4LIVRO CONSTRUÇÃO DA DISCIPLINA NA ESCOLA

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 2

1. PREVENIR, CORRIGIR OU PUNIR?... .............................................................................................. 5

1.1. A PREVENÇÃO DA INDISCIPLINA ............................................................................................. 5

1.1.1. Construir um clima relacional assente na regra ........................................................ 6

As regras das regras ........................................................................................................... 6

O difícil equilíbrio entre rigidez e flexibilidade ..................................................................... 8

1.1.2. Construir um clima de «abertura ao aluno» .............................................................. 9

Diálogo, negociação e responsabilização ......................................................................... 10

O acordo de trabalho segundo Andrew Pollard ................................................................ 11

Confiança mútua e aproximação afectiva ......................................................................... 13

O modelo de Gordon (Teacher-Effectiveness Training - TET) ......................................... 14

Respeito e «justiça» .......................................................................................................... 16

1.1.3. Possuir competências técnico-pedagógicas ........................................................... 18

Saber ensinar... ................................................................................................................. 18

Gerir correctamente a comunicação, o espaço e o tempo na aula – o

modelo de Kounin .............................................................................................................. 22

Criar condições de cooperação nas actividades do grupo-turma ..................................... 26

1.2. A CORRECÇÃO DA INDISCIPLINA .............................................................................................. 29

1.2.1. Correcção pela integração / estimulação ................................................................ 29

1.2.2. Correcção pela dominação / imposição .................................................................. 31

1.2.3. Correcção pela dominação/ressocialização ............................................................ 32

1.3. A PUNIÇÃO DA INDISCIPLINA ..................................................................................................... 33

A teoria e as técnicas de «modificação do comportamento» ............................................ 35

A teoria da liderança situacional de Hersey e Blanchard .................................................. 41

2. AS CONDIÇÕES ORGANIZACIONAIS DA DISCIPLINA ................................................................. 44

2.1. AS DIFERENÇAS INTER-ORGANIZACIONAIS DA «EFICÁCIA» DAS ESCOLAS.................. 45

2.2. AS DIFERENÇAS INTRA-ORGANIZACIONAIS DE CULTURA E DE ETHOS ......................... 47

2.3. DISCIPLINA E PROJECTO EDUCATIVO DE ESCOLA ............................................................ 49

2.3.1. Promoção de uma cultura de comunicação ............................................................ 50

2.3.2. Implementação de uma gestão democrática e participada. .................................... 51

2.3.3. A formação permanente centrada na análise de práticas e de

problemas surgidos e vividos no interior da escola........................................................... 53

2.3.4. Ultrapassar os muros da escola - por uma intervenção na

«comunidade educativa» ................................................................................................... 55

CONCLUSÕES ..................................................................................................................................... 57

BIBLIOGRAFIA SELECCIONADA ....................................................................................................... 59

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INTRODUÇÃO

A questão da indisciplina é um problema que muito contribui para uma crescente imagem

negativa da escola, afligindo pais e professores dos diversos graus de ensino. Em toda a parte,

sejam quais forem as características dominantes do meio social em que as escolas estejam

implantadas, o lamento de muitos daqueles é o mesmo: os alunos não têm regras, não sabem ou

não querem comportar-se dentro das normas, estão desmotivados, a escola não lhes diz nada... E

por isso se diagnosticam as mais variadas causas: “não têm bons modelos familiares de educação”,

“os currículos estão desajustados em relação ao interesses dos alunos”, “não formaram hábitos de

trabalho”, “o ensino deixou de ser exigente e retiraram o poder aos professores”...; por isso, também,

se aventam as mais diversas soluções: “que a escola seja só para quem a quer”, “que se desenhem

currículos alternativos e mais profissionalizantes para alunos com dificuldades”, “que se estabeleçam

regimes mais autoritários”...

Trata-se de facto, de um fenómeno complexo, que, por isso, não só se manifesta dos mais

diversos modos e graus de intensidade, como tem por detrás múltiplos factores de ordem social,

familiar, pessoal, escolar que devem ser tidos em conta em qualquer análise e em qualquer discurso

sobre o tema; é o reconhecimento dessa complexidade que faz a diferença entre o discurso do senso

comum e o discurso do técnico e do investigador.

A bibliografia e a investigação sobre estes temas é, a nível mundial, suficientemente vasta (e

indicador de que o problema não apenas mais uma das “mazelas” do nosso sistema educativo...); em

Portugal os recursos bibliográficos sobre o tema, depois da obra pioneira de Maria Teresa Estrela

(1986), vão crescendo igualmente. Por outro lado, a publicação do Decreto-Lei 270/98 de 1 de

Setembro, veio estimular o debate centrado nas escolas, tanto mais que abria caminho para uma

relativa autonomia de cada instituição no que respeita às «medidas educativas disciplinares».

O presente trabalho, na esteira de outros da minha responsabilidade (cf. bibliografia), tem

como objectivo prestar uma pequena ajuda no esclarecimento e no debate, perspectivando-se não

como «receituário» (era bom poder tirar da cartola, à maneira do ilusionista, a solução para tantos

casos que, no âmbito de cursos, seminários e acções de formação, me têm sido apresentados pelos

professores, sempre envoltos em fortes sentimentos de angústia, de perplexidade e, às vezes, de

desânimo e de descrença...), mas como um guia de modelos teórico-práticos que se ofereçam como

pistas para uma actuação que ultrapasse o nível da pura intuição, se integre num projecto educativo

coerente e participado, num ambiente de aula e de escola mais humano e, por isso, mais “eficaz” em

direcção a todos os objectivos do sistema educativo.

Considero a indisciplina na escola e na aula como «um fenómeno relacional e interactivo que

se concretiza no incumprimento das regras que presidem, orientam e estabelecem as condições das

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tarefas na aula, e, ainda, no desrespeito de normas e valores que fundamentam o são convívio entre

pares e a relação com o professor, enquanto pessoa e autoridade» (Amado, 1998:32).

Acrescente-se, ainda, que, por ser um fenómeno relacional e interaccional, é necessário

compreender que, para lá do «incumprimento das regras» e do «desrespeito de normas e valores»,

estes problemas estão intimamente relacionados:

a) com «conflitos de poder» entre os intervenientes, que mais do que uma espécie de «judo

interactivo» (Erickson, 1989:240), é uma das várias expressões da micropolítica nos

grupos e nas organizações;

b) com uma dimensão simbólica constituída por crenças, expectativas recíprocas entre

professor e aluno(s), intenções, perspectivas... de todos quantos estão envolvidos nestes

fenómenos.

A constatação desta sobreposição sugeriu-me a distinção de 3 níveis de indisciplina, que

decorrem da definição que dela dei acima, como se falássemos de «indisciplinas» (no plural,

portanto), diferentes pela sua natureza intrínseca, e não de uma só. Com efeito, quando falamos de

indisciplina não falamos sempre de um mesmo fenómeno, mas de uma diversidade de fenómenos

por detrás de uma mesma designação. Estabelecemos, então os seguintes níveis:

1ºNível - «Desvios às regras da produção»: abarca aqueles incidentes a que é imputado um

carácter «disruptivo», em virtude da «perturbação» que causam ao «bom funcionamento» da aula

(para utilizar uma expressão frequentemente utilizada pelos professores).

2º Nível - «Conflitos inter-pares»: abrange os incidentes que traduzem, essencialmente, as

dificuldades de relacionamento entre os alunos da turma e não só, podendo traduzir-se, também, em

fenómenos de «violência» e «bullying».

3º Nível - «Conflitos da relação professor-aluno»: é composto por comportamentos que, de

algum modo, põem em causa a autoridade e o estatuto do professor, abrangendo também a

violência e o vandalismo contra a propriedade da escola.

Julgo necessária esta distinção e precisão, para melhor se entender que regras e valores

estão em causa, que situações contextualizam os «incidentes», que factores intervêm mais

directamente, que finalidades e funções podem desempenhar estes comportamentos, enfim, em que

é que eles se traduzem e o que querem traduzir no contexto geral da «vida na aula» e «na escola».

Em trabalhos anteriores tratei, muito especialmente, dos diversos factores e das diversas

funções dos comportamentos desviantes na aula. Embora tenha já reconhecido a complexidade e a

multiplicidade dos factores da indisciplina, devo notar que aqui nos limitaremos àqueles que

considero «escolares» e que dizem respeito à natureza e qualidade da relação pedagógica, à gestão

de espaços e tempos, aos currículos, aos métodos de ensino... e à cultura e clima de escola.

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Tendo já avançado o meu entendimento da indisciplina escolar, sinto a necessidade de

esclarecer, muito sucintamente, três outras ideias fundamentais: a de escola, a de disciplina e a de

construção da disciplina. Sem pretender ser exaustivo e teoricamente profundo, direi apenas, à

maneira de um glossário prévio, que entendo:

A escola: como espaço relacional e, por isso, uma organização onde vivem, convivem e

trabalham, professores, alunos e outros agentes, em estreita ligação e interdependência com o meio

exterior; neste sentido, e contrariando posições tradicionais e conservadoras, o aluno não mais é

visto como uma massa informe a moldar às mãos e segundo os planos de um oleiro, mas, pelo

contrário, um agente activo da sua própria história e do seu destino, um criador de sentidos, um

estratego nas encruzilhadas da vida...

A disciplina: ela é e não é muita coisa... Ela não é subserviência, obediência mecânica e

acéfala, medo do castigo e de todas as consequências negativas da infracção. Ela é autodomínio,

ordem interior e exterior, liberdade responsável, condição de realização pessoal e colectiva... Ela é,

como diz Ferreira Patrício (1999), «o comportamento humano controlado por decisão própria, à luz

de princípios e valores e com vista à realização de princípios, valores, ideias e projectos».

Construir a disciplina, significa, tendo em conta as duas definições anteriores, formar ou

educar o aluno para a autodisciplina e para a responsabilidade; criar ambiente de trabalho e

condições organizacionais de modo a alcançarem-se os objectivos da escola; lidar com o desvio e a

indisciplina, na sala de aula, de modo a preveni-la, corrigi-la, ou puni-la.

Vamos, então, desenvolver este tema da construção da disciplina nas escolas, tendo em

conta estes três sentidos da expressão, visando, em primeiro lugar, a acção e a interacção de

professores e alunos na sala; em segundo lugar, sublinhando a importância de um ambiente de

trabalho positivo e de determinadas condições organizacionais para a construção da disciplina.

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1. PREVENIR, CORRIGIR OU PUNIR?...

Construir a disciplina pode ser entendido como o processo de lidar com a indisciplina na sala

de aula, um processo que, em grande parte, é executado pelo professor isolado nos quatro muros da

sala, e que pode ser perspectivado em três vertentes: prevenção, correcção e punição (cf. Amado,

1998). Vejamos cada uma delas de per si:

1.1. A PREVENÇÃO DA INDISCIPLINA

Se tomarmos a expressão à letra, trata-se de organizar as situações de aula, de gerir as

actividades e de dar expressão a um conjunto de atitudes relacionais, de tal modo que se afastem ou

anulem os factores de perturbação e desvio. Contudo, a expressão deverá ser tomada de um modo

mais positivo, devendo, nesse caso, significar o processo educativo, na sua complexidade e nas

suas mais variadas consequências ao nível da pessoa e da sociedade.

Atendendo, porém, a que o objecto da nossa reflexão é, neste capítulo, a acção do professor

e de seus alunos no contexto da sala de aula, e que, aí, ser disciplinado é cumprir as tarefas tal

como o professor, em última instância, determina, não dificultar a obtenção dos objectivos propostos

e agir de acordo com alguns valores que presidem às relações entre as pessoas (respeito mútuo,

cooperação, solidariedade, etc.), ao professor cabe organizar, gerir e liderar de modo a que esses

objectivos se alcancem.

Existe, nesse sentido, alguma investigação realizada junto de alunos e de professores, no

contexto da aula e da «vida» na escola, tendo em conta comportamentos observados e perspectivas

de uns e de outros, que sublinha como conclusão fundamental, a necessidade de se construir um

ambiente caracterizável por três marcas fundamentais que constituem o que designo por modelo

baseado na análise do ensino:

a) A existência de regras de trabalho e de convívio, acompanhada por efectiva firmeza e

coerência na exigência e na aplicação, por parte do professor (domínio das competências

de liderança, fundamental para um bom clima relacional);

b) A existência de um clima de «abertura ao aluno» que se caracterize pela

«responsabilização» de todos os protagonistas da aula, pelos sentimentos de mútuo

respeito, confiança e desvelo (domínio dos valores e das atitudes e argamassa de uma

adequada ética da gestão pedagógica);

c) A correcta gestão e organização das actividades do ensino, com métodos adequados e

activos, posturas apropriadas e traduzindo domínio das situações, planificação,

organização e clareza de comunicação (domínio das competências científico-pedagógicas

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do professor e condição básica da comunicação e da motivação para os conteúdos de

ensino-aprendizagem).

Estou certo de que qualquer uma destas alíneas exigiria, de per si, grandes

desenvolvimentos, para exemplificar e para fundamentar; traçarei, a propósito de cada uma delas,

apenas breves tópicos que a investigação e a bibliografia referida mais acentuam.

1.1.1. Construir um clima relacional assente na regra

Seria útil iniciar esta rubrica por uma reflexão sobre o conceito de regra, a sua natureza nas

interacções, o tipo de regras que habitualmente se encontram numa aula e os domínios de acção por

elas mais directamente visados. Remeto o leitor para outros trabalhos por mim publicados em que

abordo essas matérias (Amado, 1998; Amado, 1999)

Seria útil, também, desenvolver o tema das «representações do bom professor», elaboradas

pelo aluno, e de como os estudos apontam para o facto de essas «representações» comportarem

sempre a necessidade de uma boa capacidade de liderança, desde o início do ano, por parte do

professor, reagindo os alunos negativamente se a expectativa, nesse sentido, não for confirmada.

Limitemo-nos aqui, porém, à necessidade da regra na liderança de um grupo de trabalho,

como o é a turma na aula; a sua ausência torna insuportável a vida dos grupos, e muito

especialmente, impossibilita o trabalho da aula, e afecta todos os alunos, mas muito especialmente

os que estão «em risco» (Schmuck & Schmuck, 1992:204). Diversos autores consideram que um

sistema de regras bem definido é indispensável para se obterem os objectivos previstos, na medida

em que permite ao estudante melhor saber o que se espera dele (Bostroom, 1991; Estrela, 1992:82);

eu acrescentaria que um pequeno conjunto de regras ajuda o aluno a autocontrolar o seu próprio

comportamento, verbalizando-as para si mesmo como propósitos e objectivos a alcançar.

As regras das regras

É fundamental que os alunos saibam, desde os primeiros dias do ano lectivo, como portar-se

nas diferentes fases da aula (entrada, durante a lição, no final, etc.), nos corredores e noutras áreas

da escola, devendo a sua actividade ser orientada, conforme os casos, por princípios de ordem geral,

ou por determinadas normas de procedimento (respeitantes ao trabalho no lugar e à aprendizagem

em geral, ao trabalho em grupo, ao equipamento, etc.). Ao longo do ano, e muito especialmente

quando ocorrem determinados eventos críticos, os alunos dar-se-ão conta de outras regras não

mencionadas no discurso «inicial» do professor.

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Emmer e colegas (Emmer et al., s/d:22) oferecem, como exemplo, uma lista das principais

regras habitualmente identificáveis na perspectiva e na prática de qualquer professor «eficaz»:

- Os alunos devem trazer os materiais necessários para a aula,

- Devem manter-se no lugar e estar prontos para trabalhar,

- Não falar nem sair do lugar quando alguém está a falar,

- Respeitar e ser educados para com todos os outros,

- Respeitar a propriedade dos outros,

- Obedecer às regas da escola.

Trata-se de um conjunto de regras, como dizem os autores, consideradas «concretas»,

«explícitas» e «funcionais», cujo objectivo é contribuir para a ordem na aula, mas que, nem por isso

deixam de sublinhar um forte carácter ético (Cf. Estrela, MªT, 1995; Hammersley, M., 1976).

Short e colegas (1994:44) falam nas «regras das regras», isto é, nos princípios básicos a que

deve obedecer a sua formulação; segundo eles, elas devem ser:

- poucas: não muito mais do que três ou quatro,

- simples: de modo a que se compreendam e retenham facilmente,

- positivas: exprimindo os comportamentos que se desejam e não os que são de evitar,

- claras: permitindo a percepção de quais os comportamentos que obedecem à regra e de

quais os que a infringem,

- fundamentais: referindo-se ao que não é negociável ou ao que já está negociado.

Também Smith & Smith (1979, cit. in Santos, 1999:43) consideram que as regras devem ser

«claras e isentas de ambiguidade; razoáveis e não embaraçosas ou humilhantes para os alunos; e

ser possível fazê-las cumprir».

A estas «regras das regras» devem acrescentar-se três princípios importantes:

- que elas, de facto, «orientem» o comportamento do aluno de modo a que ele perceba o que

se espera dele,

- que o aluno entenda a sua razão de ser e utilidade, e não veja nelas uma pura

arbitrariedade; por exemplo, a propósito da regra de levantar a mão antes de falar, os

alunos deverão compreender que, se cumprida por todos, ela evita a situação desagradável

de ser interrompido quando se está a falar, permite que o professor possa dar a vez a todos

e cria um ambiente mais propício à actividade intelectual (Spady, et al., 1979:83). Na minha

pesquisa confirmei a aceitação, por parte dos alunos, das regras cuja razão de ser eles

entendiam e consideravam razoáveis e necessárias. Carita e Fernandes (1995)

fundamentam esta necessidade da explicitação das razões das regras nas novas

competências cognitivas dos adolescentes, no seu posicionamento moral mais autónomo

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em relação à palavra do adulto, e num sentimento de que, por esse meio, o professor

traduz um indicador de respeito pelo aluno.

- que o professor seja «consistente» na sua aplicação; o professor deve saber «conservar as

mesmas perspectivas em relação aos comportamentos que são apropriados ou

inapropriados nas actividades particulares; e que estas perspectivas se apliquem, também,

a cada estudante em todas as ocasiões» (Emmer et al., s/d: 99).

Note-se que a inconsistência é um fenómeno que se verifica com alguma frequência na aula,

dando azo a queixas e reclamações dos alunos que a consideram, muitas vezes, como injustiça do

professor. Ela pode ficar a dever-se a múltiplos factores, como:

- as regras não serem razoáveis ou aplicáveis;

- o professor não testemunhar claramente os comportamentos de indisciplina quando eles

acontecem na aula;

- o professor não se sentir suficientemente enérgico em relação a uma regra ou a uma

determinada sanção, temendo alguma resistência por parte de certos alunos (Doyle,

1986:412);

- o professor agir movido por sentimentos de favoritismo ou de discriminação em relação a

alunos com determinados estatutos (Estrela, Mª. T, 1986:158);

- o professores sacrificar «frequentemente a generalidade da regra ao pragmatismo e

funcionalidade da situação pedagógica experienciada no momento» (Estrela, Mª.T, 1995),

pois é essa funcionalidade que dita se a regra deve ser ou não aplicada, como e quando

(Cf. tb. Doyle, 1986:419).

O difícil equilíbrio entre rigidez e flexibilidade

A propósito deste último aspecto, da funcionalidade da regra, é preciso que o professor saiba

(e esse é, por vezes, um dos seus dilemas práticos), actuar com equilíbrio, sem cair na rigidez de

princípios e de normas, nem numa flexibilidade e numa tolerância fora de limites razoáveis

(Schmuck, & Schmuck, 1992:201). A intolerância pode dar origem a normas informais do grupo-

turma em rotura com as regras formais que o professor quer impor; por outro lado, sabe-se que para

alunos com algumas dificuldades de ordem cognitiva, e para os provenientes de meios carenciados

ou culturalmente muito afastados da cultura da escola, pode ser difícil interiorizar um determinado

sistema normativo, o que implica da parte da escola e do professor, um grande esforço no sentido

reconhecer estes casos, e de ajustar, na medida do possível, as exigências da escola e pessoais às

necessidades (e objectivos) de cada caso particular (Doyle, 1986: 413; Lemlech, J.K., 1988:18;

Noguera, 1985).

À questão da rigidez e da flexibilidade acrescenta-se, habitualmente, uma outra relacionada

com o «modo como estabelecer normas de trabalho desde o início do ano»; há autores que

consideram que o professor se deve apresentar como «uma figura de autoridade» com atitudes

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assertivas (Wragg & Wood, 1984:57), ou mesmo de «dominação» (Hargreaves, 1972:239); outros,

pelo contrário, apoiam medidas baseadas no diálogo, na negociação e na «integração», à partida.

Docking (1987:86-89), face a estas orientações aparentemente contraditórias, comparando um e

outro dos modelos, considera que não estão em oposição: «como sublinhámos, "obter o domínio"

não deve ser tomado como "ser dominador"; nem estar aberto às contribuições dos alunos significa a

negação do direito do professor ser assertivo. No modelo integrativo o professor é, ainda, quem

define a situação: permanece uma figura de autoridade, assegurando a boa organização da

discussão e que ela se realize a um nível apropriado». A opção por este ou aquele modelo, porém,

deve decorrer de uma correcta análise da situação.

Um bom conhecimento do aluno, mesmo em certos pormenores da sua vida familiar, do seu

passado escolar, incidentes graves na sua história de vida pessoal, etc., e um bom conhecimento da

dinâmica e estrutura informal da turma, são elementos importantes para o professor saber onde se

situar, num ponto entre a rigidez e a flexibilidade (Noguera, 1995), entre um poder de base coercitiva

e um poder de base referencial (Afonso, 1991); não podemos pretender tornar o mundo escolar mais

simples do que ele o é na realidade... mas fica em aberto a necessidade de darmos sempre um

passo em frente em relação à pessoa do aluno e à dinâmica da turma...

1.1.2. Construir um clima de «abertura ao aluno»

Peter Woods, no final do seu trabalho de campo em Lowfiels, conclui: «a poderosa

mensagem proveniente da totalidade dos alunos com quem me relacionei em Lowfiels dizia que o

trabalho podia ser ao mesmo tempo, pesado, odioso e agradável e que a diferença tinha menos a ver

com o conteúdo da actividade do que com as relações com o professor que o propunha. (...)... isto

acentua a importância das relações com o professor, fazendo delas o alicerce sobre as quais se

pode erigir o trabalho» (1990b:45). Esta conclusão é subscrita por mim e por muitos investigadores.

As relações com o professor, a história dessas relações ao longo do ano (a começar pelo primeiro

encontro), são marcantes e apontam para a necessidade de saber criar um clima relacional positivo.

Trata-se de criar um ambiente de trabalho em que as interacções entre os seus membros (professor

e alunos) se caracterizam pela existência de:

- «um acordo de trabalho», assente no diálogo, na negociação e na responsabilização de

cada um pela tarefa a realizar,

- confiança mútua entre professor e alunos de modo a que não haja receios, evitamentos e

fugas, de parte a parte,

- aproximação afectiva entre todos os actores, que facilite o conhecimento, a ajuda e a

cooperação,

- respeito pela integridade, direitos e dignidade de cada um.

Sem este segundo passo, corre-se o risco de não ir além da mera «passagem da disciplina

imposta à disciplina consentida» permanecendo o aluno, apenas, na compreensão e na adesão às

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«regras do jogo que ele se vê obrigado a jogar» (Estrela, Mª.T, 1992:18), sem que, de facto, a

verdadeira autodisciplina seja alcançada.

Diálogo, negociação e responsabilização

Como diz Goffman, «se queremos que um indivíduo se comporte como convém e demonstre

a deferência que se impõe é necessário que ele se possa autodeterminar em certos domínios (...). É

preciso que tenha liberdade de movimentos, de modo que lhe seja possível manifestar o respeito que

deve aos outros e a imagem que quer dar de si através da postura» (Goffman, 1974:82). A

consecução de um clima, no interior da aula, com as características acima apontadas, implica uma

comunicação que utilize a consulta da opinião antes da tomada de decisões; por outras palavras,

implica:

- o diálogo,

- a criação de situações de autonomia e de livre iniciativa,

- a formulação de objectivos pessoais e colectivos,

- a formulação colectiva e aplicação responsável de estratégias de autocontrolo,

autoavaliação e auto-reforço.

Na esteira de Goffman e de outros autores, a investigação realizada numa perspectiva

interaccionista, de teor mais descritivo e interpretativo do que prescritivo, salientou frequentemente a

vantagem de estratégias que implicassem o acordo e a confiança mútua entre professores e alunos;

Peter Woods (1979, 1990b), fala de estratégias de «negociação» e de «confraternização»

observadas em salas de aula e que visam o estabelecimento de uma ordem em que ambos os lados

participem; Denscombe (1985:111) refere o uso de «estratégias de integração» por parte de alguns

professores, realçando as vantagens da democratização (pupil participation), do diálogo (reasoning)

e da amizade (friendliness) na solução dos conflitos; Hargreaves (1972: 164) e Pollard (1985:109)

exprimem a ideia de um «acordo de trabalho» (working consensus) em que professores e alunos se

devem acomodar às necessidades mútuas e promover um «ciclo positivo» de interacções.

Alerta, porém, Woods, a propósito das concessões na negociação, para o facto de que é

importante que estas «não sejam percebidas como provas de fraqueza da parte da equipa

pedagógica, mas como marcas de compreensão dos alunos e do seu meio, da situação em que eles

se encontram, bem como do reconhecimento, em certas ocasiões, do carácter injusto e esclerosante

dos regulamentos» (Woods, 1990b:7). Por outro lado, a vontade que o professor demonstra em

negociar e a competência para o fazer, aparece como um indicador altamente valorizado pelos

alunos: «um poderoso instrumento de negociação para os alunos é a sua vontade de colaborar, e

pode pôr-se como hipótese que eles premeiam os professores que criam oportunidades para uma

interacção favorável ao seu envolvimento» (Cooper & Mcintyre, 1996: 94).

Pela importância da sua análise e orientações, desenvolveremos no quadro seguinte as

perspectivas de Pollard a este respeito (1980; 1984; 1985; 1989):

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O acordo de trabalho segundo Andrew Pollard

Segundo Pollard, a salvaguarda do Self explica grandemente os conflitos de poder na aula. O

autor sublinha também a existência de comportamentos estratégicos, da iniciativa de professores e

de alunos, para alcançar o controlo da aula e a defesa da dignidade pessoal; a sua caracterização

depende das bases de poder em que assentam, como se pode ver no quadro proposto pelo autor

(Pollard, 1985:191):

Actos dos professores Actos dos alunos

Acordo de trabalho

(working consensus)

___________________________________________________________________

Estratégias Estratégias de Estratégias Estratégias Estratégias

Unilaterais rotina consensuais de rotina Unilaterais

negociativa unilaterais

___________________________________________________________________

Negociação aberta

Rotinização ---------------------- Arrastamento

Manipulação ------------------------ Evasão

Imposição ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Rebelião

Deste modo, a imposição do professor (por exemplo, ameaças e censuras tidas por

ilegítimas e injustas pelos alunos) e a rebelião do aluno (comportamentos de franca oposição aos

propósitos do professor) são estratégias unilaterais, porque uns e outros se confrontam mutuamente

fora de qualquer «acordo de trabalho». Quando ambos tentam chegar a acordo, temos uma

estratégia de negociação aberta, da responsabilidade de ambos os lados e que se traduz em

comportamentos de conformismo (isto é, esperados dentro de um certo acordo e de um

entendimento mais ou menos fixo, da iniciativa de professores e alunos); existe ainda um conjunto

de comportamentos, de parte a parte, sujeitos a uma espécie de «rotina negociativa» que são fruto

da resolução pontual de alguns conflitos que não se afastam do âmbito do acordo de trabalho; estão

neste caso as estratégias de rotinização e manipulação por parte do professor (como por exemplo,

exigências ou censuras que não ponham em causa a dignidade do aluno e consideradas por este

como legítimas e apropriadas no âmbito, ainda, do acordo de trabalho); e as estratégias de

arrastamento e evasão por parte do aluno (e que consistem em desvios considerados "normais"

pelo professor, como dizer uma piada, falar alto ou andar de vagar).

Pollard reconhece que o poder está na capacidade de mobilizar um apoio. No

estabelecimento do «acordo de trabalho» é crucial a negociação entre o professor e os alunos,

sobretudo, os «jokers», no sentido de definirem o que é comummente aceitável e justo. Estes alunos

não se conformam passivamente nem se revoltam activamente; negoceiam um viável ‘modus

vivendi’. O acordo de trabalho, embora revele um maior poder formal do professor, resulta da

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necessidade deste e dos alunos se acomodarem às necessidades mútuas; demonstra, também, que

o tipo de alunos que o professor tem à sua frente (e sobretudo a ideia que eles fazem uns dos

outros e do seu próprio grupo), constitui um verdadeiro condicionalismo da sua actividade, sofrendo

uma forte influência das atitudes que os alunos tomarem (Furlong, 1985:148). Por sua vez, estas

atitudes dos alunos dependem grandemente da acção do professor. Há, pois, dois tipos de ciclos na

actividade da aula: o ciclo positivo e o ciclo negativo que o autor compara entre si (1989:112-113):

Dignidade

Estimulação Justiça

Aprendizagem Satisfação

Afronta à dignidade

Aborrecimento Injustiça

Irrequietude Frustração

- O ciclo positivo permite saborear o sentido da dignidade; o ciclo negativo faz experimentar

a ofensa à dignidade da pessoa.

- No ciclo positivo, o aluno é estimulado nas suas actividades de aprendizagem; no ciclo

negativo, as tarefas escolares são tidas pelo aluno como aborrecidas (demasiado difíceis,

demasiado fáceis ou sem conexão com os seus interesses).

- No ciclo positivo as situações criadas pelo professor são tidas como justas; no ciclo

negativo, a actuação do professor é considerada como injusta.

- No ciclo positivo, os interesses e necessidades do professor também são satisfeitos; no

ciclo negativo, os interesses e necessidades do professor estão longe de ser satisfeitos.

Esta visão da obra de Pollard apresenta-se cheia de consequências a exigir reflexão por

parte dos professores.

A primeira é necessidade de o professor estar preparado para identificar bem os problemas

com que se defronta no dia-a-dia.

A segunda é a necessidade de uma capacidade de se pôr a si mesmo em questão.

A terceira é a necessidade de um esforço por tornar o ensino atractivo. A este propósito, diz

o autor que a satisfação é um dos maiores interesses dos alunos na aula e costuma estar ligada às

actividades que se lhes propõem. Há três critérios comuns, tal como eles os expressam: «o trabalho

é “fácil” ou “difícil”, “interessante” ou “aborrecido”, “útil” ou “sem significado”» (1989:117). Ao

responderem, normalmente, com a indisciplina, ao que lhes parece difícil, aborrecido e inútil, eles

reclamam «de uma forma criativa», tempo para si mesmos.

A quarta é a necessidade de o professor possuir competência (skills) interpessoais, de modo

a saber lidar com o stress provocado pelos alunos e, ao mesmo tempo, manter a dignidade. Diz o

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

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autor que os alunos sabem, normalmente, quando merecem uma censura; o problema está no modo

como o professor faz essa censura.

Finalmente, reconhece-se a necessidade de o professor estar por dentro das relações que

se estabelecem entre os grupos de alunos, da sua cultura e dos seus padrões de amizade e de

reconhecer que, no interior dessas relações, aquilo que ao professor, à primeira vista, pode não ter

sentido, como a própria indisciplina, para o aluno, isso mesmo pode ser «inteiramente racional,

apropriado e justificado».

Confiança mútua e aproximação afectiva

A investigação reafirma, também, a necessidade das «relações de confiança» entre

professores e alunos, para que a aula possa atingir os seus objectivos.

McDermott chama a atenção para o facto de a confiança (trust) não ser uma qualidade inata

de uma pessoa, mas antes «um produto do trabalho que alunos e professores fazem no sentido de

partilharem um mesmo interesse» (McDermott, R. P., 1977:199). Segundo Woods (1990b:50) a

responsabilização, juntamente com um clima de confiança e de abertura, constituem o caminho certo

no sentido de «revalorizar o trabalho e de humanizar a pedagogia».

Plax e Kearney (1992:81), por outro lado, numa sequência de diferentes estudos, além de

construírem um sistema de 22 categorias de procedimentos disciplinares do professor, pro-sociais e

anti-sociais (coercitivos), concluíram, também, que as bases coercitiva e legítima do poder estão

negativamente associadas às aprendizagens afectivas e cognitivas dos alunos. O uso do poder

referente (pessoal) e de perito (cognoscitivo), pelo contrário, está positivamente correlacionado com

a aprendizagem. Perante professores que usam meios pró-sociais, os alunos acreditam que

aprendem mais e gostam do que estão a aprender (cf. tb. Richmond & Roach, 1992:59).

Por outro lado, é importante compreender a relação que pode existir entre o clima da aula, as

percepções dos alunos acerca do modo como os seus professores fazem uso do poder e os

resultados escolares, em termos de aprendizagens, quer cognitivas quer afectivas. Vejamos como o

modelo de Gordon (1981) oferece um conjunto de pistas para a criação deste ambiente de trabalho

caracterizado pela confiança, empatia, equilíbrio de poderes e liberdade pessoal.

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O modelo de Gordon (Teacher-Effectiveness Training - TET)

O projecto de Gordon procura ser um modelo de Formação de Professores para a «eficácia

humana», levando-os a aplicar na aula os princípios fundamentais da não-directividade de Rogers;

esta pretende que seja o cliente, de forma perfeitamente livre, a explorar os seus sentimentos e a

resolver os seus problemas num ambiente de empatia e de grande afectividade. Gordon propõe

que se transponham estas atitudes para o plano da sala de aula e, consequentemente, para a

relação professor-aluno.

A liberdade, na esteira de Rogers, é uma pré condição para aprender, e nesse ambiente o

professor mais do que dirigir a acção dos alunos tem de ser um «facilitador» e um «guia»,

providenciando tudo para que os alunos resolvam, por si os seus problemas. Como a situação de

ensino-aprendizagem é, por excelência, uma relação de comunicação, os professores devem ser

treinados num modelo de comunicação que permita uma efectiva aproximação entre aluno e

professor. Se o ambiente for encorajador, estimulando a comunicação, a manifestação dos

sentimentos, e o auto-conceito positivo do aluno não haverá razão para se falar em indisciplina.

O modelo de Gordon inclui um conjunto de aptidões que devem fazer parte da formação do

professor e destinados à criação de um ambiente de equilíbrio de poderes na aula. Estas aptidões

devem ser postas em prática em encontros com a turma, e devem ter em vista a formulação de um

contrato social que estabeleça as regras de actuação de todo o grupo. De entre as principais

orientações sublinho as seguintes:

“A posse do problema” (problem ownership)

Antes de actuar disciplinarmente, o professor deve procurar saber de quem é,

efectivamente, o problema — se dele, se do aluno; trata-se de uma preocupação que contraria a

tendência habitual, na cultura docente, de atribuir «as culpas» sempre aos outros. Deve procurar-

se criar um clima na aula em que os problemas sejam reduzidos ao mínimo e possam ser

solucionados de modo a que se responda positivamente às frustrações de cada um dos lados. Se o

problema for do professor e do(s) aluno(s), gera-se um conflito que tem de ser resolvido de modo a

que nem uma nem outra das partes tenha de ser vencida ou vencedora (“no-lose Method”).

“A escuta activa” (active listening)

Quando um comportamento do aluno lhe causa, a ele próprio, um problema, a estratégia do

professor deve ser a de escutar activamente. Trata-se de uma escuta atenta e silenciosa da

comunicação verbal e não verbal, acompanhada de sinais (verbais e não-verbais) de modo a

mostrar interesse, compreensão e empatia. Desse modo permite que o aluno expresse

verbalmente o problema e ajuda-o a encontrar uma solução eficaz.

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No entanto, o autor alerta para um conjunto de mensagens habituais do professor na aula

(ou mesmo numa conversa em particular) que tem, como principal efeito, bloquear a comunicação:

Mensagens-solução

- Avisar e ameaçar

- Moralizar e pregar

- Advertir e dar sugestões

- Explicar e argumentar com lógica

- Ordenar, dirigir

Mensagens-avaliação

- Criticar e culpar

- Alcunhar, rotular e insultar

- Analisar e interpretar

Mensagens-relaxantes

- Louvar e avaliar positivamente

- Consolar e apoiar

- Perguntar, explorar respostas

Na linha do não intervencionismo, a ideia fundamental será a de procurar um controlo

interno por parte dos alunos, com o mínimo de intervenção exterior por parte do professor.

“A Mensagem“eu”” (I message)

Quando um comportamento do aluno causa problema ao professor, perturbando e criando

obstáculo à prossecução dos seus objectivos, a estratégia apropriada será a de exprimir o

problema e os sentimentos que ele provoca, na primeira pessoa -- “mensagem eu”. Neste caso o

professor, sem que as relações sejam prejudicadas, deve:

- Fazer uma descrição objectiva (não-culpabilizadora) do comportamento,

- Avaliar os efeitos negativos concretos desse problema,

- Identificar e exprimir os sentimentos que isso lhe provoca. Segundo Gordon, a cólera é

um sentimento secundário; em primeiro lugar vem o desapontamento, a frustração, a

ansiedade. Na mensagem “eu” o professor mostra o modo como gere os seus

sentimentos e torna-se um importante “modelo” para os alunos,

- Responsabilizar os alunos pela mudança,

- Acompanhar a “mensagem eu” com uma “escuta-activa”.

“Negociação” (Resolving classroom conflits)

Se as normas da aula forem negociadas, cresce a responsabilização dos alunos e,

diminuem os problemas.

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Uma das propriedades do modelo de Gordon é o reconhecimento da relação pedagógica

como uma relação interactiva em que estão frente a frente, duas subjectividades, duas vontades,

dois poderes; que há que evitar-se, ao máximo, as assimetrias, sem, contudo, se apagarem as

diferenças de cada um dos lados e a respectiva dignidade e direitos; que o conflito é «natural» a este

processo interactivo e motor de novos desenvolvimentos da relação, através da negociação

(Ardoinot, S/D; Estrela, MªT., 1992:90: Slee, 1995: 88). Outro aspecto importante deste modelo é o

facto de oferecer pistas quer para um efectivo trabalho na aula (chama a atenção para a importância

do encontro com a turma), quer para a conversação em particular com o aluno, realçando a

necessidade de se evitarem os diversos erros da mensagem que, a surgirem, tornarão inviável

qualquer «encontro».

Respeito e «justiça»

Muita da investigação já referida leva a concluir que o aluno não sofre passivamente, os

atentados aos seus direitos, nem as «injustiças» de que se sente vítima na sala de aula. O trabalho

de Werthman, publicado em 1963, Delinquents in schools: a test for the legitimacy of authorithy, é um

pioneiro no estudo das interacções na aula e da indisciplina como «oposição» aos poderes do

professor e manifestação dos poderes do aluno.

Werthman, usando a observação e a entrevista como metodologia, numa população de

estudantes delinquentes negros californianos, evita, contra a corrente da época, explicações do

comportamento dos alunos em termos da estrutura organizacional da escola ou de origem social.

Pondo de parte esse tipo de explicações, aponta, antes, para a variabilidade contextual dos seus

comportamentos e para as avaliações lógicas que alguns alunos fazem das situações em que eles

próprios se encontram envolvidos.

Quanto à variabilidade contextual o autor sublinha o facto de que «as dificuldades ocorrem

apenas em certas aulas e não noutras. Bons e maus alunos são capazes de seguir,

permanentemente, metade ou mais das suas aulas sem fricções. É só em determinadas aulas e com

determinados professores que ocorrem os incidentes que vão até à suspensão». Este facto, como

diz o autor, «sugere que as escolas não são monolíticas... e que há algo de mais específico acerca

dos professores que criam problemas do que o simples facto de pertencerem à classe média; tal

como há algo de mais específico da parte dos alunos que produzem as respostas, do que o simples

facto de pertencerem às classes mais baixas» (Werthman, 1984: 211).

O centro da questão está, pois, no modo como os alunos aceitam ou rejeitam a autoridade do

professor. A maior parte dos estudantes não questiona a autoridade do professor, considerando-a

como «mais ou menos tradicional» e legítima. Mas os alunos com problemas («gang members»)

«não aceitam, a priori, a autoridade de qualquer professor». Eles exercem uma cuidadosa

observação sobre os seus comportamentos. «O julgamento final que confere a legitimidade é

suspenso até que se descubra de que modo a autoridade é exercida ou não em modos e grau

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

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desejável. O fardo da prova recai sobre o professor» (Werthman, 1984: 212). A legitimidade da

autoridade do professor é vista, pelos «gang members» segundo 4 critérios básicos:

1- Critério da competência jurídica. Há comportamentos que o professor não tem um direito

absoluto e a priori de punir, especialmente os de pouca gravidade e que apenas podem

traduzir alguma desatenção: dormitar, olhar pela janela, ler banda desenhada, etc.

2- Há áreas sobre as quais os professores não têm jurisdição e, portanto, é ilegítimo

qualquer exercício de autoridade sobre elas: vestuário, tipo de penteado, raça, capacidades

mentais.

3- O frequente uso da forma imperativa, por parte do professor, é concebido como um

insulto à autonomia do aluno; dão, portanto, grande atenção ao estilo de exercício da

autoridade.

4 - O modo como o professor faz as suas apreciações formais ou semi-públicas dos alunos

e como atribui as classificações.

Este último aspecto é o mais desenvolvido no artigo, seguindo uma linha de exploração do

conhecimento pedagógico do aluno. Este conhece as bases sobre as quais uma classificação (e

avaliação) deve ser atribuída. Em primeiro lugar deve ser justa, (o autor desenvolve as estratégias

que os alunos utilizam para fazer comparações entre si); em segundo lugar não deve ser executada

como uma arma contra o aluno; não deve ser exercida sob pressão, (o professor pode ser tentado a

avaliar positivamente um aluno por medo). Este último aspecto faz levantar, também, a questão do

poder dos alunos sobre os professores; é que eles são capazes de agredir fisicamente o professor e

de pôr a turma em constante rebuliço (Werthman, 1984: 214).

Visto deste modo, o comportamento desviante ocorre em função da ideia que o aluno faz da

justiça ou da injustiça do professor e se o seu poder extravasa ou não determinados limites, tendo

em conta o modo como o trata e avalia, e as exigências gerais da aula e da vida escolar. Se a

conclusão da análise realizada pelo aluno for a de que a autoridade do professor é ilegítima e quebra

uma espécie de código do bom relacionamento na aula, o aluno «gang» recusará todo o

comportamento que traduza a aceitação da autoridade. Werthman conclui que «quando os membros

do ‘gang’ estão convencidos de que a acção educativa e as suas exigências são legitimamente

obtidas, que o professor está realmente interessado em ensinar-lhes algo, que os esforços para

aprender são recompensados, então eles vêm a horas regularmente, levantam a mão antes de falar,

permanecem atentos e em silêncio» (Werthman, 1984: 223).

Este artigo é um marco no reconhecimento da importância do pensamento do aluno, ao

considerar as formas como ele se exerce e se produz, as interpretações que os alunos fazem do

comportamento do professor na aula e a «definição das situações» que aí ocorrem. É, igualmente,

um marco no que respeita ao reconhecimento dos factores pedagógicos do desvio na aula: nesta

perspectiva, pode considerar-se que são certos professores que, pela sua conduta geral, provocam o

desvio do aluno, muito especialmente quando estes consideram que a sua acção é injusta e

atentatória da sua dignidade. Por mim, e de acordo, aliás, com outros investigadores (Pearl, 1988:

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

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239; Estrela, MªT., 1992:54; Perrenoud, 1978, 1995; Dubet & Martuccelli, 1996:81), com base na

observação «participante» e no testemunho dos alunos, organizei o seguinte quadro das «micro-

injustiças» da aula que, como também diz Bourdieu (1993: 602), podem muito bem ser, no tempo de

uma escola para todos ("democrática"), os mecanismos invisíveis de fabricação dos «excluídos do

interior»: «a escola guarda no seu seio aqueles que ela exclui, contentando-se de os relegar para as

fileiras mais desvalorizadas».

ATITUDES E COMPORTAMENTOS INJUSTOS DOS PROFESSORES

(segundo a perspectiva dos alunos)

A)... NA RELAÇÃO QUOTIDIANA

B)... NOS PROCESSOS DE ENSINO E

AVALIAÇÃO

C)... NOS PROCEDIMENTOS

DISCIPLINARES

- Formas de tratamento ofensivas.

- Injuriar o aluno ou a turma devido à

própria indisciplina.

Fazer comparações impróprias com

outros parentes.

- Agir sob influência de problemas

pessoais.

- Não pedir desculpa ao aluno quando

seria oportuno.

- Não admitir críticas dos alunos à sua

actuação.

- Intrometer-se na vida particular do

aluno.

- Interagir mais frequentemente com os

«melhores».

- Interagir mais frequentemente com os

«da frente».

- Ridicularizar e depreciar o aluno a

propósito de questões que ele coloque.

- Diferenciar as actividades curriculares

dos rapazes e das raparigas.

- Utilizar o "poder de avaliar" para

controlar o comportamento do aluno.

- Errar o alvo.

- Discriminar e favorecer na acção

disciplinadora.

- Castigar sem motivos que o justifiquem

aos olhos do aluno.

- Faltar à verdade nas informações a

outras instâncias.

1.1.3. Possuir competências técnico-pedagógicas

Saber ensinar...

O intuito geral desta alínea vai no sentido de afirmar que o professor pode e deve obter um

bom ambiente de trabalho («ordem» e «disciplina») através do modo como o organiza e apresenta,

durante a aula, (Doyle, 1986) e não através da força e do poder «legítimo» (Marlland, 1975, apud

Denscombe, M.,1985: 121; Freiberg, et al., 1995).

De facto, muita investigação tem demonstrado que uma boa organização e gestão da aula

("management") está intimamente associada ao sucesso escolar, à satisfação e autoconceito positivo

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

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do aluno e à diminuição dos desvios à norma, sobretudo se nessa «gestão» incluirmos, também as

«competências» (skills) na apresentação de conteúdos combinada com os requisitos apontados nas

alíneas anteriores (Doyle, 1986; Jones, V.,1986:72; Coulby, D., 1988:156; Glynn, T., 1992:31;

Wheldall, & Merrett, 1992:46; Freiberg, et al., 1995; Santos, B., 1999).

Um dos procedimentos mais frequente destes estudos tem consistido na comparação dos

modos de agir e dos «resultados» da acção (bastante na linha do paradigma do processo-produto)

de professores considerados «eficazes» e «não eficazes», tanto nos planos normativo e disciplinar,

como nos da comunicação e didáctica. Desse confronto tem resultado a determinação de um

conjunto de competências técnicas, baseadas na investigação de campo e análise do ensino, úteis

para a resolução dos problemas na aula.

É claro que se tem de colocar aqui a questão do que se deve entender por «eficácia»; de

resto o conceito é bastante impreciso no contexto educativo. Por outro lado, deve-se evitar o risco de

levar ao extremo a sua lógica e concluir que se há problemas, como por exemplo a indisciplina, isso

se deve apenas à «ineficácia» da acção do professor, o que nem sempre é verdade e põe de parte

todos os outros factores cuja importância temos tentado sublinhar. Contudo, como diz Coulby

(1988:156), apesar das críticas e das reservas, esta «área da teoria está firmemente ligada à prática

e às necessidades dos práticos» e a investigação «aponta para a eficácia desta abordagem».

Por nossa parte, procurámos inquirir quais eram, na perspectiva dos alunos, os

comportamentos correctos, adequados, do professor, e quais as condições necessárias, na prática

docente, para que uma aula «corresse bem». Recordemos que se trata de uma espécie de reverso

da medalha em relação aos «factores de indisciplina». Se atentarmos no testemunho que se segue,

podemos ver que separar as competências de ensino das relacionais é puro artificialismo, necessário

apenas por uma questão de exposição:

«MN - Acho que um bom professor é o que dá a matéria, que sabe explicar, sabe ser simpático com os alunos…

sabe respeitar… sabe ser respeitado… pronto…… deve pôr os alunos um bocado à vontade… por exemplo, o

professor de História mete sempre os alunos à vontade… eu gosto disso… não é estarmos ali todos que parece

que estamos na tropa… pronto … é isso mais ou menos…».

Neste como noutros depoimentos, pode ver-se, além da combinação das vertentes referidas

(didáctica e relacional), o elevado grau de complexidade que está em jogo: conciliar a amizade com o

respeito, o «à vontade» com trabalho e regra, um bom ensino com o humor!...

No estudo em causa (Amado, 1998), a análise de muitos testemunhos semelhantes levou-me

à elaboração de um quadro que sintetiza os principais indicadores de um ensino que, segundo os

alunos e tendo em conta a prática de alguns dos seus professores, gera motivação e evita os desvios

perturbadores:

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ESTRUTURA DAS TAREFAS ACADÉMICAS

1. FASE DE PROGRAMAÇÃO 2. FASE DE REALIZAÇÃO 3. FASE DE AVALIAÇÃO

A - Diagnóstico

- diagnosticar interesses / dificuldades

dos alunos

B - Selecção de conteúdos

- diversificar os conteúdos

C - Selecção de estratégias

- planificar / estuda as formas de se

fazer entender

- motivar / despertar interesse

A - Liderança e comunicação eficaz

- ensinar e ser exigente

- manifestar expectativas positivas

- controlar e estimular a participação no

diálogo

- ajudar e dedicar o tempo necessário

às dificuldades individuais

- recorrer ao humor e ao lúdico

B - Processos e recursos

- variar e inovar nos processos de

ensino

- utilizar vários recursos

A - avaliação de diagnóstico e

formativa

- preparar os alunos com antecedência

- avaliar com frequência e regularmente

(t.p.cs)

- Reforçar e elogiar

b - avaliação sumativa

- aplicar testes válidos e adequados

- avaliar justa e correctamente

Assim, se tivermos em conta todo o conjunto de propostas que, do ponto de vista da

didáctica nos são feitas pelo aluno, parece que podemos concluir pela existência de algumas

vertentes fundamentais, com enorme coerência entre si.

No que respeita à fase pré-activa da acção do professor, o aluno privilegia o cuidado que

este possa colocar na determinação dos seus interesses e na planificação das actividades, de forma

a responder a eles; privilegia, ainda, o esforço por encontrar formas de comunicação que permitam

«fazer-se entender» pelos próprios alunos.

Na fase activa, admira-se o professor que «explica e ensina» isto é, aquele que, em cada

sessão, dá a impressão que com ele se «aprende» qualquer coisa. O aluno privilegia uma

comunicação estimulante (os elogios), que não deixe ninguém de lado (distribuição adequada), que

se traduza numa verdadeira relação de ajuda, que se desenrole num ambiente descontraído (mas

não descontrolado), e que apresente formas variadas de estímulos. No entanto, contextualizando a

questão, de tal forma que a comunicação seja vista como parte de um processo que deve ser gerido

tendo em conta a diversidade de interesses, histórias de vida e projectos pessoais de duas a três

dezenas de alunos reunidos numa sala de aula, o que se nos depara é um conjunto de situações

paradoxais, pouco compatíveis com uma análise «superficial» do problema. Entre essas situações,

sobressaem as seguintes:

- A necessidade de um clima de exigência mas sem carácter repressivo ou autoritário.

- A necessidade do reforço à auto-estima, através da comunicação de expectativas

positivas sobre o aluno e sobre a turma.

- A necessidade de respeitar o direito a todos serem interventores na economia

comunicativa da aula (estabelecendo uma adequada direcção e uma distribuição equitativa

dos estímulos e respostas), ao mesmo tempo que se deve salvaguardar o direito a não ser

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«incomodado», sobretudo com perguntas ou situações «armadilha», isto é, que se podem

virar contra o próprio interventor (Perrenoud, 94:151).

- A necessidade de uma comunicação que contenha directivas claras em relação às

dificuldades de cada aluno (o que, o como, o quando, e o por quanto tempo das actividades

que se lhe exigem), ao mesmo tempo que se põe a tónica no respeito pelos ritmos

individuais, de modo a que elabore com tempo, as suas respostas, contrariando o carácter

habitualmente «stressante» da comunicação pedagógica (Perrenoud, 94:148).

- A necessidade de um clima descontraído alcançado por um «espírito lúdico» por parte do

professor e que se traduz no recurso à fantasia, ao humor e aos intervalos estratégicos que

tenham em conta o cansaço e os ritmos de trabalho do aluno.

- A necessidade da inovação nos processos de ensino e da variedade de estímulos com

base na diversidade de recursos. Há que ter em conta, porém, o drama inerente a

experiências mais inovadoras, e que consiste no facto de, para certos alunos tais

experiências não terem sentido, permitindo-lhes, ao mesmo tempo, escapar facilmente às

exigências, não se disponibilizando para seguir e envolver-se em actividades escolares

para as quais não adquiriram hábitos prévios ou perderam o interesse.

- A necessidade de uma avaliação constante, estimuladora e justa. Nesta linha, admira-se e

aprova-se o professor que expressa optimismo nas capacidades dos seus alunos, que lhes

dá o feedback necessário à autoregulação das aprendizagens, que os desafia com

solicitações verbais e não verbais (que podem fazer parte de situações de jogo) e

equitativamente distribuídas, e que presta o apoio individual indispensável a cada um,

reconhecendo capacidades, ritmos e possibilidades de sucesso diferenciados.

- Enfim, parece estimar-se aquele tipo de professores que, ensinando através do «jogo

subtil da exigência e da estimulação» (Montandon, 1997: 60) são capazes, ao mesmo

tempo, de se deslocar de uma situação de superioridade para junto do aluno como «uma

companhia na descoberta» (Iturra, 1990a:59; cf. tb. Moyon, 1988/89).

Não há dúvida de que em todas estas propostas dos alunos se desenha um modelo de

professor que deverá ser como aquele maestro: «que dirige uma orquestra na qual alguns músicos

não dominam completamente a partitura ou nem sequer têm vontade de a respeitar. Um maestro

que, aliás, deveria, por vezes, improvisar, devido a não ter uma orquestração acabada. Um maestro

que deveria não apenas mandar os músicos tocar em conjunto, mas também convencer alguns deles

do interesse da música e da sua pertença à orquestra» (Perrenoud, 1993:62). E o mesmo autor

termina estas considerações concluindo por uma absoluta necessidade de formação para levar estas

tarefas a bom termo: «quem quer que se encontrasse nessa situação, sem preparação, fosse numa

sala de aula ou numa orquestra, entraria certamente em pânico» (ibidem).

Decorre, com efeito, da análise destas perspectivas do aluno um conceito do papel do

professor como o de alguém que sabe (ou deve saber) criar condições, através da preparação e da

interacção empática (capacidade de se colocar-se no lugar do outro) para que o aluno tenha acesso

ao entendimento dos conteúdos curriculares, sem as ambiguidades e os riscos (de que fala Doyle ao

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desenhar o seu modelo eco-sistémico do ensino). Uma tal posição, completada por outras que com

elas se harmonizam, não difere das posições teóricas de autores como Bruner, para quem o ensino,

implica «da parte do professor, uma capacidade de lançar perguntas que despertem a curiosidade,

mantenham o interesse, provoquem e desenvolvam o pensamento» (Bruner, 1963, apud Tavares et

al., 1992:103); ou ainda, para quem a educação é «uma extensão do diálogo em que o menino

aprende a construir conceptualmente o mundo com a ajuda, guia e apoio do adulto» (Palacios,

1986:15, apud Sacristan & Gómez, 1995:68).

Por outro lado, verifica-se que muitos professores estão (ou devem estar) abertos às

influências dos alunos e dispostos a incorporar os seus contributos, embora o façam de modos muito

diferenciados (de acordo aliás com investigações como a de Cooper & Mcintyre, 1996:130). O

professor aparece aqui tanto mais eficaz quanto mais apto a avaliar as circunstâncias, sobretudo as

que dizem respeito às diferenças entre os alunos e aos estados de espírito da turma (cansaço,

aborrecimento, interesse ou desinteresse).

Finalmente, a concepção de ensino-aprendizagem decorrente da análise do «conhecimento

pedagógico» do aluno, como a que procurei realizar, aponta, em grande parte, se não para a

solução, pelo menos para uma drástica redução dos problemas da indisciplina através de um ensino

efectivamente realizado tendo em conta as suas necessidades e interesses.

Gerir correctamente a comunicação, o espaço e o tempo na aula – o modelo de Kounin

Deve-se a Kounin o célebre estudo, "Discipline and group Management in Classrooms"

(1970), que inicia toda uma corrente investigativa à procura da relação entre as variáveis do

«management» e a problemática da disciplina e da indisciplina na aula. Consiste num estudo ainda

bastante influenciado pelo behaviorismo, na medida em que tenta relacionar algumas variáveis

objectivas do comportamento do professor, com os efeitos que eles podem ter sobre o

comportamento dos alunos.

A primeira parte da obra de Kounin, no seguimento de trabalhos anteriores (1958, 1961a,

1961b), debruça-se sobre a questão do «efeito de onda»» («ripple effect»), que procura compreender

e explicar em que medida a acção disciplinadora do professor se repercute nos alunos que não são

directamente por ela visados. Na 2ª parte, presta menos atenção às «técnicas de disciplinação» e

mais a um bom número de técnicas do "Management" empregues por professores, com efeitos

directos no controlo do comportamento do aluno. Reduziu essas técnicas — "necessariamente

instrumentais" e não um fim em si próprias — a cinco tipos: "withitness", "overlapping", "smoothness

and momentum", "maintening group focus" e "variety". Pela sua importância e pelo seu carácter de

referência na análise dos dados, darei algum destaque a estas técnicas, intercalando-as, contudo,

com contributos e comentários pessoais e de outros autores (embora isso possa pôr em risco a

unidade da mensagem de Kounin).

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As “destrezas” e os problemas de gestão da aula segundo Kounin

1 - "Withitness"

Esta “destreza” consiste na aparente capacidade de estar ao corrente de tudo o que

acontece na aula. O professor, através de todo o seu comportamento, mais do que por mera

expressão verbal, comunica constantemente à turma que sabe o que cada aluno está a fazer

naquele preciso momento ou "que tem os proverbiais olhos atrás da cabeça" (Kounin, 1970:81).

Deste modo, o professor torna-se apto a agir imediatamente quando um desvio começa a surgir.

Trata-se de um requisito de todo o líder e que é referido por outros autores com designações como

“monitoring” (Brophy e Evertson, 1976) ou ”lighthouse effect” (isto é, efeito de farol - Marland, 1975)

e “ testemunhação” (Estrela, MªT, 1992:81).

Traduz-se em comportamentos específicos como:

- avisos (“Desist”),

- proposta de comportamento alternativo (“Alternate Behavior”),

- aplauso «concorrente» (”Concurrent Praise”),

- descrição do comportamento desejável (“Describing desirable behavior ”).

Outros autores apontam, a fim de se obter o mesmo efeito, para a necessidade de:

- o professor circular entre os alunos (Evertson & Emmer, 1982; Grunsell 1985:80;

Macmanus, 1989:57),

- ocupar um lugar central na sala (Wragg & Wood, 1984b; Macmanus, 1989:49),

- dispor adequadamente (por exemplo, em função da sua capacidade de atenção) os alunos

ao longo da sala (Wittrock, 1986:402; 1990: 554; Macmanus, 1989:57).

2 - "Overlapping"

Refere-se ao que o professor faz quando tem duas ou mais situações a solicitá-lo ao mesmo

tempo. "Atende às duas ao mesmo tempo ou fica imerso numa, negligenciando a outra? (Kounin,

1970:85). Trata-se, portanto, de uma capacidade de prestar atenção simultânea a múltiplos

fenómenos.

Tanto a «Withiness» como a «Overlapping» são técnicas de Management que levam o

aluno a interpretar a situação como perfeitamente controlada pelo professor, o que é um factor

extremamente importante no controlo da aula. Enfim, será a técnica ou será a imagem que se passa

que surte efeito? Provavelmente uma sem a outra não fazem sentido.

Enfim, não parece descabido invocar aqui o «panóptico de Bentham», «o olho perfeito a que

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nada escapa e centro em direcção ao qual todos os olhares convergem» (Foucault, 1987:156),

como «metáfora da vigilância», pelo menos para alertar para os perigos de uma certa

desumanização destes «Skils», se forem descontextualizados de tudo o que se disse anteriormente.

3 - "Smoothness and momentum"

Refere-se a um conjunto de técnicas usadas pelo professor no sentido de obter uma aula

sem sobressaltos entre as suas diferentes fases e a desenrolá-las de um modo organizado e

regular. Com vista à observação dessa regularidade, o autor põe as seguintes questões:

- "Como age o professor para iniciar e manter o ritmo de actividade da aula? (Kounin,

1970:92).

- Como age ao provocar a transição duma actividade para outra, sem quebrar o ritmo, a

“suavidade” e o vigor da aula?

- São ou não evitados os comportamentos que interferem no regular decorrer da aula?

Há, em contrapartida, um conjunto de comportamentos que devem evitar-se. Kounin

inventaria alguns desses tipos de comportamentos:

”Thrusts” - Interrupção súbita do trabalho dos alunos, com uma ordem, afirmação ou

pergunta, enquanto os alunos estão ocupados e sem um sinal prévio (pausa, olhar em

redor, etc.).

”Dangles” - Acontece quando o professor está empenhado numa actividade ou lhe está a

dar início e, de súbito, a “deixa no ar, iniciando, de imediato, outra actividade. Ex.: pede a

um aluno que inicie uma leitura e, de súbito, pergunta quem está ausente da sala.

”Flip-flops “ - O professor termina um tema, começa um novo, e retorna ao tema que havia

terminado.

”Overdwelling“ - Quando o professor insiste, exageradamente, em acções ou

recomendações no sentido de que os alunos compreendam ou se empenhem em

determinada actividade.

”Fragmentation“ - O professor divide uma actividade em diversas partes, quando a mesma

deveria ser realizada como um todo.

Todos estes comportamentos associados a uma maior perturbação da aula salientam, por

outro lado, a importância e a necessidade de uma adequada planificação. Como diz Lemlech (1988:

6), «para que o professor obtenha sucesso ele deve pensar como evitar as ocorrências habituais da

aula que motivam a indisciplina» acrescentando, depois, que é necessária a antecipação das

necessidades de material, de assistência individualizada e de movimentação durante a aula.

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Também já tive oportunidade (Amado, 2001) de registar como a planificação e a consequente

estruturação do trabalho oferece uma imagem de competência, de interesse e de entusiasmo pelo

trabalho que valoriza imenso o professor aos olhos do aluno, sendo, também esse, segundo a sua

perspectiva, um dos factores de ordem e disciplina na aula.

4 - "Maintening group focus"

Consiste no que o professor realiza através de técnicas que lhe permitem manter o grupo

concentrado numa tarefa comum, especialmente quando a metodologia de ensino empregue é a

expositivo-interrogativa. Para esse efeito o professor recorre a vários procedimentos, como:

"Group Alerting" - (consiste em sinais de alerta, perguntas inesperadas, controlo do

desempenho, etc.);

"Format" - (saber ocupar todos os alunos, mesmo quando se tem necessidade de estar em

interacção apenas com um aluno ou um pequeno grupo);

"Accountibility" - (o grau em que o professor considera o aluno responsável pelas suas

realizações, e que se manifesta em perguntas sobre o trabalho ("Goal Directed Prompts”),

na explicitação de regras de procedimento (“Work Showing”) e no envolvimento dos pares

(”Peer involviment”).

Denscombe (1985:125) acrescenta ao sistema de Kounin outras técnicas de gestão da

tarefa do grupo observadas por si. Uma delas é o mantê-los ocupados (ou «keeping ‘em busy») que,

segundo o autor, se inspira no preceito da moral protestante que faz do ócio o pai de todos os

vícios, mas cujas razões fundamentais na sala de aula são mais imediatas e práticas: «permitir a

sobrevivência do professor mais do que a salvação espiritual dos alunos» -- pelo que ela poderá cair

na manipulação em lugar de ser uma técnica preventiva. Para que o aluno «esteja ocupado» é

necessário que o trabalho tenha um nível de exigência correcto para o aluno e que se faça a um

ritmo apropriado.

Uma outra estratégia, assinalada por Denscombe (1985:130) é a «negociação e o controlo

do trabalho»; surge quando o professor toma na aula a posição de «facilitador» e «catalizador» do

trabalho, delegando para o aluno as questões de conteúdo e de ritmo (tal como é preconizado por

pedagogias mais progressistas). São estratégias difíceis de encontrar, o que leva a perguntar,

mesmo, se os professores estão preparados para sacrificar o controlo sobre o trabalho na aula; até

os que o tentam, muitas vezes, não dão muito mais do que uma simples ilusão disso. Finalmente o

autor sublinha a importância enorme da relação professor-aluno na motivação para o trabalho, e cita

Woods (1978a:174) «a motivação para estes alunos não veio de uma socialização na ética do

trabalho nem de um apelo ao instrumentalismo, mas... acima de tudo, da relação com o professor».

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5 - "Variety"

Procedimentos que têm por finalidade evitar a saturação, e se concretizam programando a

aula de forma a oferecer aos alunos conteúdos e actividades variadas, a exigir requisitos intelectuais

diferentes (atenção, memória, compreensão, síntese, criatividade), a organizar a turma em arranjos

grupais diversos e que traduzem metodologias igualmente diversas, e em enriquecer a comunicação

através de múltiplos meios pessoais (tom de voz, expressão facial, riso e sorriso, gestos,

deslocações, olhares) e técnicos (recurso a equipamentos diversos).

Um dos aspectos mais importantes desta obra, para além do facto de, pela primeira vez,

abordar o problema da indisciplina na aula de um modo "simultaneamente pedagógico e

experimental" (Estrela, Mª.T., 1986:130), é o de chamar a atenção para a necessidade do professor

se munir, não só das necessárias competências relacionais, como de uma "tecnologia" própria do

seu trabalho, e que passa por um correcta e planificada gestão da comunicação, dos espaços e do

mobiliário da aula e do tempo em que ela decorre (cf. Santos, 1999:32 e seg). Se o conseguir, fará

da aula um meio eficaz de aprendizagem, podendo dedicar-se simultaneamente, ao grupo e ao

indivíduo; a sua acção não será marcada por uma reacção relativamente pontual ou rotineira às

situações que se lhe deparam, mas por uma acção previamente planificada, tendo em conta a

conduta dos alunos, o ritmo do trabalho e as exigências académicas (Watkins & Wagner, 1991:84).

Criar condições de cooperação nas actividades do grupo-turma

Os três modelos anteriores (de Pollard, de Gordon e de Kounin) apontam, além do que ficou

referido e cada um a seu modo, para um aspecto que não podemos deixar de mencionar ainda, pela

sua excepcional importância: a necessidade de ter em conta que a turma não é a mera soma de

indivíduos mas tem uma dinâmica e uma personalidade própria que é necessário reconhecer e com

a qual é fundamental saber trabalhar. Essa tem de ser uma outra dimensão das competências do

professor e que, de algum modo, completa e aprofunda o conceito de «gestão da aula»; como diz

Branca Santos (1999:26), «a gestão da sala de aula visa, para além da criação de condições para a

aprendizagem académica dos alunos, contribuir para o seu desenvolvimento através da transferência

da responsabilidade pela manutenção de comportamentos adequados do professor para o aluno»; e

para a turma, acrescento eu.

Ninguém se iluda, porém, julgando fácil esta tarefa, uma vez que as relações entre os alunos

se fazem de uma mistura de oposições e de atracções complicadas. Oposições devidas a formas de

adesão diferenciada aos valores da escola, dando origens a grupos de “queques”, “desatinados”,

etc.; atracções devidas à partilha quotidiana de vivência e valores, resultando na construção colectiva

de juízos comuns sobre as pessoas e as coisas, colaborações e lealdades em domínios que o

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“adulto” não desejaria (encobrimento de “culpados", “espirito santo de orelhas", etc.), e tudo isto

argamassado pelo predomínio da afectividade e do lúdico. Como diz Dubet (1996:125), «a turma não

é uma comunidade, ela é um universo de alianças e de conflitos». O mundo dos subgrupos, e em

especial o mundo das alianças de uns contra outros, traduz a existência de uma sociedade (...de

uma instituição,.. de uma escola...) incapaz de comunicar e de se entender, sem que se esmague a

ideia ou a força contrária -- é então que se tornam necessárias as alianças, para uma protecção e

defesa, (que às vezes assume a forma de ataque), mais eficaz.

Por outro lado sabe-se, a partir dos estudos de Lewin (1975), que um bom clima de grupo é

condição fundamental para bons desempenhos e para a satisfação pessoal de todos os seus

membros, o que tem (ou pode ter) imensas repercussões na prática pedagógica. Retomando o que

acima dizíamos, é necessário considerar, na companhia de autores como Johnson e Bany (1974: 53)

que o professor, enquanto ensina, tem de se empenhar, de forma equilibrada, em duas grandes

categorias de actividades: as de instrução e as de animação da turma. Se a primeira tem um

sentido comum, a segunda define-se como um conjunto de processos que permitem organizar e

coordenar os esforços voluntários e colectivos dos alunos, para que se atinjam os objectivos,

pessoais, de grupo e da escola (que não são meramente do domínio cognitivo).

A questão da indisciplina, neta perspectiva de dinâmica do grupo, não é mais um problema

individual, devendo o professor, perante os incidentes, questionar-se, numa atitude de investigação e

de diagnóstico, acerca do que é faz com que os «alunos possam tão facilmente deixar-se distrair e

interromper pelas acções de um só dentre eles», impedindo, desse modo, que «a vitalidade

intelectual» se manifeste.

No seu importante trabalho Johnson e Bany concluem que “a essência da orientação da

turma reside na instauração de um sistema de classe cooperativo e eficaz” (ibid: 9), o que está de

acordo com muita outra investigação que salienta as vantagens dos métodos de ensino que

incrementem as interacções aluno-aluno e a assembleia de turma como sede de discussão de

problemas, resolução de conflitos e de contratação social (Schmuck & Schmuck, 1992:38; Carita e

Fernandes, 1995; Perez, 1996:97; Barreitos, 1996:178; Baginha, 1997:46).

O contrato com a turma, seguindo as recomendações de Curwin e Mendler (1987), passa

pela elaboração de uma lista de regras, pelo estabelecimento das consequências positivas e

negativas, respectivamente do seu cumprimento ou do seu incumprimento; requer, depois, um tempo

de apuramento e interiorização (que pode ser estimulada por práticas de role playng); seguem-se as

fases de nova discussão, de redacção, de nova experiência e ajustes, e de exposição; finalmente,

criem-se situações adequadas para que a turma possa julgar o modo como tem cumprido as regras

(Amado, 1991).

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Em síntese, Perez (1996:104) contrasta deste modo as vantagens da estrutura cooperativas

nas aulas, em relação às competitivas e individualistas:

- «Aumenta mais entre os alunos as condutas cooperativas

- Aumenta mais o interesse mútuo entre os companheiros

- Dá aos alunos um maior sentimento de controlo sobre o seu destino

- Ajuda os estudantes normais a aceitar melhor os de baixo rendimento

- Aumenta mais o gosto pela escola

- Aumenta mais o nível de auto-estima

- Aumenta mais o nível de adaptação pessoal e social

- Promove um rendimento mais alto (ainda que a investigação nem sempre o confirme)».

Barroso (1995b), ainda, vê na organização cooperativa da aula um modo de responder à

dificuldade que o professor enfrenta «em gerir a heterogeneidade dos alunos, para, respeitando as

suas diferenças, praticar um ensino individualizado e uma pedagogia diferenciada»; e, citando

Charlot (1994), acrescenta: «a escola só e democrática se dispuser de meios para gerir essa

heterogeneidade».

Enfim, todo este capítulo relativo à prevenção oferece um conjunto de propostas que não se

podem tomar como fórmulas mágicas mas que, no seu todo, se apresentam como condições

necessárias para a existência de um clima de trabalho na sala de aula. De acordo com Laslet (et al.

1987:229): "quando se considera a variedade de factores que afectam a interacção entre os

professores e as turmas, torna-se evidente que não é possível sugerir métodos que os professores

possam utilizar em qualquer altura para evitar qualquer confrontação". O percurso que entretanto

fizemos, aponta para sentidos muito precisos, que dizem respeito:

- à necessidade de valores, normas e regras, pelo menos enquanto estruturantes das

relações e das interacções na aula;

- à necessidade de ter em conta o aluno (a sua voz, o que quer dizer, os seus

sentimentos, interesses, opiniões, projectos, afiliações...);

- à necessidade de competências científicas e pedagógicas que não defraudem as

expectativas que todos (mesmo ao alunos...) colocam em relação ao papel do professor

e à acção da escola;

- à necessidade de promover, de forma equilibrada e coerente, e para ganhos recíprocos,

a aliança das dinâmicas do indivíduo (aluno) e do grupo (a turma); no segundo capítulo

acrescentaremos que essa aliança só será verdadeiramente exequível se a ela se

juntarem as dinâmicas da instituição (escola) e da sociedade (família e contexto sócio-

cultural).

Enfim, procurámos desenvolver todo este sub-capítulo tentando articular alguns princípios

baseados em modelos teóricos, e os dados de uma análise por nós efectuada do modo «como» no

interior da aula se tenta, efectivamente, «manter a ordem», construir a autodisciplina e estabelecer

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uma relação adequada ao ensino-aprendizagem; ao conjunto permitimo-nos conferir a designação de

modelo baseado na análise do ensino (Amado, 1998a).

1.2. A CORRECÇÃO DA INDISCIPLINA

Por mais que se procure prevenir nem todos os «desvios» serão evitáveis; os procedimentos

disciplinares correctivos possuem, como objectivo principal, o de gerir essas situações corrigindo

mais do que punindo. Trata-se de procedimentos múltiplos, encadeados entre si de modos diversos,

articulados com a personalidade do professor e, certamente, com a história relacional, com o clima

da turma e com a «fase da aula». No fundo, porém, estamos sempre diante de estratégias de

coerção a usar tendo em conta o grau de maturidade dos alunos; como diz Mcdermott (1977:207),

embora o professor possa dizer a um aluno «fecha a porta», ou «porque não fechas a porta?», o que

se espera é que ele a feche mesmo, e que não responda «não fecho porque não me apetece». Ou

como também diz Mª.T. Estrela (1986:332), «toda a inculcação é um processo de informação

selectiva que consiste em ocupar um espaço de comunicação e em transmitir um tipo de mensagem,

perseguindo o fim deliberado de fechar a ocupação de outros espaços e de limitar a recepção de

outras mensagens». A observação de situações pedagógicas permitiu-me estabelecer três tipos

fundamentais de processos correctivos utilizados, habitualmente, pelos professores na aula:

- pela integração/estimulação,

- pela dominação/imposição,

- pela dominação/ressocialização.

Não se trata, porém, de uma simples divisão e classificação de procedimentos: entre os de

integração e os de dominação (pela «imposição» e pela «ressocialização») existe uma grande

diferença de atitudes interactivas e de objectivos pedagógicos por parte dos professores que as

utilizam e quando as utilizam. Note-se que às «medidas educativas disciplinares» preconizadas no

D.L. 270/98 (em parte coincidentes com estas medidas de correcção), faltam as medidas de

integração/estimulação (de facto, as mais humanas e as mais eficazes), mas incluem-se as medidas

punitivas, como as expulsões e as suspensões.

Vejamos, sucintamente, cada um destes tipos de procedimentos, de per si.

1.2.1. Correcção pela integração / estimulação

Na prática esta «correcção» consiste em tentativas de resolução dos problemas através do

estabelecimento de algumas formas de diálogo como os alunos em situações que já não são as de

prevenir mas as de corrigir; mais do que eliminar as oposições tenta integrá-las nos seus próprios

objectivos. Nesta correcção prevalecem as bases pessoais do poder do professor (poder referente),

as bases de poder normativo (o apelo às regras) ou a partilha de poderes com os alunos. Os padrões

de comunicação tendem para uma «simetria» limitada, com base numa certa democraticidade dos

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processos e num certo puericentrismo. Algumas das estratégias referidas como de «aproximação ao

aluno» na situação de prevenção, são igualmente aqui possíveis. Exemplos destas estratégias

utilizadas, pelo menos por alguns professores, são:

- o elogio, o aplauso imediato, o prémio do bom comportamento; trata-se de medidas muito

bem aceites pelos alunos, que reconhecem o seu valor e eficácia, como o pudemos registar

em diversos testemunhos;

- as promessas e negociações; trata-se de proceder com o objectivo de o comportamento

conflituoso não alcançar maiores desenvolvimentos, convidando os alunos a expressarem

os seus ponto de vista e a trabalharem no sentido de construir um «acordo de trabalho».

- tentativas de persuasão que podem adquirir formas como: a estimulação da auto-estima

(por exemplo dizer ao aluno que ele é a pessoa mais indicada para agir deste ou daquele

modo, fazer ou dirigir esta ou aquela actividade); a estimulação do altruísmo (persuadir o

aluno de que os outros necessitam que faça isto ou aquilo ou se comporte desta ou

daquela maneira); a modelação através do exemplo dos pares: (dizer-lhe, «olha, os teus

colegas também fazem assim»).

Teoricamente, a eficácia destas medidas, observáveis na sala de aula, pode ser suportada

por várias perspectivas, desde a behaviorista à cognitivista e cujos princípios básicos

apresentaremos abaixo. Plax & Kearney (1992:81) estabelecem uma correlação positiva entre este

tipo de procedimentos do professor e o facto de os alunos acreditarem que aprendem mais e

gostarem do que estão a aprender.

É certo, ainda, que, embora estejamos sempre diante de tentativas do professor fazer

prevalecer a sua autoridade, elas possuem uma base «humanista» e exercem-se dentro dos

parâmetros do respeito pela pessoa do aluno. Com base nesses princípios é possível estabelecer

contratos de «mudança de comportamento»; estes devem pressupor o diálogo, a persuasão e o

acordo do aluno ou alunos no que respeita à vontade de mudar, na definição do que mudar, em que

sentido mudar e como auto-avaliar essa mudança. Todos sabemos que não é fácil obter este acordo,

sobretudo quando por detrás do comportamento do aluno se reconhecem factores que, de algum

modo, escapam ao controlo do professor: médicos, psicológicos, familiares, sociais. Apesar disso

estas são, ainda, as medidas mais educativas e mais eficazes, enquanto processos de correcção. A

sua dificuldade poderá ser minorada se a escola, no seu todo, se organizar de modo a implicar todos

os membros nos seus objectivos e nos projectos correspondentes, criando equipas que integrem

outras especialidades a trabalhar em harmonia com os professores (médico, psicólogo, técnico de

serviço social, antropólogo, animador social...). É muito difícil, impossível mesmo, um professor

isolado, sem apoios, conseguir mudar o comportamento de um aluno ou de um grupo fortemente

penalizado por esses factores (Sampaio, 1997:26).

Voltaremos a esta questão no capítulo sobre a dimensão organizacional da disciplina.

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1.2.2. Correcção pela dominação / imposição

Este tipo de correcção assume, na prática, padrões de comunicação hierárquicos, sob as

formas distintas de admoestação, de ameaça (o que torna clara a relação entre o poder, a

comunicação e a linguagem usada) e de uma atitude geral de intimidação, e traduz uma base de

poder legítimo-coercitivo (- trata-se dos diversos tipos de advertência, contemplados na legislação).

As admoestações e ameaças expressam-se, na prática quotidiana, em formas muito

variadas, com cargas emotivas desiguais, do simples aviso verbal ou não-verbal, até às formas

afectivamente mais intensas, de tipo «patronal» ou «militar», atingindo, mesmo, o carácter de alguma

«repressão» e «penalização». Embora a maioria se concretize numa expressão verbal, estes

procedimentos variam consoante a mensagem explícita e implícita que contêm, os elementos

paralinguísticos e cinésicos que os acompanham e, ainda, em função das interpretações

contextualizadas que possam ser feitas pelos seus destinatários (aluno, grupo ou turma). Note-se

que esta interpretação pode produzir efeitos contrários aos pretendidos; pode motivar atitudes de

«retribuição» e de «retaliação» (Werthman, 1984; Marsh, Rosser & Harré, 1978) e pode resultar em

simples «ajustamentos situacionais» que têm por principal característica a efemeridade da sua

«eficácia». Nos alunos que não são o alvo directo das admoestações ou das ameaças gera-se,

ainda, o «efeito de onda» (riplle effect), estudado por Kounin (1977:2, 29) -- efeito positivo e de

aprovação em turmas altamente motivadas, e negativo em turmas menos motivadas e que

interpretem a medida como inadequada e injusta.

De entre um vasto conjunto de formas não-verbais, pudemos concluir que «fazer vista

grossa/desdramatizar», (que, por vezes, se combina com uma simples deslocação para junto do(s)

aluno(s) a iniciar a perturbação), consiste na medida mais consensualmente aceite pelos alunos;

note-se que se trata de uma medida de algum modo coincidente com a extinção, no quadro das

técnicas de «modificação de comportamento», mas, de facto, é inspirada mais numa racionalidade

prática do que científica.

Uma outra das conclusões importantes que decorreu do meu estudo de todos estes

procedimentos foi a de que a sua eficácia radica menos na forma e no conteúdo, do que na

credibilidade do professor. Se o professor fizer passar uma imagem de «fraco», de «levezinho», de

«banana», que é dos que «ameaça mas não cumpre», não há formas de imposição ou dominação

que resultem; mas também não resultarão, pelo menos do ponto de vista educativo, as

admoestações injuriosas, as ameaças demasiado autoritárias e formuladas em circunstâncias e

termos que os alunos interpretem como injustiça; nem resultarão as atitudes gerais de intimidação,

que provocam rejeição e afastamento.

No quadro seguinte explicitam-se alguns dos requisitos (respigados da minha observação, de

testemunhos e da bibliografia) para que uma «admoestação» alcance a modificação do

comportamento sem ferir a dignidade do aluno e da turma:

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Deve atingir o alvo correcto Deve ser clara e firme Deve evitar confrontos

1 - O aluno ou alunos em falta devem ser

devidamente identificados; por vezes é difícil

identificar quem inicia um comportamento

perturbador, mais ou menos generalizado, ou

distinguir aquele que apenas responde à

provocação de um colega. Entre as causas

para falhar o alvo devemos ter em conta,

sobretudo, as seguintes:

a)- Expectativa negativa em relação a

certos alunos, já rotulados de

perturbadores, de indisciplinados, etc..

Este fenómeno altamente determinante

da interacção leva, facilmente, a atribuir

àqueles alunos, actos de que nem

sempre são os responsáveis.

b)- A incapacidade, por parte do

professor, de prestar atenção a duas ou

mais situações simultâneas.

Com um sentido muito próximo da primeira

regra, outras existem, como:

2 – Evitar repreender toda a turma; quando o

professor o faz, além de estimular a revolta

dos que não se consideram culpados, revela

também a sua incapacidade de estar

eficazmente vigilante.

3 – Evitar alhear-se do resto da turma

enquanto trata de uma situação ou problema

concreto localizado em determinado espaço

da sala.

4 – Para ser clara a admoestação

deve enunciar a regra que está a ser

violada ou sublinhar o lado positivo

dos comportamentos, isto é, o que o

aluno deve fazer, em lugar de

censurar o que ele está a fazer (ex.:

“toma atenção”, em vez de “não olhes

para a rua).

5 – Se houver lugar para uma crítica,

que o seu objecto seja o

comportamento e não o aluno. Esta

atitude exige que se considere a

indisciplina como resposta a situações

criadas dentro da sala de aula (e em

que o professor também é

responsável), e não como

consequência de um fatalismo ou de

uma inferioridade qualquer.

6 – O tom deve sugerir autoridade e

induzir acordo

7 - A admoestação verbal, firme e

decidida, deve ser acompanhada por

formas de comunicação não verbal

que demonstrem, ao mesmo tempo,

amizade e ausência de

ressentimentos (sorrisos de

atenuação e gestos afectivos).

8 – Deve existir consistência no

comportamento do professor em

relação à infracção: não deve ser

agora rígido, agora tolerante.

9 – Fazendo parar, logo de início,

um comportamento perturbador, e

retomar de imediato a aula,

adiando uma conversa com o

aluno, para o fim da aula.

10 – Esta conversa deve realizar-

se num clima de confiança e de

mútuo respeito; ser feita tanto

quanto possível em privado;

demonstrar atenção e interesse

pelo aluno; este deverá ser levado

a avaliar o seu próprio

comportamento e a comprometer-

se a mudar.

11- Evitar o sarcasmo e a

ridicularização, pois estes são

considerados pelo aluno como

abusos de autoridade, e tornam-se

«modelos» negativos de gestão de

conflitos interpessoais.

12 – Evitar ameaças e

intimidações: atitudes ou

observações hostis geram, no

aluno, um movimento de

retribuição, por forma a

reequilibrar o seu prestígio face

aos colegas.

13 – Manter a calma: se o

professor for agressivo, o aluno

que é ainda emocionalmente

imaturo, reagirá, igualmente com

agressividade.

1.2.3. Correcção pela dominação/ressocialização

Neste caso estamos perante procedimentos em que a acção do professor, aparentemente

muito próxima da atribuição de um castigo tem, porém, como intenção prioritária, dar ao aluno uma

oportunidade de vir, ainda, a cumprir os objectivos da aula e (ou) educativos, reorientando o seu

comportamento para parâmetros desejáveis (mudar de lugar, mandar “arejar”, dar uma tarefa para ir

cumprir noutro espaço, reparar danos físicos ou morais a outrem), ou criando condições para essa

reorientação (recorrendo a outras instâncias, como ao Director de Turma ou ao Conselho Directivo).

Os padrões de comunicação continuam a ser hierárquicos.

Talvez algumas das medidas designadas no D.L. 270/98 se enquadrem aqui, como

«actividades de integração na comunidade educativa», em especial o «dar tarefa...» e o «reparar

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danos...»; trata-se de medidas utilizadas na escola, anteriores ao seu enquadramento pela lei e que,

a partir desta, no contexto da elaboração dos regulamentos internos, são susceptíveis de outros

desenvolvimentos. Observando um conjunto desses regulamentos verifico que as propostas actuais

vão no sentido de o aluno desempenhar tarefas de «limpeza e manutenção do espaço», na aula, na

sala de apoio educativos, na biblioteca, no espaço aberto; ou outras tarefas como «encapar e

etiquetar livros, ordenar e recuperar dossiers, inventariar livros» na biblioteca; prestar serviços na

cozinha, refeitório, bufete, etc. e em coordenação com os responsáveis destes sectores.

Num relance retrospectivo sobre toda esta alínea, posso dizer que das três modalidades de

correcção, as mais valorizadas pelos alunos são sempre as preventivas, de carácter dialogante e

responsabilizador. Mas a conclusão mais importante tem a ver com o facto de que, para que o

procedimento «de correcção» seja aceite (e, por isso, seja educativamente eficaz), entram em jogo

factores como: a representação que o aluno tem do professor, (enquanto capaz ou não de se impor),

e a própria natureza dos procedimentos (uns em si mais eficazes que outros). O que fica dito está de

acordo, também, com as conclusões de diversos autores, sobre o modo como os alunos interpretam

as acções de controlo por parte dos professores; acima de tudo, elas devem ser exercidas, pelo

docente, com consistência e com justiça, sem traduzirem arbitrariedade, prepotência e abusos de

poder e, muito menos, «vingança» (Werthman, 1984; Marsh et al., 1978; Wubbels & Levy, 1993) --

um conjunto de conclusões também fundamentais para uma reflexão sobre a deontologia profissional

(Silva, L., 1997).

1.3. A PUNIÇÃO DA INDISCIPLINA

Trata-se de medidas de construção da disciplina, tomadas com alguma frequência pelos

professores (Amado, 1989; Carita e Fernandes, 1995) que já não se circunscrevem a negociações

ou a imposições na sala de aula, mas que exigem um «tratamento organizacional» (Domingues,

1995:71). Por isso é positivo que estejam contempladas na legislação que prevê a «expulsão» da

sala, como uma medida passível de ser usada pelo professor (embora não como medida educativa,

mas «cautelar»!...), e, ainda, a «suspensão da frequência» até dez dias, a «transferência» e a

«expulsão da escola».

Acrescento apenas que se trata de medidas aceites, geralmente, pelo próprio aluno, como

um «mal necessário» em certas circunstâncias; mas para que assim seja aceite é necessário, ainda

segundo o seu ponto de vista, que estas medidas obedeçam a três requisitos prévios:

- razoabilidade (não pode ser, portanto, uma simples exibição e demonstração de poder e

de arbitrariedade),

- adequação (deve ser proporcional à gravidade do problema),

- consistência (deve ser aplicado a todos e em circunstâncias semelhantes).

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

34

Contrariar estas exigências leva a maiores conflitos de poder, sendo a acção do professor e

da escola, considerada como injusta, arbitrária, prepotente, podendo até, ultrapassar as fronteiras

daquilo que o aluno considera como sendo da esfera da sua autonomia e privacidade. Também aqui

há que dizer mais uma palavra quanto à falta de consistência; ela concretiza-se no facto de o

professor possuir «dois pesos e duas medidas» consoante as pessoas que estão em causa; e ainda,

no facto de os vários professores da mesma turma, perante as mesmas infracções, actuarem

incongruentemente; entre as suas consequências registe-se um forte sentimento de que se é vítima

de «injustiça» e, também, uma grande incerteza e confusão quanto ao que é exigido (Docking,

1987:116, 122).

Por outro lado, creio que as situações que levam à beira destas medidas punitivas devem

constituir um sério desafio à imaginação dos professores, individual e colectivamente, de modo a que

a solução encontrada, no interior da instituição, não se desvie dos objectivos e princípios educativos

que presidem à actividade escolar e não sejam mais um factor de exclusão e de marginalização

(Amado, 1998b). Passa por aí todo um esforço na prevenção, trabalhando no sentido de se

alcançarem «acordos de trabalho», de se elaborarem «contratos sociais» com os alunos e de se

envolverem todos, responsavelmente, na construção e na implementação de um «projecto

educativo» que referencie explicitamente um conjunto de valores que devem presidir às acções e

que seja susceptível de, entre outros aspectos, gerir diferenças e conflitos (cf. Afonso et al., 1999:

17-18).

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

35

A teoria e as técnicas de «modificação do comportamento»

Estas teorias e técnicas, no quadro de uma perspectiva psicológica dos problemas,

constituem a base de alguns procedimentos que, como já disse, se podem incluir nestas rubricas

sobre a correcção e a punição; por isso me parece pertinente fazer sobre elas uma, ainda que breve,

exposição. O seu fundamento teórico advém das teorias behavioristas; nesta perspectiva, os

problemas da indisciplina são entendidos como comportamentos que, de algum modo, foram

aprendidos por uma socialização deficitária e inadequada.

Os estudos de Skinner (1968), sobre o condicionamento operante e o papel do reforço na

aprendizagem, segundo o qual a recompensa de um dado comportamento é causa das suas

repetições frequentes, trouxeram nova luz sobre o fenómeno da aprendizagem e, também, sobre as

origens do comportamento indisciplinado, como comportamento "aprendido". Na sua análise

experimental dos comportamentos, Skinner observou que para haver uma aprendizagem sólida e

permanente de um determinado comportamento é necessário que se verifique a presença de um

reforço, ou seja, uma espécie de recompensa (condicionamento operante ou instrumental), logo após

a sua execução; este reforço aumenta a tendência de se repetir o acto. Neste caso, comportamentos

disciplinados ou indisciplinados existem porque são reforçados. Na aula podem ocorrer muitas

circunstâncias reforçadoras das aprendizagens de comportamentos desviantes, mesmo quando o

professor tem intenção contrária; Gotzens (1986: 61) dá os seguintes exemplos:

a) O aluno que abertamente recebe um benefício pelo seu mau comportamento. Por exemplo:

o sujeito consegue a atenção do seu mestre depois de ter lançado um grito de Tarzan na

aula.

b) O aluno que em teoria é castigado, porém, na prática toma tal castigo como prémio. Por

exemplo o aluno que depois de molestar os seus companheiros de mesa, consegue que o

professor o chame para junto de si.

c) O aluno que esporadicamente obtém algum tipo de benefício como consequência do seu

mau comportamento".

Na escola os professores pretendem que os alunos aprendam as exigências da vida social e,

em especial, aquelas que são próprias das situações escolares; por exemplo, devem aprender a falar

na sua vez, a escutar os outros, a estar atentos e correctamente sentados, a pedir desculpas, a

agradecer, a fazer as tarefas distribuídas, etc. Segundo o behaviorismo, bastaria manipular o

ambiente, de forma faseada e meticulosa, oferecendo os reforços necessários e próprios, para que

esses comportamentos desejáveis fossem modelados na direcção certa e, finalmente, aprendidos.

Para se iniciar um programa controlado de mudança, segundo esta orientação, é necessário:

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36

1º - Detectar, delimitar e definir qual ou quais os comportamentos a modificar -— definição

essa que deve ser feita em termos observáveis; por exemplo: “está fora do lugar”, “ não

segue a aula”, “rouba”, “destrói material”, “faz comentários a despropósito”, “atemoriza os

colegas com isqueiros”. Esta observação implica uma grande atenção às fases em que o

comportamento se dá; fases iniciais do comportamento (antecedentes) e fases finais

(consequentes). Devem considerar, pois, nesta análise os seguintes aspectos: o desvio, o

desviante, o professor, a técnica de controlo utilizada e as reacções do auditório.

2º - Registar e quantificar os comportamentos que vão ser sujeitos ao plano de mudança. Este

registo faz-se através da observação na aula (pelo professor ou por alguém que com ele

colabore), e serve para estabelecer uma “linha de base” que não só dá maior consistência

ao projecto de intervenção como permite avaliar, comparativamente e com rigor, a natureza

e o grau de mudança, depois de aplicado o plano (cf. Rutherford et al., 1993:35 e seg.)

3º - Intervir, tendo em conta o princípio fundamental de que “a eliminação de um

comportamento indesejado só é eficaz quando este é substituído por um outro socialmente

aceitável” (cf. Rutherford et al. 1993:57).

Considerando estas recomendações básicas procede-se, então, aplicando uma das várias

técnicas de mudança de comportamento, de que saliento:

1- Reforço social

2- Gestão de contingências

3- Contrato comportamental

4 - Economia de fichas (token economy)

5- Castigo

1 - Reforço social

“Consiste em dar a um indivíduo uma resposta socialmente recompensadora (consequência

positiva) após a ocorrência do comportamento, o que faz com que a frequência deste comportamento

aumente (Rutherford et al. 1993:63). Na prática significa ignorar o comportamento inadequado (isto é,

não se lhe dão reforços) e reforçar os comportamentos adequados que possam substituir o anterior e

logo após a sua ocorrência. Existe uma grande variedade de reforços sociais (para já não falar dos

materiais) que podem ser empregues pelo professor; diz Joyce Moniz (1979:138) que «frases, gestos,

expressões faciais reflectindo um sentimento de aprovação, censura, atenção, reconhecimento,

incentivo, amizade são, pois, poderosos reforços que modificam o nosso comportamento e a

influência dos agentes que os utilizam». Contudo, o aplauso e elogio são bem raros nas aulas!... Note-

se que para esta técnica ser bem executada os reforços devem dirigir-se a comportamentos

específicos que, para isso, também devem estar bem definidos; por exemplo“... obrigado por teres

levantado a mão antes de falar”.

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37

2 - Gestão de contingências

Esta técnica baseia-se no princípio de Premack (1965). Este autor concluiu que os

comportamentos que têm uma baixa probabilidade (C.B.P.) de serem por nós procurados ou

desenvolvidos, tendem a incrementar-se quando deles dependem (contingência) comportamentos de

alta probabilidade (C.A.P.), os que preferimos e desenvolvemos em primeiro lugar (andar de bicicleta,

pintar, etc.). Podem negociar-se situações em que os C.A.P. reforcem os C.B.P. Um exemplo é o de

uma criança que faz birra para comer a sopa (C.B.P.) e se distrai a brincar com os sapatos (C.A.P.). A

forma correcta para se agir com ela é dizer-lhe “come duas ou três colheradas e depois brinca mais

um bocadinho com os sapatos” (apud Rutherford et al., 1993:74). Também na sala de aula se pode

dizer: «vamos estar atentos agora a esta questão e, depois, “mudaremos de canal” para contar

anedotas». Mas a negociação pode ser feita de forma individual com o aluno perturbador, levando-o

mesmo a escolher o C.A.P. que se há-de seguir, como consequência, a um comportamento

determinado de baixa probabilidade. Essa negociação visará obter, pois, um autocontrole que ficará

dependente, em grande medida, dos factores ambientais.

3 - Contrato comportamental

Um contrato comportamental é um acordo (que poderá ser escrito) entre duas ou mais

pessoas, estipulando, com clareza e objectividade, as responsabilidades dessas pessoas e as

consequências que advêm do seu cumprimento ou incumprimento (Cf. Arandinga, 1990:80 e seg.;

Rutherford et al. 1993:78). Trata-se, portanto, de um acordo e não de uma imposição; é preciso que o

sujeito esteja disposto a mudar e interessado no autoregulação dessa mudança (o que não se obterá

apenas por receio de uma penalização). Tal como decorre da definição, o contrato pode estabelecer-

se com um aluno apenas ou com toda a turma; neste último caso ele pode entender-se como uma das

estratégias de «dinamização do grupo-turma» de que falámos acima. No caso do contrato individual

exige-se que se criem condições para que o aluno expresse os seus problemas, as suas intenções e

as razões do seu comportamento; há que estabelecer com ele um plano de mudança de conduta, que

comece por comportamentos simples e facilmente determináveis. Há que acompanhar muito de perto

as mudanças e reforçá-las sistemática e consequentemente. Trata-se de uma tarefa que é tanto mais

difícil e inglória quanto o professor (Director de Turma) estiver isolado neste processo; todos os

professores da turma devem estar implicados e a trabalhar no mesmo sentido; é bom que na escola

exista, mesmo, uma equipa de professores e outros técnicos que se debruce sobre os problemas

deste género que aí se verificam, categorizando-os, verificando as situações em que eles são mais

frequentes, quais os factores que poderão ser mais determinantes em cada caso; que este trabalho

de equipa seja fundamentado na bibliografia sobre o assunto, que dele resultem relatórios e textos

divulgáveis...

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

38

Autocontrolo e auto-regulação - Um contrato implica capacidades de autocontrolo dos próprios

comportamentos. Entende-se, neste caso, por autocontrolo «o comportamento auto-regulado em

circunstâncias adversas, desfavoráveis ou tentadoras. Isto é, quando o indivíduo não se comporta da

forma mais provável e muda o curso do seu comportamento porque tem em vista objectivos mais ou

menos longínquos, mas favoráveis» (Pires, C., 1983). Parte-se do princípio de que o indivíduo se

torne capaz de substituir em determinadas situações um comportamento de alta probabilidade de se

verificar (C.A.P.) por um outro, menos espontâneo e menos gratificante a curto prazo, devido a uma

decisão consciente. Por outro lado, estas técnicas devem ser acompanhadas por modificações

externas, ambientais (por exemplo, da escola, da turma, do estilo de relação do professor...), e pela

aquisição, por parte do sujeito, da capacidade de auto-regular o seu próprio comportamento, o que

implica aprender a auto-observar-se, auto-avaliar-se e auto-reforçar-se. Neste sentido algumas

estratégias propõem-se levar o aluno a preencher fichas de registo dos seus próprios

comportamentos de que dará contas, por exemplo, semanalmente ao director de turma (ou ao

psicólogo, caso seja este a acompanhar o processo). Com ou sem fichas o fundamental é que o aluno

seja acompanhado, estimulado e gratificado pelo seu progresso.

Adivinham-se grandes dificuldades, pois não é fácil levar crianças impulsivas a adquirir

competências de auto-observação; ou levar crianças com baixo nível de autocontrolo, a reforçarem

adequadamente o seu comportamento (Pires, C., 1983; cf. tb. Aznar Minguet, P., 1997). Note-se,

ainda, que no contrato, tal como nas outras técnicas, há que especificar o comportamento que vai ser

objecto de intervenção; por outro lado, há que refrear as ambições, procurando uma caminhada passo

a passo sem esperar mudanças radicais. Exige-se também algum tempo para ensaio e ajustes. Outra

dificuldade pode assentar na dificuldade de encontrar consequências positivamente reforçadoras; a

técnica da economia de fichas poderá ser uma resposta a esse problema

4 - Economia de fichas (token economy)

Consiste em reforçar os comportamentos mediante umas pequenas fichas com que se

recompensam os comportamentos adequados. Os alunos poderão acumular um determinado número

dessas fichas e posteriormente vir a trocá-las por um reforço material ou social previamente definido e

“equivalente” ao número de fichas apresentado (por exemplo, determinado produto da papelaria ou do

bar). Mais uma vez aqui se deve esclarecer que as condutas que se querem ver mudadas devem ser

bem definidas; logo que elas ocorrem devem ser reforçadas com a entrega de ficha e poderão vir a

ser retiradas fichas já adquiridas quando ocorra uma reincidência do comportamento. A administração

do processo não deverá, porém, no desenrolar normal da aula, podendo reservar-se um tempo para

esse efeito.

De seguida oferece-se um exemplo de contrato, adaptado de Arandinga (1990:86) que,

contudo, necessitaria de ser mais detalhado em alguns aspectos:

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

39

«Contrato comportamental

Eu, Amável, aluno do 7º A, sou capaz e assim o vou demonstrar, de cumprir estas três regras

da aula:

1- Sempre que precise de falar levantarei a mão a pedir a vez.

2- Realizarei as minhas tarefas sem me levantar do lugar nem molestar os colegas

3- Não insultarei os meus colegas

Cumprindo estas regras obterei pontos que o professor anotará no meu caderno diário, e que

depois poderei trocar por coisas que me interessem. Comprometo-me a ganhar 20 pontos por

semana e a cumprir este contrato que assino:

O aluno O professor

--------------------- --------------------

5 - Castigo

Como forma de controlo do comportamento tem sido uma medida altamente discutida, quanto à

sua eficácia e efeitos educativos (Docking, J.W., 1987: 115). Neste contexto apenas o focarei como

medida preconizada como técnica de modificação do comportamento; neste caso, «a punição

consiste na aplicação de um estímulo aversivo, depois de um comportamento considerado

inadequado ter-se manifestado, de modo a diminuir a probabilidade de ocorrência desse

comportamento» (Moniz, 1979:107). Ao sublinhar o papel do reforço positivo nas alíneas anteriores,

circunscreveram-se mais claramente os limites do reforço negativo e do castigo; este último “produz o

efeito de travar a indisciplina por um tempo curto, mas não produz uma mudança de comportamento

duradoura. Só detém temporariamente a acção que se castiga" (Curwin & Mendler, 1987:124) e,

mesmo para esse efeito, é necessário que ele ocorra imediatamente após o comportamento

«desviante» em causa (Docking, J.W., 1987: 119) e seja intenso ou «exemplar» (Moniz, 1979:110).

Torna-se necessária a presença de uma resposta alternativa que, quando ocorre, seja premiada.

Mas o castigo, no contexto das interacções da aula, em lugar de criar a aversão desejada pode,

pelo contrário, surgir como um reforço positivo, apresentando resultados contrários aos esperados, ou

apresentar-se a toda a turma como um modelo agressivo de resolução de conflitos (Curwin &

Mendler, 1987:124; Carita & Fernandes, 1995), e suscitar mais a revolta do que mudança consciente

dos comportamentos. De entre as alternativas ao castigo, para além do que já dissemos sobre as

medidas preventivas e de correcção, e sobre as técnicas de modificação do comportamento, há a

acrescentar ainda no quadro destas últimas:

- A extinção: assente no princípio de que a resposta condicionada deixará de se dar, aos

poucos, se se lhe deixar de associar o estímulo incondicionado (exemplo: não censurar o

desvio); no fundo, é ignorar os comportamentos inapropriados, reforçando, pelo contrário, os

apropriados. É claro que se trata de uma medida que, no interior da aula, nem sempre é

eficaz já que, se os reforços nem sempre vêm do professor podem, muito bem, provir dos

colegas; acontece, ainda, caso haja uma aplicação sistemática e regulada, que o

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

40

comportamento a extinguir surge com mais intensidade e frequência no início do processo,

pelo que é necessário que o professor se revista de uma grande dose de paciência

(Arandinga, 1990:103). Acima dissemos que os alunos valorizam o professor que “faz vista

grossa”... trata-se, no fundo, da aplicação intuitiva desta técnica.

- Isolamento (time out): afastamento do sujeito, momentâneo, em relação à situação

reforçadora (Moniz, 1979:114); exemplos: deslocar o aluno para outra parte da sala; enviar o

aluno durante algum tempo para um gabinete fora da sala, por estar a falar com os colegas;

privá-lo durante alguns dias do recreio onde se mostra habitualmente violento. Trata-se, na

prática corrente, do «mandar arejar» por alguns minutos, ou, até mesmo, da «expulsão» da

sala. É evidente que tendo em conta o número de alunos numa sala de aula, não se trata de

uma medida fácil nem constantemente eficaz. Coloca-se, ainda, a questão do lugar para

onde é enviado o aluno; se ele aí vier a obter consequências reforçadoras (a possibilidade,

por exemplo, de vir a brincar e estar com os amigos), não se alcançarão os objectivos

desejados.

- Custo-resposta (response cost): afastamento de estímulos reforçadores (Moniz, 1979:114);

exemplo: confiscar objectos com que o aluno se distrai. Trata-se de uma medida aplicável só

em certas ocasiões. Retirar ganhos alcançados com a técnica da economia de fichas, pode

ser um outro exemplo.

Todas estas técnicas behavioritas de Modificação de Comportamento têm sido alvo de várias

críticas por motivos diversos. Além das dificuldades técnicas da sua aplicação pelos professores na

sala de aula, considera-se que a Modificação do Comportamento, ao pretender actuar sobre o

comportamento visível do aluno, negligencia os verdadeiros factores que lhe estão por detrás e que

tanto podem ser de ordem macrosociológica, familiar, escolar ou interaccional na sala de aula, sendo

só muito raramente devido a factores genéticos ou de perturbações sérias da personalidade. Não se

dá, pois, atenção aos verdadeiros contextos dos comportamentos e desconhece-se a verdadeira

complexidade da vida na escola e na aula (Berger, M, 1979, apud Slee, R.,1995: 83).

Por outro lado, subjaz a todas as técnicas empregues, um carácter pouco educativo, uma vez

que a aversão à punição surge sempre como móbil principal da fuga ao desvio (Slee, 1988:19).

Trata-se de uma espécie de «exorcismo da disrupção e do desvio» e uma prática tipicamente de

controlo social «pouco tendo a ver com educação, aprendizagem ou disciplina» (ibid: X). Não há,

como dizem os críticos, um verdadeiro apelo à responsabilização do aluno, impondo-se, pelo

contrário, a aceitação passiva e acrítica da autoridade do professor.

A esta crítica, que limita o carácter educativo destas técnicas, pode acrescentar-se ainda o

facto de elas ignorarem o impacto cognitivo dos conflitos, de modo que os alunos possam tirar algum

proveito da sua análise, da sua discussão e da tomada colectiva de soluções (ibid :88).

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

41

Apesar das críticas, julgamos que estas técnicas se forem completadas por outras e sempre

no contexto de preocupações educativas (e re-educativas), podem ser de grande utilidade; de grande

utilidade é, também, o conhecimento dos princípios científicos que lhe estão na base, muito

especialmente do papel do reforço e da posição da lei do efeito na intervenção comportamental.

Reconhecidos os seus limites e os seus perigos relativos, estas técnicas devem ser

integradas em projectos de prevenção/formação (ou de intervenção), como elementos de uma

actuação mais humanista e mais sistémica que a teoria da aprendizagem social, os modelos

cognitivistas-construtivistas da psicologia, e as teorias interaccionistas da microsociologia ajudam a

fundamentar teoricamente (cf. Pérez, 1996:87 e sg.).

Nunca se pode perder de vista a necessidade de um activo envolvimento do aluno ou alunos

na tentativa de modificação do seu próprio comportamento, assumida no sentido de facilitar a

convivência e do desenvolvimento pessoal e social; isso passa por consultas e debates regulares

para se perceberem intenções, se definirem problemas, se tomarem decisões, se avaliarem

processos e resultados; consultas e debates, também, para se desenvolver a capacidade de

compreender o ponto de vista do outro (resolução de conflitos), pensar os factos criticamente sem

misturar ideias irracionais e confusas (pensar o pensamento), explorar os próprios valores e

concepções do mundo (clarificação de valores).

A teoria da liderança situacional de Hersey e Blanchard

Não será contraditório neste «modelo baseado na análise do ensino», afirmar a necessidade

da regra e de rigor «técnico» a par de uma atitude de abertura e de confiança? Se à primeira vista

parece que sim, julgo que a contradição será superada se o professor for formado no sentido de

exercer uma capacidade de liderança que lhe permita agir em função das situações. O contributo da

«teoria contingencial da liderança» de Fielder (Chiavenato, I, 1976: 532, 2º Vol.), adaptada

posteriormente na teoria da «liderança situacional» de Hersey & Blanchard (s/d: 185 e sg.), pode

constituir uma preciosa ajuda para entender e para agir nessa conformidade. Estes autores afirmam

a existência de quatro «estilos de liderança» diferentes, todos eles susceptíveis de ser utilizados por

um mesmo líder, em função da «maturidade dos liderados». A articulação destes diferentes estilos

com a evolução da maturidade dos liderados está bem representada nos seguintes esquemas dos

autores (Ibid: 189-200):

Cadernos do CRIAP | 9 | A c

A uma «maturidade baixa» relativa ao desempenho de tarefas (M1

capacidade nem disposição, ou inseguras»), deve corresponder o estilo de liderança designado por

«Determinar» (E1- caracterizado por «um comportamento de tarefa alta e relacionamento baixo»);

trata-se de fornecer instruções específicas e de supervis

A uma «maturidade entre a baixa e a moderada» (M2

mas têm disposição ou confiança em si»), deve corresponder o estilo «

«comportamento de tarefa alta e relacionamento alto»); trat

oferecer oportunidades de esclarecimento.

A uma maturidade «entre a moderada e a alta» (M3

não têm disposição ou são inseguras»), deve corresponder o estilo «

«comportamento de relacionamento alto e tarefa baixa»); consiste em trocar ideias e de facilitar a

tomada colectiva de decisões.

A uma «maturidade alta» (M4

deve corresponder o estilo «Delegar

baixa»); traduz-se na transferência da responsabilidade das decisões e da sua execução.

Trata-se de adaptar o estilo de liderança às necessidades e ao grau de maturidade dos

liderados, com base num diagnóstico pré

bem-estar e os objectivos educacionais.

A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos

A uma «maturidade baixa» relativa ao desempenho de tarefas (M1 - «pessoas que n

capacidade nem disposição, ou inseguras»), deve corresponder o estilo de liderança designado por

caracterizado por «um comportamento de tarefa alta e relacionamento baixo»);

se de fornecer instruções específicas e de supervisionar o seu cumprimento.

A uma «maturidade entre a baixa e a moderada» (M2 - «pessoas que não têm capacidade,

mas têm disposição ou confiança em si»), deve corresponder o estilo «

«comportamento de tarefa alta e relacionamento alto»); trata-se de explicar as decisões e de

oferecer oportunidades de esclarecimento.

A uma maturidade «entre a moderada e a alta» (M3 - «pessoas que têm capacidade, mas

não têm disposição ou são inseguras»), deve corresponder o estilo «Compartilhar

amento de relacionamento alto e tarefa baixa»); consiste em trocar ideias e de facilitar a

A uma «maturidade alta» (M4 - «pessoas capazes, competentes, dispostas e seguras»),

Delegar» (E4 - «comportamento de relacionamento baixo e tarefa

se na transferência da responsabilidade das decisões e da sua execução.

se de adaptar o estilo de liderança às necessidades e ao grau de maturidade dos

liderados, com base num diagnóstico prévio, de modo que não é uniforme e sempre tendo em vista o

e os objectivos educacionais.

Suportes teóricos-práticos

42

«pessoas que não têm

capacidade nem disposição, ou inseguras»), deve corresponder o estilo de liderança designado por

caracterizado por «um comportamento de tarefa alta e relacionamento baixo»);

ionar o seu cumprimento.

«pessoas que não têm capacidade,

mas têm disposição ou confiança em si»), deve corresponder o estilo «Persuadir» (E2 -

se de explicar as decisões e de

«pessoas que têm capacidade, mas

Compartilhar» (E3 -

amento de relacionamento alto e tarefa baixa»); consiste em trocar ideias e de facilitar a

«pessoas capazes, competentes, dispostas e seguras»),

rtamento de relacionamento baixo e tarefa

se na transferência da responsabilidade das decisões e da sua execução.

se de adaptar o estilo de liderança às necessidades e ao grau de maturidade dos

vio, de modo que não é uniforme e sempre tendo em vista o

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

43

Enfim, são estes os procedimentos de construção da disciplina; uns, habitualmente

empregues pelo professor, enquanto líder solitário no interior da aula, com mais ou menos mestria e

experiência profissional; outros, resultantes da investigação, fundamentados em diversas bases

teóricas, e surgindo enquanto guias para uma intervenção mais ou menos sistematizada ou para

uma formação de competências individuais neste domínio.

Estou certo, porém, que essas competências individuais não bastam; mais, estou certo que

essas competências não se geram com meros esforços pessoais, nem sequer, com formação inicial

e contínua adequada... embora me pareça que tudo isso é importante e fundamental. Há situações

em que até mesmo professores com competência e entusiasmo pela profissão, falham... Há o stress

generalizado... há as dificuldades próprias de quem está numa fase de início de carreira... há o

desinvestimento e o desencanto dos que se encontram em fases mais avançadas do seu percurso

profissional... Há tudo isso e mais... a acusar como principal factor o individualismo de todos nós ... a

apontar para a imperiosa necessidade de diálogo e de colaboração entre todos os intervenientes da

escola: professores, alunos, encarregados de educação, pessoal auxiliar e comunidade envolvente.

É para a importância da colaboração de todos, professores e alunos, na construção colectiva

da disciplina nas escolas, que se orienta o capítulo seguinte, sobre as «condições organizacionais da

disciplina».

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

44

2. AS CONDIÇÕES ORGANIZACIONAIS DA DISCIPLINA

Este capítulo tem como objectivos elaborar uma breve revisão bibliográfica em torno dos

conceitos de cultura e clima organizacionais e dos efeitos dessas variáveis ao nível da construção da

disciplina nas escolas e, ainda, referir alguns projectos de intervenção nesse âmbito, com reflexos

positivos ao nível dos comportamentos e do sucesso educativo.

A investigação tem demonstrado que, quando um grupo partilha de certas experiências e de

certos constrangimentos, se configuram, no seu interior, uma estrutura organizacional própria e

determinados perfis processuais que, em muito, condicionam as práticas colectivas e individuais. A

estrutura organizacional diz respeito, entre outros aspectos, ao organigrama, ao grau de

centralização das decisões, à especialização de funções, à interdependência dos subsistemas; os

perfis processuais, ou dinâmica, correspondem aos estilos de liderança, aos estilos e níveis de

comunicação, ao exercício do controlo, à resolução de conflitos, etc. (Brunet, L., 1987:14; Estrela, Mª

T., 1992:45).

Da estrutura organizacional e dos processos ou dinâmica resultam a cultura e o clima da

instituição. Por cultura de escola podemos entender todo um conjunto de crenças e visões do mundo

(em parte inconscientes e resistentes à mudança), valores, normas, rituais, tecnologia, linguagens,

símbolos e artefactos com que se faz a vida da escola, se organizam as interacções, se concebe e

organiza o tempo e o espaço e se procura alcançar os objectivos da instituição (Foster, 1986; Nóvoa,

1992.28).

A cultura de uma escola concreta, aqui e agora, não é, porém, uma entidade homogénea;

trata-se, antes, de um cruzamento específico de culturas externas (a cultura da classe média e

superior, cultura urbana e rural, culturas juvenis, etc. que fazem parte do contexto), que tanto podem

entrar em diálogo, como em ruptura, competição e conflito. Por exemplo, a cultura de origem do

aluno pode valorizar a iniciativa, a reflexão pessoal, a actividade, enquanto a escola favorece, por

norma a receptividade, a maleabilidade, a docilidade e o conformismo (Woods, 1990:110; Mclaren,

P., 1992:35; Nóvoa, 1992:29).

O conceito de clima escolar (ethos ou ambiente de trabalho) é, precisamente, a tradução do

modo como se vive a cultura ou o cruzamento das culturas no interior de uma organização complexa,

como o é a escola; ele traduz o tom, o carácter, o humor, a qualidade de vida de um grupo (Geertz,

1957, Apud Mclaren, P., 1992: 33), e o tipo de negociações que se verificam no seu interior para que

«sobrevivam» os mais diferentes grupos e se alcancem os objectivos da organização.

Poderia afirmar, então, que nos conceitos de cultura e de clima se concentram as mais

diversas circunstâncias (Pink, W., 1988:199; Semmens, R., 1988: 55):

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45

- organizacionais: organigrama da gestão, divisão das turmas, calendário escolar, ocupação

dos espaços, etc.

- normativas: projecto educativo, regulamento interno, rituais, sistema de punições e de

prémios - relacionais: estilos de liderança, atitude dos professores em relação uns aos outros

e em relação às necessidades académicas, sociais e emocionais dos seus alunos, atitudes e

expectativas dos alunos sobre a escola e sobre os professores, etc.;

A questão que aqui interessa está em saber, portanto, se estas circunstâncias de cultura e de

clima facilitam ou inibem o sucesso académico e social e, concomitantemente, se são factores ou

não da construção da disciplina nas escolas. Procuremos a resposta, passando em revista, muito

sucintamente, alguma da mais conhecida investigação internacional realizada neste domínio.

2.1. AS DIFERENÇAS INTER-ORGANIZACIONAIS DA «EFICÁCIA» DAS ESCOLAS

Já em 1967 uma equipa dirigida por Power publicou, nos Estados Unidos, o artigo

«Delinquent schools», onde, a partir do estudo de 20 escolas secundárias, se dá conta de

percentagens muito diferentes, de escola para escola, no que respeita a alunos com problemas

disciplinares e sujeitos a «suspensões»: de 0,7% numa escola, a 19% noutra. Para os autores, a

explicação está no facto de algumas escolas protegerem os seus alunos em relação à delinquência,

ao passo que outras os colocam à beira dela (apud Furlong, 1985:57).

Apesar de algumas questões de ordem metodológica a este estudo, ele abre uma nova e

importante perspectiva de investigação e confere aos docentes uma grande responsabilidade na

planificação e implementação de projectos colectivos que resultem na construção de um «clima

escolar» positivo (Watkins, C., & Wagner, P., 1991: 52).

Em Inglaterra, sob a direcção de Reynolds, desde 1976 que se têm publicado trabalhos cujas

conclusões vão no mesmo sentido.

Num estudo desse ano, intitulado «The delinquent school», centrado num distrito mineiro do

país de Gales, caracterizável por alguma homogeneidade social, são focadas 9 pequenas escolas.

De entre as diversas constatações sublinho a seguinte: observando as tentativas de fazer cumprir 3

regras que racaíam sobre áreas da autonomia do aluno (não fumar, não mascar pastilhas, ter boa

conduta fora da escola), o autor verificou um maior sucesso nas escolas que eram menos punitivas e

que realizavam uma espécie de «suspensão de hostilidades» com os prevaricadores (1976:225).

Observou ainda que, nas escolas onde alunos mais velhos faziam de «prefeitos» (mediadores), se

verificava uma maior interiorização dos valores do sistema formal (1976:225). Finalmente, o autor

concluiu que «quanto mais uma escola procura um alto controlo sobre os seu alunos crescidos,

impondo uma obrigação organizacional e diminuindo a sua autonomia, tanto mais estes alunos vêem

a escola como desadaptada às suas necessidades. A rebelião aí dentro e a delinquência cá fora será

o resultado do fracasso na declaração de uma trégua entre alunos e professores» (1976:226).

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46

Num trabalho de 1979 (Reynolds & Sullivan, 1979), uma investigação realizada em 8 escolas

secundárias, também do país de Gales, o autor distingue as escolas com «estratégias coercivas»

(impõem o poder e a autoridade, através de grande inflexibilidade, controlo cerrado e punições,

mesmo físicas) e as escolas com «estratégias incorporativas» (as que encorajam a participação de

alunos e família, e têm uma concepção da natureza interpessoal da educação e um grau de

flexibilidade nas normas). Estas últimas, na linha das conclusões anteriores, são as que obtêm mais

sucesso académico e menos problemas de comportamento (Johnstone et al., 1987; Denscombe,

M.,1985:65; Mongon, D., 1988:191; cf. o que se disse acima a propósito da flexibilidade das regras).

Também o célebre estudo de Rutter e seus colaboradores, «Fifteen Thousand Hours»

(1979), foca uma população de 3485 crianças, distribuídas por 12 escolas do ensino secundário

(comprehensive schools) e compara o seu desenvolvimento tendo em conta aspectos como:

- comparência às aulas,

- resultados escolares aos 16 anos,

- comportamento na e fora da escola,

- grau de delinquência.

Os estudos efectuados no momento do ingresso destes alunos nas respectivas escolas

(tinham, nessa altura, 10 anos), permitiram concluir que alguns destes estabelecimentos receberam,

à partida, apenas 7% de alunos já com problemas de comportamento ou “em risco” (com dificuldades

de leitura, por exemplo), enquanto noutros estabelecimentos estes alunos chegaram a atingir os 48º-

50% da sua população inicial. Contudo, volvidos 3 anos, testados os alunos agora com a idade de 14

anos, verificou-se que as primeiras escolas (com menos alunos em risco, à partida) não eram as que

apresentavam melhores resultados (Rutter et al., 1979:27). Concluem, então, os autores, que há todo

um conjunto de factores processuais (1979:183) que são responsáveis, pela existência da

«diferença» entre escolas e se constituem em critérios importantes para avaliar a natureza do

«clima» dessas instituições. São eles, entre outros, os facto de:

- os professores prepararem ou não as lições com antecedência e em grupo, e, portanto, o

facto de existir coordenação do currículo e cooperação mútua, nessa área;

- cooperarem ou não no estabelecimento de regras disciplinares e sanções;

- proferirem ou não grande frequência de elogios e de expressarem consistentemente boas

expectativas sobre o desempenho dos alunos;

- recorrerem a poucas ou a muitas intervenções disciplinares;

- exigirem ou não trabalho regular e planificado (incluindo o trabalho de casa);

- responsabilizarem ou não os alunos pelos seus materiais e por aspectos da vida na

escola;

- demonstrarem ou não aproximação e preocupação pelos problemas dos alunos;

- valorizarem ou não o tempo de aprendizagem;

- se preocuparem ou não pelo edifício e instalações (ter em conta, inclusive, a

decoração).

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47

Finalmente, e para melhor percebermos a relação entre os perfis processuais de uma escola

e a indisciplina, invoco um estudo de Burns (1985) que o levou a concluir, precisamente que a

indisciplina é mais intensa nas escolas onde:

- Os professores não supervisionam a vida nas várias dependências da escola

- Os professores atribuem ao pessoal auxiliar a função de disciplinar os alunos

- Não há consenso entre os professores relativamente a um conjunto de regras

- Não há consistência na aplicação das regras

- Ninguém fala com os alunos acerca das regras que se espera cumpridas

- Mantêm-se por resolver muitos problemas de indisciplina.

Parece-me todo um conjunto de conclusões importantes, a apontar para a necessidade e

para as vantagens de uma lógica organizacional, muito diferente das que têm mantido os professores

no isolamento, na irresponsabilização pela política colectiva da escola. O trabalho dos professores

realizado em cooperação e co-responsabilização, cimentado pelo desejo de “bem servir” o aluno e

fomentando a sua participação, revela-se fundamental para a construção de um ambiente produtivo

(Brunet, 1992)... e, talvez, pacífico...

2.2. AS DIFERENÇAS INTRA-ORGANIZACIONAIS DE CULTURA E DE ETHOS

Os estudos que se debruçam sobre «as diferenças intra-organizacionais» mostram, contudo,

que não é fácil contrariar as rotinas, as tradições, os receios de arriscar e perder o poder, os

preconceitos... e dar um passo mais, contrariando toda a lógica organizacional que não assente

numa progressiva responsabilização e integração dos alunos nas políticas de gestão, de controlo, de

abertura ao meio, etc..

De facto, estudos etnográficos e de caso, sobre a cultura e clima de escola, mostram como,

muitas vezes, e apesar da decisão colectiva dos professores orientada no bom sentido, apesar da

formação centrada na escola e das tentativas de implementação de projectos destinados à criação

de climas positivos em ordem à resolução de problemas concretos, as dificuldades são imensas. Há,

com efeito, neste domínio, grandes resistências político-sociais, grandes resistências pessoais e

corporativas, assentes numa tradição que faz do professor e das direcções, os únicos detentores

oficiais do poder, e que considera ilegítima a sua partilha com alunos (cf. Barroso, 1995:21).

Como exemplo, invoco o estudo da investigadora inglesa Lynda Measor (1990), interessante,

por revelar, precisamente, a natureza negocial, mas também, conflitual, do clima no interior de uma

instituição escolar. A sua principal questão é a de saber como alunos e professores resolvem o

magno «problema do como viver juntos» (1990:78). Ela sabe que, em certas ocasiões a resposta

encontra-se «num conflito de culturas», especialmente quando a «cultura de referência», a da

escola, está em contradição com a cultura do aluno (Willis, 1977; Wilcox, 1993:107); noutras

ocasiões pode dar azo a uma «negociação aberta» (Woods, 1978); noutras ainda, como no caso da

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48

escola estudada pela autora, o que se verifica é uma espécie de encontro de culturas num «meio

campo» (middle ground), em que a acção dos professores, embora individualmente variável, se pode

caracterizar globalmente por um clima de escola que incorpora elementos do background cultural dos

alunos, em 4 linhas fundamentais:

1- Adoptando e tolerando elementos do aspecto exterior dos alunos

2- Utilizando uma linguagem comum

3- Distanciando-se do papel tradicional (role-distancing)

4- Empregando o humor

Seja-me permitido acrescentar apenas duas linhas sobre os últimos 3 tópico, dada a

importância que os próprios alunos lhe atribuem.

A utilização de uma linguagem comum fazia-se, segundo a autora, por exemplo, através do

uso de nomes familiares, do humor nas repreensões, na utilização de uma linguagem coloquial, na

explicação de algum tema, etc. O emprego de um tratamento familiar aquando da repreensão,

atenua a acutilância da mensagem disciplinar e permite que o professor atinja o seu objectivo «mas

não à custa da dignidade dos alunos» (Measor, 1990:81).

O distanciamento do papel tradicional levava a que os professores se colocassem «com

frequência na posição do aluno»; o que me parece, aliás, extremamente salutar.

Quanto ao humor, a autora observa que ele «permite aos professores abrandar a pressão de

algum incidente potencialmente explosivo e sentimentos negativos (...) e contribui para a disciplina.

Permite que o controlo seja exercido de um modo que enfatiza os contratos entre eles ao mesmo

tempo que informa os alunos de que estão a agir inapropriadamente».

Vivia-se, portanto, num ambiente que se caracterizava por uma «aparente» centração no

aluno, por «abertura e flexibilidade, igualdade de tratamento, sinceridade e amizade». Apesar disso,

conclui a autora, esta centração era aparente, porque continuava a ser, sobretudo, um meio para

atingir os fins e objectivos dos professores (1990:919). No entanto, este ethos de «meio campo»

fazia parte da política organizacional da escola, onde, aliás, se promoviam cursos de formação do

staff nesse sentido.

As conclusões de Lynda Measor aproximam-nos das que foram retiradas de um estudo

realizado, recentemente e entre nós, por Stoer e Araújo (1992); estes autores, operacionalizando

previamente o conceito de ethos, demonstram como numa escola «duas memórias (local e nacional)

e, de forma mais geral, duas culturas ocupam um espaço comum, sem normalmente comunicarem

entre si» (Stoer & Araújo, 1992:27). Do ponto de vista dos professores entrevistados pelos autores, a

escola estudada (C+S de Viatodos) possuía um ethos que se caracterizava pela presença de um

elemento comunicativo e relacional forte, traduzindo-se no interesse por desenvolver a «capacidade

comunicativa» dos seus alunos e por «ouvir e dar voz» a todos eles (p.70).

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49

Apesar disso, do ponto de vista dos alunos, nem tudo é positivo: «distanciação e resistência

em relação ao facto de não poderem sair da escola» em certos períodos, infantilização (devida à

coabitação de alunos do 5º e do 9º), pouco entusiasmo relativamente às actividades extra-

curriculares, alguma discriminação das raparigas nestas mesmas actividades (p. 76-77) e, enfim, no

próprio interior das aulas nem tudo corre pelo melhor (p.96 e seg.).

Questionam-se os autores «como interpretar estes comentários feitos de passagem por

alunos e alunas ao clima da aula, às atitudes dos docentes e colegas, às próprias matérias

leccionadas?» Como resposta concluem pela existência de um desfasamento entre a política

educativa local, organizacional, e a prática quotidiana na aula. Talvez estejamos diante de uma

daquelas situações que Matias Alves (1999) caracterizaria como «um simulacro e um processo de

mitificação da realidade que pouco ou nada traz de novo às práticas educativas».

Em conclusão, e apesar das limitações metodológicas que se possam apontar aos estudos

inter e intra-organizacionais, todos os eles sublinham a influência da cultura e do clima da escola

sobre o comportamento (e sucesso) dos alunos, mesmo no interior da sala de aula; por outro lado,

abrem perspectivas sobre a acção e organização da escola apontando, sobretudo, para a

necessidade da construção colectiva de um clima que promova a implicação de todos quantos

actuam no seu interior, nos projectos e nas mudanças efectivas e com base no respeito e

reconhecimento mútuo. Esta aspiração, contudo, manter-se-á como um mito enquanto o processo

educativo destacar como seu principal objectivo a eficácia stricto senso, no ensino-aprendizagem,

relegando a formação e a auto-formação participada para segundo plano... e for incapaz «de

mobilizar todas as dimensões pessoais, simbólicas e políticas da vida escolar» (Nóvoa, 1992:16),

negando ou esquecendo o potencial dos conflitos internos à organização (Jares, X., 1993).

2.3. DISCIPLINA E PROJECTO EDUCATIVO DE ESCOLA

A mudança deve começar logo no modo de conceber a educação, o papel do aluno e a

organização da escola. Quanto à educação importa salientar e promover a dimensão auto-formativa

que inclui a construção participada de saberes e a aquisição de valores e atitudes em ordem à

edificação de um projecto pessoal harmoniosamente integrado numa comunidade; quanto ao papel

do aluno há que criar condições para que ele seja cada vez mais o agente activo da sua própria

formação e, por isso, com direito a ter vez e voz no governo e política do estabelecimento, no

desenho e desenvolvimento curricular, e no projecto educativo de uma escola organizada em moldes

de funcionamento verdadeiramente democráticos (cf. tb. Lima & Afonso, 1990; Barroso, 1995a:22).

Decorre de quanto acima se disse, que, para a formação de um clima positivo na escola não

há receitas, até porque cada instituição tem as suas especificidades e, se aceitarmos que o processo

deve ser democrático as soluções serão sempre diversas; há contudo, pistas que a investigação (cf.

Canário, 1995; Quintela, 1994, Freire, 1998) e a prática sugerem, quando mais não seja para quebrar

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50

a inércia e avançar numa atitude experimental. Permito-me recordar apenas quatro dessas

sugestões de algum modo implícitas em tudo o que já foi dito:

a) a promoção de uma cultura de comunicação entre todos os intervenientes da escola e da

turma, e de que resulte, entre outras coisas, a coordenação das actividades, a formação de

consensos, uma atitude de crítica construtiva e de aceitação da mesma, venha ela donde

vier;

b) a implementação de um governo democrático, implicando cooperação, partilha,

corresponsabilização e envolvimento de todos e de cada um na vida e num projecto da

escola;

c) formação permanente (cultura de formação), a realizar na e pelas escolas (e pelos centros

de formação a que estão associadas), alimentada pelo estudo das situações, eventos

«críticos» e casos típicos que se geram e desenvolvem no interior da(s) escola(s);

d) intervenção na «comunidade educativa», ultrapassando, na medida do possível, os

portões da escola.

Atentemos um pouco em cada um destes vectores, não tanto como «utopias» mas como

realidades que a própria investigação já trouxe à luz do dia:

2.3.1. Promoção de uma cultura de comunicação

Num estudo sobre os factores de coesão dos professores na escola como seu lugar de

trabalho, Susan Rosenholtz considera que essa coesão se produz através duma rede intensa de

comunicação entre os seus membros. Esta conclusão é apoiada por uma investigação que combina

a análise estatística de um questionário aplicado a 1213 professores de 78 escola básicas de um

distrito rural dos Estados Unidos, e a análise qualitativa de entrevistas realizadas a uma amostra de

professores de algumas dessas mesmas escolas.

Os resultados do questionário permitem-lhe dividir as escolas em três grupos distintos,

consoante o grau de consenso entre o staff (consenso alto, moderado ou baixo), o grau de

colaboração (colaborativa, moderadamente isolada, isolada), o grau de ajuda na resolução de

problemas de instrução (rica em informação, moderadamente pobre, pobre em informação), etc.. As

entrevistas servir-lhe-ão para caracterizar depois, a partir de uma análise qualitativa, estes tipos de

escola. Assim, à pergunta: «sobre o que é que habitualmente fala com os seus colegas na escola», a

autora estabelece o seguinte quadro (Rosenholtz, S., 1989: 31):

Escolas de consenso: Não têm

tempo para

falar

Falam de questões

sociais e de

actividades

Fazem queixas sobre

as condições de

trabalho

Fazem queixas sobre

o comportamento dos

alunos

Falam do

currículo

e da instrução

N

Alto 8 % 4 % 33 % 4 % 54 % 24

Moderado 11 % 19 % 22 % 32 % 16 % 37

Baixo 20 % 11 % 33 % 28 % 19 % 45

Cadernos do CRIAP | 9 | A construção da disciplina na escola – Suportes teóricos-práticos

51

Notem-se os extremos: nas escolas com elevado consenso fala-se, essencialmente do

currículo, da instrução e das condições de trabalho; nas escolas com baixo consenso, ou não se fala

ou se fazem queixas sobre as condições de trabalho e sobre o comportamento dos alunos. Face a

estas diferenças, a autora conclui que uma escola cujas preocupações fundamentais se centram

essencialmente nas aprendizagens dos seus alunos possui um grau de consenso muito elevado

sobre os objectivos que se propõe, traduzindo-se numa necessidade de partilha de problemas,

soluções e aprendizagens mútuas: «é devido ao facto de os professores partilharem os mesmos

objectivos acerca da importância das aprendizagens dos alunos que eles falam sobre os melhores

processos para que elas ocorram (...) A conversa produz e é produto das normas que estão por

detrás de muitos aspectos do comportamento na aula» (Rosenholtz, S., 1989: 30). A análise

qualitativa, por sua vez permite-lhe concluir que a questão fundamental que está na base destas

diferenças reside no facto de existirem ou não objectivos organizacionais, bem definidos e

partilhados por todos os membros da instituição (Rosenholtz, S., 1989: 13).

Literatura vária sobre a criação deste clima de comunicação (cf. Pink, 1988: 215; Barroso,

1995) sugere pistas sobre os processos de o concretizar:

- no plano organizativo: por exemplo, elaboração de horários e reserva de espaços físicos e

de tempo adequados à efectivação de reuniões de equipas de trabalho (integrando

professores e alunos), ou de acompanhamento das dificuldades e dos progressos dos

mesmos; elaboração de currículos que respondam àquelas dificuldades e permitam aos

alunos envolver-se activamente no contexto social e cultural da escola, dando origem a

«aprendizagens reais» (Woods, 1997).

- no plano relacional: desenho de objectivos comuns tendentes a um ensino de qualidade,

para todos, mas sem competitividade; a um «ciclo positivo» de interacções traduzindo-se

numa pedagogia mais humana e centrada no aluno; um código de conduta consensual,

abrangendo, harmoniosamente, direitos e deveres de todos os membros (cf. Afonso et al.

1999: 38 e seg.); traduzindo a existência de expectativas colectivas positivas, mas realistas,

sobre as capacidades de aprendizagem de cada aluno e das turmas em geral.

2.3.2. Implementação de uma gestão democrática e participada.

Trata-se de inventar e criar condições para a partilha de poderes e implicação de todos os

membros, inclusive alunos, no governo da escola; a legislação, por sua vez, vai repercutindo o eco

desses estudos, e traduzindo intenções de mudança (cf. Lei de Bases, art. 43º e 45º). Na prática,

porém, a «participação» dos alunos na escola tem sofrido várias vicissitudes (cf. Lima 1998),

tornando-se necessário um salto em frente para que ela se torne «um modo de vida».

Pode colocar-se aqui a questão da indisciplina enquanto resistência; os alunos opõem-se às

atitudes pessoais ou organizacionais de quem lhes transmita a ideia de que não têm poder. Daí a

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revolta contra certos professores autoritários, revolta que também pode ir contra uma estrutura

organizacional igualmente autoritária, hierárquica, onde todas as decisões vêm de cima, onde a

necessidade de «controlo» prevalece sobre o estímulo à iniciativa particular e grupal, onde a opinião

do aluno nunca é ouvida...

Pelo contrário, a valorização da opinião e da iniciativa do aluno pode alterar o estado de

coisas, mesmo no que diz respeito à indisciplina. Recordo, a título de exemplo, os pequenos estudos

de casos de cinco escolas inglesas, relatados por Gilborn e colaboradores, onde, depois de se

diagnosticarem os principais motivos do seu elevado grau de indisciplina, se apostou, com grande

êxito, numa organização (de espaços, tempos, e currículos) e em planos de acção que envolveram

todos os seus professores, os seus alunos e a comunidade, no combate a esses motivos, e

centrados em cinco categorias que os autores designam como «dimensões da disciplina»:

- Expectativas: numa das escolas o projecto colectivo visou uma reorganização no sentido de

combater a «espiral negativa das baixas expectativas e do insucesso» (pág.26).

- Consistência: noutra das escolas os debates e actividades ao longo do ano visaram a

questão da consistência de princípios e modos de actuação dos professores em relação a

problemas disciplinares. Trata-se de uma questão importante já por nós várias vezes referida

(cf. al. «regras das regras»), e em que se coloca, frequentemente, o difícil dilema de nos

situarmos entre a «consistência» e a «flexibilidade» (pág.27); mais do que estabelecer um

padrão único de actuação, o que verdadeiramente se realça desta experiência é a

possibilidade do debate entre pontos de vista diferentes e a existência de uma gestão mais

democrática dos conflitos (pág.43).

- Diálogo: numa terceira escola o projecto colectivo ambicionava desenvolver o diálogo entre

professores, alunos e familiares. O diálogo é concebido como um meio que permite a

afirmação de «um equilíbrio entre os direitos e os deveres» (pág.45), um modo de

reconhecer as emoções (frustração, agressividade, vingança) dos alunos com problemas

disciplinares, permitindo o seu tratamento de uma forma mais humana do que punitiva e

burocrática (pag.46 e pág.111), e uma estratégia para alterar as relações entre professores e

alunos.

- Empenhamento: na quarta escola o tema (problema) reorganizador foi o de procurar

fomentar o envolvimento dos alunos. Criaram-se condições e estruturas que estimulassem

os alunos a assumir responsabilidades na sua própria aprendizagem, conferindo-lhes

também um modo de avaliarem os seus próprios progressos (pág.65).

- Respeito: finalmente, na última escola os debates, as conclusões e as decisões foram no

sentido de fomentar um maior respeito mútuo, entre alunos e professores, entre alunos e

seus pares, entre a escola e a comunidade, etc. (pág.89).

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53

Muita outra investigação tem demonstrado, com efeito, a necessidade e as vantagens de

uma implicação e participação colectiva de todos os membros da escola na sua gestão. Segundo

Watkins e Wagner (1991: 63), «as escolas que integram os alunos no seu funcionamento, em que se

tomam a sério as suas opiniões, que os consultam na hora de tomar decisões e que costumam tratá-

los mais como produtores do que como clientes, podem contribuir com isso para fomentar um clima

em que a identificação do aluno com a escola seja maior». Cito, ainda, Semmens (1988:53), que

reconhece terem os estudos demonstrado a necessidade de a vida na escola se organizar de modo

a que os alunos «adquiram e demonstrem competência e reconheçam a sua útil contribuição».

Muitos outros autores reforçam a ideia de que um clima positivo é aquele que encontra estratégias e

planos colectivos (cultura cooperativa) para minimizar todo o tipo de «diferenças» (sociais, raciais,

sexistas e académicas), entre os alunos, e procura os meios para que todos se realizem e se sintam

responsáveis pela vida na escola e na aula (Coventry, 1988:92; Stoer & Araújo, 1992:98).

Às vantagens referidas haveria que acrescentar, ainda, o facto de a formação para a

cidadania passar obrigatoriamente por estas experiências de participação. Isso mesmo ensinou

António Sérgio, ao deixar escrito que: “a boa vida municipal, o bom cidadão, não valerá a consegui-lo

nenhum processo de instrução, menos ainda o dos discursos, mas o de habituar as crianças à acção

municipal, à própria vida da cidade, ao exercício dos futuros direitos de soberania e de self-

government: criar-se-ia este regime concedendo forais às nossas escolas, de modo que a turbamulta

estudantil, em vez de um rebanho estúrdio, mal pastoreado pelo mestre, reitor, director ou vigilante,

formasse um verdadeiro município, sob a assistência, o conselho e a cooperação discreta dos

professores”.

2.3.3. A formação permanente centrada na análise de práticas e de problemas surgidos e

vividos no interior da escola.

A formação contínua do professor é uma condição básica para que se alcancem plenamente

os objectivos da educação, o que significa, também, uma condição básica para que sejam arredados

pelo menos alguns dos entraves ao alcance dessa meta. Contudo, essa formação não é sinónimo de

receituário, já o afirmei; pelo contrário, ela deve criar instrumentos conceptuais que permitam a cada

professor ser sensível ao seu próprio comportamento, ser capaz de observar e problematizar as suas

práticas e as consequências delas, ter um olhar crítico que lhe dê uma visão correcta do jogo de

forças que tem lugar no interior da instituição e dos condicionalismos da acção colectiva. O

quotidiano em que todos nós mergulhamos torna-se em grande parte invisível, devido à sua

familiaridade; só a atitude investigativa, capaz de pôr em questão as situações objectivas e a

subjectividade que as acompanha e faz parte delas, é capaz de se opor a esta «invisibilidade da vida

quotidiana» (Erickson, F., 1989:200). O professor preparado para observar - problematizar a sua

prática pedagógica e o contexto organizacional será, não só um profissional competente e eficaz na

sala de aula e noutros espaços profissionais, capaz de intervir - avaliar, mas também um profissional

apto a contribuir com novas experiências e reflexões, para a construção de um conhecimento

científico da complexa realidade pedagógica. Sem esta preparação «o professor “olha” mas não “vê”.

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54

Não dispõe de instrumentos nem de metodologias de observação que lhe permitam detectar

fenómenos de ordem pedagógica. Conhece alguns problemas mas de forma subjectiva» (Estrela, A,

1984:12).

Para que essa consciência de si seja crítica e positiva, é necessário que a formação se

oriente para a aquisição de capacidades cujas linhas de força Albano Estrela tão claramente definiu

(ibdem: 50):

- Reconhecer e identificar fenómenos

- Apreender relações sequenciais e causais

- Ser sensível às reacções dos alunos

- Pôr problemas e verificar soluções

- Recolher objectivamente a informação, organizá-la e interpretá-la

- Situar-se criticamente face aos modelos existentes

- Realizar a síntese entre a teoria e a prática

Estou convicto de que esta formação centrada nas práticas e nas vivências colectivas na

escola, só é possível se for alimentada pelo diálogo, pela cooperação, pelo desejo de realizar um

projecto colectivo; e se nem tudo depende da escola, para que este objectivo se realize, à escola

compete, mesmo assim, gerir também a sua autonomia, no sentido de que se realize esta reflexão e

esta aprendizagem colectivas, acrescentando à cultura de escola esta dimensão formativa.

É possível e necessário, pois, como já afirmei acima, criar equipas (schol-based teams) e

círculos de estudo que se debrucem sobre determinados problemas da escola, se fundamentem

teoricamente e passem a uma prática controlada. Um desses círculos de estudos poderá debruçar-

se, precisamente, sobre a própria gestão democrática da escola; como diz Barroso: «a introdução de

modalidades de gestão participativa numa escola (...) implica uma aprendizagem colectiva e que

deve assentar num forte comprometimento dos seus responsáveis e numa formação permanente das

pessoas que trabalham na organização» (1998:32).

Outros dos círculos poderá especializar-se na problemática disciplinar da escola e no apoio a

alunos em risco. Diria com Coulby e Harper (1985:30-52), que uma tal equipa, em que se integrariam

também, especialistas de outras áreas, deveria começar por evitar a estigmatização implicada no

rótulo de indisciplinado (e outros) e prosseguir na recolha de informação sobre alunos (situação

escolar e familiar) e professores (estilo de liderança...) em causa, na observação e análise dos

incidentes registados (as circunstâncias, os comportamentos, as medidas de controlo utilizadas e

suas repercussões, a perspectiva dos implicados...), na formulação do problema, na escolha e

implementação dos procedimentos adequados depois de se chegar a um acordo com o aluno e,

finalmente, na avaliação dos mesmos.

Permito-me sugerir ainda, um outro círculo de estudos que teria como objecto da sua

reflexão, a qualidade dos espaços de recreio e convívio dos alunos e a natureza do controlo que aí

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se (não) verifica; trata-se de uma área extremamente sensível pelas suas repercussões no

comportamento do aluno, na sua afeição ou desafeição à escola, no fomento dos valores da

amizade, da solidariedade e da convivência pacífica (Pereira, B., 1997; Marto, 1999).

São apenas alguns exemplos, aos quais se poderiam juntar muitos outros temas com fortes

implicações na capacidade de construir a disciplina: o estudo dos obstáculos à boa relação da escola

com o seu próprio meio e encarregados de educação; a problemática dos clubes e currículo não

formal da própria escola; a formação de competências no domínio da liderança organizacional, do

trabalho em equipa, da comunicação, da direcção de turmas; como ensinar os alunos a adquirirem

estratégias de estudo; como desenvolver um programa de formação de atitudes pro-sociais; como

pôr em prática modelos de actuação como os acima referidos e resumidos, de Gordon ou de

Kounin...

2.3.4. Ultrapassar os muros da escola - por uma intervenção na «comunidade educativa»

Não se ignora que tudo é extremamente complexo e, por certo, os efeitos positivos da escola

têm de dar-se em consonância com os efeitos positivos da família e da classe social. Também

sabemos que, precisamente no domínio da família e da sociedade em geral, as contradições são

muitas e tendem para se agudizar, tornando mais difícil e sem sentido a vida dos jovens.

Mas, em último caso, «quando as influências alheias à escola são negativas para o

desenvolvimento de um jovem, a escola pode proteger um aluno, em certa medida das

consequências de tais condições determinantes» (Watkins & Wagner, 1991:51). Julgamos, porém,

que esta «protecção» não deve ser entendida no sentido de o isolar e afastar dos problemas; pelo

contrário, trata-se de provocar um movimento de ultrapassagem dos portões da escola, para que a

sua acção se sinta, também, de dentro para fora, nos contextos familiares e em tudo aquilo se pode

considerar a «comunidade educativa». Desse modo, se a estrutura social é responsável também

pelo desinteresse, pela baixa auto-estima, por projectos de vida que em nada valorizem a

escolarização, a escola (alunos e professores) tem de remar contra a maré, intervindo na

comunidade como agente de dinamização social e cultural (um necessário alargamento do papel da

escola e dos seus objectivos, alargamento dos seus quadros e das áreas profissionais que aí devem

actuar: psicólogos, técnicos de serviço social, antropólogos, animadores sociais...), encontrando nela

«centros de interesses» estimuladores de curiosidade, de investigação e de acção, e aproveitando-

se dos seus recursos (materiais e humanos). A projecção da escola para o exterior -- (pense-se em

coisas simples, como a exposição de materiais realizados pelos alunos num centro ou casa do povo

de aldeias ou bairros donde provêm alguns deles) – pode, além do mais, contrariar a resistência dos

encarregados de educação à sua aproximação à escola.

Proudford e Baker (1995) defendem, mesmo, uma conclusão (testada num estudo

etnográfico e comparativo de 4 estabelecimentos de ensino "com sucesso", nos arredores de

Sidney), de que a grande diferença entre escolas não se pode reduzir à «perspectiva tecnocrática»

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da qualidade das interacções entre professores e alunos e do estilo de gestão, mas se deve alargar à

dimensão social, cultural e política; nesse sentido, é possível encontrar escolas que ultrapassam,

elas próprias, os seus muros e intervêm activamente no contexto local, ou mais alargado, em que

estão inseridas. Três das escolas estudadas, tendo reconhecido que grande parte dos seus alunos

valorizam pouco os aspectos académicos, procuram, em primeiro lugar, criar um ambiente que

privilegie o seu bem-estar. Assim, na dimensão curricular, procuram ter em conta as suas

expectativas, valores e capacidades e, por isso mesmo, procuram que eles se impliquem em

actividades perspectivadas em função do contexto social: oferta de opções nesse sentido, estudo de

questões relacionadas com o meio (nos graus mais baixos de escolarização), ou de cursos

alternativos (nos graus mais elevados de escolarização), baseados no princípio de que não há que

formar para a média, mas a cada um segundo as suas possibilidades («justiça curricular») e,

também, no princípio de que os conhecimentos práticos (e perspectivas comuns) devem ser tão

valorizados como os teóricos. Na dimensão organizacional e relacional, procuram criar círculos de

estudo, apoios vários e, em especial, um ambiente de desvelo, de cuidado, de confiança e de

optimismo (cf. Connell, 1997:63).

Na medida em que a escolas se tornaram sensíveis ao que lhes era solicitado pelo contexto

social a sua acção estendeu-se para uma dimensão aparentemente externa e que não deixou de

criar alguns dilemas a propósito dos currículos, das exigências e das expectativas finais; contudo,

consideram os autores, não deixaram de se produzir efeitos positivos na gestão e nas interacções

quotidianas na aula, na medida em que se proporcionou maior realismo face ao que havia a exigir, se

adquiriu melhor conhecimento das «limitações», interesses e prioridades da sua população, e se

procurou focar mais a realização pessoal, (através de estratégias e currículos alternativos) do que

promover a competição académica -- tudo isto com consideráveis influências positivas no interesse,

no comportamento e nas atitudes do aluno.

Este efeito de circularidade positiva entre os microprocessos da aula e os macroprocessos

sociais, com grande influência na cultura e clima da instituição, tem sido comprovado por vários

outros autores (Mcfadden, 1995) e aponta, por certo, uma linha de actuação e de investigação

alimentada pelo optimismo e muito promissora.

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CONCLUSÕES

Passámos em revista, de modo forçosamente rápido, os vectores principais da construção da

disciplina na escola. Começámos por todo um conjunto de medidas e atitudes muito dependentes da

formação do professor e dizendo respeito à natureza das suas interacções com os alunos, enquanto

encerrados nos quatro muros de uma sala de aulas; neste domínio, parece-me que a chave do

sucesso, para o professor está na posse de duas capacidades fundamentais: a de ensinar (que

significa, entre outras coisas, saber transmitir o encanto da cultura e da ciência e co-responsabilizar-

se no desenvolvimento intelectual da criança e do jovem), e a de constranger com humanismo (isto

é, saber liderar as relações sociais na turma, de modo que a disciplina não seja um fim em si mesmo,

mas se cumpram os objectivos «socializadores» da escola, no respeito pela dignidade, mesmo dos

mais novos).

Mas também foi meu objectivo sublinhar como a natureza e qualidade da acção individual do

professor e do comportamento dos alunos encerrados nos quatros muros da aula, está intimamente

ligada às características da cultura e do clima de uma escola enquanto organização.

Não parece fácil que um professor tudo possa resolver enquanto estiver isolado na sala de

aula. É necessário que o próprio ambiente da instituição o estimule, o apoie e o ajude; o caminho

correcto será o da construção de uma cultura cooperativa (entre os professores, entre os

professores, alunos e demais pessoal, entre a escola e o meio), de uma cultura de comunicação (que

é também o ser capaz de se pôr em causa e de possuir uma capacidade investigativa), de uma

cultura de partilha (de poderes e de responsabilidades), de uma cultura de implicação (possuindo

cada um a consciência correcta do que se lhe exige e do que se é capaz de dar), de uma cultura de

formação (geradora da capacidade de se pôr em causa e de estabelecer relações fiáveis entre os

fenómenos), de uma cultura da intervenção (capaz de enfrentar mesmo os condicionalismos

exteriores à escola)...

Esta cultura é, segundo a investigação referida, aquela que cria os ambientes mais positivos

e consentâneos com os objectivos da escola; é aquela que confere aos alunos (Cf. Polk, 1988:127):

- um sentimento de competência intelectual;

- um sentimento de que eles são sobretudo seres humanos, responsáveis e respeitados;

- um sentimento de que têm algo com que podem a contribuir para a escola e para a

comunidade;

- um sentimento de esperança em relação ao futuro.

Não se duvida de que existem dificuldades culturais, corporativas, organizacionais,

pessoais... Contudo, estas são condições básicas para a existência de disciplina, tal como a defini,

na introdução, ao nível da aula, dentro e fora dos muros da escola... porque, enfim, é nessa cultura

caracterizável pelas vertentes referidas, que a escola pode descobrir os melhores meios para incutir

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nos pequenos cidadãos e futuros adultos, o sentimento de responsabilidade pelo «condomínio» do

espaço e património colectivos que são a sala de aula, os corredores, a escola no seu todo, mas

também a rua, a cidade, o mundo... o Outro. Assim se entende como, partindo de um factor negativo,

como o é a «indisciplina», estejamos afinal diante de um fenómeno que pode não ter apenas efeitos

nocivos e destruidores, mas pode ser uma «força de apoio da organização» (cf. Cohen, A. 1971:23-

32) ao ser interpretado como contra-informação e base para negociações.

E assim se entende, também, que a escola, como diria Meirieu (1998: 40), seja responsável

pela invenção de uma nova esperança...

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1 Dada a extensão que ocuparia aqui toda a bibliografia referida ao longo do texto, opto por a reduzir à que traduza alguma investigação realizada entre nós e à que me pareça mais directamente relacionada com o tema central deste texto: a construção da disciplina.

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