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    DEVIR-LOUCURANORDIO:UMAEXPERINCIAEMSADEMENTAL

    Fernanda Fontana StreppelH

    Analice de Lima PalombiniHH

    RESUMO

    Este texto pretende apresentar esboos de uma pesquisa que se realiza a partirde uma experincia de produo de rdio em sade mental Coletivo de RdioPotncia Mental , discutindo alguns aspectos referentes s especicidades

    do seu processo de produo discursiva, assim como o estatuto da loucura noseu fazer. O programa produzido por quem chamamos de diagnosticados,pessoas com diagnstico psiquitrico, e estudantes e prossionais de Psicologia

    e Comunicao Social, diagnosticados ou no. As discusses so disparadaspelo que se congura como uma cartograa do Coletivo de Rdio, inspirada no

    pensamento de Deleuze e Guattari, atravs da qual se assiste ao transcorrer deuma pesquisa que se utiliza da mesma experincia de coletivo que se faz sujeito,objeto e mtodo da investigao para cunhar uma noo de devir-loucura quetranspe a linha da loucura da interioridade dos diagnosticados para carregartodo o processo de produo radiofnica em direo ao Fora.

    Palavras-chave: rdio; sade mental; loucura; coletivo; devir.

    MADNESS-BECOMINGONTHERADIO:ANEXPERIENCEINMENTALHEALTH

    ABSTRACT

    This paper aims to present drafts of a research that is conducted from a radioproduction experience in mental health Radio Collective Mental Potency - and

    discusses some aspects related to the specicities of its process of discursiveproduction, as well the crazyness status in its practice. The show is producedby those we call diagnosed with psychiatric disorders, and students andprofessionals in Psychology and Social Communication, diagnosed or not. Thediscussions are triggered by what is congured as a cartography of the Radio

    HMestranda bolsista CAPES/PROF do PPGPSI Programa de Ps-Graduao em PsicologiaSocial e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Endereo: Rua RamiroBarcelos, 2600 Sala 13 Trreo Porto Alegre RS Brasil. CEP: 90035-003

    E-mail: [email protected]

    Docente do programa de Ps-Graduao em Psicologia Social e Institucional da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul. Endereo: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. AvenidaRamiro Barcelos 2600 sala 105, So Manoel - Porto Alegre, RS Brasil. CEP: 90035-003.

    E-mail: [email protected].

    http://lattes.cnpq.br/2226422086268226http://lattes.cnpq.br/3155842037128407mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://lattes.cnpq.br/3155842037128407http://lattes.cnpq.br/2226422086268226
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    Fernanda Fontana Streppel; Analice de Lima Palombini

    Collective, inspired by the thought of Deleuze and Guattari, through which onewatches the course of a research which uses the same collective experience thatis subject, object and research method to coin a notion of madness-becomingtransposing the line of crazyness from the interior of diagnosed people to embracethe whole process of radio production toward the Outside.

    Keywords: radio; mental health; madness, collective; becoming.

    INTRODUO

    Este texto pretende apresentar esboos de uma pesquisa que se realiza apartir de uma experincia de produo de rdio em sade mental Coletivo deRdio Potncia Mental , discutindo alguns aspectos referentes s especicida-des do seu processo de produo discursiva, assim como pensar o estatuto daloucura no seu fazer.

    Trata-se de uma experincia que acontece em Porto Alegre/RS, com a pro-duo de um programa radiofnico por usurios de servios de Sade Mental,aos quais nos referiremos como diagnosticados, isto , pessoas com a marca deum diagnstico e de uma insero no universo psiquitrico, alm de estudantese prossionais de Psicologia e Comunicao Social, diagnosticados ou no. Oprograma tem trinta minutos de durao e veiculado quinzenalmente pela RdioComunitria da Lomba do Pinheiro (FM 87,9).

    O trabalho investe na comunicao da diferena, como trazida por Caiafa

    (2004), que, fugindo da hegemonia dos cdigos de reconhecimento, aposta naproduo de diferenas para a realizao da comunicao efetiva, atravs daidia de outrem como uma instncia de diferenciao. Outrem expressa ummundo virtual (real, mas no atualizado) que se remete ao Fora1e faz a comu-nicao gaguejar, a partir dos pressupostos deleuze-guattarianos. Com Guattari,pensamos a possibilidade que o rdio tem, enquanto meio de comunicao, deagenciar a experimentao da democracia e da expresso livre (GUATTARI,2005; GUATTARI; ROLNIK, 1999).

    Quanto ao estatuto dos diagnosticados, algo do texto original desta pesqui-

    sa2

    a eles se referia como a princpio e em teoria pessoas em sofrimento psquico,ou, em outras palavras, psicticos ou loucos (STREPPEL, PALOMBINI, 2011).Diante da diferena entre os termos sofrimento psquico, psicose e loucura,num segundo momento, o ltimo se fez mais condizente com a presente proposta,uma vez que remete a um modo de vida e no a um enquadramento psi. Porm, notranscurso da experincia que aqui se relata brevemente, mesmo a loucura comomodo de vida foi cada vez mais se relativizando. Para marcar a diferena entre osentido que aqui queremos reverberar para a mesma e o estatuto dos diagnosti-cados, optamos ento por tomar este termo de emprstimo da Associao Cultu-ral Rdio Nikosia, apresentada adiante, marcando a questo do diagnstico como

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    independente em relao loucura que aqui propomos. Por isso, o que interessaao Coletivo e pesquisa justamente a experincia de produo radiofnica peloencontro louco de pessoas e, especialmente, discursos diferentes.

    dessa forma que a forjada separao usurios diagnosticados x pros-sionais no diagnosticados denunciada, no mnimo, por dois participantes: um

    diagnosticado jornalista e um diagnosticado estudante de Psicologia (ou um jor-nalista diagnosticado e um estudante de Psicologia diagnosticado). Na medidaem que avanamos neste sentido, a loucura revela-se fora das pessoas e alocadacada vez mais no encontro.

    RDIOSCOLIFATASEAMARCADOPOTNCIAMENTAL

    Uma das primeiras rdios chamadas colifatas de que se tem notcia aRdio Tam Tam, que remonta a 1989, quando decretada a interveno da ad-ministrao municipal de Santos/SP sobre a Casa de Sade Anchieta, para des-

    montar o hospcio. Atravs do arte-educador Renato Di Renzo, iniciou-se umtrabalho teraputico com proposta artstica e cultural, sendo uma das iniciativasjustamente a Rdio, feita pelos prprios pacientes que se autodenominavamloucutores. Comeou como experincia dentro do Anchieta, passou a ser vei-culada pela Rdio Universal AM em 1990 e durou sete anos (ASSOCIAOPROJETO TAM TAM, 2009).

    Outra experincia importante a Rdio La Colifata (da gria que sig-nica maluco adorvel), que emite regular e semanalmente desde 1991,de dentro do Hospital Psiquitrico Jos Tiburcio Borda, de Buenos Aires,

    capital da Argentina. A iniciativa surgiu em 1986, atravs do grupo Coope-ranza, que pretendia apagar a separao entre o dentro e o fora do manic-mio. Comeou com uma coluna na Rdio FM Comunitria de San Andrs,

    provncia de Buenos Aires, para depois se independizar e tornar-se umaemissora autnoma. At hoje, reunidos no ptio do hospital, os internos, ex-internos e pessoas da comunidade emitem ao vivo nos sbados, e suas gravaesso veiculadas em forma de programas curtos em muitas outras emissoras na-cionais e internacionais. O projeto tem ambies polticas, tico-teraputicas eestticas (CHAO, 2009; OLIVERA, 2003, 1999).

    O trabalho da Rdio La Colifata impulsionou a criao da Rdio Niko-sia, que acontece em Barcelona/Espanha, no momento em que a cidade viveo que se chama de ps-Reforma Psiquitrica: conta com uma rede de serviossubstitutivos ao manicmio, bem estabelecida e bastante funcional, permitin-do relativa autonomia s pessoas acometidas de sofrimento psquico; mas nogarante por si s o m da discriminao porque o modelo biomdico vigentese encarrega de reduzir os sujeitos sua doena. Assim, incitado pelo contatocom La Colifata, em 2002 Martn Correa-Urquiza inicia um trabalho similar emBarcelona, abdicando do enfoque clnico para que se proporcionassem outros

    papis sociais aos chamados diagnosticados, longe das amarras do modelo bio-mdico. (CORREA-URQUIZA, 2009)

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    Emitindo seus programas semanalmente ao vivo pela Rdio ContrabandaFM,3mantida por coletivos defensores de discursos marginais frente s grandesmdias e localizada em frente Plaza Real, em pleno centro de Barcelona (PA-LOMBINI; CABRAL; BELLOC, 2008), a Rdio Nikosia deseja hablar de lalocura desde la voz que la sufre, para soltarse a esa posibilidad de hacer un tipode poltica de subsuelo, cierta militancia desde el margen que [...] increpa a lalocura, la cuestiona, se refugia en ella, la expulsa, la redene (RADIO NIKO-SIA, 2010). Os nikosianos diagnosticados redatores do programa de rdio seautogestionam atravs da Asociacin Socio-Cultural Radio Nikosia.

    Alm dessas, outras experincias de rdio em sade mental, geralmentereferidas a servios de sade e a ambies polticas e teraputicas, so a R-dio Maluco Beleza, que acontece desde 2002 no Servio de Sade Dr. CndidoFerreira, em Campinas/SP/Brasil (ROLDO; MOREIRA, 2007; SERVIO DESADE DR. CNDIDO FERREIRA, 2010); a rdio De Perto Ningum Nor-mal, produzido desde 1999 por usurios do CAPS II Prado Veppo, da PrefeituraMunicipal de Santa Maria/RS/Brasil, e veiculado quinzenalmente ao vivo na R-dio Universidade da Universidade Federal de Santa Maria (MELO; MAGNAGO,2008; PORTAL RDIO UNIVERSIDADE, 2010); o programa Papo Cabea,

    produzido tambm desde 1999 pelo CAPS de Santa Cruz do Sul/RS/Brasilem parceria com o Departamento de Comunicao Social da Universida-de de Santa Cruz do Sul, gravado e veiculado quinzenalmente na RdioGazeta, emissora comercial local (MELLO, 2001); o programa Cuca Le-gal, produzido pelos usurios do CAPS I Nossa Casa de So Loureno do Sul/RS/Brasil, desde 2005, veiculado semanalmente na Rdio Comunitria Vida FM

    (HAMMES, 2008, p. 125); dentre outras como: Rdio Zondita (Hospital Psiqui-trico El Zonda San Juan, Argentina); Rdio Vilardevoz (Hospital PsiquitricoVilardebo Montevideo, Uruguai); Rdio Durchegknallt (Centro de Sade deNuremberg, Alemanha); Rdio El encendedor (Hospital Psiquitrico MelchorRomero Buenos Aires, Argentina), Rdio La Vitrina (Centro de Sade Mentalde Collado Villalba, Espaa); Rdio Estacin Paraso (Hospital Psiquitrico ElPeral Santiago do Chile); etc. (OLIVERA, 1999, 2003)

    Desse universo emerge o Coletivo de Rdio Potncia Mental, desde 2006,atravs de um grupo de residentes em Sade Mental Coletiva,4inspirado em um

    seminrio da Residncia, ministrado por Martn Correa-Urquiza, da Rdio Ni-kosia. As residentes encontraram suporte na Rdio Comunitria da Lomba doPinheiro, onde se comeou a emitir quinzenalmente o programa Potncia Mental,dentro da janela Comunidade em Ao, reunindo usurios de diversos servios desade de Porto Alegre e Viamo nessa produo congurada como ateno psi-cossocial num contexto de formao e trabalho em sade e conquista de espaospara a loucura no cotidiano da cidade.

    Sobre este que era um programa de variedades, com foco no tema da sademental, as residentes contam:

    Pensamos que o programa vem se constituindo um intensocanteiro de experimentaes. Pois se j prevamos a

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    experimentao de novos lugares pelos usurios, que agoraj podemos chamar nossos parceiros na produo da rdio,talvez no estivesse to claro, no princpio, o desao que seria

    para ns tambm ocuparmos outro lugar. [...] Anal, estamosfazendo este programa para os usurios, em benefciodeles? Ou com eles que zemos? E, mais, tomamos ali a

    comunicao como um meio pelo qual acontece a atenopsicossocial? E assim seria uma interveno da sade? Ou possvel pensar na rdio, no como meio, mas como a

    produo em si? (TIBULO et al., 2006, p. 3)

    Desde l, as tarefas eram divididas por todos os loucutores,5 circulandoentre residentes e usurios dos servios de sade, e, alm disso, descentralizandoas decises. O Coletivo j se debatia tambm com o que se estabeleceria comotrao caracterstico ao longo de sua trajetria: os conitos entre estruturao eespontaneidade na produo radiofnica.

    Em 2008, refora-se o suporte institucional do Instituto de Psicologiada UFRGS, na forma de ao de extenso, o que possibilitou a integrao denovos participantes. Um importante marco de 2009 a premiao do Coletivono Concurso Pblico Cultural Loucos pela Diversidade, do Ministrio da Cul-tura e Escola Nacional de Sade Pblica/Fundao Oswaldo Cruz, e, ainda, acontemplao pelo edital Proext/2009, do Ministrio da Educao, articuladoa outras duas aes que abordam o uso de tecnologias de informao e comu-nicao na sade mental.6

    A partir de 2008, com o engajamento no grupo de um estudante de Psico-logia militante, uma doutora em Comunicao Social e um jornalista, diagnosti-cados ou no, a dimenso sade perdeu um pouco da sua centralidade para cederespao comunicao. Os temas parecem ter-se desviado do foco, saltando emvrias direes. Alm de Sade Mental e ans, como respeito, preconceito, dife-rena, os programas tambm tratam de terrorismo, alimentao, teatro, Natal, re-lacionamentos, eu e o fantasma, aborto, ores, gravidez, entre outros assuntosque se conguram temtica principal ou atravessam os programas.

    Essa talvez seja uma das balizas do Coletivo na atualidade (entendendo-

    se atual como tudo aquilo que sempre se est deixando de ser): a renncia tanto dimenso teraputica quanto anti-estigmatizante enquanto ncleosdas pro-dues, marcando a diferena diante de si mesma e de outras rdios em sademental. Porm, embora renuncie centralidade dessas ambies, no se furta smesmas. Para alguns, a rdio teraputica, para outros, desaa a vergonha defalar a um pblico invisvel. Para outros, ainda, instrumento de impetrar res-peito. Ela todas essas coisas porque no se pretende nenhuma delas. Nunca seconsegue encontrar o objetivo da rdio como mote fundamental; talvez o moteseja dar vazo a tantas linhas de possibilidade quantas surgirem.

    Guattari j contava acerca da posio das rdios livres da Frana quandoo Estado interveio para legaliz-las e institucionalizar suas produes, na dcadade 1970 (GUATTARI; ROLNIK, 1999, p. 115):

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    O que estamos a m no de fazer grandes rdios livres, masde fazer nossas rdios livres. [...] Estamos pouco ligando

    para o ndice de audincia, pois quem quiser que nos escute;se no, basta virar o boto. Queremos ser os nicos a garantiraquilo que nos agrada, aquilo que nossa produo, sem nosreferirmos aos novos tipos de julgamento da mdia.

    As aes e os conitos vividos no Potncia Mental sugerem antagonizar-se com a institucionalizao pelo Estado e tambm pela prpria militncia. Anica militncia que se mostra possvel tem como balizas a abertura ao que viere a produo do diferente, no importa se algum diagnosticado quiser elogiaro manicmio ou ser contra o aborto, ou se achar vulgar a prossional do sexoentrevistada (casualmente, ou no, essas posies sustentaram-se em diagnos-ticados, todas as trs vezes).

    Cada uma dessas temticas foi polmica quando surgiu nas reunies e

    programas, porque, para alguns, sugeria um discurso hegemnico de preconcei-to ou manuteno do estado de coisas cristalizado por parte dos diagnosticados,sendo contrrio proposta de produzir diferena. Dizendo no importa, noqueremos negar os conitos que se estabelecem no Coletivo quando da contra-dio de posies, por vezes sugerindo a injuno de uma diferena especcae institucionalizada na militncia por parte dos estudantes e prossionais doColetivo. Justamente, os conitos permitem relativizar a posio do hegemni-co que, no processo da Rdio, faz-se diferena, e vice-versa, trazendo baila aagitao que surge quando dessas polmicas, apontando para a dimenso ticae plural da palavra que se fora diante do encontro de discursos divergentes,forando o Coletivo sustentao de um espao para o que vier, assistindoao surgimento de novos sentidos.

    Essa multiplicidade de linhas de fora que constitui o fazer rdio denunciaa dimenso coletiva do Potncia Mental, e, como efeito da emergncia de umapalavra plural, evitam-se os guetos e mudam-se as relaes no prprio seio dardio, como defende Guattari (GUATTARI; ROLNIK, 1999). Anuncia-se umamarca do Coletivo em questo. Muito da tradio nas rdios em sade mentaldiz de uma insistncia na importncia de o programa ser produzido inteiramente

    pelas pessoas em situao de sofrimento psquico, ou com histria de tratamentopsiquitrico. O estranhamento que isso provoca faz sentir que, quanto mais sepreze pela no contaminao dos prossionais e estudantes no programa, mais sedualizam os sujeitos e se mantm a dicotomia responsvel pela discriminao dosdiferentes. A diferena que se fora no Potncia Mental a inerente aos encon-tros, no aquela que se imprime a um rtulo qualquer. Por isso, como j aludimos,o uso do termo diagnosticados, tomado da Rdio Nikosia para chamar algunsdos loucutores do Potncia Mental, ao invs de loucos O que se pretende con-siderar a marca da nosologia e do tratamento psiquitrico que um diagnsticoimprime e que no irrelevante; ao mesmo tempo, a ao de descolar a loucura

    das pessoas que supostamente a incorporariam permite loucura transitar peloColetivo e por todos os seus (des)encontros disruptivos.

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    Um dos efeitos dessa descolagem o enunciar de que tanto os diagnostica-dos como os prossionais e estudantes (forjando novamente uma separao quejamais se consolida) so loucutores, congurando um espao de fala para todos.O efeito disso, por sua vez, no o de dar voz para os usurios dos servios deSade Mental, marginalizados e excludos legitimando a reproduo dessemodelo , mas fazer falar o Coletivo, liberto de categorias e para alm e aqumdos indivduos e rtulos. D-se voz, assim, multiplicidade que o constitui a cadamomento e lhe permite constituir-se mdia menor.

    Que essa multiplicidade possa tomar a palavra atravs da rdio aponta nadireo de um alargamento nos modos de habitar a cidade, para o qual as tecnolo-gias de comunicao passam a ser um importante intercessor, como dispositivoestratgico que permite alinhar a produo de conhecimento e os movimentosde luta por uma sociedade sem manicmios produo de conhecimento e lutapela democratizao dos meios de comunicao. Nesse contexto, as mdias co-munitrias assumem papel estratgico junto aos movimentos de minorias; e, notocante radiodifuso, se as rdios comunitrias tm sido marcadas pela tendn-cia a operar no mbito de micropolticas identitrias e reivindicatrias de setoressociais especcos (COGO, 2004, p. 45), observa-se a presena de prticas quese pretendem de resistncia atuando na via da desterritorializao vide as aesdas rdios livres, intervindo com ou sem permisso. (STREPPEL, GORCZE-VSKI, PALOMBINI, 2010).

    O Coletivo lanado, assim, ao ansiado risco de abdicar de estruturaes.Sem coordenador, sem pauta, sem grade; ou melhor, sempre digladiando com

    esboos de ltima hora do que sejam essas estruturaes. No que isso tenhasido uma escolha, porm, algo parece sempre puxar para fora, para o Fora, nessemovimento enlouquecedor de falar todos ao mesmo tempo e muito improvisar,marca de devir-loucura desse Coletivo.7

    A BORDODODIRIODEBORDO

    Chego e encontro duas mesas unidas no bar, abarrotadasde gente, e abarrotadas de barulho sim, porque barulhotambm ocupa espao. Puxo uma cadeira e me sento,

    atnita com o que parecia uma grande baguna. Algumpermanece repetindo, depois de mais de uma hora deiniciado o papo: Quando vai comear a reunio?, e aquela

    pergunta ecoa ao innito. Quase sinto vontade de sintonizaro Coletivo como se fosse um aparelho de rdio, mas logoesqueo quando ouo uma voz: Bate essa foto pra ns?.E o pessoal comea a se despedir, est na hora de ir embora.Algum pergunta: Acabou a reunio?. Outro responde:Nem comeou, mas pelo jeito j acabou.

    Tudo isso pra dizer que aquele sentimento de desorganizaome toma novamente, mas tambm eu estou mergulhadano turbilho. Mas parece inevitvel me deparar com

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    uma das diculdades desse trabalho: s vezes parece quenada acontece! E eu sinto no corpo, por vezes, o peso daresponsabilidade de sustentar um espao de acolhimento ede criao, mas eu no quero sustentar nada, no consigosustentar, meu corpo magro esmaece com o peso do nadaacontecer. Eu quero fazer rdio, contemplar a criao

    artstica, cultural e comunicacional. Inventar sentidos, masnaquilo tudo que a inveno tem de impessoal, naquilo queela no depende da nossa vontade.

    Mas esse mesmo corpo magro, talvez justamente por nosustentar nada, pode agenciar acontecimentos. Lembro agoradaquele programa sobre hbitos alimentares, quando o Valdir8retoma o tema das simpatias, ensinando especialmente umadelas, que resolveria dois dos nossos problemas de uma svez. Eu, me considerando magra, e o Felipe, se considerandogordo. Fcil, basta eu comprar dele quantos quilos eu quiser,custando R$ 0,08 o quilo. Compro cinco.

    Alguns dias depois, o (in)esperado. A balana torna-sedispensvel, visvel a perda de peso do Felipe. E as atenesagora se voltam para mim. Onde foram parar os quilos queele me passou? Eu continuo com o mesmo corpo magrode sempre, parece que os quilos se perderam no caminho.Dobraram a esquina errada, tomaram outra direo, voaramao sabor do vento. Passados mais de trs meses, eles parecem

    j nem lembrar mais o caminho de volta, gostaram mesmo dosabor do vento. Mas o Valdir, nosso guru, no desiste. Quasetodo encontro ele me pergunta o que eu ando comendo, med sugestes de cardpios, me indica outras simpatias paracomplementar, pede para que eu oriente o pensamento paraencontrar os quilos que no me encontraram. A insistnciado vento se manifesta no por acaso atravs do nosso guru;esse vento desvairado que enfeitiou os quilos que se negam a

    prender-se novamente, libertos que foram da priso corporal

    do Felipe, esse guru aberto ao inapreensvel. A palavra atuouno corpo do Felipe, que reagiu liberando um algo que insisteem no se reduzir a um efeito corporal em mim, promessaque de uma sempre possvel efetuao futura e passada, aomesmo tempo, esquecimento e espera. Algo que se desprendedos corpos, de suas impresses e afeces. Com isso tudo,o mesmo corpo magro que sofre em sustentar um espaoinstvel de trabalho pode fazer jorrar ao vento justamentetudo aquilo que no consegue assimilar e assim agenciar essainstabilidade em potncia de criao rizomtica.

    E por falar em rizomtico, volto ao problema da organizao,e me remeto a um programa sobre diversidade. Muitas das

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    Devir-loucura no rdio: uma experincia em sade mental

    pessoas que propuseram o tema no estiveram presentes, e j notrio que no posso dizer que a sensao de desamparoque vivenciamos seja rara. E talvez seja algo do nosso motorde criao. Digo isso porque este programa acaba sendo umdos mais divertidos. Mistura-se fala, msica, telefonema,

    problemas tcnicos, silncio no ar, gargalhadas; e assim

    temos a efetuao daquilo que seria o tema do programa, aexpresso realizando o contedo. A diversidade nua e cruadispensando qualquer designao. Uma gargalhada e umafrase escapam da minha boca como se eu no tivesse muitocontrole sobre ela nem sobre a boca, nem sobre a frase:Esse programa foi a cara do Potncia Mental!

    Mas para minha surpresa, o assunto posterior, fora doestdio, a qualidade do programa. Parece-me quenovamente est sendo colocada na roda a questo da nossaorganizao, da estruturao do programa, ou comoqueiramos chamar, porque temos que ter mais qualidadeno que produzimos. Mas a vantagem da organizao

    poder ser desaada, e isso importante.

    interessante o conito sempre presente referente aoquanto devem ser planejados e bem preparados os nossos

    programas. Quando conheci o Coletivo de Rdio PotnciaMental, ele parecia to forte, to bem organizado! O queeu talvez no soubesse era que fora e organizao noso sinnimos. O Coletivo sugere resistir a qualquertentativa de estruturao, a tal ponto de quase nada parecerfuncionar. Mas h uma coisa que sempre acontece: os

    programas e as reunies sempre acontecem. E neles, oque acontece a conversa, a fala. Nosso fazer a fala, eisso no irrelevante. a fala em todo seu turbilho que

    percorre todos os mundos, como se o barco que move nossacriao navegasse outros caminhos que no levam [...] alugar algum. Talvez nosso caminho no pretenda chegar a

    nenhum lugar, talvez seja um caminho sem caminho.Isso porque a fora e a Potncia do Coletivo em questono se atrelam sua organizao, e s vezes at me atrevo a

    pensar que possam se atrelar em alguma medida justamente sua desorganizao, ao imprevisto e ao improviso que,como eu dizia, do medo e alegria. Aquele medo e aquelaalegria que s a surpresa capaz de provocar, porque nodepende da nossa vontade, e que vai acontecer ou deixar deacontecer ao gosto do vento.

    ...Ao gosto do vento... Tal qual a fumaa do cigarro doValdir,nossas vozes, nas reunies no bar e nos programas, querem

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    Fernanda Fontana Streppel; Analice de Lima Palombini

    se misturar ao vento, incomodar quem no concorda comelas, ressoar indenidamente.

    A potncia da no-diretividade tambm o risco doesfacelamento. a razo do medo. A no-atividade e a falaque age no garantem que haja ao sempre, no asseguram

    a inveno de sentidos sempre, anal, no haveria a parceriaentre medo e alegria se a inveno alegre fosse certa. No conrmada, calma nem pacca uma produo que comeaquando termina, tal qual nossas reunies.9

    UMAPRODUOLOUCA

    Como dissemos, no trabalho do Coletivo de Rdio Potncia Mental, o esta-tuto da loucura sempre pareceu se constituir uma questo importante. como seo desejo fosse o de encontrar uma loucura enquanto modo de vida que fosse umaespcie de bolso do Fora, passvel de traz-lo constantemente na lngua, e o deque a presena de loucos no rdio fosse garantia da diferena na comunicao,tal qual Foucault argumentava nos primeiros avanos de sua obra (PELBART,2002). Mas no bem assim.

    No assim quando a nosologia psi torna-se questionvel; no assimquando o diagnstico no d conta de construir efetivamente uma categoria di-versa dos no-diagnosticados; e, nalmente, no assim quando a veiculao dediscursos de diferena parece vir mais dos estudantes do que desses que gosta-ramos que nos salvassem das garras do hegemnico e nos trouxessem a uidezde uma lngua sem prises.

    Silva (2005), pensando com Castel, entende que as estratgias ps-socie-dade disciplinar acabam por produzir loucos adaptados, ao invs de transgresso-res, porque, antes de focalizar na correo dos desvios, investe na programaoda ecincia e na gerncia da vida humana, atravs de psicofrmacos e novosdispositivos de tratamento. Assim, a possibilidade de circulao pela cidade, que o caso dos diagnosticados que participam da rdio, talvez esteja relacionadajustamente a uma adaptao aos discursos hegemnicos.

    Essa conjuntura parte, a loucura ainda deixa de ser garantia de produ-o de diferena medida que, mais do que agenciar acontecimentos por seracesso ao Fora, pode afundar-se nele e produzir apenas horror, pela impossi-bilidade de constituir uma superfcie onde acontecimentos possam inscrever-se (DELEUZE, 1997, 2007).

    O Fora sim possibilidade de trazer o impensado ao pensamento e o indiz-vel ao discurso, mas sob a condio da superfcie-limite onde a diferena possa semanifestar sem sucumbir ao horror, onde possa operar acontecimentos. (DELEU-ZE, 1997; PELBART, 1989). Pois, para Deleuze (1997; 2007), a loucura remeteria

    a uma agramaticalidade catica, a fragmentos fonticos (ou discursivos) que no

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    se relacionam e afetam diretamente o corpo sem constituir a superfcie necessriaao sentido. No seria capaz de traduzir um acontecimento10que salta dos corpospara manter-se enquanto virtualidade sempre esquecida e sempre espera.

    A loucura-puro-Fora toma, no entanto, tal forma na Rdio que capaz deproduzir acontecimentos na medida em que expressa uma linguagem que atinge

    e desaa os corpos no instante mesmo em que se diz e se contradiz, atuandosob a lgica da diferena:11emergem assim, por exemplo, o acolhimento emum manicmio impessoal, uma elegncia no erte com a vulgaridade de umaprossional do sexo, uma agricultura musical e potica, e at uma simpatiaque surrupia dinheiro e quilos...

    A partir disso tudo, o estatuto da loucura no Potncia Mental passa a serquestionado. Onde estaria a loucura que, em ltima instncia, a agenciadoradeste trabalho com rdio? Para alm e aqum de qualquer loucura suposta a al-guns loucutores, viu-se um Coletivo tomado por um extremo de no-senso, um

    paradoxo que insiste em produzir atravs dessa instncia catica de anti-produoque o corpo-sem-rgos (CsO) da loucura, como uma quase-causa de ondeemana a produo de produo (DELEUZE; GUATTARI, 2004, 2006, 1996).

    O CsO descrito, pois, em Mil plats, como um exerccio, uma expe-rimentao inevitvel (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 9). Povoado apenaspor intensidades, o que em ns se ope, no aos rgos, mas sua organizao,a que chamamos de organismo: O organismo no o corpo, o CsO, mas umestrato sobre o CsO, quer dizer um fenmeno de acumulao, de coagulao, desedimentao que lhe impe formas, funes, ligaes, organizaes dominan-

    tes e hierarquizadas, transcendncias organizadas para extrair um trabalho til((DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 21). O CsO oscila, assim, entre as estratica-es que o constrangem e a experimentao a que se lana desfazendo os estratose liberando os uxos. Ele o campo de imanncia do desejo, ao qual nunca seacaba de chegar, pois como devir que se realiza (PALOMBINI, 2007) antipro-duo, portanto, produtora de produo.

    Essa instncia loucura-corpo-sem-rgos , portanto, o que faz superfciepara que se inscreva uma produo, em constante relao com uma dimensode indenio. E a loucura na Rdio, assim, jamais estava onde procurva-

    mos. No estava na garantia de produo de diferena sob nenhum aspecto,alis, no era nem mesmo capaz de se apresentar como categoria. No entanto,estava sempre ali, produzindo agenciamentos, enovelando-nos uns aos outrose produo em rdio e produzindo sentidos, paradoxalmente, em meio aocaos. A loucura-corpo-sem-rgos pode ser pensada como a carta roubada deEdgar Allan Poe, trabalhada por Lacan (1998) e que Deleuze (2007) comenta:mimtica com a paisagem, ca invisvel e falta em seu prprio lugar. A loucurajamais aparece, embora tambm no se esconda. A ausncia a seu prprio lugar que justamente faz possvel a circulao de sentidos. A loucura seria, assim, o

    no-engendrado ou catico que serve de superfcie para o registro de processosde produo do desejo (DELEUZE; GUATTARI, 2004). Esta a possibilidadede exterioridade trazida por Pelbart (2002), a possibilidade de pensar diferente-

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    mente, de inserir o impensvel no pensamento e o indizvel na palavra. Assim,o Fora se dissolve num modo esquizo generalizado, assumido pelo Coletivode Rdio na medida em que funciona sob o que chamamos de devir-loucura.Disso decorre o limite tnue caracterstico da doena mental, como defendidopor Deleuze e Guattari (2006), limite que separa a transgresso produtiva dodesabamento iminente, e, acrescente-se, da desarticulao total do trabalho dardio, conforme referido acima, no dirio de bordo medo por vezes presenteno Coletivo, em decorrncia do sentimento de caos.

    Quanto noo de Fora, segundo Levy (2003), ela surge no incio do sc.XX, no universo da literatura, com a superao do paradigma clssico da re-presentao, abalando as noes de realidade, autor, linguagem, pensamento eexperincia. Blanchot cria o conceito para dar conta das novas relaes da litera-tura com a realidade, sustentando-o no paradoxo da realizao pela irrealizaoe na negao e ausncia do objeto do qual se fala e do eu que fala, medida quea linguagem teria uma materialidade que no se reduz a uma propriedade dosobjetos sobre os quais se fala e nem do sujeito que fala. Foucault (2001b; 2001a;DELEUZE, 2005) apropria-se do conceito para anunciar justamente o desapare-cimento do autor e a materialidade do ser da linguagem,12alm da possibilidadede engendrar resistncia pela subjetivao. Deleuze, por sua vez, introduz a no-o para pensar a linguagem mas tambm o prprio pensamento e a vida enquan-to potncia de criao a partir do plano de imanncia, crivo que agencia o caos,ou Fora (DELEUZE, 1997, 2005, 2002; DELEUZE; GUATTARI, 1992, 1995a,1996). difcil denir esse conceito, to amplamente tematizado por autores toimportantes, em diferentes contextos. Torna-se ferramenta para ns medida que

    o faamos funcionar como o outrem absoluto, constitudo de intensidades sel-vagens que se responsabilizam por inserir singularidades no formadas que, noentanto, constituem as formas.

    Enm, o CsO do Coletivo de Rdio que permite estar em constante contatocom o Fora implica noes de loucura e inconsciente como usinas de produo,praticando um giro em torno de um centro sempre descentrado, operando a emer-gncia de uma obra sempre inacabada atravs de seu constante desfazimento:

    - A ausncia de obra, um outro nome para a loucura.

    - A ausncia de obra onde cessa o discurso, para que venha,fora da palavra, fora da linguagem, o movimento de escreveratrado pelo exterior. (BLANCHOT, 2001, p. 72)

    UMDISCURSOLOUCO

    A produo de inscrio operada pelo CsO se aproxima precisamente aoacontecimento. Apostamos numa acontecimentalizao13do programa de rdiosustentado por um produto a fala que remete ao materialismo do incorporal

    do ser da linguagem, garantido pelo acontecimento que o torna possvel. Deleuze(2007, p. 188) j dissera acerca da linguagem: [...] tudo isso no seria senobarulho sem o acontecimento e barulho indistinto.

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    O CsO como o barulho que engendra acontecimento enunciativo e de-signa sempre esta realidade intensiva, no indiferenciada, mas onde as coisas, osrgos, se distinguem unicamente por gradientes, migraes, zonas de vizinhan-a (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 27). Estudantes que buscam discursosnovos e diagnosticados que trazem discursos chamados hegemnicos. A di-tadura do novo e a subverso pela via do hegemnico. Loucura desencontrada,caos que produz: eis nosso terreno. Os rgos, os corpos ou os signicados etambm a loucura, a diferena e produo no existem enquanto unidades pron-tas, seno como no mais que ensaios de totalidades, jamais fechadas em si,atravessadas umas pelas outras, feitas intensidades. O CsO, feito de tal maneiraque ele s pode ser ocupado, povoado por intensidades (DELEUZE; GUATTA-RI, 1996, p. 13), superfcie de plena produo de diferena no plano de imann-cia. desao simultaneamente ao horror do afundamento no puro Fora e aouniverso cristalizado das signicaes que se digladiam no dilogo. a loucuraprodutora de sentido, enm.

    Contrrio cristalizao de signicados prontos de uma vez por todas,esse corpo-sem-rgos se produz justamente por afectos. Intensidades libertasdas afeces dos encontros das reunies da Rdio onde impera o barulho dasvivncias e as signicaes prontas, os afectos permitem acessar as virtualidadesresponsveis pelo acontecimento que transforma o barulho em sentido. Permitemfazer saltar para alm da signicao e do caos. O afecto no a passagem deum estado vivido a um outro, mas o devir no humano do homem, armam De-leuze e Guattari (1992, p. 224); aquilo que nos pe em contato com o inumano,com o que da ordem da impessoalidade do acontecimento que no acontece a

    algum ou por algum, simplesmente acontece. Devir do encontro de discursos,circuito de intensidades que compem o corpo-sem-rgos. Devir-diferena dopreconceito, devir-gordura da palavra, devir-vento da magreza, devir-loucura nordio. (DELEUZE; GUATTARI, 1996, 1992; DELEUZE; PARNET, 1998)

    nesse sentido que se aposta num fazer Rdio que agencie a produo delnguas menores14diante do contato de discursos desencontrados (GUATTARI,2005; GUATTARI; ROLNIK, 1999). o entrecruzamento da materialidade dalinguagem com o estatuto da loucura no Potncia Mental.

    Eis ento o que seria necessrio fazer: instalar-se sobre umestrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece,buscar a um lugar favorvel, eventuais movimentos dedesterritorializao, linhas de fuga possveis, vivenci-las,assegurar aqui e ali conjunes de uxos, experimentarsegmento por segmento dos contnuos de intensidades, tersempre um pequeno pedao de uma nova terra. (DELEUZE;GUATTARI, 1996, p. 24)

    A atitude de acolher tambm o que sugere ser discurso hegemnico ainda

    garante que a loucura mantenha-se em devir, ou seja, que o Coletivo nunca seidentique a ela em sua face de horror e caos puro. Deleuze (1997) j dizia quedevir afetar-se pela vizinhana, habitar o entre e o limite que justamente o

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    coletivo15de foras que o CsO possibilita quando agencia intensidades selva-gens num Continuum ininterrupto do CsO. O CsO, imanncia, limite imanente(DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 15).

    Em Deleuze e Parnet (1998) tambm se encontra o devir como o espaoentre de uma conversa. Conversa que, no caso da Rdio, a negociao entre

    os diversos discursos que surgem em seu fazer, que jamais se sintetizam numoutro totalizado, mas conversam entre si e transformam-se. H apenas entre. Oque o funcionamento esquizo do Coletivo engendra um resultado inusitado, queno estava em nenhum dos discursos, mas que se produziu no encontro.

    Blanchot (2001) tambm fala da conversa, referindo que a potncia doencontro de duas palavras justamente a possibilidade de ambas serem falantese se ligarem a partir do desnvel intrnseco ao dilogo, a partir de sua diferena.O efeito desse processo seria a emergncia de uma palavra plural, que resguardatoda a potncia da ruptura e da fuga. Palavra plural que devir.

    Palavra plural que o efeito de uma produo catica que faz acontecimen-talizar. Efeito de um coletivo composto por loucutores, feito louco de si mesmo medida que subverte o estatuto da loucura e os prprios discursos veiculados,pela via do encontro. Por tudo isso, os paradoxos que fazem funcionar a produode sentidos na Rdio Potncia Mental fazem dela uma Alice. Guattari (2005) jcomemorava a insistncia de Milhes e milhes de Alices no ar quando o nomeAlice era sinnimo de rdio-linha-de-fuga, como pretendemos tambm ser. ComDeleuze (2007), o Potncia Mental se aproxima da personagem Alice de LewisCarroll, confrontada, como ns, com paradoxos insolveis que lhe confundem a

    respeito de sua prpria identidade e a carregam por um caminho-sem-caminho quea leva, e tambm a ns, a deslizar na superfcie do espelho e do acontecimento.

    E APESQUISADEVM-COLETIVO, DEVM-LOUCURA...

    Como se nota, a estratgia fundamental da pesquisa foi a de compor oColetivo, compreendido nos termos em que nos fala Guattari (1992, p. 20), comouma multiplicidade que se desenvolve para alm do indivduo, junto ao socius,assim como aqum da pessoa, junto a intensidades pr-verbais, derivando de umalgica dos afetos mais do que de uma lgica de conjuntos bem circunscritos.

    Mais do que um agrupamento humano, o mesmo constitudo de instncias hu-manas e no humanas, especialmente por singularidades que aparecem como dis-cursos impessoalizados e afectos que mobilizam as identidades, fazem relacionar,questionam e se delineiam como foras na composio dos agenciamentos quevo desenhar os movimentos da pesquisa.

    A escrita de um dirio de bordo16serviu como um exerccio de cartograado movimento dessas foras expressivas das singularidades e intensidades que seencontram (ou no) e se agenciam (ou no) no processo, pela via do registro daspercepes e afeces da pesquisadora. Deleuze e Guattari (1995a) defendem acartograa como prpria ao rizoma, pois se trata de uma possibilidade de se ma-pear as foras, encontros, devires e virtualidades de modo que se possam conectar

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    essas intensidades umas s outras sob todas as dimenses do mapa, entrando porqualquer lado, abolindo todo tipo de centralizao e promovendo mudana e re-construo constantes. como a produo mapeando-se a si mesma, o produtorincluindo-se no mapa a partir da libertao de suas singularidades, impessoali-zando-se e entregando-se completamente s foras em movimento.

    Atingir a dissoluo do pesquisador no campo diz de assumir a indissocia-o sujeito-objeto como primeira e as pessoas gramaticais como efeito de pes-quisa. Passos e Eirado (2009) defendem que reconhecer a performatividade daexperincia condio para a dissoluo do ponto de vista de observador, umavez que legitima a coemergncia eu/mundo na experincia.

    No presente caso, pareceu inevitvel, sentimo-nos sucumbir ao Coletivoquando no nos sentimos mais donos de nossa prpria voz, contaminada pelasvozes dos outros participantes, pelas mltiplas vozes em ns: pesquisadora, par-ticipante do Coletivo, loucutora, etc. Sujeito e objeto, ou pesquisadora e Coletivo

    de Rdio, confundem-se na mesma massa informe de onde emergem as formasprograma de rdio, problema de pesquisa e mesmo o presente texto.

    O sujeito uma varivel, ou melhor, um conjunto de variveis do enun-ciado. [...] Assim, o que primeiro um diz-se, murmrio annimo no qualposies so apontadas para sujeitos possveis, diria Deleuze (2005, p. 64), acer-ca do pensamento de Foucault. Desse diz-se, agenciador de vozes-discursos esujeitos-objetos, extrai-se a quarta pessoa do enunciado, que, tal qual o ondo idio-ma francs, faz encontrar o singular, a curva de singularidades que constitui, acon-tecimentaliza e prov sentido ao enunciado. (DELEUZE, 2005; SCHRER, 2000)

    O principal efeito de se perseguir a quarta pessoa na pesquisa o caminhoque se fora na direo dos agenciamentos coletivos de enunciao, cujo tecidoenredado com/entre as foras insistentes no plano do coletivo constitui os pres-supostos implcitos da linguagem e a condio da mesma em sua materialidade,porque condio da doao de sentido. Constitui sua dimenso ilocutria, capazde permitir linguagem redundar num ato, ou ser performativa, como Deleuze eGuattari (1995b) bem aprendem com Austin.

    Linguagens radiofnica e acadmica que se fazem experincias performa-tivas engendrando realidades, misturas de coisas, sujeitos e objetos. Interveno,a linguagem faz, dos agenciamentos coletivos do Potncia Mental que a produ-zem como ato no mundo, importante dispositivo de pesquisa.

    Coletivo-dispositivo que, tal qual o grupo-dispositivo de Barros (1997),permite o encontro com outrem. Mais (ou menos) do que o encontro com o outro,a noo de coletivo abre caminho ao desconhecido como modo de experimentar,porque, uma vez multiplicidade de intensidades, promove a transio do outro,ao nvel molar pessoal, ao outrem, molecular e intensivo. Outrem agenciadopor essa composio de linhas de perturbaes no coletivo que foram o pensa-

    mento em direo ao impensado, abrindo-se assim alteridade radical que Blan-chot denomina o Fora (LEVY, 2003).

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    Assim, o entre da conversa e da palavra plural engendrada no PotnciaMental agora pode ser pensado em termos de coletivo, uma vez que, como ogrupo de Barros (2007), o coletivo do encontro com outrem justamente ocoletivo do entre. A suposta unidade-totalidade grupal se esvai diante dessemodo de experimentar desde outrem, desde o movimento provocado por esseespao diferencial entre os uxos que correm no coletivo, produzindo devirese fascas que saltam do atrito entre corpos; fascas que no pertencem nem aum corpo nem a outro; devires no identicados nem vespa nem orqudea,pois enxertam intensidades de vespa orqudea e vice-versa, para usar o clebreexemplo de Deleuze e Guattari (1995a). O coletivo do entre , assim, o coletivodos afectos como devires e dos sentidos como fascas.

    Em seus movimentos de devir-loucura, o CsO que constitui o Potncia Men-tal no permite muito mais do que devires. Assim, mais (ou menos) do que um gru-po de rdio, o mesmo apresenta-se como um Coletivo e, portanto, um dispositivo.

    Mas por qu? O que um dispositivo?, Deleuze (1996, p. 1) perguntaacerca desse constructo de Foucault. E segue respondendo, a si mesmo e a ns: antes de mais uma meada, um conjunto multilinear, composto por linhas denatureza diferente(DELEUZE, 1996, p.1) Mquinas de fazer ver, falar, mqui-nas de poder e de subjetivao, os dispositivos se denem pela dimenso multi-linear coletiva com que se redesenham enquanto suas linhas se inter-relacionam,resistindo e rompendo-se sempre em favor de dispositivos futuros. Sua losoaengloba o repdio dos universais e uma mudana de orientao que se desviedo Eterno para apreender o novo, mas como que possvel no mundo a pro-

    duo de qualquer coisa de novo (DELEUZE, 1996, p. 3)?No que se refere enunciabilidade, nosso interesse radiofnico e acadmico,

    verdade que Foucault, em toda sua teoria da enunciao,recusa explicitamente a originalidade de um enunciado,como critrio pouco pertinente, pouco interessante. Foucault

    pretende somente considerar a regularidade dos enunciados.Mas, o que ele entende por regularidade a linha da curvaque passa pelos pontos singulares, ou valores diferenciais, doconjunto enunciativo [...] o que conta a novidade do prprio

    regime de enunciao que pode compreender enunciadoscontraditrios. (DELEUZE, 1996, p. 3-4)

    Assim, diante dos regimes ou linhas de enunciao em constante (re)(des)fazimento atravs do encontro louco de vozes mltiplas e discursos contradit-rios, tendo como forma o informe e como contorno o devir-loucura, o dispositivoColetivo de Rdio em questo, mquina de fazer falar, faz-se sua prpria fendaem direo a um dispositivo futuro, faz-se seu prprio Fora.

    Isso implica dizer que a reintroduo do Fora no centro do pensamento e da

    palavra surge como efeito do processo de um devir-loucura engendrado por um Co-letivocartografado por uma pesquisa que nada mais e nada menos do que efeitodesse mesmo processo. Mais (ou menos) do que sujeito e objeto de pesquisa indis-

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    Devir-loucura no rdio: uma experincia em sade mental

    sociados, o coletivo, dispositivo de produo de mundos outros de enunciabilida-de, faz-se, agora, tambm mtodo de pesquisa. Mtodo-dispositivo que possibilitaenunciar, acerca de si prprio, um estatuto de loucura (devir-loucura) que se desco-la da doena mental para se espraiar por todos os entres, ao gosto do vento... Talqual a fumaa do cigarro do Loucutor V. [e] nossas vozes, [que] querem se misturarao vento, incomodar quem no concorda com elas, ressoar indenidamente.

    NOTAS1Valemo-nos aqui da leitura que Deleuze (2005) prope do conceito de Fora com que trabalhaFoucault, enfatizando, em especial, a determinao do fora como fora, expressa em uxosdesordenados e intempestivos que constituem singularidades de resistncias aos poderes e saberesinstitudos. O fora, como distncia, como diferena da qual resulta o enfrentamento de foras, ento situado num espao entre os dois regimes o do visvel e o do dizvel em que seestraticam as formas (saber), no aprofundamento da ssura entre as palavras e as coisas, e maisalm dos diagramas em que as foras operantes nos estratos so presas (poder), preservando,assim, um potencial de resistncia ao poder e, portanto, a capacidade de afetar os diagramas eseus agenciamentos concretos (PALOMBINI, 2007). Retornaremos a esse conceito mais adiante,no corpo do texto.

    2Trata-se da dissertao de mestrado de Fernanda Streppel, orientada por Ana Alice Palombini,defendida em 01 de abril de 2011, sob o ttulo Potncia mental no ar... exerccios deesquizoradiofonia. (STREPPEL, PALOMBINI, 2011). Disponvel em: < http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/29678>.

    3Embora a sede da Rdio Nikosia seja a Rdio Contrabanda FM, a mesma denomina-se umaemissora transversal, pois se utiliza de vrios canais de comunicao para a difuso de umapalavra emitida pela perspectiva da loucura (CORREA-URQUIZA, 2009). Participa comintervenes semanais em outras duas rdios da Espanha, mantm vrios fruns online, participade produes de vdeo, realiza palestras epublicou um livro, dentre outras intervenes. Parasaber mais, visitar: http://radionikosia.org, http://www.radionikosia.blogspot.com, http://nikosia.

    contrabanda.org.4Residncia Multiprossional vinculada ao Ministrio da Sade em parceria com a Fundatec, emPorto Alegre/RS/Brasil, atualmente referida Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    5Como se nota, o termo loucutores adotado pelo Coletivo Potncia Mental, mas j era utilizadopela Rdio Tam Tam, bem como pela Maluco Beleza, de Campinas. No presente caso, refere-se atodos os participantes, diagnosticados ou no.

    6Os projetos Ocina de Imagens, de produo de vdeos, e Ocinando em Rede, de informticae produo de blogs, juntamente com o projeto Coletivo de Rdio, compem o Programa Redede Ocinandos: Tecnologias de Informao e Comunicao Produzindo Insero Social, Cuidadoe Formao em Sade Mental contemplado pelo Edital Proext 2009.

    7O Coletivo tem um blog onde publica os programas gravados: http://potenciamental.blogspot.com.O e-mail para entrar em contato [email protected].

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    Os nomes prprios referem-se a formas escolhidas pelos prprios participantes da Rdio.9Trechos de um relato que compe a dissertao em construo em torno da produo do Coletivo,modicados a m de que possam se adaptar ao presente texto e s discusses em foco.

    10Em Deleuze (2007), o acontecimento algo no que acontece, o expresso do acidente queacomete as coisas e os corpos, o que resta para alm da efetuao cuja grandeza justamente o

    sentido. um incorporal, constitudo de singularidades liberadas dos limites da sua atualizaocorporal.Produz, assim, sentidos sempre localizados numa superfcie que une e separa o mundodos corpos cristalizados do mundo das palavras idealizadas.

    11A diferena um conceito-chave em Deleuze, to mais potente medida que no se o represente.Se trata justamente do avesso do pensamento da representao e da reverso do platonismo pelavia da armao de uma diferena que primeira em relao ao modelo (SCHPKE, 2004).

    12Sobre o materialismo do incorporal, dimenso da linguagem que lhe confere o estatuto de

    acontecimento e de existncia independente das coisas sobre as quais intervm, ver FOUCAULT,2009; 1999; 1972; 2001a; 2001b; 2002; entre outros textos.13O termo acontecimentalizar pego de emprstimo de Fonseca et al (2006), quando defendem aproposta de Foucault de acontecimentalizar a pesquisa.

    http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/29678http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/29678http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/29678http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/29678http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/29678http://radionikosia.org/http://www.radionikosia.blogspot.com/http://nikosia.contrabanda.org/http://radionikosia.org/http://www.radionikosia.blogspot.com/http://nikosia.contrabanda.org/http://nikosia.contrabanda.org/http://nikosia.contrabanda.org/mailto:[email protected]:[email protected]://potenciamental.blogspot.com/http://potenciamental.blogspot.com/http://potenciamental.blogspot.com/mailto:[email protected]:[email protected]://potenciamental.blogspot.com/http://nikosia.contrabanda.org/mailto:[email protected]://potenciamental.blogspot.com/http://nikosia.contrabanda.org/http://www.radionikosia.blogspot.com/http://radionikosia.org/http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/29678http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/29678
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    14O termo menor no se refere a tamanho nem quantidade, mas a potncia de desestabilizao dopronto, do cristalizado, do j institudo. Lngua menor , para Deleuze e Guattari (1995b), maisdo que um idioma, uma espcie de dialeto que se utiliza das lnguas maiores ou ociais paraproduzir diferena desde e sobre as mesmas. Para ns, o termo serve como metfora dos novosdiscursos que surgem no Potncia Mental desde uma renovada maneira de utilizar os usuais ouhegemnicos.

    15A partir de agora, utilizaremos o termo coletivo, com inicial minscula, para nos referirmos

    noo de coletivo de foras, diferenciando-o do termo Coletivo, com inicial maiscula,utilizado para nos referirmos ao Coletivo de Rdio em questo.16A utilizao da expresso dirio de bordo provm de Barros e Passos (2009, p. 172).

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