se
no sop da hierarquia das fontes juslaborais.
O uso em questo viola o art. 266, referente ao salrio mnimo nacional,
norma essa que imperativa absoluta at ao valor de 426, e quanto a
normas que consagrem montantes inferiores.
O uso contrrio lei e, consequentemente, nulo (art. 3 CC), sem produzir
quaisquer efeitos.
A deve ainda auferir 600/ms, nos termos do seu CT.
A tentou esclarecer-se junto de um colega, que lhe disse que entretanto soube de
um regulamento de extenso recentemente elaborado que prev 600/ms para os
balconistas.
O regulamento de extenso (RE), previsto nos arts. 2, n 4 e 573 ss, um
IRCT no negocial, produto de uma deciso administrativa, atravs do qual o
Governo (art. 574, n 1 e 2) determina o alargamento do mbito de aplicao
de uma CCT ou de uma deliberao arbitral. Esse alargamento pode ter um
duplo alcance, nos termos do art. 575, n 1 e 2:
o Regulamento de extenso interna (n 1): alargamento do mbito deaplicao de uma CCT a empregadores que no a outorgaram
12
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
13/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
inicialmente e que se situam no mesmo sector de actividade, e a
trabalhadores da mesma profisso que no sejam membros das
associaes outorgantes daquela CCT.
o Regulamento de extenso externa (n 2): alargamento do mbito de
aplicao de uma CCT a empregadores e trabalhadores do mesmosector profissional, quando no existam associaes sindicais ou de
empregadores.
Os RE pretendem integrar o vazio de regulamentao colectiva relativamente
aos trabalhadores no filiados nas associaes sindicais outorgantes das CCT e
aos empregadores que no as outorgaram. Permite, neste sentido, uma
uniformizao do regime jurdico aplicvel aos trabalhadores de um
determinado sector.
ROSRIO PALMA RAMALHO entende que a proliferao desta prtica pode ser
contraproducente para a autonomia colectiva, desincentivando a filiao
sindical.
1: No caso em apreo, o RE um IRCT horizontal, na medida em que se
aplica profisso de balconista.
2: Assumiremos que foi cumprido o procedimento de elaborao do RE, nos
termos do art. 576.
3: No conflito entre IRCT negocial (o CC que prev 500) e IRCT no
negocial (o RE que prev 600), conflito esse que no hierrquico, por se
encontrarem ambos no mesmo patamar, cumpre distinguir:
o Se o RE, sendo vlido, j se encontrava em vigor aquando da
celebrao do CC, tambm ele vlido (art. 538): o IRCT negocial (CC)
afasta a aplicao do RE, no mbito a que respeita, mesmo que
parcialmente invlido na sua relao com a lei (caso em que a norma
invlida se tem por no escrita e substituda pela norma legal) no
o caso.
o Se o RE, sendo vlido, s entra em vigor aps a celebrao do CC,
tambm ele vlido (art. 3): o IRCT negocial (CC) prevalece, uma vezque o RE no poderia ter sido emitido o caso.
O RE invlido por violao de norma legal imperativa (art.
3) e , consequentemente, nulo, nos termos gerais (art. 294
CC). No produz quaisquer efeitos, ainda que mais favorvel
do que o CC (600>500)! Esta concluso radica na presuno
inilidvel de que o que foi regulamentado em termos
colectivos mais favorvel do que o que foi imposto em
termos administrativos, independentemente de o
13
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
14/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
trabalhador, com a aplicao do IRCT negocial, auferir menos
do que auferiria com a aplicao do IRCT no negocial.
No entender de ROSRIO PALMA RAMALHO, a concorrncia entre IRCT
negociais e no negociais um concurso meramente aparente, pela relao
de subsidiariedade entre estas duas categorias.
Se o RE fosse vlido (600), este seria considerado mais favorvel do que a
norma legal imperativa mnima (art. 266), em concurso hierrquico, e no
poderia ser afastado pelo CT (600), uma vez que ambos estabeleciam
condies iguais (art. 531) conflito no hierrquico.
A tem, ainda assim, direito remunerao nos termos do seu CT (600).
Outro colega de A avisa-o que o sindicato em que A se filiou tambm celebrou
outro acordo, desta vez com a Associao Nacional de Empregadores de Lojas de Roupa(da qual o empregador de A tambm era membro).
Nos termos deste acordo, o salrio mnimo previsto para os balconistas era de
400/ms.
Como foi dito supra, este IRCT aplica-se ao CT celebrado por A, por fora do
princpio da filiao (art. 552): uma CCT apenas obriga os empregadores que
a subscrevam ou que estejam inscritos na associao de empregadores
outorgante, bem como os trabalhadores ao servio desses empregadores,
desde que estes sejam membros das associaes sindicais outorgantes.
O acordo em causa um IRCT negocial, mais concretamente uma CTT: acordo
celebrado entre as duas associaes, em representao dos seus membros.
Em termos ainda mais especficos, estamos perante um CC, face ao facto de
se tratar de uma associao sindical e de uma associao de empregadores
(art. 2, n 3 a)).
Qualificando este IRCT, conclumos tratar-se de um IRCT vertical (art. 535),
uma vez que nele nenhuma profisso identificada, mas sim todo um sector
de actividade (o sector das lojas de roupa, no mbito do comrcio, integraprofisses como a de balconista, gerente de loja, etc.).
Suscita-se, pois, um problema de conflito hierrquico entre IRCT e lei. J
respondemos s duas questes prvias que se impem neste mbito:
o 1: O IRCT foi validamente celebrado? Cremos que sim.
o 2: O IRCT aplica-se a este caso concreto? Sim, por fora do princpio
da filiao.
3: Cumpre, pois, classificar a norma legal em causa. Uma vez mais, o IRCT
versa sobre a retribuio mensal dos trabalhadores, matria essa queencontra consagrao legal no art. 266. Com efeito, e como j repetidas
14
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
15/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
vezes o afirmmos, esta norma imperativa absoluta at ao valor mnimo que
prev (426), e imperativa mnima face a normas ou clusulas que prevejam
valores superiores. No h qualquer dvida quanto qualificao desta
norma, pelo que no necessrio recorrer presuno de supletividade das
normas legais perante os IRCT (art. 4, n 1). Consequentemente, o CC invlido (rectius, nulo), por violao de norma
legal imperativa (arts. 4, n 1 in fine e 533, n 1 a)), e no produz quaisquer
efeitos, nos termos gerais (art. 294 CC). Todavia, esta nulidade meramente
parcial, pelo que a norma nula tem-se por no escrita e, em seu lugar, cabe
aplicar a norma legal prevalecente: o art. 266. Nestes termos, este acordo
prev um salrio mnimo de 426/ms aos balconistas.
Neste momento, duas CCT so aplicveis ao CT de A:
o 1: Uma primeira CCT (CC), que previa uma remunerao de 500.
o 2: Esta segunda CCT (CC), agora prevendo a remunerao de 426,
conforme previsto no art. 266.
o 3: O CT de A, de onde consta a remunerao de 600, ainda que em
letra muito reduzida.
Cumpre apreciar. No conflito entre a 1 e a 2, ambas IRCT, no tm
aplicao:
o art. 3 e 538, alternadamente: uma vez que so IRCT negociais.
o art. 535: uma vez que so IRCT negociais verticais.
o art. 560: uma vez que no se suscita um problema de revogao da
1 pela 2, j que se depreende, da leitura do caso, que as partes que
a outorgaram no foram as mesmas (para a maioria doutrinria, este
pressuposto condio de aplicabilidade daquele regime, contra
ISABEL VIEIRA BORGES). No estamos perante um caso de revogao
de IRCT posterior, mas sim de um verdadeiro concurso (no
hierrquico) entre IRCT.
A soluo passa, pois, pela aplicao do disposto no art. 536: sublinhe-se que
os critrios patentes nos n 1 a 6 so sucessivos, pelo que a ordem da resposta
tem necessariamente que partir do 1 para o 2, e assim por diante. Veremos:
o n 1 e n 2: princpio de especialidade a aplicar quando se trate de
concurso:
AE vs AC e/ou CC
AC vs CC
Aqui, temos dois CC em confronto, pelo que este caso se
subsume aplicao dos critrios patentes dos n 3 a 6:
critrios que solucionam todos os outros casos. Na
15
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
16/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
interpretao desta expresso (que consta do n 3), cumpre
adoptar uma de duas posies possveis:
Interpretao literal do preceito (maioria doutrinria)
interpretando todos os outros casos em sentido
literal, os critrios dos n 3 a 6 aplicar-se-iam aosconflitos:
o AE vs AE
o AC vs AC
o CC vc CC o caso.
Interpretao extensiva do preceito (ISABEL VIEIRA
BORGES) interpretando todos os outros casos
extensivamente, os critrios dos n 3 a 6 aplicar-se-
iam aos conflitos:o DAV vs AA (deciso de arbitragem voluntria
vs. acordo de adeso), os restantes IRCT
negociais para alm daqueles supra (art. 2,
n 2).
o n 3: critrio da escolha pelos trabalhadores nada nos referido
neste sentido, pelo que presumimos no ter havido escolha pelos
trabalhadores.
o n 5: critrio do IRCT mais recente no h dados para concluirmos
neste sentido.
o n 6: critrio do IRCT mais especfico, quanto actividade principal
da empresa (e no quanto circunscrio geogrfica a que respeita).
O 1 CC foi celebrado entre a Associao de Empregadores do
Norte do Sector do Comrcio e o Sindicato dos Trabalhadores
do Norte do Sector do Comrcio: este CC mais abrangente,
uma vez que respeita ao sector do comrcio, em geral, ainda
que apenas na zona Norte do pas.
O 2 CC foi celebrado entre a Associao Nacional deEmpregadores de Lojas de Roupa e o Sindicato dos
Trabalhadores do Norte do Sector do Comrcio: este CC
mais especfico, uma vez que respeita ao sector das lojas de
roupa em particular, ainda que relativamente a todo o
territrio nacional. Este CC prevalece.
Conclui-se: no concurso entre os dois CC, o 2 (426) prevalece sobre o 1
(500). O 2 CC aplica-se, em termos tericos, ao CT celebrado por A, por
fora do j enunciado princpio da filiao (art. 552). Todavia, um ltimoconflito fica por resolver:
16
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
17/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
No conflito entre o 2 CC (426) e o CT celebrado por A (600), conflito esse
que no hierrquico, uma vez que o CT no fonte juslaboral, resolvidas as
questes prvias da validade de ambos e da aplicao do primeiro ao CT de A
(pelo princpio da filiao), concluiremos:
o A norma prevista pelo 2 CCT (com aplicao do art. 266 no vaziolegal provocado pela invalidade parcial), uma norma imperativa
mnima quanto a clusulas contratuais que prevejam montantes
superiores a 426. o caso: a clusula que consta do CT de A, ainda
que em letra reduzida, efectivamente mais favorvel (600), pelo
que afasta a disposio do 2 CC, nos termos do art. 531.
A mesma concluso se impe: A tem direito a auferir 600/ms, nos termos
do seu CT.
Perante estes distrbios na loja, o empregador de A decide assinar um acordo
directamente com o sindicato em que A est filiado, prevendo os referidos 300 de
salrio para todos os balconistas, com incio de vigncia em 2009.
O acordo celebrado um acordo de empresa (AE), na medida em que uma
CCT subscrita por uma associao sindical (Sindicato dos Trabalhadores do
Norte do Sector do Comrcio) e por apenas um empregador, para uma
empresa ou estabelecimento em concreto (art. 2, n 3 c)). um IRCT
negocial (art. 2, n 2), vertical (art. 535): respeita a todo o sector do
comrcio, e no a uma profisso em particular.
Aplica-se ao CT de A, por fora do art. 552 (princpio da filiao).
O AE encontra-se em conflito hierrquico com a lei (uma vez mais, o art.
266), j que prev uma remunerao (300) abaixo da retribuio mnima
garantida por lei (426). O conflito hierrquico, uma vez que respeita a
duas fontes juslaborais que se encontram em patamares diferentes da
hierarquia das fontes. Como j indicimos supra, a lei prevalece, em
princpio, sobre o IRCT, embora desvios a esta regra geral sejam admissveis. Resolvida a questo prvia da aplicao do AE ao CT de A (princpio da
filiao), e partindo do pressuposto que o AE foi validamente celebrado,
cumpre classificar a norma em causa: o art. 266 uma norma imperativa
absoluta quanto a normas e clusulas contratuais que prevejam uma
retribuio inferior a 426. No h qualquer dvida quanto qualificao
dessa norma legal, pelo que no cabe recorrer presuno de supletividade
das normas legais perante os IRCT (art. 4, n 1).
A norma do AE nula por violao de norma legal imperativa (art. 533, n 1a)) e considera-se no escrita. A nulidade meramente imparcial, pelo que o
17
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
18/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
vazio normativo preenchido pela norma legal em causa (o art. 266): o AE
prev agora 426/ms para os balconistas daquela empresa.
Todavia, impe-se o conflito entre as duas CCT que se aplicam ao mesmo CT
celebrado por A:
o 1 CCT: o CC que previa 500.o 2 CCT: o novo AE que prev, agora, 426.
No estamos perante um problema de revogao da 1 CCT pela 2, posterior,
uma vez que a aplicao do regime do art. 560 pressupe, segundo a maioria
doutrinria, que as partes que celebraram as duas CCT foram as mesmas
(contra ISABEL VIEIRA BORGES). No sendo este o caso, repetiremos os
passos supra quanto ao conflito entre dois IRCT (conflito no hierrquico, por
se encontrarem no mesmo patamar):
No se aplica:o art. 3 ou 538, alternadamente: uma vez que ambos so IRCT
negociais.
o art. 535: uma vez que ambos so IRCT verticais.
Resta-nos aplicar o disposto no art. 536 (uma vez que ambos so IRCT
negociais), seguindo os critrios sucessivos consagrados nessa sede:
o O critrio consagrado no n 1 a) resolve desde logo o problema:
tratando-se de conflito entre CC e AE, o ltimo prevalece sobre o
primeiro, ainda que menos favorvel do que aquele, por fora do
princpio da especialidade.
Conclui-se: o AE (426) aplica-se ao CT de A (600), por fora do princpio da
filiao. No concurso entre ambos, concurso esse que no hierrquico, uma
vez que o CT no fonte juslaboral, a norma prevista no AE imperativa
mnima e admite que seja afastada por clusula contratual mais favorvel
(art. 531). o caso.
Uma vez mais, A tem direito a auferir 600/ms, nos termos do seu CT.
Entretanto, entra em vigor um regulamento de condies mnimas aplicvel a
todos os trabalhadores do comrcio nacional, regulamento esse que prev a retribuio
de 500/ms.
O regulamento de condies mnimas (RCM) o IRCT no negocial por
excelncia (art. 2, n 4 e 577 ss). Permite estabelecer regulamentao
colectiva para um determinado sector de actividade ou profisso, quando
no exista regulamentao colectiva de origem convencional ou quando no
seja vivel o recurso extenso administrativa da CCT j em vigor naquelaempresa. Este mecanismo de aplicao residual, tendo actualmente cado
18
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
19/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
em desuso. Ainda assim, cumpre estudar o procedimento e as condies de
adopo de um IRCT desta ndole.
O IRCT no negocial em causa vertical, uma vez que se aplica a todos os
trabalhadores do sector do comrcio nacional, sem distino de profisses
(art. 535). De acordo com o disposto no art. 578, um RCM s pode ser emitido nos casos
em que no seja possvel o recurso a um RE e em que se verifique a
inexistncia de associaes sindicais ou de associaes de empregadores. No
caso em apreo, no s h um RE anterior, como por diversas vezes se
assistiu interveno de associaes sindicais e de associaes de
empregadores.
Nestes termos, o RCM um IRCT nulo, que no produz quaisquer efeitos nos
termos gerais, sem que passemos sequer anlise do potencial conflito entre
este IRCT no negocial, e os IRCT negociais em vigor.
Ainda que fosse vlido, e no eventual confronto entre o RCM e o AE anterior,
aplicar-se-ia o art. 3:
o No o art. 538, porque a aplicao deste pressupe que o RE ou o
RCM seja vlido e j esteja em vigor aquando da aprovao de um
IRCT negocial como o AE. No seria o caso.
o J o art. 3, perfeitamente subsumvel a este caso se o RCM fosse
vlido, uma vez que pressupe a preexistncia de um IRCT negocial
vlido (o AE anterior, vg), impediria o RCM de ser emitido. De umaforma ou de outra, a concluso seria a mesma: o RCM seria nulo por
violao de norma imperativa (o art. 3). nos termos gerais (art. 294
CC).
O RCM em nada alterou o status quo, pelo que A continua a ter o direito de
auferir 600/ms, ao abrigo do seu CT.
A descobre que o seu sindicato (Sindicato dos Trabalhadores do Norte do Sector do
Comrcio) assinou um acordo com um conjunto de empregadores de escritrio (onde seinclui a loja onde A trabalha), que prev um salrio de 450.
A receia que esse acordo lhe seja aplicvel, uma vez que ele tambm exerce,
ainda que ocasionalmente, servios de escriturrio. Todavia, essa no a sua categoria
profissional nem aquela que consta do seu recibo de retribuio.
O acordo em causa um acordo colectivo (AC): IRCT negocial (art. 2, n 2)
celebrado entre uma associao sindical e uma pluralidade de empregadores
para diferentes empresas (art. 2, n 3 b)). um IRCT vertical, uma vez que
19
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
20/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
se aplica a todos os trabalhadores do sector do comrcio, independentemente
da profisso que exeram (art. 535).
Dir-se-ia que este AC se aplica ao CT de A, por fora do princpio da filiao
(art. 552). Todavia, para efeitos de interpretao desse princpio, a
categoria de trabalhador aquela que consta do recibo e aquela que efectivamente exercida. Neste caso, a categoria profissional de A a de
balconista, ainda que exera servios de escriturrio, pelo que o AC no lhe
aplicvel. A questo prvia que se impunha foi respondida negativamente,
pelo que no necessrio proceder anlise do potencial conflito entre o AC
e o AE anterior.
Ainda que o AC fosse aplicvel ao CT de A, nunca prevaleceria sobre o AE
anterior, num conflito entre IRCT negociais (conflito esse que no
hierrquico, como j vimos).
No caberia aplicao:
o art. 3 ou 538, alternadamente: uma vez que ambos so IRCT
negociais.
o art. 535: uma vez que ambos so IRCT verticais.
Resta-nos aplicar o disposto no art. 536 (uma vez que ambos so IRCT
negociais), seguindo os critrios sucessivos consagrados nessa sede:
o O critrio consagrado no n 1 a) resolve desde logo o problema:
tratando-se de conflito entre AC (450) e AE (426), o ltimo
prevaleceria sobre o primeiro, por fora do princpio da
especialidade.
A deve auferir 600/ms, ao abrigo do seu CT.
Durante esta discusso, entra em vigor uma substituio do primeiro acordo
referido (o CC que previa 500/ms), por um outro, de cujo texto consta, sem
fundamentao substancial: este acordo globalmente mais favorvel do que o acordo
que ora substitui. O acordo substituto prev um salrio mnimo de 400/ms para os
balconistas.Quando deve A auferir pelo seu trabalho?
A substituio a que o caso alude parece remeter-nos para uma questo de
revogao de uma CCT por outra CCT posterior. H revogao quando,
encontrando-se dois IRCT em vigor, e se nada for dito nesse sentido, o
segundo submeta, total ou parcialmente, uma mesma matria (j regulada
pelo primeiro) a uma disciplina jurdica distinta. A aplicao das regras do
regime de aplicao de IRCT no tempo (art. 560) pressupe, segundo amaioria doutrinria, que as partes que celebraram os dois IRCT sejam as
20
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
21/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
mesmas, e nesse estado se tenham mantido (contra, ISABEL VIEIRA BORGES).
Parece ser o caso. Se a considerarmos vlida, a 2 CCT substitui a 1.
A aplicao do art. 560, n 1 e 2 pressupe que a 2 CCT (aqui, o acordo
substituto) seja vlida, i.e., no diminua a proteco global dos
trabalhadores, conforme garantia a 1 CCT (o CC que previa 500). J o n 3 desse artigo consagra o princpio da irredutibilidade das posies
adquiridas (a expresso de ROSRIO PALMA RAMALHO): admite-se a
reduo pontual de direitos adquiridos (500, no caso), desde que do texto da
nova CCT (400, aqui) conste, em termos expressos, o seu carcter
globalmente mais favorvel. Com uma nuance (n 4): esses direitos adquiridos
no podem ter sido expressamente ressalvados pelas partes.
Como entender a exigncia de que o carcter globalmente mais favorvel do
IRCT conste expressamente do texto desse IRCT? Segundo ROSRIO PALMARAMALHO, esta exigncia no pode ser entendida em termos meramente
formais. Com efeito, no basta que o IRCT se apresente, formalmente, como
mais favorvel: essa declarao deve, em termos substanciais, corresponder
realidade.
Na delimitao do conceito de direitos adquiridos, para efeitos de
aplicao deste regime, ROSRIO PALMA RAMALHO prope um entendimento
restritivo dos mesmos, que circunscreve o universo de toda e qualquer
vantagem obtida pelos trabalhadores ao abrigo do IRCT anterior ao ncleo de,
apenas, direitos subjectivos dos trabalhadores que sejam juridicamente
exigveis enquanto tal, e aos quais correspondam verdadeiros deveres e
sujeies do empregador. o caso: a retribuio no s um direito
subjectivo, juridicamente exigvel por todo e qualquer trabalhador, como um
elemento essencial do contrato de trabalho.
Neste caso, observamos uma CCT que, sem mais, se afirma globalmente mais
favorvel do que o CC anterior, ainda que preveja uma retribuio inferior
quele (400 vs 500). No deve, por isso, ser considerada substancialmente
mais favorvel, ainda que essa caracterstica conste, em termos formais, daprpria CCT.
Como tal, a norma que consta da nova CCT padece de invalidade parcial (face
ao art. 560, n 3) e no produz quaisquer efeitos, nos termos gerais (art.
294 CC), pelo que se tem por no escrita. O vazio legal preenchido pela
norma do 1 CC (substitudo por esta nova CCT, uma vez que as partes se
presumem as mesmas) que previa 500/ms para os balconistas.
Deparamo-nos, neste momento, com uma nova CCT que prev 500/ms, em
conflito com o AE para 2009, prevendo 426/ms. No estamos perante umproblema de revogao, pelo que repetiremos os passos supra quanto ao
21
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
22/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
conflito entre dois IRCT (conflito no hierrquico, por se encontrarem no
mesmo patamar):
o No se aplica:
art. 3 ou 538, alternadamente: uma vez que ambos so IRCT
negociais. art. 535: uma vez que ambos so IRCT verticais.
o Resta-nos aplicar o disposto no art. 536 (uma vez que ambos so IRCT
negociais), seguindo os critrios sucessivos consagrados nessa sede:
O critrio consagrado no n 1 a) resolve desde logo o
problema: tratando-se de conflito entre CC e AE, o ltimo
prevalece sobre o primeiro, ainda que menos favorvel do
que aquele, por fora do princpio da especialidade.
Pelo princpio da filiao, duas CCT se aplicam ao CT de A:o O AE de 2009 (426)
o O CC que inicialmente previa 400 (com a invalidade parcial, 426) e
que cara no confronto com o 1 CC (500).
No conflito (no hierrquico) entre os dois IRCT, o AE afasta o CC, uma vez
mais, pelo princpio da especialidade conforme consagrado no art. 536, n 1
a).
O AE (426) aplica-se ao CT de A (600), por fora do princpio da filiao. No
concurso entre ambos, concurso esse que no hierrquico, a norma previstano AE imperativa mnima e admite que seja afastada por clusula contratual
mais favorvel (art. 531). o caso.
Em concluso, A tem direito a auferir 600/ms, nos termos do seu CT.
2. No sector da indstria, est em vigor um acordo celebrado entre a Associao
de Empregadores do Centro e Sul e o Sindicato dos Trabalhadores da Indstria Nacional.
Decorridos dois anos, so emitidos dois regulamentos, por fora de circunstncias
sociais e econmicas justificadoras:
1. O primeiro alarga a aplicao da conveno anterior a todas as
empresas e trabalhadores do Centro e Sul do pas, no sector do
comrcio, que no sejam abrangidos por essa conveno.
2. O segundo alarga a aplicao da mesma conveno a todos os
empregadores e a todos os trabalhadores do sector da indstria, do
Norte do pas, que no assinaram aquela conveno.
O acordo celebrado entre a associao de empregadores e o sindicatoem causa uma CCT, mais concretamente um CC, nos termos do art. 2, n 3
22
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
23/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
a). Trata-se de um IRCT vertical, uma vez que respeita a um determinado
sector de actividade (a indstria) e no a uma profisso em particular (art.
535).
O primeiro regulamento emitido um RE, previsto nos arts. 2, n 4 e
573 ss: IRCT no negocial, produto de uma deciso administrativa, atravs doqual o Governo (art. 574, n 1 e 2) determina o alargamento do mbito de
aplicao de uma CCT ou de uma deliberao arbitral. Esse alargamento pode
ter um duplo alcance, nos termos do art. 575, n 1 e 2:
o Regulamento de extenso interna (n 1): alargamento do mbito de
aplicao de uma CCT a empregadores que no a outorgaram
inicialmente e que se situam no mesmo sector de actividade, e a
trabalhadores da mesma profisso que no sejam membros das
associaes outorgantes daquela CCT.
o Regulamento de extenso externa (n 2): alargamento do mbito de
aplicao de uma CCT a empregadores e trabalhadores do mesmo
sector profissional, quando no existam associaes sindicais ou de
empregadores.
No caso, foi respeitada a exigncia de circunstncias sociais e econmicas
que justifiquem a sua emisso (art. 573, n 3).
De modo a aferir se a extenso interna ou externa, cumpre determinar a
rea geogrfica de aplicao do RE:
o CC em vigor aplicava-se a (no mbito do sector da indstria):
Empregadores do Centro e Sul do pas
Trabalhadores de todo o pas
A rea geogrfica comum a estas duas entidades o
Centro e Sul do pas.
o O RE alarga o CC a (no mbito do sector do comrcio):
Empresas e Trabalhadores do Centro e Sul
Conclui-se: a rea geogrfica de aplicao a mesma (Centro e Sul), ainda
que o sector de actividade seja diferente (indstria vs comrcio). Nestestermos, a extenso interna (n 1).
O segundo regulamento emitido tambm um RE, incidindo agora sobre o
mesmo sector de actividade (indstria). Dir-se-ia tratar-se de uma extenso
externa (n 2).
Todavia, os requisitos que qualificam uma extenso como externa so
cumulativos, e um deles no se encontra preenchido: exige-se que no
existam associaes sindicais ou associaes de empregadores (art. 575, n 2
in fine).
23
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
24/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Como tal, o segundo RE invlido, padecendo de nulidade por violao de
uma norma legal imperativa, e no produz quaisquer efeitos, nos termos
gerais (art. 294 CC).
3. Um grupo de trs advogados divide escritrio para o exerccio de advocacia e,
por isso, contrata a mesma secretria para os auxiliar. O salrio desta pago atravs de
trs cheques, emitidos por cada um dos advogados, no valor total de 600.
Aps uma zanga, um dos trs advogados sai do grupo.
Os outros dois advogados comunicam secretria que esta passar a auferir 400.
Quais os direitos da secretria?
Estamos perante uma situao de pluralidade de empregadores (art. 92),
uma vez que o trabalhador (a secretria, aqui) presta uma actividade para
vrios empregadores. Esta situao beneficia de tutela legal especfica, desde
que lhe seja aplicvel o regime que consta do art. 92.
Esse regime aplicvel por uma de duas vias:
o 1. Verificados os requisitos cumulativos do n 1 a), b) e c) e tratando-
se de uma relao societria de participaes recprocas, de domnio
ou de grupo.
o 2. Verificados os requisitos cumulativos do n 1 a), b) e c), tratando-
se de uma situao equiparada por lei a uma relao societria de
participaes recprocas, de domnio ou de grupo: a existncia de
uma estrutura organizativa comum (art. 92, n 2). o caso.
Sublinhe-se que a situao aqui equiparada apenas beneficia do regime do
art. 92 se se verificarem os requisitos cumulativos do n 1, nos termos gerais.
Violado um dos requisitos, seja ab initio, seja supervenientemente, o
trabalhador tem o direito de optar pelo empregador a quem quer ficar
unicamente vinculado, nos termos do n 5.
Diferentemente, se aps se verificarem os requisitos cumulativos, houveralterao superveniente das circunstncias data da celebrao do CT (seja
pela sada de um dos empregadores, como no caso em apreo), tem aplicao
o disposto no n 4: o trabalhador fica vinculado ao empregador que
represente os demais (a indicao do empregador representante um dos
requisitos do n 1: c)). Neste caso, dois cenrios so possveis:
o O empregador que deixa a estrutura organizativa comum no o
empregador representante: o trabalhador fica exclusivamente
vinculado ao empregador representante (n 4).
24
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
25/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
o O empregador que deixa a estrutura organizativa comum o
empregador representante:
Se houve acordo superveniente, no sentido de determinar
novo representante: o trabalhador fica exclusivamente
vinculado ao novo empregador representante (n 4). Se no houve acordo superveniente, sem escolha de novo
representante (parece ser o caso em apreo): o trabalhador
tem o direito de optar pelo empregador relativamente ao
qual ficar exclusivamente vinculado (n 5).
De uma forma ou de outra, o trabalhador tutelado.
Concluso: a secretria pode escolher qualquer um dos dois empregadores. A
secretria ficar exclusivamente vinculada quele que escolher, podendo
exigir-lhe os 600 habituais, por duas razes fundamentais:o 1: por fora do princpio da irredutibilidade da retribuio.
o 2: mesmo se assim no fosse, a retribuio de 400 seria proibida por
norma legal imperativa absoluta (art. 266).
25
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
26/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
O VNCULO DE TRABALHO
1: EVOLUO HISTRICA
Trs grandes orientaes contriburam para a construo dogmtica do vnculo
laboral: Construo civilista (incio sec. XX):
o O vnculo laboral era enquadrado na projeco da figura histrica
romana da locatio conductio: contrato de locao (prestao de
servios).
o A relao laboral era vista como uma relao entre actividade laboral
e respectiva retribuio.
o Reconhece-se a liberdade do trabalhador, renegando a origem
histrica do trabalho servil.o A actividade laboral entendida em termos abstractos, separada da
pessoa do trabalhador.
Construo comunitrio-pessoal (at 70s):
o Ante a afirmao da posio frgil do trabalhador, so consagrados os
primeiros deveres de assistncia do empregador, para a modalidade
do contrato de prestao de servio.
o Estes deveres suscitam o problema jurdico da igualdade entre as
partes contraentes, no mbito de um contrato de Direito Privado:como explicar a proteco de uma das partes, em detrimento da
outra?
o A nova concepo valorizava os traos da relao de trabalho que
mais a afastam dos vnculos obrigacionais anteriormente enfatizados.
Acentuam-se os elementos da pessoalidade e comunitrio.
o O contrato de trabalho nesta altura considerado um contrato
pessoal, globalmente subtrado lgica dos contratos obrigacionais.
Por outro lado, esboam-se as primeiras ideias de integrao do
trabalhador subordinado na organizao do empregador. A mtua
colaborao entre um e outro para a prossecuo do mesmo fim
incentivada.
o Esta concepo encontra fundamentao contratualista e
institucionalista:
Contratualista: a relao comunitria de trabalho assenta no
contrato de trabalho, mas no enquanto contrato
obrigacional.
Institucionalista: o contrato de trabalho, enquanto factoconstitutivo da relao de trabalho, desvalorizado em favor
26
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
27/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
da incorporao e a empresa reconduzida categoria de
instituio.
Construo obrigacional (a partir 80s):
o Recusa-se o elemento comunitrio, pelo seu irrealismo, uma vez que
no seria possvel reconhecer, no vnculo laboral, uma comunidade
em sentido jurdico. A existncia do elemento da pessoalidade no
negada, mas -lhe atribudo um valor secundrio, uma vez que so os
deveres e interesses patrimoniais que prevalecem.
o O cerne do contrato de trabalho , de novo, deslocado para o binmio
patrimonial de troca entre actividade laboral e retribuio. Contrato
de trabalho e prestao de servio aproximam-se.
o Desenvolveu-se a teoria da remunerao (entre ns, MENEZES
CORDEIRO sustentou-a), segundo a qual a consagrao dos deveres deassistncia do empregador no impede uma construo obrigacional
do contrato de trabalho. O dever de lealdade do trabalhador visto
como uma manifestao laboral do princpio geral da boa f no
cumprimento dos contratos, e a esse dever deve ser reconduzida a
tradicional concepo comunitarista e pessoal do contrato de
trabalho.
2: APRECIAO CRTICA
Para ROSRIO PALMA RAMALHO, as prestaes essenciais das partes no contrato de
trabalho so a actividade laboral e a retribuio, pelo que os deveres de lealdade e de
assistncia devem ser reconduzidos categoria de deveres acessrios. A autora considera
inconsistente o reconhecimento de um elemento comunitrio no vnculo laboral, maxime face
ao ambiente de elevada conflitualidade social que lhe est subjacente. Nestes termos,
rejeita a concepo comunitrio-pessoal, tanto na sua fundamentao contratualista, como
na sua fundamentao institucionalista.
Esta rejeio no significa que a autora sustente as concepes obrigacionais, ou que
as considere satisfatrias. Apesar de coerente e simples, essa formulao redunda naconstruo artificial do vnculo de trabalho, reconduzindo-o a mais uma modalidade de
prestao de servios. A riqueza e a complexidade do contrato de trabalho deve ser
evidenciada, e esta concepo tem-se por redutora e simplista.
3: RECONSTRUO DO VNCULO LABORAL
Antes de procedermos construo dogmtica do vnculo laboral, conforme proposta
por ROSRIO PALMA RAMALHO, cumpre proceder decomposio das caractersticas
essenciais do contrato de trabalho.
Eis as duas caractersticas essenciais deste vnculo:
27
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
28/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Carcter negocial:
o um contrato e, alm disso, corresponde a um tipo contratual
especfico. H liberdade de celebrao e, quase sempre, liberdade
de estipulao (cfr. art. 95).
o Reconhecer-se este carcter negocial implica recusar as concepes
institucionalistas da relao de trabalho.
Complexidade do contedo:
o No contedo do contrato de trabalho concorrem elementos
objectivos e subjectivos, patrimoniais e pessoais, e uma dimenso
organizacional.
o O contedo pode ser reconduzido a um duplo binmio:
Binmio objectivo: as prestaes essenciais das partes so a
actividade laboral e a retribuio.
Binmio subjectivo: o trabalhador assume uma posio de
subordinao ou dependncia, enquanto que o empregador
assume uma posio de domnio ou de poder.
o Para alm destes elementos, refira-se a importante componente de
pessoalidade e o contexto organizacional.
Analisaremos cada um destes elementos individualmente.
4: BINMIO OBJECTIVO
Na delimitao objectiva do vnculo de trabalho, consideraremos isoladamente a
actividade laboral em si, a retribuio e os deveres acessrios do trabalhador e do
empregador.
TRABALHADOR
Actividade laboral:
A prestao da actividade laboral constitui o dever principal do trabalhador,
conforme se pode retirar da noo legal de contrato de trabalho (art. 10), mas tambm do
enunciado de deveres do trabalhador (art. 121, n 1 c)).
Em relao ao nexo entre a actividade laboral prestada e os fins concretamente
prosseguidos pelo empregador, cumpre atender ao que supra foi referido quanto noo de
actividade laboral: atende-se ideia de actividade produzida, e no aos concretos resultados
dessa actividade. Este pressuposto mantm-se, nesta sede, e permite-nos distinguir o
contrato de trabalho da prestao de servio, onde o resultado da actividade reveste mais
interesse para o credor. O trabalhador , em princpio, irresponsvel pela frustrao dosresultados pretendidos em concreto pelo empregador: mas essa irresponsabilidade no
28
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
29/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
total, uma vez que temperada com recurso ideia de diligncia (art. 121, n 1 b)).
Contudo, a regra geral a de que o risco da no obteno dos resultados previstos corre por
conta do empregador.
Dois problemas se suscitam relativamente conjugao do conceito jurdico de
prestao de facto positivo e as actividades de simples presena ou as situaes deinactividade material do trabalhador. H situaes em que a prestao do trabalhador se
cumpre exactamente atravs da ausncia de uma actividade material positiva (vg guarda
vigilante ou modelo que posa nua para um quadro). Por outro lado, h momentos em que o
trabalhador no se encontra a desenvolver nenhuma actividade (vg encerramento temporrio
de uma empresa para obras). Estes exemplos evidenciam a necessidade de conjugao do
conceito de actividade com o conceito de disponibilidade. Entende-se, neste mbito, que o
trabalhador cumpre a sua prestao, no apenas quando desenvolve em concreto a
actividade, mas tambm quando est disponvel para exercer aquela actividade(MONTEIRO
FERNANDES).
ROSRIO PALMA RAMALHO considera que o recurso ideia de disponibilidade,
embora tempere um entendimento demasiado restritivo do conceito de actividade, no o
substitui enquanto prestao principal do trabalhador. No caso da prestao do trabalhador
ser puramente passiva (o guarda ou a modelo), a prestao continua, ainda assim, a ser
positiva, uma vez que a disponibilidade do trabalhador direccionada para uma actividade
(de mera presena).
A actividade laboral caracteriza-se pelos seguintes elementos:
Actividade com valor patrimonial e com uma componente de pessoalidade Actividade diversificada (intelectual ou manual, etc.)
Actividade material e/ou jurdica (art. 111, n 3) vg advogado, balconista
ou condutor
Actividadepassvel de ser retribuda
Actividade lcita, determinvel e no contrria boa f ou aos bons costumes
(arts. 280 e 281 CC e 117).
Deveres acessrios do trabalhador:
O trabalhador assume uma posio debitria complexa, na qual se recortam inmeros
deveres acessrios e o j referido dever principal de prestao da actividade laboral.
Pelo critrio da fonte, estes deveres podem ser classificados em:
Deveres normativos (impostos pela lei ou por IRCT administrativo):
o De forma exemplificativa, art. 121, conjugado com o art. 396
o Os deveres acessrios legais so deveres necessrios
Deveres convencionais (com origem no CT ou em IRCT convencional):
o Os deveres acessrios convencionais so deveres secundrios
29
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
30/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Deveres empresariais ou profissionais (decorrem de RIE):
o Os deveres decorrentes de RIE so deveres secundrios
Deveres cuja origem radica em conceitos indeterminados ou princpios gerais:
o Boa f (art. 119)
o Os deveres acessrios decorrentes de princpios gerais so deveres
necessrios
Contudo, classificaremos os deveres acessrios e secundrios do trabalhador pelo
critrio especificamente laboral da sua ligao com o dever principal, distinguindo:
Deveres acessrios integrantes da prestao principal:
o Deveres que, pela sua natureza, esto intrinsecamente ligados ao
dever de prestar a actividade laboral.
Assiduidade (art. 121, n 1 b))
Pontualidade (art. 121, n 1 b))
Obedincia (art. 121, n 1 d) e n 2): consiste na
manifestao, por excelncia, da subordinao do
trabalhador no vnculo laboral, para alm da sujeio ao
poder disciplinar sancionatrio do empregador.
Zelo e diligncia (art. 121, n 1 c))
Custdia dos bens disposio do trabalhador (art. 121, n 1
f))
Produtividade (art. 121, n 1 g))
Deveres acessrios autnomos da prestao principal:
o Deveres do trabalhador que no se encontram ligados ao dever
principal, pelo que so exigveis tanto na pendncia da actividade
principal, como em situaes em que o trabalhador no se encontre
adstrito ao cumprimento desta actividade.
Respeito e urbanidade para com o empregador e colegas (art.
121, n 1 a))
Lealdade ao empregador sigilo e no concorrncia (art.
121, n 1 e)): stricto sensu (dever de sigilo sobre os negcios
e os interesses da organizao e dever de no concorrncia
com o empregador) e lato sensu (conduta do trabalhador
conforme boa f, cfr. art. 119, n 1). Mantm-se
omnipresente durante toda a execuo do contrato e persiste
mesmo aps a respectiva cessao: dotado de ps-eficcia.
Exemplo: um pasteleiro que tenha trabalhado para os Pastis
de Belm no pode, depois da cessao do contrato, revelar o
segredo do fabrico dos mesmos.
30
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
31/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Cooperao e actuao em matria de segurana, higiene e
sade no local de trabalho, bem como quando sejam
confiados bens da empresa ao trabalhador, no associados
prestao de trabalho vg carro (art. 121, n 1 h) e i))
Custdia (art. 121, n 1 f))
EMPREGADOR
Retribuio:
O pagamento da retribuio constitui o dever principal do empregador no contrato de
trabalho (art. 120 b)). A retribuio consiste na contrapartida da actividade laboral e
evidencia a dimenso obrigacional deste contrato.
As prestaes remuneratrias do empregador podem ser consideradas em sentidoestrito (retribuio), que constitui a contrapartida do trabalho prestado, e que ora
abordamos; ou em sentido amplo (remunerao), que engloba as prestaes de contedo
patrimonial do empregador que emergem de um contrato de trabalho.
O conceito de retribuio delimitado pelo art. 249:
Prestao de dare (cumprimento consubstancia-se na entrega de um bem).
Prestao de contedo patrimonial (o seu objecto avalivel em dinheiro)
deve ser satisfeita em numerrio (dinheiro em cash) ou equivalente, pelo
menos em parte (art. 267, n 1 e 3).
Contrapartida pelo trabalho prestado (o contrato de trabalho oneroso e
sinalagmtico, art. 249, n 1).
Prestao peridica (o seu cumprimento fraccionado no tempo em
intervalos regulares, art. 249, n 2).
Constitui um direito do trabalhador(art. 249, n 1).
Para alm das situaes em que o pagamento do salrio constitui a contrapartida da
actividade prestada (de forma sinalagmtica), h casos em que o dever de retribuio escapa
a este requisito de contrapartida, a saber remete-se, aqui, para o conceito de
remunerao, lato sensu:
Situaes em que no prestada qualquer actividade laboral, em termos
efectivos, mas que so equiparadas a tempo de trabalho: o trabalhador tem
direito, ainda assim, ao respectivo pagamento nos dias feriados (art. 259),
perodo de frias (art. 255, n 1), faltas justificadas (art. 230, n 1 e 2) ou
crdito de horas (art. 454).
Prestaes remuneratrias complementares gerais: vg subsdios de frias e de
Natal ou diuturnidades, prestaes pecunirias com fundamento na
antiguidade do trabalhador cfr. arts. 255, n 2, 254 e 250, n 2 b))
31
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
32/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Outras prestaes remuneratrias complementares: vg trabalho nocturno,
por turnos, suplementar, etc. cfr. arts. 256 a 258; subsdios de refeio,
transporte ou alojamento, subsdios de risco relativamente a certas
profisses).
Encargos patrimoniais associados constituio e execuo de um vnculo
de trabalho subordinado: inscrio do trabalhador na segurana social,
celebrao de contrato de seguro de acidentes de trabalho.
Encargos patrimoniais associados aos deveres de formao profissional dos
trabalhadores.
Refira-se que a retribuio, mais do que contrapartida tcnica do trabalho prestado,
assume uma funo eminentemente alimentar, enquanto meio de subsistncia da maioria dos
trabalhadores e dos respectivos agregados familiares. Neste sentido dispe o art. 59 CRP.
Deveres acessrios do empregador
Um conjunto de deveres acessrios completa a posio debitria do empregador no
vnculo laboral. Uma vez mais, o critrio da fonte permite-nos distinguir deveres normativos
e deveres convencionais, bem como deveres decorrentes de princpios gerais como a boa f
(art. 119). Remete-se, a este respeito, para o que supra foi referido em relao aos deveres
acessrios do trabalhador.
A novidade reside no facto de, de acordo com o critrio do destinatrio dos
comportamentos debitrios, o empregador tem ainda deveres para com o Estado (vg inscrio
do trabalhador na segurana social, reteno na fonte do imposto sobre o rendimento do
trabalho e outros deveres em matria de condies de trabalho, higiene e segurana).
Os deveres do trabalhador encontram-se enunciados no art. 120, que deve ser
completado com outras disposies do Cdigo (vg art. 122). Eis as principais categorias de
deveres legais do empregador:
Deveres gerais relativos pessoa do trabalhador:
o Respeito e urbanidade (art. 120 a))
o Contribuio para a promoo humana, profissional e social do
trabalhador (art. 119, n 2 in fine)o Permitir ao trabalhador o exerccio de cargos em organizaes
representativas de trabalhadores (art. 120 f))
o No oposio, por qualquer forma, ao exerccio dos seus direitos pelos
trabalhadores e no tratamento desfavorvel (art. 122 a))
Deveres relativos pessoa do trabalhador mas com um escopo funcional ou
profissional:
o Proporcionar ao trabalhador boas condies fsicas e morais de
trabalho (art. 120 c))o Ocupao efectiva (art. 122 b))
32
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
33/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
o Contribuio para a elevao do nvel de produtividade do
trabalhador, vg proporcionando-lhe formao profissional (art. 120
d))
o Respeito pela autonomia tcnica do trabalhador (art. 120 e))
Deveres especficos em matria de higiene, segurana e sade:o Prevenir riscos e doenas profissionais
o Indemnizar o trabalhador dos prejuzos decorrentes de acidentes de
trabalho
o Cumprimento de disposies legais em matria de higiene, sade e
segurana (art. 120, n 1 i))
o Informao ao trabalhador em matria de preveno de doenas
profissionais e acidentes de trabalho
Deveres relativos ao controlo da situao dos trabalhadores na organizao:o Manuteno de um registo actualizado sobre os aspectos mais
relevantes da situao laboral de cada trabalhador (art. 120 j))
Tal como conclumos em relao ao trabalhador, a posio debitria do empregador
no vnculo laboral complexa e integra deveres patrimoniais e pessoais. Da que, reitere-se,
rejeitemos uma construo obrigacional do vnculo de trabalho.
5: BINMIO SUBJECTIVO
No mbito da delimitao subjectiva do vnculo laboral, cumpre analisar a posio de
subordinao do trabalhador, por um lado, e os poderes laborais do empregador, por outro. O
binmio subjectivo do vnculo laboral evidencia o relacionamento desigual entre as partes,
como veremos de seguida.
TRABALHADOR
Subordinao
A posio de subordinao do trabalhador perante o empregador releva para o estudo
da componente subjectiva do vnculo laboral.O trao verdadeiramente delimitador da situao juslaboral do trabalhador, como j
repetimos supra, precisamente a subordinao jurdica, permitindo distinguir o contrato de
trabalho de outras actividades laborais similares. A noo legal aponta para esta
caracterstica, ao enunciar que o trabalhador se obriga a desenvolver certa actividade sob a
autoridade e direco do empregador (art. 10), colocando-se, portanto, numa posio de
dependncia perante o credor.
Encontramos indcios desta subordinao em normas que referem autoridade e
direco (o j referido art. 10) e poder disciplinar (art. 365), do lado do empregador, e
33
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
34/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
dependncia (art. 13), do lado do trabalhador. No sobejam, pois, dvidas relativamente
ao reconhecimento legal deste elemento do contrato de trabalho.
A tendncia actual (por todos, MENEZES CORDEIRO) pende para a reconduo da
subordinao jurdica actividade laboral em si, justificando a sua heterodeterminao, e
no ao estado pessoal do trabalhador. ROSRIO PALMA RAMALHO discorda desteentendimento, uma vez que identifica subordinao a um status, e no a uma qualidade da
actividade de trabalho. Exemplifiquemos: se a tnica da subordinao assentasse na
actividade per se, nada distinguiria o contrato de trabalho da prestao de servios e, em
ltima linha, um advogado poderia ser equiparado a um mdico que trabalhasse num
consultrio, desenvolvendo trabalho de escritrio. Ora a nica forma de distinguir a
actividade profissional desenvolvida num contexto autnomo da actividade profissional
subordinada , precisamente, acentuar o estado de dependncia pessoal do indivduo perante
o credor.
Por outro lado, seria redutor reconduzir a subordinao jurdica ao reverso do poder
de direco do empregador, como parece indiciar uma leitura desatenta de algumas das
normas legais supra citadas. subordinao correspondem, mais correctamente, os poderes
de direco (orientao do trabalhador atravs de ordens e de instrues) e disciplinar
(regras de disciplina e sanes disciplinares em caso de incumprimento).
Assim se compreende que a situao passiva do trabalhador seja complexa e englobe
deveres como o dever de obedincia ou o dever de acatamento (rectius, o estado de sujeio)
das sanes disciplinares eventualmente aplicadas. Enquanto que ROSRIO PALMA RAMALHO
reconduz a natureza jurdica da subordinao a um estado de sujeio apenas quanto aodever de acatamento de sanes disciplinares (no reverso do poder disciplinar), MENEZES
CORDEIRO f-lo relativamente a toda a sujeio, globalmente considerada. Para a autora o
dever de obedincia traduz-se num dever proprio sensu.
O dever de obedincia avulta como o dever que, por excelncia, caracteriza o estado
de subordinao do trabalhador:
O trabalhador deve cumprir as ordens e instrues do empregador, nos termos
do art. 121, n 1 d) em termos particularmente extensos, uma vez que
pode incluir regras de funcionamento da empresa e ainda comportamentos
extra-laborais.
O trabalhador deve obedincia no apenas ao empregador, mas tambm a
superiores hierrquicos nos quais tenha sido delegado o exerccio do poder
directivo, conforme o art. 121, n 2 esta norma evidencia a intensidade do
dever de obedincia.
Por fim, cumpre referir de forma sumria as caractersticas da subordinao:
Natureza jurdica e no econmica: o estado de sujeio do trabalhador no
se confunde com a necessidade de este auferir um salrio que lhe garanta a
subsistncia ou que tenha de trabalhar em exclusivo para o credor.
34
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
35/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Pode ser meramente potencial: no necessria a actuao efectiva e
constante dos poderes laborais.
Comporta graus e no tem carcter tcnico: a intensidade da subordinao
varia consoante as aptides tcnicas do trabalhador, a especificidade da sua
actividade ou a importncia da funo que desempenha. compatvel com a
autonomia tcnica para o desempenho de uma actividade especializada, bem
como com a autonomia deontolgica (quanto a profisses sujeitas a um
cdigo deontolgico, cfr. art.112).
Limitada por um critrio funcional: a subordinao justifica-se em funo do
contrato de trabalho e no quadro desse contrato, confinando-se dentro dos
limites do dbito negocial do trabalhador. O contrato no deve, pois,
interferir com a vida pessoal do trabalhador.
EMPREGADOR
Poderes laborais de direco e disciplina
subordinao do trabalhador correspondem os poderes de direco (arts. 150 ss) e
disciplina (arts. 365 ss) do empregador.
O poder de direco o poder atravs do qual o empregador atribui uma funo
concreta ao trabalhador no mbito da actividade para a qual foi contratado (art. 151) e
adequa a prestao deste aos seus prprios interesses, ao longo da execuo do contrato
(art. 150). Respeita ao modo de prestao de trabalho e reconduz-se a um poder de escolha
ou de especificao.
Poder de direco:
o Titularidade: na generalidade dos casos pertence ao empregador.
Excepes:
Contrato temporrio (art. 20, n 1 LTT)
Contrato de trabalho porturio
Cedncia ocasional do trabalhador (art. 322)
o Modo de exerccio: pode ser exercido directamente pelo empregador
ou pode ser delegado nos superiores hierrquicos do trabalhador (art.
121, n 2).
o Forma de actuao: ordens ou instrues concretas para cada
trabalhador (art. 121, n 2) ou genericamente, atravs da emisso de
directrizes genricas para todos ou de RIE (art. 153).
o Limites: poder bastante amplo, que se encontra limitado pela prpria
prestao de trabalho e pelos direitos e garantias do trabalhador.
o Funo no mbito do contrato de trabalho: um elemento essencial,mas no suficiente para delimitar o contrato de trabalho face a outras
35
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
36/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
figuras similares (verifica-se tambm relativamente a certos credores
de prestaes de servio).
o Natureza: direito subjectivo stricto sensu (permisso normativa
especifica de aproveitamento de um bem, para MENEZES CORDEIRO).
O poder disciplinar (art. 365) tem um duplo contedo: contedo ordenatrio ouprescritivo (estabelecimento de regras de comportamento e disciplina no seio da organizao
que no possam ser imputadas ao poder directivo) e contedo sancionatrio ou punitivo
(sanes disciplinares ao trabalhador em caso de incumprimento do seu dever principal ou dos
seus deveres acessrios, legais ou convencionais, cfr. art. 366 - sanes disciplinares de
gravidade crescente). As sanes disciplinares tm um escopo punitivo e no ressarcitrio
(por isso a lei prev separadamente a responsabilidade disciplinare a responsabilidade civil,
arts. 366, n 1 e 363).
Poder disciplinar:
o Titularidade: pertence sempre ao empregador, mesmo quando haja
desdobramento dos poderes laborais por diversas entidades.
o Modo de exerccio: exercido directamente pelo empregador ou pelos
superiores hierrquicos do trabalhador, por delegao (art. 365, n 2)
o Forma de actuao: as sanes disciplinares so obrigatoriamente
precedidas de um processo (processo disciplinar comum, cfr. arts.
371 e 372 ou, no caso da sano do despedimento imediato por
facto imputvel ao trabalhador, arts. 411 ss).
o Limites: direitos e garantias do trabalhador (arts. 122 e 374);
algumas sanes tm tambm limites de durao ou valor (art. 368).
o Funo no mbito do contrato de trabalho: poder essencial, na
medida em que garante a posio de domnio do empregador (meio
clere e eficaz de reaco contra o incumprimento do trabalhador), e
no tem paralelo noutros contratos de Direito Privado na dvida,
ser sempre um contrato de trabalho.
o Natureza: direito subjectivo, mais concretamente direitopotestativo,
colocando o trabalhador numa posio de sujeio.
6: COMPONENTE ORGANIZACIONAL
Esta componente do vnculo laboral enquadra globalmente o relacionamento entre o
empregador e o trabalhador no contrato.
Traduz-se na influncia quotidiana que a organizao predisposta pelo empregador
tem neste vnculo. A referncia a esta componente nesta sede no comporta a afirmao de
qualquer perspectiva comunitria da relao laboral, como supra j afastmos, uma vez que a
organizao predisposta unilateralmente pelo empregador e porque o interesse de gesto
tambm um interesse prprio do empregador.
36
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
37/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
A ideia de organizao aflora do sistema normativo nacional:
Princpio geral da colaborao das partes no contrato de trabalho (art. 119,
n 2) tende para a obteno de maior produtividade da empresa, cfr. art.
121, n 1 g).
Possibilidade de as partes terem interesses secundrios comuns no seio daorganizao vg quando o trabalhador parcialmente remunerado em funo
dos resultados (prmios de produtividade, art. 261), quando recebe uma
participao nos lucros (cfr. art. 262) ou quando compra aces da sua
empresa.
Alguns regimes laborais (maxime certas modalidades de contrato de trabalho)
so condicionados pelo requisito do interesse da empresa ou interesse de
gesto vg contrato a termo resolutivo (art.129,n 1), trabalho suplementar
(art. 199, n 1), descida de categoria (art. 313, n 1), mudana definitiva ou
temporria do local de trabalho (arts. 315 e 316), etc.
Nestes termos, o contrato de trabalho apresenta-se enquanto um contrato de
insero organizacional necessria, uma vez que pressupe a integrao do trabalhador na
empresa ou na organizao predisposta pelo empregador.
Esclarea-se que esta componente organizacional se observa em todos os contratos
de trabalho, mesmo naqueles que so celebrados num ambiente familiar, j que em todos
eles avulta uma organizao (ainda que rudimentar) e surgem interesses do empregador
inerentes a essa mesma organizao.
O elemento organizacional permite-nos ainda argumentar no sentido do afastamentode uma perspectiva puramente obrigacional do contrato de trabalho (neste sentido, ROSRIO
PALMA RAMALHO, contra MENEZES CORDEIRO e a maioria doutrinria):
A modificao do contrato de trabalho pode ser por vontade unilateral de
uma das partes, j que prevalecem os interesses de gesto do empregador
sobre o acordo negocial (vs art. 406 CC).
7: COMPONENTE DE PESSOALIDADE
O ltimo elemento a analisar, a componente de pessoalidade do vnculo laboral,
emerge da prestao efectuada pelo trabalhador, no obstante o carcter inequivocamente
patrimonial da actividade desenvolvida. Uma vez mais, reitere-se que o reconhecimento
desta componente no significa o retorno s concepes comunitrio-pessoais,
definitivamente ultrapassadas.
Uma dimenso patrimonial do contrato de trabalho no colide com o reconhecimento
de uma componente de pessoalidade neste mbito. Com efeito, as qualidades pessoais do
trabalhador relevam para a celebrao e para a subsistncia do contrato de trabalho,
tornando a actividade laboral indissocivel da pessoa do prprio trabalhador:
O contrato de trabalho tem uma vocao duradoura
37
-
8/3/2019 47893269 Direito Do Trabalho I Lara Geraldes
38/67
Direito do Trabalho I - Lara Geraldes @ FDL
Interessa ao trabalhador a disponibilidade e o empenhamento pessoal do
trabalhador nos objectivos da organizao
O contedo amplo dos poderes laborais permite impor ao trabalhador regras
de conduta que ultrapassam o cumprimento da sua prestao (vg regras de
comportamento, indumentria, etc.).
A subsistncia do vnculo laboral depende das qualidades pessoais do
trabalhador (contra, alguma doutrina invoca o anonimato das relaes de
trabalho e o afastamento entre empregador e trabalhador para afirmar uma
concepo puramente obrigacional do contrato de trabalho). Se o trabalhador
vier a evidenciar uma desadequao insupervel em relao funo, h
direito de despedimento por inadaptao, nos termos dos arts. 405 ss. Da
que o contrato de trabalho seja, para ROSRIO PALMA RAMALHO, um
contrato intuitu personae.A componente de pessoalidade permite explicar a consagrao de deveres de
assistncia no patrimoniais que assistem ao empregador (vg condies de trabalho, sade e
higiene), j que no integram o conceito de remunerao lato sensu. Por outro lado, s a
afirmao da pessoalidade nos permite justificar a possibilidade de o trabalhador poder, nos
limites da lei e sem necessidade de acordo do empregador, fazer prevalecer os seus
interesses pessoais ou familiares (extra-contratuais) sobre o acordo contratual vg falta
justificada por casamento (art. 225, n 2 a)), tutela do trabalhador estudante (arts. 79 ss e
147 ss RCT) ou possibilidade de falta para assistncia famlia (arts. 40 e 45 ss).
Por fim, refira-se a ampla tutela dos direitos de personalidade do trabalhador, nesta
sede (arts. 15 ss).
8: RECONSTRUO DO CONTEDO DO CONTRATO DE TRABALHO
Face ao que foi dito