5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já...

74
5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de planejamento ambiental, serve como instrumento de ajuda à tomada de decisão política, de concepção de projetos e de planejamento, de negociação social e, por fim, como instrumento de gestão ambiental. Como tal, ela auxilia o poder público na tomada de decisões, ao levar em consideração a variável ambiental em qualquer ação ou decisão que possa causar qualquer impacto ao meio ambiente. Entre suas características está a de lidar com a incerteza, tanto da variabilidade do ambiente natural, como das próprias condições sócio-econômicas. Apesar de ser instrumento de grande valia no âmbito da política ambiental, uma das deficiências apontadas em relação à sua aplicação em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro é que o processo de AIA tende a ocorrer muito tarde no processo de planejamento e de desenho de um empreendimento. Isso dificulta a análise de alternativas possíveis e relevantes ao projeto. Outra deficiência diz respeito ao fato de a avaliação de impacto ambiental levar em consideração apenas os impactos relativos ao projeto que está sendo submetido ao licenciamento ambiental. Não se analisam os impactos cumulativos e sinergéticos, regionais/globais e indiretos dos empreendimentos. Dentro desse contexto, a avaliação ambiental estratégica, uma espécie de avaliação de impacto ambiental, vem sendo adotada, em âmbito internacional e nacional, em diversos segmentos de políticas públicas, como será melhor analisado a partir de agora. 5.1 Aspectos teóricos. Trata-se de uma espécie de avaliação de impacto ambiental com origem no direito norte-americano e europeu. Seu objeto precípuo é servir de base para a tomada de decisões no âmbito do planejamento ambiental. Muitas das definições dadas sobre essa avaliação se condicionam a dizer que é uma avaliação ambiental de políticas, planos e programas, quando, na

Transcript of 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já...

Page 1: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

5

A avaliação ambiental estratégica

Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental,

como instrumento de planejamento ambiental, serve como instrumento de ajuda à

tomada de decisão política, de concepção de projetos e de planejamento, de

negociação social e, por fim, como instrumento de gestão ambiental. Como tal, ela

auxilia o poder público na tomada de decisões, ao levar em consideração a

variável ambiental em qualquer ação ou decisão que possa causar qualquer

impacto ao meio ambiente. Entre suas características está a de lidar com a

incerteza, tanto da variabilidade do ambiente natural, como das próprias condições

sócio-econômicas.

Apesar de ser instrumento de grande valia no âmbito da política ambiental,

uma das deficiências apontadas em relação à sua aplicação em consonância com o

ordenamento jurídico brasileiro é que o processo de AIA tende a ocorrer muito tarde

no processo de planejamento e de desenho de um empreendimento. Isso dificulta a

análise de alternativas possíveis e relevantes ao projeto.

Outra deficiência diz respeito ao fato de a avaliação de impacto ambiental

levar em consideração apenas os impactos relativos ao projeto que está sendo

submetido ao licenciamento ambiental. Não se analisam os impactos cumulativos e

sinergéticos, regionais/globais e indiretos dos empreendimentos.

Dentro desse contexto, a avaliação ambiental estratégica, uma espécie de

avaliação de impacto ambiental, vem sendo adotada, em âmbito internacional e

nacional, em diversos segmentos de políticas públicas, como será melhor analisado a

partir de agora.

5.1

Aspectos teóricos.

Trata-se de uma espécie de avaliação de impacto ambiental com origem no

direito norte-americano e europeu. Seu objeto precípuo é servir de base para a

tomada de decisões no âmbito do planejamento ambiental.

Muitas das definições dadas sobre essa avaliação se condicionam a dizer

que é uma avaliação ambiental de políticas, planos e programas, quando, na

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 2: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

208

verdade, ela é o nome que se dá a todas as formas de avaliação de impacto de

ações mais amplas que projetos individuais.1

O embrião da avaliação ambiental estratégica foi o já mencionado NEPA

(National Environmental Policy Act, ou Ato sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente), editado em 1969 nos Estados Unidos. Tal ato impôs às agências

federais a preparação de declaração dos impactos ambientais de atividades que

afetariam a qualidade do meio ambiente humano.

A seu turno, a Comunidade Econômica Européia possui a primeira diretiva

sobre Avaliação Ambiental nas Políticas, Planos e Programas, aceita pelo

Conselho da União Européia, no dia 27 de junho de 2001, ficando conhecida

como SEA Directive (Diretiva sobre Avaliação ambiental estratégica - AAE).

Em 21 de março de 2003, os países-membros da Comissão Econômica das

Nações Unidas para a Europa (UNECE- United Nations Economic Comission for

Europe) assinaram Protocolo de Avaliação Ambiental Estratégica para a

Convenção de Avaliação de Impacto Ambiental, mais conhecido como Protocolo

de Kiev. O aludido documento, formalmente adotado, foi assinado por 35 países,

porém somente entrará em vigor quando 16 membros, de um total de 56, da

UNECE, ratificarem-no, aceitarem e aprovarem.2

Posteriormente, houve uma alteração de enfoque para a avaliação

ambiental estratégica elaborada por certos representantes de países doadores de

fundos para projetos de cooperação internacional, reunidos no Comitê de Ajuda

ao Desenvolvimento (Development Assistance Committee) da Organização para a

Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE. Eles tomaram a AAE

como um instrumento complementar à avaliação de impacto ambiental de projetos

por eles financiados. Essa posição os coloca na mesma linha de entendimento de

políticas que vêm sendo adotadas por alguns bancos multilaterais de

desenvolvimento.3

1 SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação ambiental estratégica e sua aplicação no Brasil. Disponível no site < http://www.iea.usp.br/iea/aaeartigo.pdf >.Ultimo acesso em 30 de dezembro de 2008. 2 THERIVEL, Riki. Strategic Environmental Assessment in Action. London:Earthscan, 2006, pp. 33-34. 3 SANCHEZ, Luis Enrique. op.cit.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 3: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

209

Maria do Rosário Partidário4 adverte para o fato de que a evolução da

avaliação ambiental estratégica - como instrumento de política ambiental a ser

adotado mundialmente - é complexa, na medida em que há dificuldades quanto à

interpretação de seu âmbito e de seu papel, inclusive, dos contornos de conceitos

como de ambiente e estratégia.

Algumas definições são dadas para a avaliação ambiental estratégica:

um instrumento de apoio à decisão que se desenvolve na forma de um processo, aplica-se a decisões de natureza estratégica, normalmente traduzidas em políticas, planos e programas, e constitui-se como um processo sistemático de identificação, análise e avaliação prévia de impactos de natureza estratégica.5 Em outros termos, perfaz um processo sistemático para avaliar as conseqüências ambientais de uma política, plano ou programa propostos, de modo a assegurar que elas sejam plenamente incluídas e adequadamente equacionadas nos estágios iniciais mais apropriados do processo decisório, com o mesmo peso que considerações sociais e econômicas.6 No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente, por meio da Secretaria de

Qualidade Ambiental, elaborou, em 2002, Manual sobre a Avaliação Ambiental

Estratégica, propondo uma definição de avaliação ambiental estratégica. Tal

conceituação busca conciliar a noção de procedimento sistemático, pró-ativo e

participativo, decorrente dos princípios da avaliação de impacto ambiental, com a

natureza contínua e estratégica dos processos e decisões a que se deve aplicar e,

ainda, com a necessidade de se garantir uma perspectiva integradora das vertentes

fundamentais de um processo de sustentabilidade. Apresenta a seguinte definição

sobre o instituto7:

A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) é um instrumento de política ambiental que tem por objetivo auxiliar, antecipadamente, os tomadores de decisões no processo de identificação e avaliação dos impactos e efeitos, maximizando os positivos e minimizando os negativos, que uma dada decisão

4 PARTIDARIO, Maria do Rosário. Conceitos, evolução e perspectiva da avaliação ambiental estratégica. Potência realizada para El seminário de Expertos para Evaluacion Ambiental Estratégica en Latinoamerica en formulacion y gestion de políticas. Santiago de Chile, novembro de 2006. Disponível no site da Biblioteca Virtual Ponencias FODEPAL< http://www.fodepal.es/bibvirtual>. Ultimo acesso em 05 de novembro de 2008. 5 PARTIDARIO, Maria do Rosario. Conceitos, evolução e perspectivas da avaliação ambiental estrategica. Novembro de 2006. http://www.fodepal.es/bibvirtual/semex/eae/pdf/partidarioport.pdf. Último acesso em 05 de novembro de 2008. p. 05. 6 Sadler, B.; Verheem, R. (1996) – Strategic Environmental Assessment: Status, Challenges and Future Directions. Ministry of Housing, Spatial Planning and the Environment of the Netherlands, The Hague, p. 27 apud SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação ambiental estratégica e sua aplicação no Brasil. Disponível no site < http://www.iea.usp.br/iea/aaeartigo.pdf >.Ultimo acesso em 30 de dezembro de 2008. 7 BRASIL. MMA ( 2002 ). Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA). Manual sobre Avaliação Ambiental Estratégica. p. 12.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 4: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

210

estratégica – a respeito da implementação de uma política, um plano ou um programa – poderia desencadear no meio ambiente e na sustentabilidade do uso dos recursos naturais, qualquer que seja a instância de planejamento.

A AAE envolve, desta maneira, ações, atores e agentes, sendo que as ações

são aquelas preconizadas por políticas, programas e planos de ação. Os atores ou

agentes podem, por sua vez, ser pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou

privado.

O referido instrumento reforça, a seu turno, o papel e a necessidade dos

Sistemas de Meio Ambiente, desde o SISNAMA até os Sistemas Municipais,

passando pelos Estaduais. A responsabilidade pela preservação ambiental é

compartilhada por outros órgãos das respectivas administrações públicas. Assim,

as políticas setoriais, planos e programas afetos a tais órgãos encontram-se no

âmbito dos Sistemas de Meio Ambiente e disto decorre a necessidade de que

aparelhem seus órgãos com núcleo técnico para elaboração da AAE, quanto às

suas ações, em consonância com o órgão ambiental respectivo.8

Importante pontuar também, que - se há certo consenso sobre a definição

do instrumento - há, porém, pluralidade de enfoques em relação aos métodos para

aplicação da referida avaliação. Divergem os autores, assim, sobre o como de sua

aplicação.

Partidário leciona que a utilização da AAE tem-se dado de acordo com

duas escolas de orientações fundamentais, a saber: a escola de política e de

planejamento, que se fundamenta no sistema de desenvolvimento e avaliação de

decisões estratégicas, nos campos político, na de planos e programas (Sadler e

Verheem, 1996) e a escola de projetos, que se apóia nos procedimentos de

avaliação de impacto ambiental de projetos (Therivel, et. al., 1992). A diferença

entre as duas escolas está fundamentada, basicamente, no modelo de abordagem,

sendo, o primeiro, calcado no racionalismo-determinístico e, o segundo, na visão

estratégica de planejamento.9

O primeiro modelo é considerado uma abordagem de “cima para baixo”

(top-down) que se vale de mecanismos mais abrangentes e estratégicos de

8 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 401-403. 9 PARTIDARIO, Maria do Rosário. Conceitos, evolução e perspectivas da avaliação ambiental estratégica. Novembro de 2006. http://www.fodepal.es/bibvirtual/semex/eae/pdf/partidarioport.pdf. Ultimo acesso em 05 de novembro de 2008. p. 11.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 5: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

211

formulação de políticas e instrumentos de planejamento, aplicando a esses os

procedimentos de avaliação ambiental. Este modelo, portanto, confere à AAE uma

natureza estratégica e contínua. Permite que seus procedimentos se integrem mais

facilmente aos processos de decisão. Já o segundo tipo, conhecido como modelo

de “baixo para cima” (bottom-up), utiliza a experiência da avaliação de impacto

ambiental de projetos, generalizando-a para a avaliação de decisões em níveis

mais altos na hierarquia de planejamento (programas e planos). Diferentemente do

anterior, este modelo transforma a AAE em instrumento de aplicação discreta,

baseado na análise das práticas de avaliação de impacto ambiental de projeto, a

partir das quais são tomadas decisões em planos e programas.10

Os primeiros exemplos de avaliação ambiental estratégica usaram

exatamente os mesmos passos e as mesmas abordagens metodológicas da AIA,

para servir de matriz para a AAE. Esta tendência se vê concretizada através da

Diretiva 2001/42 da Comunidade Européia, que se refere aos efeitos ambientais

de certos planos e programas, adotando requisitos (em quase tudo) semelhantes

aos exigidos para a AIA de projetos. Mais recentemente, houve uma mudança na

abordagem, que reflete a preocupação de planejadores e cientistas políticos em

fazer aproximar a AAE das abordagens integradas em política e planejamento.

Assim, surge uma abordagem que adota metodologia de base mais estratégica,

permitindo que a AAE se desenvolva em bases diversas da AIA, na tentativa de

resolver problemas difíceis para as exigências impostas por ela.11

Em razão da natureza do modelo de abordagem de projetos, o processo de

AAE muito dificilmente se aplicará à avaliação de políticas. Todavia, há mais

chances para sua implementação em curto prazo, à medida que utiliza

mecanismos estabelecidos de avaliação ambiental e não encontra a resistência por

parte dos profissionais de planejamento, que ainda demonstram ceticismo em

relação à adoção de procedimentos sistemáticos e integrados de avaliação

ambiental para esses níveis de decisão.12

10 BRASIL. MMA ( 2002 ). Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA). Manual sobre Avaliação Ambiental Estratégica. Pp. 21-22. 11 PARTIDARIO, Maria do Rosário. Conceitos, evolução e perspectivas da avaliação ambiental estratégica. Novembro de 2006. http://www.fodepal.es/bibvirtual/semex/eae/pdf/partidarioport.pdf. Ultimo acesso em 05 de novembro de 2008. p.11. 12 BRASIL. MMA ( 2002 ). Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA). Manual sobre Avaliação Ambiental Estratégica. P. 22.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 6: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

212

Ora, a escolha de um ou de outro caminho parece estar associada às duas

razões que justificam a necessidade de uma nova ferramenta de planejamento

como a avaliação ambiental estratégica: o reconhecimento da limitação do

processo de AIA quando aplicado a projetos e as conseqüências adversas de

muitas políticas, planos e programas.13

Quando, no primeiro caso, assume-se que a AAE tem similitude com a

avaliação de impacto ambiental de projetos, costuma-se partir da análise de uma

proposta (plano ou programa, uma vez que é comum o entendimento que

dificilmente uma política pública poderia ser avaliada desta forma) e avaliam-se

suas conseqüências (impactos), através de um processo que pode resultar em

recomendações de medidas mitigadoras e compensatórias ou em alterações

substanciais da proposta inicial, tornando-a mais adequada aos interesses dos

diversos atores envolvidos.

Já, sob a ótica do planejamento, primeiro são estabelecidos certos

objetivos e, depois, delineados os meios para atingi-los (políticas, planos ou

programas), cujas incidências ambientais podem, em tese, ser avaliadas à medida

que os planos, programas e políticas vão sendo concebidos. Aqui, o essencial é

ajudar a refletir sobre as oportunidades e os riscos de optar por certas direções de

desenvolvimento no futuro.

Entre as duas concepções, a AAE torna-se mais eficiente em relação aos

seus objetivos se adotar metodologias com uma natureza mais estratégica14, com

vistas a integrar as questões ambientais o quanto antes no processo de

planejamento, discutir e avaliar as grandes opções estratégicas, e manter um

acompanhamento para auxiliar a decisão na escolha das melhores opções - que

possibilitem o alcance de objetivos setoriais, ambientais e de sustentabilidade - e

na implementação das decisões de natureza estratégica.

É, por tal motivo, que Partidário defende a adoção de metodologia própria

para a AAE distinta da constante da diretiva européia que institui a AAE com base

em AIA. Sustenta o modelo de avaliação ambiental estratégica (de base 13 SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação ambiental estratégica e sua aplicação no Brasil. Disponível no site < http://www.iea.usp.br/iea/aaeartigo.pdf >.Ultimo acesso em 30 de dezembro de 2008. 14 PARTIDARIO, Mario do Rosário. Guia de Boas Praticas para a Avaliação Ambiental Estratégica. Orientações Metodológicas. Lisboa: Agencia Portuguesa do Ambiente: 2007. Disponível em:< www.apambiente.pt/Instrumentos/avaliacaoambientalestrategica/aplicacaodaAAE/Documents/Gu

iaAAE_APA.pdf>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 7: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

213

estratégica) em que “a análise é centrada nos objetivos de desenvolvimento, ou

nos problemas que o plano ou programa pretendem resolver, e não nas ações

propostas no plano ou programa como soluções ou resultados.”15

Um dos grandes desafios da AAE é a capacidade de poder avaliar as

possíveis oportunidades e conseqüências de estratégias de desenvolvimento

territorial e setorial e, por via de conseqüência, julgar o mérito ou os riscos de

permanecer com as estratégias, podendo sugerir melhores direções para as

estratégias a seguir, a partir de então. Assim, identificam-se três funções distintas

para a AAE: a de integração da questão ambiental com a de sustentabilidade nos

processos estratégicos que permitam a melhora das decisões atuais e futuras; a de

avaliação de impactos dos riscos e oportunidades de se seguirem com

determinadas estratégias; e a de validação da qualidade dos processos estratégicos

e de seus resultados.16

Nesse particular, o objeto de análise da AAE deve ser compatível com

outras políticas, planos e programas.

Os benefícios da adoção deste instrumento se traduzem em mais uma

contribuição para a efetivação da sustentabilidade, bem como na formação de um

contexto mais amplo de decisão integrado com a proteção ambiental. Além disso,

verifica-se uma capacidade de avaliação mais adequada dos impactos cumulativos

com o uso da avaliação ambiental estratégica. Por fim, não se pode negar que a

referida avaliação facilita a avaliação individual dos projetos apresentados para

licenciamento ambiental relacionados ao resultado dos planos e programas

submetidos à avaliação ambiental estratégica.17

No entanto, é preciso esclarecer algumas distorções relativas à correta

compreensão da AAE, quanto aos objetivos e hipóteses de aplicação.

Em primeiro lugar, a AAE não pode ser considerada como uma alternativa

à AIA, ou seja, ela não pode substituir a avaliação de impacto ambiental prevista

15 PARTIDÁRIO, M.R. Guia de Boas Práticas para Avaliação Ambiental Estratégica. Agência Portuguesa do Ambiente, Amadora, p. 13. Disponível pelo site <http://www.apambiente.pt/Instrumentos/avaliacaoambientalestrategica/aplicacaodaAAE/Documents/GuiaAAE_APA.pdf >. Ultimo acesso em 05 de fevereiro de 2009. 16 PARTIDARIO, Maria do Rosário. Conceitos, evolução e perspectivas da avaliação ambiental estratégica. Novembro de 2006. http://www.fodepal.es/bibvirtual/semex/eae/pdf/partidarioport.pdf. Ultimo acesso em 05 de novembro de 2008. p. 17. 17 BRASIL. MMA ( 2002 ). Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA). Manual sobre Avaliação Ambiental Estratégica. P. 12

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 8: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

214

para os casos de projetos de significativo potencial de impacto e nem como forma

de compensar irregularidades ou falhas identificadas no EIA em tais projetos.

Assim, a AAE não pode ser utilizada como forma de suprir as falhas nos estudos

de impacto ambiental que não consigam desempenhar eficazmente o seu papel de

informar corretamente os ocorridos nas alternativas de desenvolvimento de um

projeto. Também, não se aplica aos casos em que o processo de avaliação de

impacto ambiental tenha sido incapaz de assegurar a efetiva participação do

público, a adoção das medidas mitigadoras e o monitoramento dos impactos

negativos que foram previstos.

A avaliação ambiental estratégica constitui, portanto, um instrumento de

gestão ambiental de caráter político e técnico18, que está associado aos seguintes

aspectos: conceito ou visão de desenvolvimento sustentável nas políticas, nos

planos e nos programa; natureza estratégica das decisões; natureza contínua do

processo de decisão; e valor opcional decorrente das múltiplas alternativas típicas

de um processo estratégico.

Quatro diferenças fundamentais podem ser apontadas entre a avaliação de

impactos de projetos e a avaliação estratégica:19

1- a delimitação espacial: na AIA os projetos têm localização bem

definida, mas, na AAE, os planos, políticas e programas têm limites espaciais

menos claros;

2 - a delimitação temporal: enquanto a AAE é estratégica e de longa

duração – uma política, programa ou plano pode perdurar por muito tempo - a

AIA invoca a execução de projeto, cujo tempo é relativamente curto;

18 Na AIA ocorre um processo de “politização da economia, decisão e planejamento”, através do qual se busca responder o quanto se deve conhecer e como aplicar esse conhecimento, no inicio de cada AIA. As respostas a estas indagações, frequentemente, ultrapassam o âmbito cientifico, chegando à dependência de uma opção política. Cada AIA traz em si uma conjunção de elementos de conhecimento cientifico e de ordem política, que não são suscetíveis de separação. Portanto, a decisão proferida ao final da AIA é um posicionamento político, juridicamente orientado, já que a ciência tem como suporte decisão política que, por sua vez, em um Estado Democrático de Direito, submete-se às orientações e limites impostos pelo direito. “A ciência, logo também a técnica, em si e para si não existem. (...) O conhecimento cientifico só pode existir a partir de condições políticas que determinam os pressupostos para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios do saber. Por outro lado, o poder político baseia-se no saber para dar solidez a sua decisão. Poder e saber nutrem-se mutuamente, sendo impossível na sociedade moderna dissociar-se conhecimento cientifico de decisões políticas e poder político dos novos postulados da ciência.” Cf. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 173 e ss.. 19 SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação ambiental estratégica e sua aplicação no Brasil. Disponível no site < http://www.iea.usp.br/iea/aaeartigo.pdf >.Ultimo acesso em 30 de dezembro de 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 9: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

215

3 - o detalhamento das ações: por sua vez, é muito maior nos projetos e

pode ser bastante indeterminado no caso de políticas;

4 - o processo decisório e as instituições envolvidas: na AIA se distingue

claramente o proponente do projeto e a autoridade competente para sua

aprovação, enquanto que na AAE, os planos, políticas e programas costumam ser

formulados e sancionados pela mesma entidade.

Outro dado relevante diz respeito à distinção que costuma ser realizada a

depender do objeto de análise da AAE. Alguns doutrinadores diferenciam três

grandes tipos de avaliação, segundo o nível de planejamento exigido: AAE de

políticas, AAE aplicada ao planejamento territorial e AAE de planos e programas

setoriais.20

Como já mencionado, os princípios, métodos e procedimentos têm variado

segundo o enfoque adotado para a concepção e aplicação da avaliação ambiental

estratégica.

Segundo a abordagem estratégica, que parece mais adequada para os fins

deste trabalho, há determinados princípios de natureza metodológica que devem

orientar a avaliação ambiental:21

A. A preparação da AAE deve ser simultânea à concepção e formulação das

propostas de planos e programas e depende de conteúdos preparados nesse

contexto e da respectiva escala destas, permitindo uma forte interligação com os

processos de decisão.

B. A integração da AAE no processo de planejamento e programação revela-se na

articulação de processos, calendários, consultas, partilha de dados de base e

informação.

C. A AAE é objeto de relatório separado dos planos e programas.

20 Partidário e Fischer (2002, p. 225) apud SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação ambiental estratégica e sua aplicação no Brasil. Disponível no site < http://www.iea.usp.br/iea/aaeartigo.pdf >.Ultimo acesso em 30 de dezembro de 2008. 21 Os princípios apresentados dizem respeito à avaliação ambiental estratégica de planos ou programas e não de políticas. Cf. PARTIDARIO, Mario do Rosário. Guia de Boas Praticas para a Avaliação Ambiental Estratégica. Orientações Metodológicas. Lisboa: Agencia Portuguesa do Ambiente: 2007, p. 23. Disponível em:<www.apambiente.pt/Instrumentos/avaliacaoambientalestrategica/aplicacaodaAAE/Documents/GuiaAAE_APA.pdf>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 10: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

216

D. A escala de informação de base usada na AAE é diversa da constante do plano

ou programa. Ela é mais ampla, não devendo descer a minúcias, como as

informações constantes dos respectivos planos ou programas;

E. Os documentos a serem utilizados como referência na AAE são os de política e

estratégia local, nacional e internacional, devendo ser dada ênfase ao âmbito de

atuação dos planos e programas avaliados;

F. A consulta junto ao público e às entidades com responsabilidade ambiental é

realizada em fases e de acordo com métodos diversos, de maneira a assegurar a

integração de observações/informações obtidas na formulação dos planos e

programas.

De qualquer forma, independente do tipo de método utilizado,

determinadas orientações gerais quanto ao procedimento a ser adotado são

fundamentais. Nesse sentido, o Manual de Avaliação Ambiental Estratégica do

MMA (2002)22 propõe que todo procedimento de AAE deve conter:

1) a definição do conteúdo da avaliação e a seqüência das etapas, com os

respectivos prazos, adequados a cada contexto, nacional ou regional, a que se

aplica a AAE. O conteúdo deve ser mais amplo do que a avaliação de impacto

ambiental - tendo como foco as questões mais significativas -, e avaliado de forma

integrada, em consonância com a importância dos prováveis impactos da decisão

estratégica que se deve tomar;

2) o envolvimento e a participação do público são essenciais, em virtude da

própria natureza do instrumento, de gestão ambiental democrática. Deve-se

utilizar os procedimentos porventura existentes e praticáveis de participação da

sociedade, disponibilizando-se a tempo a informação sobre a decisão estratégica e

suas implicações ambientais, por meios adequados de comunicação; e

3) devem ser implementados mecanismos de revisão independentes e

acompanhamento da implementação da decisão estratégica simples e práticos para

não inviabilizar a eficácia do instrumento, em razão da complexidade de seus

processos.

22 BRASIL. MMA ( 2002 ). Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA). Manual sobre Avaliação Ambiental Estratégica. pp. 18-19.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 11: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

217

A prática de aplicação da AAE ainda é limitada, mas sua importância e o

papel que pode desempenhar nos processos de desenvolvimento sustentável vêm

sendo discutidos há alguns anos pela doutrina estrangeira. Nos países em que a

AAE tem sido adotada, esta tem se revelado um instrumento flexível, pois o

processo para sua aplicação assume variadas formas em termos tanto dos modelos

institucionais em que opera como do seu conteúdo técnico.23

Os procedimentos de AAE envolvem uma seqüência de atividades que

incluem a identificação das decisões estratégicas que devem ser avaliados, as

etapas de avaliação e as técnicas e os métodos apropriados para a execução de

cada uma delas. Portanto, não há uma definição prévia dos tipos de políticas,

planos e programas que devem se submeter à realização de AAE. A decisão de

implementá-la depende da própria análise inicial no processo de AAE, que vai

determinar a abrangência da decisão estratégica e o nível de comprometimento do

meio ambiente - antecipam-se as prováveis interferências socioambientais

adversas e positivas.

De qualquer modo, as decisões estratégicas sobre investimentos em infra-

estrutura, especialmente nos setores de energia e transporte, acarretam efeitos

23 Alguns tipos de AAE são identificados pela doutrina estrangeira: Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) – termo genérico que identifica o processo de avaliação dos impactos ambientais de políticas, planos e programas (PPP); Avaliação de Impactos de Políticas (Policy Impact Assessment) – termo adotado no Canadá para particularizar o processo de avaliação de impacto ambiental de políticas; Teste Ambiental (Environmental Test – E-test) – utilizado na Holanda para avaliação de políticas (propostas de legislação), utilizando um procedimento específico baseado numa listagem, critérios de sustentabilidade; Avaliação Ambiental Regional (Regional EA) – tipo de AAE estabelecido pelo Banco Mundial para a avaliação das implicações ambientais e sociais (em âmbito regional) de propostas de desenvolvimento multisetorial, em uma dada área geográfica e durante um período determinado; Avaliação Ambiental Setorial (Sectoral EA) – tipo de AAE estabelecido pelo Banco Mundial para a avaliação de políticas e de programas de investimento setoriais, envolvendo sub-projetos múltiplos (apóia também a integração de questões ambientais a planos de investimento de longo prazo); Supervisão Ambiental (Environmental Overview) – adotado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no processo de formulação de programas, para a identificação de oportunidades, impactos ambientais e sociais e a incorporação de medidas de mitigação na revisão de programas; Análise Ambiental Estratégica (Strategic Environmental Analysis) – abordagem utilizada pela Agência Internacional de Financiamento da Holanda para a avaliação de planos e programas, por meio de procedimento participativo; Avaliação de Impacto Ambiental Estratégica (Strategic Environmental Impact Assessment) – termo utilizado na Holanda para a avaliação de planos e programas, seguindo-se os mesmos procedimentos da avaliação de impacto ambiental de projetos; e Avaliação Ambiental Programática (Programmatic Environmental Assessment) – tipo estabelecido nos Estados Unidos para a avaliação de grupos de projetos referidos a uma mesma área geográfica ou que guardam similaridades em termos de tecnologia e tipologia. Cf. BRASIL. MMA ( 2002 ). Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA). Manual sobre Avaliação Ambiental Estratégica. p. 16.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 12: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

218

ambientais relevantes e, por conseguinte, a AAE constitui um instrumento

bastante adequado para promover o desenvolvimento sustentável em tais setores.

Imprescindível se torna, para a tomada de decisão sobre a utilização da

AAE, obter as respostas quanto às seguintes perguntas: 1) O que se quer alcançar

com a decisão estratégica em causa, em que sentido e por quê? 2) Quais as opções

para se atingir o mesmo objetivo? 3) Quais as conseqüências da decisão na

sustentabilidade dos recursos de base? 4) Quais as oportunidades para integrar os

aspectos ambientais (biofísicos, econômicos e sociais) no processo de tomada de

decisão? 5) Que medidas devem ser adotadas, antes e depois da decisão, para

prevenir a ocorrência de impactos negativos?24

A partir das respostas, é possível, portanto, delimitar o objeto da avaliação

ambiental estratégica, precisando o tipo de política, programa ou plano que será

implementado, qual a sua finalidade e o motivo de sua adoção. Por exemplo, no

campo do setor energético, planeja-se a implantação de novo plano decenal de

energia. Assim, devem ser definidas a priori quais as fontes de energia que serão

priorizadas, o motivo e a finalidade da expansão energética – se para atendimento

de demanda doméstica ou industrial, por exemplo -.

Devem ser apontadas, ainda, opções que permitam atingir o mesmo

objetivo, como por exemplo, se houver previsão no plano decenal de implantação

de novas hidrelétricas, devem ser indicadas alternativas como repotenciação de

usinas, complementação da motorização de algumas usinas já instaladas (onde a

capacidade instalada não chega a atingir o limite da capacidade prevista para o

empreendimento), construção de pequenas usinas hidrelétricas ou, mesmo, o uso

de energias alternativas.

Além disso, fundamental é que sejam identificados os momentos

oportunos para a integração dos aspectos ambientais, in casu, desde o início da

concepção do plano até a sua efetiva implantação, inclusive na fase final do

licenciamento de possíveis projetos previstos. Finalmente, devem ser antevistas

medidas preventivas à ocorrência de impactos negativos, para serem

implementadas tanto antes como depois da tomada de decisão. No caso de

hidrelétricas, um processo de consulta à população nos locais em que se planeja a

implantação de projetos e a oitiva prévia dos Comitês de Bacias Hidrográficas

24 BRASIL. MMA ( 2002 ). Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA). Manual sobre Avaliação Ambiental Estratégica. p. 52.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 13: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

219

sobre a viabilidade do uso dos rios para a finalidade de produção de energia

hidrelétrica, antes da tomada da decisão, são medidas extremamente profícuas na

discussão política abrangida pelo AAE.

5.1.1

Limitações para a implementação da AAE

Uma das dificuldades apontadas para a prática da AAE constitui

exatamente a abrangência de seu objeto. Como a atividade estratégica

normalmente engloba uma área grande e um número diverso de alternativas. Isso

dificultará a obtenção e interpretação de dados, em sua grande maioria,

complexos, o que poderá gerar um alto grau de incerteza de tais dados

comparativamente àqueles obtidos em uma AIA de projeto.

Outro ponto a ser considerado é o da amplitude de informações que pode

gerar informações limitadas ou incompatíveis, podendo acontecer de uma AAE

nacional desconsiderar determinados impactos em nível local, mas que não têm

influência em nível nacional.25

Ora, o tempo, no contexto do planejamento de PPPs é muito mais flexível do

que em nível de projeto, situação esta que faz com que seja possível incorporar novos

objetivos e novas alternativas, sem as pressões que ocorrem usualmente na avaliação

de projetos. Por outro lado, como o ambiente a ser considerado em uma AAE é bem

mais amplo do que em uma AIA – é possível que uma PPP abranja o país inteiro -

, outras dificuldades podem ser geradas na definição do que estudar e em que

detalhe.26

Outra limitação apontada é a pouca experiência prática da AAE existente

no mundo, o que não permite que seja feito um estudo sistemático do instituto.

Com relação às fases da AAE, algumas considerações merecem ser

apontadas.

25 BICHARA, Marco Antonio. THEODORO, Suzi Huff. A contribuição da Avaliação Ambiental Estratégica no Licenciamento Ambiental. THEODORO, Suzi Huff; BATISTA, Roberto Carlos; ZANETI, Izabel. ( org ) Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2008, pp. 73-74. 26 EGLER, Paulo César Gonçalves. Perspectivas de uso no Brasil do processo de Avaliação Ambiental Estratégica. 2002. Disponível em: http://www.mct.gov.br/CEE/revista/rev11.htm . Último acesso em 19 de outubro de 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 14: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

220

No que tange à identificação de alternativas, embora potencialmente mais

complicadas devido ao grande número de opções, esta pode ser facilitada pelo fato de

as ações empreendidas em nível de PPPs não atingirem grau de irreversibilidade,

No entanto, a maior barreira capaz de dificultar a implementação dessa etapa

da AAE reside no contexto político que envolve a atividade de planejamento. Há

problemas quando se tornam previamente públicos os objetivos de uma política,

plano ou programa, pois tais planos, políticas ou programas têm publicidade restrita

durante o processo de sua elaboração. Um dos procedimentos aventado para superar

esse obstáculo é através do uso da atividade de coordenação, em que a divulgação das

informações é realizada por concordância ou mediante o uso de instrumentos mais

convincentes.

Para a descrição do ambiente, alguns problemas surgem além dos já

apontados, no tocante à amplitude da área a ser abrangida pelo PPP. A questão do

planejamento tem níveis diferenciados o que requer, também, informações de grau

diverso, seja em detalhes ou abrangência geográfica. E, a depender da área/setor de

planejamento - energia, mineração, agricultura - diferentes tipos de informação são

demandadas. A estes fatores que já representam custos e dificuldades de

procedimentos, alia-se a questão da diferença entre as fronteiras administrativas e as

ambientais. Enquanto as coletas de informações realizadas pelo sistema oficial se

utilizam das estruturas administrativas – regiões, estados e municípios – como

fronteiras/limites, para o contexto da gestão e da análise ambiental, os limites oficiais

não representam o ‘mundo real’. Assim, a implementação de um processo de AAE

pode impor custos adicionais, para a realização de ajustes a essas bases de

informações.

A previsão dos possíveis impactos no ambiente é outra etapa difícil do

processo de AAE, em razão do grau de incerteza que envolve toda atividade de

previsão. Aqui, como na AIA, o ponto fraco é a adequação e a confiabilidade das

metodologias utilizadas para identificar e avaliar os impactos/efeitos possíveis de

ocorrerem no ambiente como resultado da implementação dos PPPs.

5.1.2

Iniciativas da AAE no Brasil

A avaliação ambiental estratégica vem-se firmando como ferramenta de

planejamento em razão dos impactos socioambientais adversos aos planos, às

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 15: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

221

políticas e aos programas, além das limitações inerentes à avaliação de impactos

ambientais de projetos.

Esta perspectiva não é diferente no Brasil. Em razão da crescente demanda

por licenciamento ambiental de atividades ou obras potencialmente poluidoras e

da necessidade de se obter uma avaliação ambiental mais ampla, a avaliação

ambiental estratégica está ganhando importância no cenário nacional.

A necessidade de se pensar a questão ambiental a partir de uma

perspectiva ampla – global, regional, local e setorial -, dentro de uma política de

planejamento, 27 reforça o argumento sobre as contribuições que a avaliação

ambiental estratégica pode trazer.

Entretanto, a experiência prática de AAE ainda é bastante incipiente no

Brasil.

Podemos citar a realização de alguns estudos ambientais no âmbito da

avaliação de projetos, com um enfoque ampliado para abranger os impactos

sinérgicos e cumulativos: a) o estudo Avaliação Ambiental Estratégica realizado

no projeto do gasoduto Bolívia-Brasil, por solicitação do BID e do Banco

Mundial; b) o Estudo de Impacto Ambiental do Programa de Corredores de

Ônibus da Prefeitura de São Paulo, que avaliou de forma integrada diversos

projetos de corredores de transporte coletivo28 e; c) experiências recentes de

aplicação da AAE para a avaliação de impactos cumulativos de múltiplos de

projetos de geração de energia hidrelétrica nas bacias hidrográficas dos rios

Tocantins29 e Chopin30.

Outra tentativa mais contundente de institucionalização da AAE foi a do

Estado de São Paulo, através de uma reivindicação que partiu não só dos órgãos

27 BICHARA, Marco Antonio. THEODORO, Suzi Huff. A contribuição da Avaliação Ambiental Estratégica no Licenciamento Ambiental. THEODORO, Suzi Huff; BATISTA, Roberto Carlos; ZANETI, Izabel. ( org ) Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2008, p. 66. 28 BRASIL. MMA ( 2002 ). Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA). Manual sobre Avaliação Ambiental Estratégica. pp. 44-49. 29 RAMOS, Silvia Maira Frattini Gonçalves. THEODORO, Suzi Huff Avaliação Ambiental Estratégica viabilizando um futuro sustentável no Setor Elétrico Brasileiro. THEODORO, Suzi Huff; BATISTA, Roberto Carlos; ZANETI, Izabel. ( org ) Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2008, pp. 103-110. 30 BURIAN, Paulo Procópio. Avaliação Ambiental Estratégica como instrumento de licenciamento para hidrelétricas – o caso das bacias do rio Chopim no Paraná. Disponível pelo site < http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT06/paulo_burian.pdf>. Ultimo acesso em 25 de agosto de 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 16: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

222

ambientais, mas também dos membros do Conselho Estadual de Meio Ambiente

do Estado de São Paulo (CONSEMA).

Ora, no desenvolvimento da prática de avaliação de impacto ambiental,

decorrente da aplicação da Resolução CONAMA 001/86, houve uma percepção

crescente da necessidade de se incorporarem novas ferramentas ao processo de

licenciamento ambiental, de maneira a interferir nos planos e programas geradores

dos projetos de infra-estrutura e avaliar os impactos cumulativos deles

decorrentes.

As principais motivações para a adoção da AAE são no sentido de que,

quando da formulação das políticas públicas e dos programas de ação, alguns dos

impactos já podem ser identificados e, portanto, evitados. Por outro lado, a

dimensão ambiental não tem sido considerada nas tomadas de decisão que

acarretam a consecução de projetos com impactos ambientais. Na análise

individual dos projetos, há também dificuldades para a identificação e para a

avaliação de impactos cumulativos, decorrentes da implantação de vários

empreendimentos na mesma região. Ademais, nos projetos de grande impacto

ambiental, há pouca consistência nas justificativas técnicas, políticas,

institucionais e legais em relação às alternativas selecionadas.

No Brasil, a AAE só foi regulamentada pelo Estado de São Paulo,

mediante a Resolução CONSEMA nº 44, de 29 de dezembro de 1994, que designa

a Comissão de Avaliação Ambiental Estratégica, subordinada ao Secretário

Estadual de Meio Ambiente, para analisar a introdução da variável ambiental em

política, plano e programa governamental de interesse público, encaminhando ao

final dos trabalhos relatório para apreciação.

Tal resolução confere ao CONSEMA e à SMA/SP as atribuições de:

avaliar as conseqüências ambientais das diretrizes setoriais, definir o conteúdo e

elaborar termos de referência para a elaboração dos estudos, analisar os seus

resultados, e, finalmente, produzir relatórios e pareceres sobre a aprovação das

AAE das políticas, planos e programas.31

De acordo com essa regulamentação, a proposta de abordagem de

aplicação da AAE naquele estado restou evidenciada, porém o modelo adotado é

31 BRASIL. MMA ( 2002 ). Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA). Manual sobre Avaliação Ambiental Estratégica. p. 47.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 17: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

223

semelhante ao processo de avaliação de impacto ambiental já conhecido e

regulado pelo ordenamento jurídico vigente.

Houve, ainda, tentativas de aplicação do instituto no projeto de

implantação do Rodoanel em São Paulo, mas, por pressões políticas, o projeto foi

fragmentado e analisado de forma particularizada, somente tendo sido elaborado o

EIA/RIMA no processo de licenciamento ambiental. Os resultados dessa (e de

outras experiências), bem como os resultados do estudo Procedimentos

Alternativos para a Operacionalização da AAE no Sistema Estadual de Meio

Ambiente, até 2002, não haviam conduzido, infelizmente, a nenhuma decisão

institucional ou política sobre o emprego da AAE no Estado de São Paulo.32

Ademais, está em trâmite no Senado Federal o Projeto de Lei nº 2.072, de

200333, de iniciativa do Deputado Federal Fernando Gabeira, que dispõe sobre

Avaliação Ambiental Estratégica de políticas, planos e programas, modificando a

Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (atualmente,34 está na Comissão de

Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), já tendo sofrido uma emenda que

altera o disposto no art. 2º do projeto de lei).

Em verdade, o art. 2º do projeto de lei35 em questão altera a Lei 6938/81,

acrescentando os arts. 12-A, 12-B e 12-C à referida lei.

32 Ibid. pp. 48-49. 33 Vide a íntegra do Projeto de Lei no Anexo.( inserir o projeto no anexo ) 34 O andamento do processo junto ã Câmara de Deputados através do site http://www2.camara.gov.br/proposicoes, demonstra que o projeto ainda está na Comissão de Constituição e Justiça e que a última ação significativa ocorreu em 05/05/2008, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) - com Parecer do Relator, Dep. Luciano Pizzatto (DEM-PR), pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do projeto apresentado, e pela injuridicidade da Emenda da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público.

35 Art. 2º - A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que “dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências”, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 12-A a 12-C: Art. 12-A. Ficam os órgãos da administração pública direta e indireta responsáveis pela formulação de políticas, planos ou programas obrigados a realizar a avaliação ambiental estratégica dessas políticas, planos ou programas.

§ 1º Entende-se por avaliação ambiental estratégica o conjunto de atividades com o objetivo de prever, interpretar, mensurar, qualificar e estimar a magnitude e a amplitude espacial e temporal do impacto ambiental potencialmente associado a uma determinada política, plano ou programa, tendo em vista: I – a opção por alternativas tecnológicas ou locacionais que mitiguem os efeitos ambientais adversos; II – a proposição de programas e ações compensatórias dos efeitos ambientais adversos. § 2º A realização da avaliação ambiental estratégica não exime os responsáveis de submeter os empreendimentos que integram as políticas, planos ou programas ao licenciamento ambiental exigido na forma do art. 10. § 3º As alterações significativas do conteúdo de políticas, planos e programas também ensejam a realização de avaliação ambiental estratégica. Art. 12-B. A avaliação ambiental estratégica observará as seguintes diretrizes: I – a avaliação abrangerá todo o processo de formulação da política, plano ou programa; II – as metodologias

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 18: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

224

Através dos referidos dispositivos, o projeto de lei tem o mérito de instituir

no Brasil a avaliação ambiental estratégica como instrumento de concretização da

política nacional do meio ambiente, fundamental para o planejamento ambiental.

Porém, como pode ser observado por meio de simples leitura, é que o aludido

projeto disse menos do que deveria.

O conceito adotado para definir a avaliação ambiental estratégica, como “o

conjunto de atividades com o objetivo de prever, interpretar, mensurar, qualificar

e estimar a magnitude e a amplitude espacial e temporal do impacto ambiental

potencialmente associado a uma determinada política, plano ou programa”,

considerando “a opção por alternativas tecnológicas ou locacionais que mitiguem

os efeitos ambientais adversos” e “a proposição de programas e ações

compensatórias dos efeitos ambientais adversos”, em verdade, não se coaduna

com as definições fornecidas pela doutrina estudada.36

Não ficou evidenciado no referido projeto ser a avaliação ambiental

estratégica um processo sistemático, formado por várias etapas, para servir de

apoio a decisões estratégicas tomadas em planos, políticas ou programas, através

do qual são identificados, analisados e avaliados previamente os impactos

relativos à decisão a ser tomada. De igual forma, não capta o projeto de lei o

grande objetivo da avaliação ambiental estratégica, isto é, a capacidade de, uma

vez identificados os impactos socioambientais de determinado plano, política ou

programa, ser o instrumento capaz de influenciar na tomada de decisão, seja no

sentido da implantação das PPP’s, seja no sentido de rejeitá-las ou, ainda, de

viabilizar uma medida alternativa também prevista na AAE.

A definição trazida pelo legislador federal aproxima, na realidade, a

avaliação ambiental estratégica de uma avaliação de projetos, ao prever, inclusive,

a adoção de “programas e ações compensatórios dos efeitos ambientais adversos”,

analíticas a serem aplicadas na avaliação serão definidas pelos órgãos responsáveis pela formulação da política, plano ou programa, observados os parâmetros básicos definidos em regulamento; III – serão asseguradas na avaliação: a) ampla publicidade das atividades desenvolvidas, e de seus resultados; b) participação da população afetada pela política, plano ou programa. Art. 12-C. O resumo das atividades desenvolvidas no âmbito da avaliação ambiental estratégica, e de seus resultados, será consolidado no Relatório de Avaliação Ambiental (RAA), ao qual se dará publicidade. Parágrafo único. Quando requerido por órgão ambiental integrante do SISNAMA, pelo Ministério Público ou por cinqüenta ou mais cidadãos, será realizada audiência pública para discussão do RAA, na forma do regulamento. (NR)” 36 Vide Capítulo 4, item 4.1 a respeito das definições da avaliação ambiental estratégica.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 19: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

225

sem mencionar em nenhum lugar o mais importante: a previsão de tomada de

medidas de caráter preventivo, para evitar a ocorrência do dano ambiental.

Portanto, lamentavelmente, o projeto de lei referenciado não dá enfoque à

uma política de sustentabilidade socioambiental preocupada com a prevenção do

dano, mas sim com a possibilidade de que o dano ocorra, adotando-se as medidas

compensatórias e mitigadoras correspondentes. Esta opção legislativa não se

coaduna com o princípio do desenvolvimento sustentável, tal como estudado no

item próprio desse trabalho, razão pela qual, embora pareça o projeto bem

intencionado, deve ser alterado em suas premissas básicas.

Outro ponto que merece reflexão é não prever a lei, minimamente, uma

diretriz genérica para a metodologia a ser adotada na avaliação ambiental

estratégica. Como se percebe do exame do projeto de lei, as metodologias deverão

ser definidas pelos órgãos responsáveis pela formulação da política, plano ou

programa, “observados os parâmetros básicos definidos em regulamentos”.

Assim, além de relegar para uma regulamentação posterior os parâmetros

metodológicos a serem adotados, permite que diferentes metodologias sejam

utilizadas, dependendo do órgão responsável pela PPP.

Como já foi objeto de explanação, há diversos métodos de aplicação da

AAE e, em virtude disso, deveria ser discutida em sede legislativa quais seriam as

possibilidades de serem objeto de regulamentação, definindo, inclusive, se tratar-

se-ia de uma abordagem metodológica inovadora, mais estratégica, como sugere

Partidário (2006), ou mais próxima da metodologia existente para a AIA de

projetos.

Ademais, quanto à previsão de ampla publicidade e da necessidade de

participação pública andou bem o legislador. No entanto, no artigo seguinte (art.

12-C), restringiu o projeto a realização de audiência pública, um instrumento de

consulta pública extremamente relevante, ao requerimento de órgão do

SISNAMA, do Ministério Público ou de documento assinado por cinqüenta ou

mais cidadãos. Deveria o projeto, ao revés, prever, em qualquer circunstância, a

realização de audiência pública, sem restrições, para avaliação do relatório final

da AAE.

Prevê, ainda, o art. 3º do projeto de lei que o descumprimento do disposto

nos artigos mencionados (art. 12 – A, B e C) constitui crime contra a

administração ambiental, sujeito às penas previstas no art. 68 da Lei nº 9.605, de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 20: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

226

12 de fevereiro de 1998, sem prejuízo das sanções não penais cabíveis, ou seja,

medidas de natureza cível e administrativa.

Elaboradas as presentes considerações, voltemos à análise da avaliação

ambiental estratégica, desta feita, com enfoque no setor de energia.

5.1.3

A avaliação ambiental no setor energético brasileiro.

O processo para o licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas se inicia

com a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental e a solicitação de licença

prévia ao órgão licenciador. Ora, as experiências brasileiras neste tema têm

demonstrado que a sistemática, prevista na Resolução CONAMA 01/86 para o

licenciamento de tais empreendimentos, não contempla adequadamente aspectos mais

estratégicos do empreendimento hidrelétrico, como os técnicos relativos à localização

e à cota de reservatório.

A fim, então, de suplantar as limitações do estudo de impacto ambiental,

práticas recentes têm sido adotadas no sentido da elaboração da Avaliação Ambiental

Estratégica, de forma a buscar a antecipação da análise e discussão de questões

socioambientais relevantes, como a da definição da localização dos projetos, segundo

critérios socioambientais, e examinar o projeto considerando não apenas a área de

influência direta, mas, sim, toda a bacia hidrográfica.37

No âmbito do setor de energia se destaca, de um lado, a necessidade de

planejamento - de curto, médio e longo prazo - com a previsão de grandes

projetos, em sua maioria hidrelétricos em razão da grande disponibilidade de

recursos hídricos no país. De outro, o histórico dos impactos sociais e ambientais

causados por tais empreendimentos, conforme menção já realizada no presente

estudo.38

Assim, pelo exame de muitas das críticas aferidas ao processo de

licenciamento ambiental39, relativas à ausência de um debate adequado sobre a

viabilidade ambiental do projeto e de suas alternativas (possíveis) e da própria

inserção do projeto em uma perspectiva mais ampla de análise - considerando a

bacia hidrográfica e os efeitos cumulativos e sinérgicos de outros

37 Ibid. 38 Sobre os impactos socioambientais das hidrelétricas, vide Capítulo 2, item 2.4. 39 Vide capítulo 4, item 4.4.3.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 21: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

227

empreendimentos - podemos concluir que o licenciamento ambiental não se

afigura como a fase própria para a discussão desses aspectos. Tais discussões

devem ser provocadas em fase anterior.

Há necessidade, ainda, de se estabelecer outro procedimento de avaliação

ambiental diverso do estudo de impacto ambiental, para uma fase anterior, ou seja, o

momento do inventário hidrelétrico da bacia hidrográfica, que, como já vimos, se dá

quando se definem os locais dos potenciais aproveitamentos hidrelétricos a serem

explorados. O setor elétrico na tomada de suas decisões, notadamente nos planos

de expansão de geração de energia, não leva em conta, de maneira efetiva, a

variável ambiental – apesar de terem sido observados alguns avanços com a

interferência pontual no processo de planejamento.40

Como o principal objetivo da AAE é fornecer subsídios à tomada de

decisões com o fim último do desenvolvimento de planos, programas e políticas, e

o fato define se deve considerar, como desenvolvimento sustentável, aquele

“economicamente factível, ecologicamente apropriado, socialmente justo e

culturalmente eqüitativo, sem discriminação”41, aquela parece ser instrumento que

contribui para a inclusão da dimensão ambiental, de maneira efetiva, nos

processos decisórios do setor elétrico, em geral.

Nos planos de expansão energética, não há a verdadeira implementação do

principio da gestão democrática, através da discussão com a participação pública,

das alternativas aos aproveitamentos hidrelétricos bem como da necessidade de

diversificação da matriz energética, ficando a análise restrita aos

empreendimentos de modo isolado. Ademais, não se discute o perfil ótimo da

matriz de energia elétrica, ao mesmo tempo, com a consideração da dimensão

socioambiental.

Assim, a avaliação ambiental estratégica se apresenta como o instrumento

capaz de articular, no cenário de política energética e no âmbito do planejamento,

os diversos setores envolvidos – energético, ambiental, de gestão de recursos

hídricos, das cidades, etc -, fornecendo um referencial de avaliação, através do

qual estarão definidos objetivos de desenvolvimento e melhoria da qualidade

40 BURIAN, Paulo Procópio. Avaliação Ambiental Estratégica como instrumento de licenciamento para hidrelétricas – o caso das bacias do rio Chopim no Paraná. Disponível pelo site < http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT06/paulo_burian.pdf>. Ultimo acesso em 25 de agosto de 2008. 41 GADOTTI, Moacir ( 1999), apud SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Constitucional do Meio Ambiente. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 35.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 22: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

228

socioambiental, além de determinados os indicadores e as metas a serem

alcançados.

Interessante registrar, neste setor brasileiro, a crescente demanda por

estudos mais abrangentes do que os EIA/RIMAs realizados em empreendimentos

hidrelétricos.

Em certos empreendimentos, como no caso das usinas hidrelétricas

localizadas no Sudoeste Goiano (GO), UHE de Salto, Salto do Rio Verdinho,

Olho d’água, Caçu e Barra dos Coqueiros, foi exigida pelo Ministério Público

Estadual e Federal, a realização de um Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas

para Avaliação de Aproveitamentos Hidrelétricos, denominado EIBH, de acordo

com o termo de referência, conforme Termo de Ajustamento de Conduta firmado

entre o Ministério Público Estadual e Federal e o órgao ambiental licenciador, no

caso, Agência Goiana de Meio Ambiente e Recursos Naturais42.

Para a elaboração do termo de ajustamento de conduta o Ministério

Público considerou, entre outros, a ausência no Estado de Goiás da previsão legal

da avaliação ambiental estratégica e que, nos Estudos de Inventário realizados

pela ANEEL e também nos EIA apresentados, não foram analisados os efeitos

cumulativos e sinérgicos envolvendo outros empreendimentos já implantados ou

em vias de implantação na mesma região.

No processo de licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Barra

Grande, após diversas ações judiciais, com manifestações da sociedade civil e

dos atingidos pela barragem, em razão especialmente de falha atribuída ao

EIA/RIMA que deixou de prever a existência no local de implantação da usina

de área remanescente de Mata de Araucária (tipo de floresta do Bioma Mata

Atlântica), foi celebrado termo de compromisso, exigindo a realização de

Avaliação Ambiental Integrada. O objetivo de tal avaliação foi a identificação

e a análise dos efeitos sinérgicos e cumulativos, resultantes do conjunto de

empreendimentos cuja concessão teria sido outorgada na bacia do Rio Uruguai

(na divisa entre os estados de Rio Grande do Sul e de Santa Catarina).

A seu turno no processo de licenciamento ambiental do complexo

hidrelétrico de São João/Cachoeirinha, no Paraná, houve a paralisação das

atividades pelo Instituto Ambiental do Paraná, através da Portaria 120/2004,

42 A íntegra do Termo de Ajustamento de Conduta esta disponível no Anexo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 23: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

229

desse órgão, que condicionou o licenciamento à efetivação da AAE e do

Zoneamento Ecológico Econômico no referido estado, já determinado por lei

estadual.

Já em Rondônia, no licenciamento ambiental do complexo hidrelétrico

do Rio Madeira, houve também a elaboração da avaliação ambiental

estratégica pelo Consórcio Furnas-Odebrecht, de maneira voluntária, na etapa

da apresentação dos estudos de viabilidade técnica e socioambiental.

No Brasil, verifica-se que a matriz energética predominante é a

hidrelétrica, com cerca de 73 % do total de energia produzida43. Esse fator se

deve em razão do grande potencial hidráulico existente no país, além da

disponibilidade tecnológica nacional, que tem produzido energia barata,

competitiva e renovável44. Por outro lado, há previsões no sentido de um

aumento crescente da demanda por energia.

Não é sem razão: a crise energética ocorrida em 2001 serviu para

demonstrar que o modelo anterior, conhecido como “reestruturação” do setor,

em vigor a partir de 1993, baseado na competição e desestatização, não

apresentara os resultados esperados do ponto de vista macroeconômico e,

ainda, acarretara prejuízos concretos à economia e à população, especialmente

as de mais baixa renda. Do ponto de vista estratégico, a perda foi ainda maior,

pois o Estado deixou de assumir o papel de planejador e orientador de políticas

em um setor de fundamental importância para o desenvolvimento social e

econômico do país.45 46

43 Vide figura 3, constante do capítulo 4. 44 RAMOS, Silvia Maria Frattini Gonçalves; THEODORO, Suzi Huff. Avaliação Ambiental Estratégica viabilizando um futuro sustentável par ao setor elétrico brasileiro. THEODORO, Suzi Huff; BATISTA, Roberto Carlos; ZANETI, Izabel. ( org ) Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2008, p.103. 45 SAUER, Ildo Luís. Um novo modelo para o setor elétrico brasileiro. SAUER, Ildo Luís. ( et al ) A reconstrução do setor elétrico. Campo Grande: Ed. UFMS; São Paulo: Paz e Terra, 2003, pp. 16-17. 46 Segundo o referido autor, para os idealizadores do modelo de reestruturação, a causa da escassez energética foi a incompleta implementação do novo sistema, com a permanência de grande parte da geração sob gestão estatal. Outros atribuíam a falta de energia a causas naturais como a estiagem. Porém, a verdadeira causa seria a falta de investimentos em geração e transmissão de energia elétrica, pois as empresas estatais, em cumprimento aos acordos do país com agências multilaterais estavam impedidas de investir e, por outro lado, o capital privado deu preferência aos investimentos na capacidade já existente, agregando pouca capacidade nova ao sistema. Na região sudeste, detentora de 68% da capacidade de armazenamento do país, até 1993, verificava-se mais de 93% da capacidade preenchida, todos os anos, ao final do período chuvoso. Em 2001, na mesma época do ano, estavam abaixo de 34%, pois a partir de 1995 o estoque foi continuamente consumido, sem que providências fossem tomadas no sentido do aumento da produção energética.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 24: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

230

A institucionalização da avaliação ambiental estratégica se coaduna, a seu

turno, com a retomada pelo poder público da iniciativa quanto ao planejamento

energético, iniciada a partir das alterações normativas ocorridas em 200447. No

entanto, é preciso atentar para determinados aspectos que parecem ser

fundamentais para não tornar o instituto “uma mera etapa ou formalidade a ser

cumprida”.

Estando em jogo a ação da administração pública, em seus vários setores,

importante é reconhecer a mudança de paradigmas em relação a sua atuação, com

a introdução de novos valores relacionados ao Estado pós-moderno, notadamente,

aqueles inseridos no contexto do Estado de Direito Ambiental.

Prioriza-se, a partir deste novo paradigma, a observância dos direitos

fundamentais e da democracia integral (substancial e não apenas formal). Assim,

cumpre ao Estado afirmar o seu primado de valores, garanti-los e promovê-los

através de políticas públicas adequadas, sempre pautado pelos dois macro-

princípios: o dos direitos fundamentais e do da democracia substancial.48

Não há de se admitir, pois, no âmbito do planejamento e da administração

pública, a racionalidade e a objetividade impostas pelo Estado Moderno, para a

obtenção de sua legitimidade.

No Estado moderno, a lógica dominante é a da razão, marcada pelas

características da abstração e objetividade. Estes são, sobretudo, os “instintos

infalíveis da burocracia para as condições da conservação de seu poder dentro do

Estado próprio.”49

Max Weber, no estudo da dominação burocrática, construção do Estado

moderno, já afirmava que “a razão decisiva do avanço da organização burocrática

sempre foi sua superioridade puramente técnica sobre qualquer outra forma”50.

Segundo o autor, a “precisão, rapidez, univocidade, conhecimento da

documentação, continuidade, discrição, uniformidade, subordinação rigorosa,

diminuição de atritos e custos materiais e pessoais alcançam o ótimo numa

administração rigorosamente burocrática.”

47 Vide sobre o assunto o capítulo 2. 48 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro paradigmas do direito administrativo pós-moderno: legitimidade, finalidade, eficiência; resultados. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 24. 49 WEBER, Max. Economia e Sociedade. Fundamentos da Sociologia Compreensiva. VOL. I. Tradução Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa, Brasília/DF: Editora da Universidade de Brasília/ São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004, p. 216. 50 Ibid. p. 212.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 25: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

231

Portanto, a burocracia e suas técnicas mascaram as razões adotadas pela

administração pública na tomada de decisões, que, no Estado Moderno, priorizam

a “objetividade” e a “calculabilidade dos resultados”, garantidores da segurança

jurídica. Esta peculiaridade da atividade burocrática, bem-vinda ao capitalismo, é

louvada, pois “desumaniza”, elimina os elementos sentimentais na execução das

tarefas oficiais.51

Não passou despercebido ao referido autor, porém, a questão da chamada

“tendência democrática” que pretende “minimizar a dominação”. Porém, a

dominação burocrática, em nome da “igualdade jurídica” - que exige garantias

jurídicas contra a arbitrariedade da administração e a objetividade racional formal

da administração - prevaleceu sobre a possibilidade de influência através da

opinião pública, causadora de inequívocos “sentimentos irracionais”. 52

Afirma o autor:

Particularmente para as massas não-possuidoras, a “igualdade jurídica” formal e a aplicação do direito e administração “calculáveis”, tais como as exigem os interesses “burgueses”, não trazem vantagem alguma. Para elas, como é natural, o direito e a administração têm de estar a serviço do nivelamento das oportunidades de vida econômicas e sociais diante dos possuidores, e esta função eles apenas podem exercer quando adotam, em grande parte, um caráter informal ( de justiça de cádi ), devido ao seu conteúdo ético.53

No novo paradigma do Estado Democrático de Direito, diverso dos

parâmetros acima mencionados a respeito do Estado Moderno, a administração

pública assume papel mais político do que técnico. Nesta mudança de paradigma,

deve-se assistir à passagem da política como “administração técnica de homens e

coisas” para a política “como governo dos homens mediado pela gestão das

coisas”, pois não se deve aceitar a “tecnicização administrativa da política” que

acarreta na sua despolitização.54

A vinculação de decisões administrativas a análises estritamente técnicas

impede a intervenção dos cidadãos no Estado. Este, no entanto, não deve ser o

escopo esperado da atuação estatal na utilização da avaliação ambiental

estratégica.

51 Ibid. pp. 212-213. 52 Ibid, p. 216. 53 Ibid. p. 217. 54 CHAUI, Marilena. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 2007, p. 284.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 26: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

232

Seguindo estes novos parâmetros, para que a administração pública torne

a avaliação ambiental estratégica um instrumento eficaz do ponto de vista da

sustentabilidade socioambiental, é preciso, antes de tudo, que esteja aberta à

participação pública.

Analisando o escopo da avaliação ambiental estratégica, podemos afirmar,

então, que ela parece ser instrumento adequado para permitir a melhoria da

qualidade da gestão ambiental, através da articulação entre os setores energético e

ambiental, possibilitando a gestão democrática desde o início do planejamento

energético. Além disso, vai diminuir os efeitos da burocracia inerente ao processo

de licenciamento ambiental e torná-lo mais eficiente, na medida em que se presta

à análise individual da viabilidade ambiental de projetos.

Se a dimensão socioambiental não for devidamente incorporada ao

processo de planejamento energético, corre-se o risco de se ter um direito que é

ambiental e um sistema jurídico não-ambiental55

5.2

Análise dos casos-referência na perspectiva da implantação da

avaliação ambiental estratégica

Reforcemos aqui a justificativa quanto à adequação dos casos-referência

para a presente pesquisa.

Os casos foram escolhidos em razão não só de sua notoriedade como

também pelo fato de envolverem direta ou indiretamente a realização de estudos

diversos e complementares ao Estudo de Impacto Ambiental.

Através de tais casos, pode-se identificar as questões relativas à participação

pública, ao desenvolvimento sustentável e à avaliação ambiental estratégica.

Diferem, no entanto, já que no caso da UHE de Barra Grande, mais antigo, o

processo de licenciamento ambiental já foi concluído, enquanto que no do

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, o processo de licenciamento ambiental

ainda está em curso.

55 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direito ambiental e teoria jurídica no final do século XX. In VARELLA, Marcelo Dias. BORGES, Roxana Cardoso B. ( org ). O novo em Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 15.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 27: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

233

Objetiva-se, com a presente análise, demonstrar como tem se dado a

participação pública nos processos para a implantação de hidrelétricas, verificar se

a sustentabilidade socioambiental está sendo observada e, por fim, examinar os

casos a partir da utilização da avaliação ambiental estratégica.

Quanto a este último aspecto, será elaborada uma análise diferenciada

entre os dois casos, pois, no primeiro, será realizada uma espécie de projeção para

examinar qual teria sido o efeito da adoção da avaliação ambiental estratégica na

decisão sobre a implantação do empreendimento. Já no segundo caso, será

avaliada a experiência da adoção voluntária da avaliação ambiental estratégica

pelo empreendedor.

5.2.1

Caso-referência da Usina Hidrelétrica de Barra Grande

Um dos primeiros pontos que merecem registro no caso proposto diz

respeito ao fato de que, após a descoberta da existência de remanescentes de

floresta ombrófila mista na área do empreendimento, não houve a iniciativa, no

âmbito do processo de licenciamento ambiental, de realização de nenhum ato

formal que ensejasse a possibilidade de participação popular, como a audiência

necessária aos interessados - o público.

Aliás, o processo de licenciamento ambiental da UHE Barra Grande

parece não ter sofrido alteração significativa em seu percurso, salvo em razão das

decisões judiciais que, momentaneamente, impediram o órgão licenciador de

emitir autorização para a supressão da vegetação de Mata Atlântica e a licença de

operação, bem como o próprio empreendedor de prosseguir com as obras. A

iniciativa relativa à celebração do termo de compromisso com a participação do

Ministério Público Federal foi tomada justamente para permitir o prosseguimento

regular do processo de licenciamento ambiental.

Como visto, através da narrativa anterior dos fatos, não foi ventilada, no

aludido processo de licenciamento, qualquer conduta do órgão licenciador no

sentido de anular56 ou, mesmo, suspender as licenças já emitidas. Neste particular,

56 A doutrina pátria diverge neste ponto quanto à forma que assume a revisibilidade da licença ambiental. Alguns falam em cassar, outros em anular, outros em cancelar e outros ainda em

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 28: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

234

a descoberta em fase adiantada do processo de licenciamento - de uma omissão no

EIA/RIMA quanto à existência de remanescentes de Mata Atlântica, vegetação

protegida pelo ordenamento jurídico - ensejaria, a toda evidência, a revisão das

licenças concedidas57 (e “Revisão”, aqui, possui o significado de “adequar, anular,

cassar, revogar ou suspender”58).

Ora, sabido é, que a licença ambiental, como ato administrativo resultante

de processo administrativo, pode ser anulada59 posteriormente caso se descubra

omissão ou falsa descrição de informação relevante que tenha subsidiado a

expedição da licença. O art. 19, inciso II da Resolução CONAMA n. 237/9760, é

claro neste sentido. Não foi essa, todavia, a conduta do órgão ambiental neste

caso, o que já é bastante grave.

Porém, após o conhecimento pelo IBAMA e pelo Ministério Publico dos

fatos, não chegou sequer a ser aberto mais um canal de discussão com a sociedade

civil, o que seria imprescindível por se tratar de informações que já deveriam ter

instruído o EIA/RIMA desde o início.

A falta de uma abertura para a discussão da omissão revelada dentro do

próprio licenciamento ambiental, portanto, deu ensejo a uma corrida das ONG’s e

associações com atuação na área ambiental ao Poder Judiciário, com o

ajuizamento de diversas ações, cujo objeto principal era (e ainda é, pois as ações

ainda não foram definitivamente julgadas) a anulação das licenças ambientais

expedidas.

Deve ser, destacado, ainda, que para a celebração do termo de

compromisso pelo Ministério Público Federal também não houve prévia oitiva da

sociedade, seja através da realização de audiência pública ou de reuniões abertas à

revogar. Vide FARIAS, Talden. Licenciamento Ambiental. Aspectos Teóricos e Práticos. Belo Horizonte, Fórum, 2007, p. 212. 57 O art. 9o, inciso IV, da Lei 6938/81 prevê a possibilidade de rever as licenças já concedidas. 58 Neste sentido, FARIAS, Talden. op.cit., p. 206. 59 Apesar da divergência doutrinária sobre o tema, entendemos que a hipótese em tela enseja a anulação da licença. Neste mesmo sentido, STEIGLER, Annelise Monteiro. Aspectos controvertidos do licenciamento ambiental. Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. Disponível em: http://www.abrampa.org.br. Ultimo acesso em 14 de outubro de 2008; e FARIAS, Talden. Licenciamento Ambiental. Aspectos Teóricos e Práticos. Belo Horizonte, Fórum, 2007, p. 218.

60 Resolução CONAMA 237/97.Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer:(...) II- Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 29: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

235

participação dos interessados. Há que se acrescentar, ainda, que o termo de

compromisso foi debatido internamente no âmbito da instituição ministerial, com

o pronunciamento do órgão colegiado da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do

Ministério Público Federal, formada por três membros, que, por unanimidade,

aprovou e homologou o mencionado termo, em 22 de novembro de 200461.

No entanto, esta participação dos segmentos da sociedade se revelou na

propositura de diversas ações judiciais, ainda hoje em curso, apesar de o

empreendimento já estar em operação.

Visto sob outra perspectiva, percebe-se que os órgãos públicos

competentes, tais como IBAMA, Ministério do Meio Ambiente e Ministério

Publico Federal, não tomaram nenhuma iniciativa no sentido de impedir a

implantação do empreendimento, mas, sim, de possibilitar a sua instalação com a

concomitante imposição de medidas mitigadoras e compensatórias. A única ação

judicial existente de órgão público, neste caso, foi movida pela União.

A mobilização popular através do MAB, juntamente com as ONG’s e

associações ambientalistas, fez com que tais fatos ganhassem projeção nacional e

internacional e servissem como instrumento de pressão na tomada de decisões

pelo Poder Judiciário e pelo próprio empreendedor.

Quanto ao Poder Judiciário, cabe destacar não só a decisão liminar

prolatada nos autos da ACP n. 2004.72.00.013781-9, junto à 3a Vara da Seção

Judiciária de Florianópolis, pelo Juiz Federal Osni Cardoso Filho, como também a

proferida no recurso de agravo, em Suspensão de Execução de Liminar n.

2004.04.01.049432-1/SC, pelo Desembargador Presidente Vladimir Passos de

Freitas, reconsiderando sua decisão anterior no sentido de suspender os efeitos da

liminar.

Com relação ao empreendedor, podemos mencionar a elaboração dos

acordos para possibilitar o remanejamento da população atingida, em setembro de

2002 e em dezembro de 2004, somente possíveis, nos termos em que foram

elaborados, depois de muita resistência e pressão pela população organizada.

61 Esta informação foi obtida de depoimento dado pelo representante do MPF na audiência pública realizada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, em 30 de agosto de 2005. Vide, para tanto, o site <www2.camara.gov.br/comissões/cmads/notastaq/nt30082005.pdf>. Último acesso em 02 de janeiro de 2009.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 30: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

236

Ora, se do ponto de vista da sociedade civil organizada, pode-se afirmar a

existência de verdadeira sociedade reflexiva, com a atuação expressiva dos

movimentos sociais e ambientais, não é possível dizer o mesmo sob o ângulo do

poder público. Aqui, a existência de interesses convergentes entre o governo

federal e a iniciativa privada no sentido de implantar a hidrelétrica tornou o poder

público ente parcial, não aberto ao diálogo e capaz de sobrepor os anseios da

generalidade social plural de reabertura da discussão sobre a viabilidade ambiental

do projeto e a apresentação de alternativas capazes de preservar a floresta de

araucárias.

Por outro lado, a atuação do poder público em geral não se mostrou

próxima, receptiva e acessível aos diretamente atingidos pelo empreendimento

nem também aos cidadãos que questionaram, em vários fóruns de discussão e em

diversas esferas, a conduta do poder público em relação à omissão praticada no

EIA/RIMA da UHE de Barra Grande. A falta de canais e de espaços, propiciados

pelo próprio poder publico para o debate e a crítica, ficou evidente. Tanto é assim

que as controvérsias surgidas foram judicializadas62. A ida ao Poder Judiciário

acabou, de fato, transformando-se no último recurso para possibilitar uma

reapreciação do interesse público na implantação do empreendimento hidrelétrico.

Além da fraude havida na questão ambiental, a deficiência quanto ao

tratamento das questões socioeconômicas foi apontada pelo próprio IBAMA63

como um dos graves problemas existentes no processo de licenciamento. Estes

decorreram de alguns fatores, tais como a existência de estudos de casos

negativados de pessoas (que se consideram atingidas pela barragem), a ausência

de mecanismos de consulta e participação da sociedade (por parte do

empreendedor, na discussão dos interesses sociais coletivos), a imprevisão tanto

no cumprimento das etapas e quanto aos prazos para implementação do acordo de

remanejamento populacional pela BAESA.

Fica evidente essa questão em trecho do parecer técnico emitido pelo

órgão ambiental antes da concessão da licença de operação:

Após uma leitura atenta dos objetivos iniciais e atividades previstas para os diversos Projetos Ambientais para mitigação e compensação dos impactos sobre

62 Neste sentido, vide VALLE, Raul Silva Telles do. O caso Barra Grande: lições sobre o ( não ) funcionamento do Estado de Direito no Brasil. In PROCHNOW, Miriam ( org ) Barra Grande. A hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul: APREMAVI, 2005, pp. 16-17. 63 Parecer Técnico N° 71/2005 – IBAMA/DILIQ/CGLIC/COLI C, datado de 04 de julho de 2005, preparatório para a emissão de Licença de Operação.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 31: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

237

o meio socioeconômico, percebemos que houve um enorme hiato entre as propostas e as ações efetivamente realizadas. Os Projetos propostos, cuja aprovação pelo IBAMA proporcionou a emissão das Licenças Prévia e de Instalação, não foram executados por completo, apesar da experiência da equipe técnica disponível para a implementação dos mesmos. Entre os Projetos cujos objetivos não foram adequadamente alcançados, destacam-se o Programa de Remanejamento e Compensação da População Atingida e o Programa de Reestruturação e Revitalização das Comunidades Lindeiras.

Por outro lado, a ineficiência do empreendedor no trato das questões

socioeconômicas se revela no fato de que a licença de operação foi concedida

contendo setenta e seis (76) condicionantes, das quais, pelo menos, trinta e seis

(36) dizem respeito ao cumprimento de exigências relacionadas aos acordos

anteriormente assinados para remanejamento populacional e apoio à população

atingida.

Portanto, claro o descumprimento dos direitos humanos. Além da falta de

observância do necessário dever de proteção ambiental, fica evidente que a

degradação ambiental causada também gera violações ao direito à vida, à saúde, à

moradia, ao bem-estar, ao trabalho, às referências culturais e ao desenvolvimento

da população local.

Ademais, a falta de informações claras e precisas e a deficiência na

publicidade de atos oficiais, como o termo de compromisso, aliás, em muito,

contribuiu para a ausência de uma participação pública mais eficaz. O fato de não

existir uma troca de informações continua, verídica, tempestiva e transparente

entre poder público, iniciativa privada e sociedade civil, mesmo após a vinda à

tona da grave falha do EIA/RIMA, com a produção de maior conhecimento

(técnico-científico ou não), com toda certeza acarretou prejuízos ao pleno

exercício da cidadania.

Portanto, a conclusão a que se chega é que, de forma efetiva, não foram

fornecidas condições para o pleno exercício da cidadania, o que implica dizer que

a verdadeira finalidade da participação pública, qual seja o debate e a

possibilidade de influir em decisões, não foi atendida minimamente. Resta, pois,

constatar a existência de um déficit real de participação pública no caso de Barra

Grande, cuja conseqüência grave e incontornável recai na total falta de

credibilidade nas instituições públicas em geral, como fomentadoras de processos

participativos para as tomadas de decisão.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 32: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

238

No que diz respeito à aplicação do princípio do desenvolvimento

sustentável, constata-se, desde o início do processo de licenciamento ambiental,

que não foi plenamente observado.

A grande questão em torno da qual girava toda a controvérsia, na

implantação da usina Barra Grande, era de saber se poderia uma usina hidrelétrica

se instalar em local de presença dos últimos remanescentes de floresta ombrófila

mista primária, da qual restaria menos de 3% em todo o território nacional.64

O que se percebe é que a discussão a respeito da viabilidade ambiental do

empreendimento acabou sendo colocada de lado, em razão do argumento que

acabou se consolidando: da necessidade de expansão energética na região.

Aqui, desenvolve-se uma luta simbólica, a respeito de representações, de

valores, de esquemas de percepção e de idéias65, manifestadas entre aqueles que

priorizam a necessidade de preservação ambiental e os que preferem uma política

econômico-energética de aumento da geração a qualquer custo. Nesse embate, os

defensores do empreendimento se utilizaram do discurso corrente sobre a

necessidade de expansão energética para legitimar o licenciamento do

empreendimento. Este é o processo de apropriação simbólica dos recursos

naturais, que legitima, ao fim e ao cabo, a distribuição de poder e do capital sobre

os recursos ambientais.

Portanto, no debate acerca do desenvolvimento sustentável, que deve ser

ampliado para abordar todas as suas dimensões - social, cultural, ambiental,

territorial, econômica e política – de maneira a harmonizar os objetivos sociais,

ambientais e econômicos, ficou evidente a predominância apenas de uma de suas

dimensões: a econômica.

A sustentabilidade ambiental, no caso de Barra Grande, acabou sendo

presumida a partir da autorização para operação do empreendimento, acreditando-

se que a imposição de medidas mitigadoras e compensatórias, sem a prévia

análise e discussão em novo EIA/RIMA que deveria ter sido apresentado, seriam

possíveis para contornar o dano ambiental causado.

Aliás, quais teriam sido os critérios para estipular as medidas

compensatórias - a) a aquisição de uma área equivalente pela empresa àquela em

64 Ibid. p. 21. 65 ACSELRAD, Henri. Conflitos Ambientais – a atualidade do objeto. ACSELRAD, Henri. Conflitos Ambientais no Brasil. ( org ). Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Heinrich Böll, 2004, p. 23.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 33: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

239

que predominava a formação primária em estágio avançado e médio, encontradas

no reservatório para criação de uma unidade de conservação federal, b) a

realização de uma avaliação ambiental integrada da bacia do rio Uruguai e c) a

implantação de um banco de germoplasma para as espécies ameaçadas de

extinção - já que o dano ambiental perpetrado, neste caso, é irreversível?

A irreversibilidade do dano é mais do que clara, por se tratar de supressão

de floresta de araucárias que já quase não existem no Brasil, com uma

biodiversidade particular, que contempla espécies de fauna e flora ameaçadas de

extinção, como a bromélia Dyckia distachya, espécie rara e endêmica.

Não houve, também, um debate adequado e amplo quanto às questões que

formam o tripé da dimensão ambiental da sustentabilidade, quais sejam: a

preservação do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis; a

limitação do uso de recursos não renováveis; e o respeito e o estímulo para a

capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais. Neste último particular, o

ecossistema relativo ao bioma da floresta de araucárias, com sua fauna e flora

características, foi absolutamente desconsiderado.

Os argumentos utilizados para a celebração do termo de compromisso, no

sentido de que (a) seria do “interesse público” a conclusão do aproveitamento

hidrelétrico denominado Barra Grande - quinto maior aproveitamento do conjunto

de empreendimentos – eis que “necessário” para expansão da geração de energia

elétrica do país, uma vez atendidos os requisitos de cunho ambiental”66 (b) e que a

paralisação da obra da usina, já em sua fase final, não seria do interesse público e

nem privado67, bem demonstram a prevalência dos critérios econômicos na

tomada de decisão.

Há de se perguntar, então, quando se fala em “interesse público” na

implantação do empreendimento, se estaria sendo feita referência a um interesse

público primário – relativo à coletividade, ao bem comum - ou secundário –

inerente ao próprio Poder Executivo Federal, in casu?68 O interesse público

quanto à preservação ambiental dos ecossistemas especialmente protegidos e,

66 Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, item 13 das considerações iniciais. 67 Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, item 16 das considerações iniciais 68 A classificação entre interesse público primário e secundário é trazida da doutrina italiana capitaneada por Renato Alessi e hoje é incorporada tanto pela doutrina brasileira como pela jurisprudência de nossos tribunais.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 34: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

240

ainda, o interesse da sociedade em geral, do bem comum, estaria sendo

legitimamente representado?

Tais indagações não foram sequer debatidas no seio da sociedade civil,

como referenciado anteriormente, e, portanto, os argumentos necessários para a

apresentação das respostas não foram levadas em consideração no momento

decisório.

É bom lembrar igualmente que, nos autos da ação civil pública ainda em

curso (proc. n. 2004.72.00.013781-9), na inspeção judicial realizada para verificar

o cumprimento das cláusulas do TAC e das condicionantes da licença de

operação, o juízo verificou que as medidas ambientais, mesmo tendo sido

observadas, não estavam adequadas. Constatou, ainda, a deficiência grave na

recuperação das áreas de preservação permanente no entorno da área alagada e a

inadequação da relocação das Dyckias nas margens, por falta de similaridade com

o ambiente natural do qual foram recuperadas. A conservação ambiental das

espécies de Dyckias transpostas, com cercas, arames etc, embora tenha-se

mostrado razoavelmente adequada para a sobrevivência/sobrevida das espécies,

não apontou para qualquer indicativo de que a mesma possa-se desenvolver

naturalmente naquelas condições.

Portanto, a alegação da viabilidade ambiental do empreendimento, com a

adoção das medidas compensatórias constantes do termo de compromisso

celebrado, mostra-se totalmente falha e sinaliza que a decisão tomada em torno de

tal argumento é equivocada do ponto de vista ambiental.

Ademais, a não conservação da mata de araucárias fere frontalmente os

princípios e regras constantes de duas Convenções: a) sobre a Diversidade

Biológica de 1992, da qual o Brasil é signatário, assumindo, à época, a

obrigatoriedade de desenvolver estratégias, planos e programas nacionais para a

conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica e de seus

componentes, e 2) a Convenção de Washington, de 1940, sobre Belezas Cênicas,

que expressa os compromissos para a proteção da flora, fauna e das belezas

cênicas dos países da América.

Por outro lado, alegações como a de que o funcionamento do

empreendimento se revela “indispensável ao desenvolvimento da ordem

econômica” e de que haveria a possibilidade de um “déficit energético”, caso o

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 35: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

241

empreendimento não se implantasse, em tempo algum, foram efetivamente

demonstradas, com estudos e discussões mais ampliadas sobre o assunto.

Neste ponto, cabe destacar que o próprio Diretor de Licenciamento e

Qualidade Ambiental do IBAMA, Luiz Felippe Kunz Júnior, responsável pelo

caso, em uma manifestação exarada em audiência pública, realizada na Comissão

de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, em

30 de agosto de 200569, incorporou o discurso da necessidade de maiores

empreendimentos hidrelétricos para expansão de energia, deixando transparecer,

nas entrelinhas, que o processo de licenciamento ambiental de hidrelétricas

objetiva “adequar” o empreendimento às exigências ambientais.

É importante ressaltar aqui que não se imagina a implantação de usinas hidrelétricas sem danos — elas provocam grandes impactos ambientais; talvez sejam dos empreendimentos mais impactantes —, e nossa função é justamente tentar diminuir esses impactos sempre que possível. Em alguns momentos isso não vai ser possível. Existem empreendimentos que infelizmente são negados em razão da magnitude de seus impactos ambientais comparada à extensão dos benefícios que trazem. Mas normalmente o processo de licenciamento se dá com a tentativa de adequar os empreendimentos de modo a fazer com que possam vir a ter utilidade pública — no caso, por exemplo, gerando energia, benefício que traz desenvolvimento ao País —, mas também a diminuir os grandes impactos que causam. Outro ponto que merece ser abordado nesse tópico é aquele que diz

respeito ao fator tempo para o exame das condições socioambientais de

viabilidade de um empreendimento.

Via de regra, o administrador público e o empreendedor possuem noções

distintas quanto ao tempo de duração a ser considerado para a tramitação dos

processos de licenciamento ambiental. A lógica mercantil, caracterizada pelos

compromissos financeiros e contratuais e pela pressão dos acionistas, diverge

frontalmente do tempo ideal para o exame das questões socioambientais, que

demandam atenção aos princípios da precaução e da prevenção bem como da

prudência no processo de licenciamento de atividades econômicas potencialmente

poluidoras. A seu turno, o tempo do mercado fica, também, distante do tempo real

de que a administração pública dispõe para finalizar o processo de licenciamento

ambiental, levando em consideração a carência de recursos materiais e pessoais,

orçamento restrito, o fato de que o administrador deve atenção a outras diversas

69 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Texto com redação final acessível pela internet através do site <www2.camara.gov.br/comissoes/cmads/notastaq/nt30082005.pdf>. Último acesso em 02 de janeiro de 2009.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 36: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

242

demandas70 e, ainda, a má qualidade dos EIA/RIMA apresentados, fato

corriqueiro, que gera inúmeros incidentes e pedidos de complementação de

informações do estudo apresentado.

O ideal é que haja um equilíbrio entre essas duas acepções de tempo, a da

urgência do mercado e a da prudência exigida da atuação do órgão ambiental,

porém no caso Barra Grande, mesmo a descoberta da grave falha cometida pelo

próprio empreendedor não foi capaz de obstar a pressão exercida para que

preponderasse o tempo da urgência relativa aos interesses do mercado. Note-se

que a observância deste tempo não permitiu a reabertura da discussão com a

participação pública, o que deveria ter sido feito.

Prova disso foram todas as condicionantes previstas na licença de operação

dentre as quais se impôs ao empreendimento a obrigação de aferição dos impactos

negativos causados em cada município na região da obra, para identificar a

necessidade de medidas mitigadoras adicionais nos sistema de saúde, educação,

segurança, assistência social, transporte, abastecimento de água e saneamento

durante a construção da usina; a manutenção de uma unidade de atendimento à

população atingida pela implantação do empreendimento, em local de fácil

acesso, durante determinado período; a obrigação quanto ao monitoramento dos

animais por, pelo menos, mais quatro anos após o início da operação da

hidrelétrica, devendo enviar os animais resgatados para instituições científicas ou

para criadouros; a realização do corte de madeira da área do reservatório por via

fluvial durante o enchimento e nos períodos previstos para a baixa das águas no

reservatório.

Um comentário sobre a prevalência da teoria do fato consumado na

liberação do empreendimento também deve ser realizado.

Essa teoria acima revela-se como uma construção jurisprudencial de longa

data. Segundo François Ost71, em abordagem histórica da questão revela que ela

remonta às origens míticas da Justiça, no julgamento de Orestes, quando as três

erínias são transformadas em eumênides. No Brasil, a teoria começou a ser

70 COUTO, Oscar Graça. Alguns aspectos da “Lei da Transparência Ambiental”- Lei. N 10650/2003 em face do setor produtivo e, em especial, da Indústria do Petróleo ( ou, ainda, “Adivinhe quem vem para Jantar?”) 71 OST, François. O Tempo do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. p. 442 apud TESSLER, Marga Inge Barth. O fato consumado e a demora na prestação jurisdicional. Revista CEJ, Brasília, n. 27, p. 95-101, out./dez. 2004.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 37: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

243

aplicada pelo STF em julgados datados da década de 60, sobre direito à educação,

em que era discutido o direito de ingresso e matrícula de alunos em instituição

superior de ensino, em que a sentença, em razão da demora do processo, somente

era prolatada após a formatura do aluno. 72A adoção da teoria, portanto, consiste

na aceitação da consolidação de uma situação de fato, em razão do decurso de

longo tempo sem a efetiva prestação jurisdicional. Significa que as situações

jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não

devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da

estabilidade das relações sociais. Considera-se que as situações, de fato, após

decurso de longo prazo, por perderem sua provisoriedade, passam, segundo tal

entendimento, a ser merecedoras de amparo permanente.73

No licenciamento ambiental da hidrelétrica, o fato de a usina já estar com a

barragem pronta para operação, por força da detenção das licenças prévias e de

instalação, influenciou diretamente na decisão sobre a realização do termo de

compromisso e, conseqüentemente, na concessão de licença de operação.

Também serviu para dar fundamento a decisões judiciais que negaram pedidos de

paralisação das obras e a declaração de nulidade das licenças. As obras físicas da

barragem estavam encerradas desde abril de 200574 e este argumento serviu como

pressão e justificativa para se aceitar a implantação da usina, mesmo em face dos

enormes custos ambientais, privilegiando-se uma evidente ilegalidade.

O caso do licenciamento ambiental em comento parece, no entanto,

divergir das demais hipóteses em que a teoria do fato consumado vem sendo

adotada pelos tribunais: a consolidação do fato se deu, não por decisão judicial,

mas por ato administrativo concedido e, é bom lembrar, com base em informações 72 TESSLER, Marga Inge Barth. O fato consumado e a demora na prestação jurisdicional. Revista CEJ, Brasília, n. 27, p. 95-101, out./dez. 2004. 73 Vale a menção de que a teoria foi adotada pelo STF nos seguintes julgados, somente para citar: RMS n. 14.017/GB, Pleno, 22/ 03/1965, RTJ 33/280, em que se discutiu o direito de matrícula, e a decisão só foi proferida após a conclusão do curso; RMS n. 13.807/GB, STF, 3ª Turma, 03/03/1966, sobre a aprovação ou não em determinada série do curso, com decisão somente após a formatura, RTJ 37/249. No STJ, a teoria do fato consumado também foi adotada em julgados sobre a mesma matéria, conforme nos seguintes casos, dentre vários: MC n. 6.011, 1ª Turma, 20/05/2003, DJ 18/08/2003, sobre transferência de estudante, em virtude de assumir cargo em comissão, na iminência de concluir o curso; AgREsp n. 49/202, 1ª Turma, DJ 30/06/2003, de aluno especial, reingresso extravestibular, concluídas as disciplinas do curso de Farmácia da UFRGS. A referida teoria, no entanto, não foi acolhida em caso de nomeação de servidores que participaram de concurso público por forca de liminares. Neste sentido, cite-se a decisão da 5ª Turma do STJ, no Recurso Especial n. 662711, revendo decisão do TJ do estado de Alagoas. 74 Vide noticia intitulada Usina Hidrelétrica de Barra Grande recebe licença de operação, datada de 06 de julho de 2005, veiculada no site http://noticias.ambientebrasil.com.br/noticia/?id=19904, último acesso em 02 de janeiro de 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 38: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

244

inverídicas prestadas pelo próprio empreendedor. Portanto, houve omissão por

parte do empreendedor e, logicamente, erro do IBAMA, ao não fiscalizar e

confirmar as informações constantes do EIA/RIMA. Mas a causa primeira que

ocasionou a concessão das licenças com base em informações falsas não poderia

ser esquecida para, com a teoria do fato consumado, afirmar uma possível

“inércia” da Administração Pública, privilegiando, ao final, o próprio

empreendedor causador de tal situação.

Assim, arriscamos neste momento uma conclusão razoável acerca da

opção tomada pelo termo de compromisso e pelas decisões judiciais que se

seguiram, reafirmando a correção deste. Ao que parece, buscou-se dar concretude

ao pensamento de que a existência de remanescentes de floresta de araucárias não

seria um verdadeiro obstáculo à expansão da atividade econômica, já que medidas

de compensação ambiental seriam passíveis de recompor o dano advindo com o

desmatamento de tais espécies. Acreditava-se, com isso, que medidas

tecnológicas, como a criação de um banco de germoplasma para as espécies

ameaçadas de extinção, e providências outras, como a aquisição de uma área com

floresta em formação primária em estágio avançado e médio, destinada à criação

de uma unidade de conservação federal, bem como a realização de uma avaliação

ambiental integrada, que não mais teria qualquer resultado direto para a região

atingida, substituiriam, à altura, o comprometimento dos bens ambientais

atingidos.

Trata-se, aqui, evidentemente, da influência direta do pensamento

econômico neoclássico75, podendo-se afirmar o privilégio de uma sustentabilidade

classificada como fraca, já que não se preocupa com a proteção do bioma Mata

Atlântica, cada vez mais deteriorado, de fundamental importância para a

manutenção dos ecossistemas locais, assumindo o risco de contribuir para a

extinção de espécies da fauna e flora. Neste sentido, corre-se o risco da

degradação ambiental em favor de uma expansão da geração de energia, que

beneficia, em primeira mão, as empresas do consórcio empreendedor – ALCOA –

carentes de energia para expandir sua atividade econômica.

Na equação que considera a sustentabilidade como capital total constante

que equivale à soma dos três fatores-chave - capital natural, trabalho e capital

75 Conforme já exposto em capitulo próprio, há vários autores que seguem essa linha de entendimento, podendo citar Robert Solow e David Pearce, cada um com suas particularidades.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 39: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

245

produzido-, aceita-se a perda do capital natural, desde que esse declínio seja

progressivamente compensado por acréscimos proporcionais dos outros dois

fatores – trabalho e capital produzido.

Nessa perspectiva de sustentabilidade fraca, o que se deve garantir às

gerações futuras é a capacidade de produzir e não qualquer outro componente da

economia. Ao final, o que se tem é um privilégio ao crescimento econômico em

detrimento da preservação ambiental.76

Ao revés, uma visão mais consentânea com a harmonização que deve

haver entre expansão da ordem econômica e a preservação do equilíbrio

ecológico, decorrente do texto constitucional em vigor, seria a adoção de uma

visão de desenvolvimento sustentável diferenciada que buscasse a integração de

elementos ecológicos à economia, ultrapassando a aparente oposição entre estas

duas esferas.

De acordo com esta visão, imprescindível seria a tomada de providências

de precaução quanto a danos ambientais. Isto importa dizer que teriam de ser

feitos novos estudos ambientais para verificar a viabilidade da alteração do projeto

com a conservação da Mata de Araucárias, mantendo, da melhor forma possível, o

equilíbrio ambiental e, ao mesmo tempo, a melhoria da qualidade de vida da

sociedade. Somente poderiam ser aceitos os danos ambientais reversíveis77.

Por outro ângulo, caberia a reflexão sobre se a relação custo-benefício

social78, com a geração de energia por Barra Grande, de aproveitamento direto

pelas atividades econômicas do próprio consórcio gerador, como produtor

independente, e indireto pela sociedade em geral e, em comparação com o

impacto ambiental gerado, se seria (ou não) positiva. Deve-se ter em mente que a

proteção dos recursos naturais é parte integrante do objetivo de proporcionar o

bem-estar a todos os membros da sociedade. Some-se a isso o fato de que os

benefícios advindos com a modificação de condutas, na prática econômica, devem

beneficiar a todos, das presentes e futuras gerações. Sob a ótica do

empreendimento, caberia, a seu turno, a preservação da eficiência econômica79 da

76 VEIGA, Jose Eli da. Desenvolvimento Sustentável. O desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2006, p. 123. 77 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. Sao Paulo: Max Limonad, 1997, p. 243. 78 Ibid. p. 243. 79 Ibid. P. 243.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 40: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

246

atividade, não podendo o custo com medidas preventivas e redutoras de impactos

ambientais retirar a sua lucratividade.80

Por fim, buscaremos traçar um panorama das possíveis conseqüências ou

interferências da realização da avaliação ambiental estratégica no licenciamento

ambiental em questão.

Conforme já dito em outras ocasiões, não houve, antes do processo de

licenciamento ambiental (ou durante), a realização de outras avaliações ou estudos

ambientais – avaliação ambiental integrada, avaliação ambiental estratégica,

estudo integrado de bacias hidrográficas -, valendo ressaltar que os estudos de

inventário hidrelétrico da bacia do rio Uruguai datavam de 1978-1981, ou seja,

época anterior à vigência do novo ordenamento constitucional e, mesmo, à lei n.

6938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, em que não se

previa a observância aos princípios de direito ambiental, como a precaução,

prevenção, participação publica, informação, supremacia do interesse público na

preservação ambiental, desenvolvimento sustentável.

Certamente, sob a perspectiva jurídica e histórica, estávamos naquele

tempo, ainda, sob a égide de um regime antidemocrático, em que a participação

pública inexistia e não era, sequer, incentivada. Neste sentido, restringir a

conformidade de tais estudos à viabilidade técnica, tal qual dito no termo de

compromisso, sem atenção aos princípios acima apontados, decorrentes do texto

constitucional em vigor, é reduzir o debate aos limites da esfera do tecnicismo.

Não há como admitir que, em uma discussão que envolve o interesse público, da

coletividade, haja limitação à interpelação pelo argumento de que, tecnicamente

os estudos, realizados há mais de vinte anos, estariam “atualizados”.

Acrescente-se que, até mesmo no tocante à viabilidade técnica, tais estudos

mereceriam uma nova reapreciação, pois, ao tempo de sua realização, a dimensão

ambiental não era uma variável de grande preocupação, inexistindo na fase de

elaboração de tais estudos uma articulação com a área ambiental81, o que refletia,

inclusive, a própria ausência de uma proteção legal obrigatória adequada.

80 Stober. R. Hunderbuch des Wirtschafts – Verwaltungs – und Umweltrechts. Stuttgart, Verlag W. Kohlhammer, 1989, apud DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, PP. 242-243. 81 Tal fato foi apontado pelo Ministério do Meio Ambiente, no termo de referência elaborado em março de 2005, para a realização da Avaliação Ambiental Integrada dos aproveitamentos hidrelétricos na bacia do Rio Uruguai, em atenção ao termo de compromisso realizado em 2004. Em tal documento, foram considerados como problemas que justificariam a elaboração da AAI a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 41: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

247

A situação hoje é bem diversa. Todo o aparato normativo constituído para

dar concretude ao disposto no art. 225 da CF/88 - que inclui as leis recepcionadas

pelo novo ordenamento constitucional, como, por exemplo, a lei 6938/81, exige a

incorporação da dimensão ambiental desde o inicio da implantação do

empreendimento hidrelétrico, através da elaboração do inventário hidrelétrico.

O Manual de Inventário elaborado pela Eletrobrás (2007)82, inclusive,

sugere que os estudos de inventário hidrelétrico de uma bacia hidrográfica,

realizados em quatro fases - Planejamento do Estudo, Estudos Preliminares,

Estudos Finais e Avaliação Ambiental Integrada da alternativa selecionada –

tenham sempre a composição de uma variante ambiental, para a identificação e

valoração dos impactos socioambientais negativos na avaliação de alternativas de

divisão de queda para o aproveitamento hidrelétrico e posterior escolha da

alternativa mais atraente, do ponto de vista não somente energético, mas também

socioambiental e econômico.

De forma expressa, portanto, atualmente, há uma orientação no sentido de

que seja realizada a avaliação ambiental integrada, o que sequer se aventava

quando da data de elaboração do estudo de inventário hidrelétrico da bacia do rio

Uruguai.

Como já dissemos, a avaliação ambiental integrada difere da avaliação

ambiental estratégica, pois é realizada com relação a um determinado

empreendimento hidrelétrico e tem, dentre suas finalidades, 1) a de complementar

e consolidar os estudos socioambientais da alternativa selecionada nos Estudos

Finais, destacando os efeitos cumulativos e sinérgicos resultantes dos impactos

negativos e positivos; 2) a de estabelecer diretrizes socioambientais para a

continuidade dos estudos de concepção dos projetos e para futuros estudos

ausência de uma articulação com o setor ambiental nos inventários hidrelétricos; a falta de avaliação no licenciamento ambiental dos impactos ambientais causados em seu conjunto com os impactos de outros empreendimentos – efeitos cumulativos e sinérgicos -; e a obtenção da concessão para a geração de energia elétrica em época anterior à obtenção de licença prévia, o que passava a ser um instrumento de pressão para a liberação de licenças ambientais. Cf. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Termo de Compromisso datado de 15 de setembro de 2004, ementa. In: PROCHNOW, Miriam ( org ) Barra Grande. A hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul: APREMAVI, 2005. Disponível em:<http://www.apremavi.org.br/mobilizacao/barra-grande/>. (Acesso em 24 de fevereiro de 2009) 82 ELETROBRÁS. Manual de Inventário Hidrelétrico, 2007. Disponível em: < http://www.eletrobras.gov.br/ELB/data/Pages/LUMISF99678B3PTBRIE.htm>. (Acesso em 02 de fevereiro de 2009).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 42: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

248

socioambientais na bacia, bem como 3) a de subsidiar o processo de

licenciamento ambiental dos futuros empreendimentos.

Portanto, no processo de implantação da usina Barra Grande, constata-se

que não foram examinados, à época, os efeitos e impactos cumulativos e

sinérgicos do empreendimento na bacia do rio Uruguai, em relação a usinas já em

operação e, também, em relação àquelas em planejamento. Se assim não o fosse,

não teria sido esta exigência imposta como condicionante para a assinatura do

termo de compromisso e conseqüente autorização para o funcionamento da usina.

Daí se infere ter havido mais uma falha no processo de licenciamento

ambiental de Barra Grande, posto que, em razão da magnitude do

empreendimento – quinto maior no contexto brasileiro -, os impactos cumulativos

e sinérgicos do empreendimento na bacia hidrográfica não foram adequadamente

analisados.

Por outro lado, cumpre examinar quais os possíveis efeitos da efetivação

da avaliação ambiental estratégica, caso esta tivesse sido elaborada neste caso,

para o resultado final do processo de instalação da hidrelétrica.

A despeito da existência de enfoques distintos para a AAE, partiremos da

definição mais usual, em que a avaliação ambiental estratégica constitui um

procedimento prévio de avaliação das conseqüências ambientais de políticas,

planos e programas (PPPs), em geral, realizado no âmbito de iniciativas

governamentais, embora também possa ser aplicada em organizações privadas.

A AAE vem sendo adotada como ferramenta de planejamento, em virtude

de duas razões basicamente: a necessidade de se apurarem os impactos

socioambientais adversos de políticas, planos e programas e a limitação inerente à

avaliação de impactos ambientais realizada nos projetos de forma individualizada.

Como já mencionado anteriormente, um dos grandes resultados positivos

da AAE é a possibilidade de ela influenciar a própria formulação desses PPPs, de

dar subsídios à tomada de decisões com vistas a promover o desenvolvimento

sustentável – e aqui devem ser consideradas todas as variáveis de

sustentabilidade: social, ambiental, econômica, política, cultural, territorial.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 43: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

249

Não se pode, por conseguinte, cair no equivoco de considerar a AAE como

um mero “teste”83 para aprovação de determinado plano, programa ou política ou,

por outro lado, de um instrumento para identificação de conseqüências após a

formulação das PPP’s, pois o seu escopo é muito mais amplo e importante.

Neste sentido, a adoção da AAE previamente à efetivação tanto do Plano

Nacional de Energia e dos chamados Planos Decenais de Expansão de Energia

Elétrica seria, em linha de princípio, um bom começo para se observar se o que

está sendo planejado pelo setor elétrico, em termos de expansão da geração, dado

o prognóstico de demanda, está em consonância com as normas, diretrizes e

políticas previstas para o setor ambiental. Portanto, ao fim e ao cabo, a AAE,

utilizada como avaliação prévia dos planos de expansão energética, teria, como

resultado a ser atingido, a melhoria da coordenação e da gestão entre os setores

energético e ambiental.

Com isso, duas outras vantagens podem ser percebidas. A primeira delas

seria a constatação de que questões importantes como a da viabilidade ambiental

de certos empreendimentos hidrelétricos já estariam sendo discutidas

antecipadamente. A segunda seria a de que tais questões já estariam sendo

analisadas com base em dados previamente colhidos, sob a perspectiva integrada,

contendo os efeitos cumulativos e sinérgicos de vários outros empreendimentos,

não somente hidrelétricos, mas causadores de significativa degradação ambiental

na região dos aproveitamentos hidrelétricos escolhidos para a expansão

energética.

A realização de uma abordagem estratégica trataria, pois, de identificar os

principais problemas ocasionados pelas hidrelétricas a serem desenvolvidas em

determinada região, possibilitando a discussão e a antecipação de eventuais outras

soluções, o que, hoje, somente poderia ser feito, de maneira isolada, em cada projeto

individual para avaliação e licenciamento ambiental da hidrelétrica84. Como

conseqüência, os estudos de impacto ambiental de cada projeto teriam um enfoque

83 SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação ambiental estratégica e sua aplicação no Brasil. Disponível no site < http://www.iea.usp.br/iea/aaeartigo.pdf. Ultimo acesso em 30 de dezembro de 2008. 84 SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação ambiental estratégica e sua aplicação no Brasil. Disponível no site < http://www.iea.usp.br/iea/aaeartigo.pdf. Ultimo acesso em 30 de dezembro de 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 44: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

250

maior na identificação e avaliação dos impactos específicos e na proposição de

medidas de gestão mais compatíveis com a concepção do projeto em si.

As discussões acima apontadas incluiriam não somente alternativas para a

implantação de determinado empreendimento hidrelétrico, mas também debates

sobre se outro tipo de energia renovável seria possível para ser desenvolvido no

local ou, então, se, ao invés da previsão de instalação de várias novas

hidrelétricas, não se poderia trabalhar com a repotenciação de usinas já existentes.

Ora, atualmente, o que se verifica em grande parte dos processos de

licenciamento ambiental de hidrelétricas é que a análise da viabilidade ambiental

do projeto, elaborada para fins de concessão (ou não) da licença prévia, fica

restrita ao exame das formas e alternativas para a mitigação e compensação dos

impactos ambientais negativos causados. Isto se dá porque, nas etapas anteriores

do processo de planejamento energético – estudo de inventário hidrelétrico e

estudos de viabilidade técnica e ambiental -, já houvera a conclusão e a decisão, a

priori, sobre a viabilidade ambiental de determinado projeto. Portanto, o que se

observa, na prática, é que a decisão sobre a viabilidade ambiental, tomada em

momento anterior ao próprio EIA/RIMA, acaba prevalecendo, independentemente

dos fatos supervenientes que venham a surgir no curso do licenciamento

ambiental.

Ocorre que a etapa formal de discussão do projeto com a sociedade é

efetivada após a apresentação do estudo de impacto ambiental do projeto e antes

da concessão da licença ambiental, através da participação dos interessados na

audiência pública. Isto implica dizer que já há uma pré-disposição de aceitação do

empreendimento, em razão dos estudos elaborados previamente ao EIA/RIMA,

que se traduz, quer se queira quer não, em um instrumento de pressão para a

aprovação do projeto.

A possibilidade, assim, por intermédio da avaliação ambiental estratégica

de se antecipar o debate sobre a viabilidade socioambiental do projeto, de posse

de variantes outras – informações sobre os impactos socioambientais de outros

empreendimentos já prontos e em planejamento –, com a indispensável

participação pública, revela-se importante para o processo decisório de projetos

hidrelétricos. Corrige-se, assim, a falha por tantas vezes afirmada de que, no

licenciamento ambiental, não há uma discussão adequada sobre se o

empreendimento é social e ambientalmente viável e de alternativas possíveis ao

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 45: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

251

projeto apresentado. Um novo canal para discussão sobre o fato de a hidrelétrica

possuir uma relação de custo-benefício socioambiental positiva fica aberto, fora

do âmbito individualizado do processo de licenciamento ambiental e logo no

início do processo de planejamento.

Assim, em se tratando de instrumento típico de planejamento, nada mais

adequado do que a discussão de tais aspectos em um plano de expansão de energia

elétrica, quando já está estabelecida a escolha dos aproveitamentos hidrelétricos a

serem desenvolvidos. Esta avaliação, por ser um tipo de avaliação ambiental,

deve-se submeter a todos os princípios e regras necessários a esta, inclusive com a

efetiva participação pública, sempre desejada.

No que diz respeito à usina Barra Grande, poder-se-ia dizer que a correta

localização do empreendimento, com a descrição dos meios físicos, bióticos e

socioeconômicos e a identificação dos prováveis impactos socioambientais

negativos seriam já, de início, analisados, em uma avaliação ambiental estratégica

do plano de expansão de energia para o desenvolvimento daquela região. O

atingimento pela hidrelétrica de importante bioma, constitucionalmente protegido,

não passaria incólume neste tipo de avaliação.

Assim, embora não tenha como objetivo suprir falhas do EIA/RIMA, é

inegável que a AAE acaba reunindo maiores subsídios e informações para a

realização daquele e, no caso de Barra Grande, a omissão não teria como ser

repetida, eis que evidente.

5.2.2

Caso-referência do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira.

Iniciaremos a análise do caso proposto sob o aspecto da participação

pública.

De acordo com a narrativa constante do Capítulo 3, pode-se constatar que

a conduta reiterada no processo de licenciamento ambiental em questão é marcada

pelo açodamento e atropelo das fases necessárias à conclusão do referido

processo, seja do ponto de vista do empreendedor, ou dos órgãos públicos

competentes.

Como antes descrito, a licença prévia foi concedida com trinta e três

condicionantes e a maior parte delas diz respeito à elaboração de programas,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 46: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

252

projetos de seu detalhamento, bem como de realização de monitoramentos e

apresentação de novas propostas de mitigação para os impactos observados.

O art. 19 do Decreto n. 99.247/90 e art. 8, inciso I, da Resolução

CONAMA n. 237/97 definem a licença prévia como a licença ambiental

concedida na fase preliminar do planejamento do projeto, em que são aprovadas

sua localização e concepção. Atesta-se a sua viabilidade ambiental, estabelecendo-

se os requisitos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua

implementação.

A licença prévia, dentro do licenciamento ambiental, sob o aspecto de

proteção ambiental, desempenha um papel de maior relevância do que as demais

licenças – LI e LO -, pois é nessa etapa que “são examinadas em profundidade as

possíveis consequências que a implantação e operação do empreendimento sob

licença acarretará ao meio ambiente.”85

A Cartilha de Licenciamento Ambiental do Tribunal de Contas da União86

também arrola considerações sobre esse tipo de licença, aferindo destaque aos

princípios da prevenção e precaução, pois na referida etapa são levantados e

avaliados os impactos ambientais, determinando-se as medidas mitigadoras e/ou

compensatórias em relação a estes.

Portanto, o que se percebe, de forma bastante evidente, é que, após a

conclusão do IBAMA acerca da inviabilidade ambiental (Parecer Técnico

14/2007), não foram trazidos elementos técnicos suficientes para se analisar a

possibilidade de mitigação dos impactos socioambientais, persistindo a existência

de dúvidas e incertezas, o que é inaceitável, diante da prescrição dos princípios da

prevenção e precaução. Assim, o que o órgão licenciador fez, de forma deliberada

e inadequada, foi postergar a análise estruturada e detalhada dos impactos

socioambientais, cuja fase própria seria a da licença prévia, para a fase posterior,

da licença de instalação. O teor das condicionantes, como já dito, revela que

diversos programas, projetos e planos foram exigidos como tal, sem que, de fato,

tenha-se conseguido analisar a sua viabilidade ambiental, por absoluta falta de

informações e elementos suficientes.

85 OLIVEIRA, Antônio Inagé de Assis. Introdução à Legislação Ambiental Brasileira e Licenciamento Ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 362. 86 BRASIL, Cartilha de licenciamento Ambiental. Brasília: Tribunal de Contas da União, Secretaria de Fiscalização de Obras e Patrimônio da União, 2004, p. 13.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 47: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

253

Nessa fase, deve ser destacada a realização das audiências públicas. Foram

escolhidas quatro datas próximas – inicialmente, seriam de 08 a 11 de novembro -

, sendo que o local se restringiu aos limites do Município de Porto Velho e

distritos de Mutum Paraná e Jaci Paraná. Mais uma vez, não se buscou estender a

discussão para além do local de influência direta do empreendimento, envolvendo

outras cidades e, até mesmo, outros estados (Acre e Amazonas). A complexidade

do projeto e a magnitude dos impactos socioambientais causados denotam a

importância de terem sido realizadas outras audiências e não somente as quatro,

em um intervalo de tempo maior, de maneira a proporcionar um debate mais

qualificado, já que a sociedade civil teria mais tempo de ser informada sobre o

teor dos assuntos debatidos em cada audiência publica.

A seu turno, a falta de clareza nas informações oficiais constantes da

primeira fase de licenciamento, em que várias foram as solicitações feitas pelo

IBAMA para complementações de informações do EIA/RIMA, influenciou

negativamente na possibilidade de participação efetiva da sociedade civil na

discussão do empreendimento. Como já foi observado, sendo inclusive objeto de

ações judiciais em curso, o teor do RIMA - elaborado pelo empreendedor e

aprovado pelo IBAMA - não foi adequadamente atualizado com as informações

complementares, razão pela qual não poderia ter sido admitido como peça

fundamental para a informação do público. A toda evidência, tal circunstância

prejudicou sobremaneira a manifestação do público em geral, que não dispunha de

informação precisa e atualizada do empreendimento.

Logo, a pressa em dar andamento ao processo de licenciamento ambiental,

para cumprimento das etapas previstas no cronograma de execução do

empreendimento, tem ditado a atuação do órgão licenciador. Isto pode ser bem

observado, pois o prazo mínimo de 60 dias (45 dias para dar publicidade à

disponibilidade do EIA/RIMA, após a publicação do edital acrescidos de 15 dias

de antecedência para a designação da data da audiência pública) para convocação

de audiência pública pelo IBAMA, não foi respeitado, conforme determinam a

Resolução CONAMA 09/87 ( art. 2º, parágrafo 3º ) e Instrução Normativa n.

65/2005 ( art. 13, caput e parágrafo 1º ).

Por outro lado, ficou demonstrada a preocupação em acelerar o processo

de apreciação das licenças ambientais, eis que a rapidez com que o órgão

ambiental vem procedendo demonstra, em verdade, uma preocupação em atender

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 48: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

254

ao cronograma fixado ao ato tempo de licitação, sem atentar para a necessidade de

discussão dos graves impactos gerados pelo empreendimento.

Como se observa, o início do processo de licenciamento ambiental se deu

em maio de 2005, a licença prévia foi concedida em julho de 2007, e as licenças

de instalação foram concedidas em agosto e novembro de 2008. Sobre o assunto,

dispõe a Resolução CONAMA n. 237/97 que o órgão ambiental competente pode

estabelecer prazos diferenciados para a análise de cada modalidade de licença em

função das peculiaridades da atividade ou empreendimento, estabelecendo, no

entanto, o prazo limite de 12 meses para os casos em que o objeto do

licenciamento dependa de EIA/RIMA e/ou de realização de audiência pública.87

Porém, o mesmo diploma legal estabelece que a contagem do prazo fica suspensa

durante a elaboração de estudos complementares ou a preparação de

esclarecimentos pelo empreendedor, dentro do prazo máximo de quatro meses88,

embora, desde que haja concordância do empreendedor e justificativa do órgão

ambiental, pode o prazo de 12 meses ser prorrogado.

No entanto, entre uma fase e outra, vários foram os pedidos de

complementação de estudos e de esclarecimentos a serem prestados pelo

empreendedor. Desta forma, se houve alegação de demora para a concessão de

licença prévia, esta se deveu a falhas no EIA/RIMA que não foram sanadas pelo

empreendedor e aos vários pedidos de complementação dos estudos e de maiores

esclarecimentos. Uma breve consulta ao site do IBAMA, onde se pode ter acesso

a todos os passos do processo de licenciamento em questão, demonstra o acima

afirmado.89

Ao revés, se o EIA/RIMA tivesse sido bem elaborado, certamente haveria

economia não só de recursos como de tempo. Sobre o problema dos custos, tem se

constatado que, mesmo nos casos em que é necessária a análise de questões

ambientais pouco conhecidas, para uma correta avaliação dos impactos do

empreendimento, os custos são menores do que os que seriam necessários para a

reparação de danos ambientais e introdução de tecnologias a posteriori para

87 CONAMA. Resolução n. 237/97. Art. 14. 88 CONAMA. Resolução n. 237/97. Art. 15. 89 IBAMA. Consulta dos processos n. 02001003771200325 ( primeira fase até a concessão da licença prévia ); 02001002715200888 ( UHE Jirau ) e 020010005082200899 ( UHE Santo Antônio ), através do site< http://www.ibama.gov.br/licenciamento/index.php>.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 49: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

255

mitigar efeitos prejudiciais, por falta de informações adequadas no projeto

inicial.90

Insta salientar ser a alegação de demora na apreciação das licenças

ambientais uma constante nos processos de licenciamento em geral. No entanto,

deve-se advertir para o fato de que a influência do processo de licenciamento no

retardamento da execução de atividades econômicas não pode ser generalizada e

sequer supervalorizada. Isto porque a opção pelo legislador constituinte de exigir

a realização de EIA/RIMA para projetos potencialmente poluidores já exprime a

sua preocupação com a tomada de decisão de qualidade, baseada não em

premissas de celeridade, mas de segurança e prudência, o que impõe decidir com a

menor margem de erro possível, após cuidadosa avaliação das repercussões

socioambientais do projeto.91

Após o prosseguimento do licenciamento ambiental, com a concessão de

licença prévia, outro obstáculo veio à tona: o empreendedor vencedor do leilão

para explorar o potencial hidráulico da UHE Jirau mudou a localização do projeto,

sem a prévia apresentação de novo EIA/RIMA.

Aliás, a ação civil pública (Processo n. 2008.41.00.005474-0) teve como

motivação (causa de pedir) tal alteração da localização do projeto. Por outro lado,

a ação popular (Processo n. 2008.41.00.007290-0) também trouxe, entre seus

argumentos, a mudança da caracterização do projeto sem o devido licenciamento

ambiental.

Posteriormente, para a apreciação da concessão da licença de instalação,

seria necessário apurar se todas as condicionantes constantes da licença prévia

foram atendidas. Todavia, o parecer técnico IBAMA n. 061/2008

COHID/CGENE/DILIC, apesar de atestar que a alteração da localização do eixo

do empreendimento não teria indicado novos impactos, também foi claro no

sentido de que, em alguns temas, não foi possível estabelecer uma base

comparativa – também por falta de dados.

O aludido parecer destacou, ainda, que o tema “arranjo da usina”, relativo

à condicionante 2.2, não foi devidamente atendido, no que seria o seu objetivo, ou

90 TOMMASI, Luiz Roberto. Estudo de Impacto Ambiental. São Paulo: CETESB/Terragraph Artes e Informática, 1993. p. 3, apud MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto Ambiental. Aspectos da legislação brasileira. 4ª Ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2008, p.5. 91 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto Ambiental. Aspectos da legislação brasileira. 4ª Ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2008, p.5.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 50: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

256

seja, apresentar o melhor projeto e arranjo em termos de favorecimento de fluxos

físicos, químicos e biológicos. Mas, ao final, a equipe técnica sugere que tal

condicionante pode ser atendida quando da apresentação do Plano Básico

Ambiental - o que seria incoerente, considerando que o PBA configura

instrumento cuja aprovação é anterior à concessão da própria licença de

instalação.

No entanto, em meio a tantas controvérsias e irregularidades no processo

de licenciamento ambiental, houve a concessão de licença de instalação,

caracterizada como uma espécie de “licença parcial”, para o início de obras

relativas ao canteiro de obras – LI n. 563/2008 -, em 14 de novembro de 2008.

O próprio Poder Judiciário reconheceu que a decisão foi tomada sem as

devidas cautelas, em contraposição ao que determina a legislação ambiental.

Conforme se observa, o juiz federal que deferiu liminar em ação popular92 assim

se pronunciou:

De logo, emerge severa controvérsia quanto à possibilidade de concessão de “licença parcial”, figura estranha aos normativos vigentes. Tanto impõe ainda mais parcimônia na utilização do instrumento, nomeadamente quando subjaz proposta de alteração do local do empreendimento poluidor. A análise há de partir da seguinte premissa: “uma vez consumada a degradação ao meio ambiente, a sua reparação é sempre incerta e, quando possível, excessivamente custosa. Daí a necessidade de atuação preventiva para que se consiga evitar os danos ambientais”

Outro dado que merece ser destacado é que, durante o processo, observa-

se a falta de análise integrada do empreendimento, com a necessária visão de

conjunto que se deve ter, em razão da magnitude e relevância do projeto, bem

como da natureza dos impactos socioambientais que ensejará. Por outro lado,

questões bastante relevantes (e não adequadamente discutidas) vão sendo deixadas

de lado durante o percurso, tais como a constatação de impactos ambientais em

outros países (Peru e Bolívia).

Desde logo, é possível perceber que, embora extremamente mobilizada, a

sociedade, no caso em questão, não conseguiu influenciar no processo decisório,

em razão de uma série de fatores.

Ademais, oportuno ressaltar a importância da manifestação de entidades

não governamentais de proteção aos interesses socioambientais, na

92 JUSTIÇA FEDERAL DE RONDÔNIA. Ação Popular. Processo n. 2008.41.00.007290-0. Decisão Judicial proferida pelo juízo da 3ª Vara Federal de Rondônia em 20 de novembro de 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 51: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

257

conscientização da sociedade civil, permitindo, também, a veiculação de outras

informações não plenamente acessíveis pela população. Aliás, tais entidades têm-

se mostrado bastante atuantes durante todo o processo, valendo citar aqui alguns

eventos que ocorreram em protesto contra a implantação de barragens.93

Um passeio de barco pelo Madeira marcou o Dia Internacional de Ação

contra Barragens, em 14 de marco de 2006, momento em que o bispo de Porto

Velho realizou celebração religiosa para ajudar o protesto a ganhar visibilidade

por parte da comunidade.

Em maio de 2006, três eventos em Porto Velho explicitaram a

confrontação acerca do projeto Madeira com participação de movimentos sociais

e ambientais: o Grupo de Trabalho Energia do Fórum Brasileiro de ONGs e

Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS)

reuniu-se em Porto Velho; um evento paralelo sobre a IIRSA contou com a

participação da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, da Rede

Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e de entidades da Bolívia e do Peru;

e uma “audiência pública” sobre as barragens do Madeira, organizada pela

prefeitura de Porto Velho, oportunidade em que a autoridade local se colocou, de

maneira expressa, a favor do desenvolvimento local.94

Cabe destacar, também, a atuação do Movimento dos Atingidos pelas

Barragens (MAB), ao alertar os ribeirinhos sobre as ameaças representadas pelas

usinas. Em julho de 2006, cerca de 200 atingidos por construções de barragens,

juntamente com integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST) e dos Pequenos Agricultores (MPA), marcharam 210 km ao longo da

rodovia BR-364, de Abunã a Porto Velho, na “Marcha pela Vida”. Neste

percurso, os integrantes da marcha buscavam chamar a atenção dos moradores

locais para o alto preço da energia e para o fato de que as barragens do Rio

Madeira beneficiariam principalmente as indústrias, ao invés da maioria da

população.

93 FURTADO. Fabrina. Quem financia uma obra tão polêmica? In SWITKES, Glenn. ( org ). Águas Turvas: Conseqüências de Barrar o Maior Afluente do Amazonas. São Paulo: International Rivers, 2008. 94 FURTADO. Fabrina. Quem financia uma obra tão polêmica? In SWITKES, Glenn. ( org ). Águas Turvas: Conseqüências de Barrar o Maior Afluente do Amazonas. São Paulo: International Rivers, 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 52: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

258

Com relação à UHE Jirau, a alteração do projeto original, após a concessão

da licença prévia, sem a observância do devido processo de licenciamento

ambiental, com a apresentação de novo EIA/RIMA, fere, de igual maneira, os

princípios da prevenção e da precaução. A viabilidade ambiental do

empreendimento foi discutida e avaliada, com base na caracterização geográfica

anterior, sendo que qualquer alteração da localização, levando em consideração

inclusive a forte biodiversidade existente no local, pode dar ensejo a novos

impactos socioambientais. E estes somente poderiam ser analisados com a

apresentação de novo EIA/RIMA.

Portanto, também nesta situação, a atuação da sociedade civil restou

prejudicada, pois não houve oportunidade de discussão a respeito da nova

localização do empreendimento.

A ausência de participação pública efetiva também se revela na medida em

que muita das questões polêmicas e mal conduzidas durante o curso do

licenciamento ambiental foram levadas à apreciação do poder judiciário e a

grande maioria, inclusive, encontra-se pendente de decisão até hoje.

Além disso, o número de ações judiciais em curso para discutir os

procedimentos adotados durante o processo de licenciamento ambiental é

expressivo e tal fato, por si só, já denota a falta de participação pública. Por outro

lado, a necessidade de se valer da interferência do Poder Judiciário demonstra que

as manifestações havidas no âmbito administrativo, quando existentes, não

serviram para influenciar a decisão do órgão ambiental.

Além das tradicionais questões sociais, relativas aos conflitos inerentes à

remoção da população atingida pela barragem – número de famílias atingidas,

modos de remanejamento e formas de indenização a serem pagas, ausência de

diálogo entre a população atingida e o empreendedor, impossibilidade de

indenização de tradições culturais desenvolvidas pela população local -, outro

aspecto que vem sendo muito debatido no caso do Rio Madeira é a ausência de

participação de outros países, que sofrerão também os impactos com a construção

das hidrelétricas, no processo decisório para a implantação destas.

Desde o início do processo, o projeto do complexo hidrelétrico, seguindo

sua premissa de delimitação do empreendimento em território brasileiro, foi sendo

conduzido de maneira unilateral pelo governo brasileiro, destituído de qualquer

tipo de participação oficial dos países vizinhos (Peru e Bolívia). Em outubro de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 53: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

259

2006, no entanto, pesquisadores bolivianos criticaram o EIA, apontando que os

impactos sobre o território boliviano haviam sido negligenciados, ao mesmo tempo

em que já se iniciava o processo de realização de audiências públicas. Como já

mencionado no item anterior, esses impactos foram constatados pelo próprio IBAMA

(Parecer Técnico 14/2007) e também foram apontados pelo relatório técnico realizado

pelo Ministério Público de Rondônia. Esta iniciativa unilateral e inflexível do Brasil

acabou por ensejar uma crise diplomática entre Brasil e Bolívia, presente ate os dias

de hoje.95

Assim, em dezembro de 2006, atendendo a solicitações do governo

boliviano, o governo brasileiro oficializou parceria Brasil-Bolívia para a retomada

das atividades de um grupo de trabalho para tratar do aproveitamento racional do

rio Madeira. Houve, então, a retomada do Convênio para a Preservação,

Conservação e Fiscalização dos Recursos Naturais nas Áreas de Fronteira,

celebrado entre os dois governos em agosto de 1990. De acordo com o referido

convênio, os dois países comprometem-se, entre outras coisas, “a proteger as

florestas naturais e a preservar seus recursos, principalmente nas zonas

fronteiriças binacionais, realizando estudos coordenados com vistas à aplicação,

em seus respectivos países, de planos, programas e projetos que permitam o

aproveitamento racional dos recursos naturais”.

Mas tal medida não foi suficiente para estancar a insatisfação da Bolívia,

especialmente após a concessão da licença prévia, em meio a toda a polêmica de

que o EIA/RIMA era falho. Após ameaças do governo boliviano de recorrer a

todos os organismos internacionais para barrar o empreendimento, Brasil e

Bolívia reataram as discussões sobre o complexo hidrelétrico do Rio Madeira,

formando várias comissões para dar seguimento aos estudos sobre os impactos na

Bolívia, embora tais comissões não contem com a participação da sociedade civil.

Em agosto de 2008, a Bolívia enviou cartas96 ao governo brasileiro com a

95 Esta informação consta do relatório elaborado e publicado pelas ONG’s Amigos da Terra e Brasil Ecoa – Ecologia e Ação, intitulado O maior tributário do Rio Amazonas ameaçado, p. 11-13. Disponível em: < www.internationalrivers.org/files/Livreto%20Portugues.pdf>. (Acesso em 15 de fevereiro de 2009)

96 Tais missivas foram enviadas pelo Ministro do Meio Ambiente boliviano, Juan Pablo Ramos Morales e endereçadas ao presidente do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), ao Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc e ao Presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Roberto Messias Franco,. O conteúdo das mesmas está disponível no site < http://www.amazonia.org.br >. Ultimo acesso em 28 de agosto de 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 54: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

260

solicitação formal de que fosse reconsiderada a decisão sobre o licenciamento

ambiental das hidrelétricas do Rio Madeira até que houvesse uma demonstração

efetiva da inexistência de impactos no território boliviano. Na ocasião, todavia, o

ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, limitou-se a esclarecer que a

licença de instalação da Usina de Santo Antônio não autorizaria ações de

monitoramento ambiental fora do território brasileiro e que o Projeto Básico

Ambiental (PBA) seria de responsabilidade exclusiva do consórcio Madeira

Energia S/A (Mesa), na tentativa de mudar o foco da discussão e isentar o

governo federal de responsabilidades.97

Em razão da omissão do governo brasileiro, a construção das usinas

hidrelétricas do Rio Madeira foi denunciada junto ao Tribunal Latinoamericano de

Água (TLA), por violação dos direitos dos povos indígenas que habitam a área de

impacto das usinas. Após o julgamento, ocorrido nos dias 11 e 12 de setembro de

2008, o tribunal censurou o governo brasileiro e recomendou a suspensão das

licenças de instalação das usinas, concedidas pelo Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).98.

Portanto, a ausência (desde o início de todo o processo) de uma discussão

adequada quanto aos impactos em território estrangeiro e, por outro lado, de

abertura para a manifestação de outros países (tanto autoridades, como sociedade

civil), no próprio processo de licenciamento ambiental marcam a inobservância do

princípio da participação pública em tal processo.

Pode-se concluir assim que, sob o ângulo da sociedade civil organizada,

há, no caso do Rio Madeira, verdadeira sociedade reflexiva, com a presença de

manifestações organizadas dos movimentos sociais e ambientais, no sentido tanto

de fazer oposição aos interesses inerentes à construção do empreendimento,

quanto de esclarecer a população sobre as conseqüências da construção das

barragens no local.

No entanto, tais manifestações não são hábeis a influir nas decisões

político-administrativas tomadas durante todo o processo decisório de

implantação das hidrelétricas, que inclui o processo de licenciamento ambiental.

97 O conteúdo da referida carta esta disponível no site < http://www.amazonia.org.br >. Ultimo acesso em 28 de agosto de 2008. 98 Ata da Audiência Pública em Antigua, Guatemala, disponível em:< Fonte http://www.riomadeiravivo.org/>. (Acesso em 10 de fevereiro de 2009)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 55: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

261

Fica evidenciada, ainda, a grave violação dos direitos humanos relativos à

população local que será diretamente atingida (riberinhos), bem como dos povos

indígenas situados no Brasil e nos países limítrofes. Nenhum deles teve chance de

opinar e influenciar na decisão da implantação do Complexo. Contudo, isso

acarretará em drástica mudança em sua subsistência, no desenvolvimento do

trabalho, na saúde, na manutenção das referencias culturais e familiares, valores

estes expressamente protegidos pelos Tratados e Convenções de Direitos

Humanos.

Pode-se também destacar, no processo em análise, uma atuação

diferenciada do Ministério Público, em relação ao caso Barra Grande. Aqui, de

forma sistemática, buscou o Ministério Público atuar na defesa dos interesses

socioambientais, seja no âmbito meramente administrativo, funcionando nas fases

de licenciamento ambiental, seja na esfera judicial.

No entanto, sob a perspectiva do poder público, verifica-se uma clara

convergência de interesses entre o governo federal e a iniciativa privada no

sentido de ver-se concretizar o projeto de implantação das hidrelétricas. O poder

executivo federal, como ente totalmente interessado na construção destas, cujas

obras foram previstas no Plano de Aceleração do Crescimento – PAC -, interferiu

diretamente no processo de licenciamento ambiental, realizando pressões sobre o

Ministério do Meio Ambiente e sobre o IBAMA para dar um andamento célere ao

licenciamento ambiental. Esta interferência não se coaduna com o papel que deve

desempenhar, de estar sempre aberto ao debate e disposto a admitir a efetiva

participação da generalidade social plural, com a apresentação, inclusive, de novas

propostas, alternativas ao projeto apresentado.

Por outro lado, a atuação do governo federal não se mostrou próxima,

receptiva e acessível aos diretamente atingidos pelo empreendimento e também

aos cidadãos que questionaram, em vários fóruns de discussão e em diversas

esferas, a forma de condução do processo decisório para implantação do

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira pelo poder público. A falta de canais e

espaços propiciados pelo próprio poder público, para o debate e crítica, inclusive

para a participação dos outros países que serão impactados com o

empreendimento, ficou bastante clara. Isso gerou como conseqüência - e último

recurso - a ida ao Poder Judiciário.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 56: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

262

Em resumo, a falta de debates sobre questões de natureza técnica e

política; de publicidade adequada dos atos oficiais (EIA/RIMA incompleto e não

acessível a todos); e de informações claras e precisas em muito contribuiu para a

inexistência de uma participação pública efetiva e mais eficaz. A ausência de uma

troca de informações contínua, verídica, tempestiva e transparente entre poder

público, iniciativa privada e sociedade civil, com a produção e ampliação do

conhecimento sobre o empreendimento e todos os seus impactos, prejudicou

sobremaneira o pleno exercício da cidadania ambiental.

No que diz respeito à observância do princípio do desenvolvimento

sustentável, algumas considerações devem ser realizadas.

A primeira observação a partir da qual a análise deve se assentar é a de que

o projeto do complexo hidrelétrico do Rio Madeira foi concebido pelo governo

federal brasileiro e inserido como um dos objetivos do Plano de Aceleração do

Crescimento (PAC), na área de desenvolvimento de projetos de infra-estrutura.

Por outro lado, este projeto possui forte vinculação com a política de integração

regional sul-americana - IIRSA. Como já ressaltado anteriormente, trata-se de

consolidar um processo de integração regional sul-americana, com o objetivo de

lançar as bases para uma interdependência econômica em âmbito regional dos

países da América do Sul, através de acordos preferenciais e políticas de abertura

e desregulamentação para aumentar a competitividade dos países da região no

cenário global.

Esta política de integração regional prioriza, em última análise, a

intensificação de apenas alguns segmentos da atividade econômica, sendo que, na

Região Norte e Centro-oeste, uma das atividades que mais vem se expandindo é a

do agronegócio, com a finalidade de produção de gêneros agrícolas para

exportação.

Portanto, é preciso lembrar que o projeto hidrelétrico do Rio Madeira tem

como uma de suas premissas, além da geração de energia elétrica, a concretização

da integração regional.

De maneira clara, portanto, o governo federal impõe, como meta, o

crescimento econômico do país e, para tanto, as hidrelétricas do Rio Madeira

fazem parte deste plano, sendo que o licenciamento ambiental destas passa a ser

considerado como mera etapa ou simples formalidade a ser cumprida para que o

projeto se efetive dentro dos “parâmetros ambientais exigidos”. Em outras

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 57: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

263

palavras, a decisão sobre o a efetivação do projeto já está tomada e, previamente,

já há uma predisposição para licenciá-lo, independentemente de questionamentos

sobre a sua viabilidade ambiental. O processo de licenciamento ambiental serviria

somente para dar-lhe legalidade, ajustando-o, formalmente, às exigências

previstas pela legislação ambiental.

Esta forma de condução do processo privilegia uma atuação

unidimensional, pois somente visualiza o projeto sob o ponto de vista econômico:

por certo, haverá aumento da produção de energia e integração regional, com a

possibilidade futura da implantação de eclusas, bem como a transformação do

local em hidrovias, estrutura fundamental para escoamento de produções agrícolas

em direção ao Atlântico e ao Pacífico.

O licenciamento ambiental é, de maneira freqüente, mas errônea, taxado

como um entrave ao desenvolvimento econômico do país. Por sua vez, os

impactos socioambientais decorrentes da implantação dos projetos, especialmente

no caso das hidrelétricas, são subdimensionados, com a previsão de medidas

mitigadoras e compensatórias, de eficácia duvidosa, mas, ainda assim, aceitas pelo

órgão licenciador, de forma a poder dar continuidade ao processo de

licenciamento. Não se permite efetivamente, nesta fase do processo, repensar as

alternativas para a produção energética no local e discutir a viabilidade

socioambiental do projeto. No caso do Rio Madeira, essa realidade não se altera.

Assim, fica evidente que o desenvolvimento de que se trata é,

essencialmente, o econômico, sem levar em conta as exigências quanto à

sustentabilidade socioambiental. Portanto, a tradução deste discurso aponta para

uma sustentabilidade fraca, que assume o risco de dar ensejo à degradação

ambiental, mesmo de caráter irreversível, em prol da expansão do parque gerador

de energia e, consequentemente, da intensificação das atividades econômicas que

dela dependem.

Na equação que considera a sustentabilidade como capital total constante

que equivale à soma dos três fatores-chave (capital natural, trabalho e capital

produzido), aceita-se a perda do capital natural, desde que este declínio seja

progressivamente compensado por acréscimos proporcionais dos outros dois

fatores – trabalho e capital produzido.99

99 Vide comentário sobre a teoria de Robert Solow no Capítulo 4, item 4.3.1 - Algumas teorias econômicas sobre o desenvolvimento sustentável.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 58: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

264

A crítica que se faz ao processo de licenciamento ambiental das usinas do

Rio Madeira se assenta no sentido de que a licença prévia e a de instalação foram

concedidas sem que os requisitos legais para sua concessão fossem plenamente

atingidos. As questões próprias a cada uma das fases – como a definição sobre a

localização da usina e discussão sobre a viabilidade ambiental do projeto, na fase

de licença prévia - ficaram relegadas para discussão em momento posterior, o que

demonstra uma falta de comprometimento efetivo com a sustentabilidade

socioambiental.

Privilegia-se, mais uma vez, o crescimento econômico em detrimento da

preservação ambiental.100 Inúmeras questões não foram debatidas e solucionadas a

contento, tais como a da existência de impactos socioambientais de natureza

irreversível, como a extinção de determinadas espécies de peixes migradores, que

teriam de transpor o obstáculo da barragem para poder se reproduzir rio acima; a

possibilidade de inundação de trecho fora do território brasileiro, em razão do

nível da água no reservatório e da quantidade de sedimentos depositados; a perda

da possibilidade de desenvolvimento de atividades econômicas locais, como a

pesca e a agricultura de várzea; a perda da biodiversidade local, incluindo a fauna

aquática, o que interfere negativamente também na atividade pesqueira a jusante

do empreendimento; a possibilidade de impactos causados pela metilação de

mercúrio e sua bioacumulação nos peixes, gerando danos à saúde pública, entre

outras. Várias dúvidas sobre a possibilidade de reversibilidade de certos impactos

ainda remanescem, apesar de já ter sido concedida a LI para os dois

empreendimentos.

As incertezas são tantas que o próprio órgão licenciador não conseguiu

dirimi-las suficientemente, após a emissão do Parecer Técnico 14/2007 que

concluiu pela inviabilidade ambiental do projeto. A solução encontrada foi a

contratação de técnicos independentes (fora dos quadros do próprio IBAMA) para

produzirem novos pareceres técnicos sobre determinadas questões, como a dos

sedimentos, do mercúrio e da ictiofauna. No entanto, outros pontos polêmicos e

de extrema importância não foram devidamente analisados, como por exemplo, a

questão da extensão dos impactos ao território de outros países; do impacto

causado a comunidades indígenas situadas na área de influência do projeto e,

100 VEIGA, Jose Eli da. Desenvolvimento Sustentável. O desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2006, p. 123.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 59: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

265

também, do aumento populacional no ordenamento do território e na infra-

estrutura das cidades.

Infere-se, daí, que o princípio do desenvolvimento sustentável, segundo a

noção que exige a integração entre elementos ecológicos e a economia em um

Estado de Direito Ambiental, não vem sendo observado.

Recordemos aqui a lição de Ignacy Sachs (2004): o desenvolvimento

sustentável deve ser harmonizado com objetivos sociais, ambientais e

econômicos, tendo a sua sustentabilidade que ser verificada em suas várias

dimensões: social, cultural, ecológica, ambiental, territorial, econômica política

nacional e internacional.

Todavia, o que se constata até agora, no processo do complexo do Rio

Madeira, é que a dimensão econômica é a prevalecente. Vem, inclusive, ditando

as decisões tomadas pelo órgão licenciador, em detrimento de todas as outras

dimensões acima referenciadas.

No processo em exame, imprescindível seria a mudança de postura do

órgão licenciador de maneira a se fazerem respeitar os princípios e regras acerca

da defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, ditadas pelo legislador

constituinte. Diante do parecer, assinado por oito técnicos com especialidades

distintas, que atestaram a inviabilidade ambiental do projeto, caberia ao IBAMA

no pleno exercício de suas atribuições e do poder de polícia ambiental, negar a

concessão de licença prévia ao empreendimento.

Importante recordar que a observância da sustentabilidade ambiental tem,

como objetivos, a preservação do potencial da natureza para a produção de

recursos renováveis; a limitação do uso de recursos não renováveis; e o respeito e

estímulo para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais, em

respeito, inclusive, à solidariedade entre gerações presentes e futuras. Assim, a

existência de danos de natureza irreversível seria motivo suficiente para o não-

licenciamento do empreendimento hidrelétrico em questão.

Ora, se os estudos elaborados pelo empreendedor não estavam adequados,

deveria o IBAMA ou tê-los rejeitado ou, então, determinado a realização de novos

estudos para aprofundamento das questões não adequadamente tratadas, como

medida de precaução, diante da inviabilidade ambiental atestada inicialmente.

Inaceitável, assim, a postura do órgão ambiental em conceder a licença prévia,

mesmo com falta de conhecimento completo e preciso sobre impactos graves, e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 60: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

266

dar prosseguimento regular ao processo, autorizando, ao final, uma licença de

instalação “parcial”, cuja previsão legal é inexistente, para permitir a construção

do canteiro de obras da UHE Jirau.

Nesta última parte que se segue, daremos relevo à realização da avaliação

ambiental estratégica, analisando os efeitos positivos (e negativos) para o

processo de licenciamento ambiental em tela.

Na fase de planejamento, o Consórcio Furnas/Odebrecht, de forma

espontânea, apresentou estudo que denominou avaliação ambiental estratégica,

elaborado pela empresa Arcadis Tetraplan101.

Tal estudo, conforme afirmado pelo Consórcio102 teve a finalidade de dar

uma visão macro do empreendimento e complementar as informações constates

do EIA/RIMA.

A primeira observação a ser feita em relação a este documento - intitulado

avaliação ambiental estratégica - é que ele não representa, verdadeiramente, o

processo de avaliação ambiental estratégico, ora analisado no presente trabalho,

conforme detalhado no item 5.1 deste capítulo.

Como visto, a avaliação ambiental estratégica constitui instrumento de

política ambiental que se apresenta na forma de um processo, dividido em várias

etapas, cujo objetivo é auxiliar os tomadores de decisão na formulação, análise e

efetiva execução de planos, políticas ou programas.

A doutrina referida identifica oito etapas integrantes de tal processo, sendo

elas: a de seleção de propostas de decisão estratégica que importem em

conseqüências ambientais significativas para sua implementação (screening); a de

estabelecimento de prazos para as etapas de formulação, avaliação, tomada de

decisão e implementação dos planos, políticas e programas; a da definição do

conteúdo da avaliação ambiental estratégica e da avaliação dos impactos

101 Relatório final da Avaliação Ambiental Estratégica do Complexo do Rio Madeira, maio de 2005, Arcadis/Tetraplan. Disponibilizado por Luis Augusto Biazzi da empresa Tetraplan, através do link < https://www.yousendit.com/transfer.php?action=batch_download&send_id=649604704&email=919b2789733cff851cf1235a6d2900ea >. Último acesso em 05 de fevereiro de 2009. 102 Segundo o assistente da Superintendência de Empreendimentos de Geração (SG.T) do Consórcio, Márcio Porto, a AAE, foi um documento adicional, oferecido à Aneel e ao IBAMA, que teve, como finalidade, fornecer subsídios aos órgãos decisórios para a avaliação do projeto, segundo a visão de cenários de longo prazo, nas vertentes ambiental, social, econômica e institucional. Cf. FURNAS. Projeto Madeira. Avaliação ambiental busca visão macro do Projeto Madeira. Revista de Furnas. Ano XXX Nº 312, SETEMBRO /2004, p. 10.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 61: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

267

estratégicos; a da documentação e informação; a da revisão e controle da

qualidade ambiental; a da decisão propriamente dita pela autoridade competente

sobre a implantação de determinado plano, política ou programa; e a fase final de

acompanhamento e monitoramento da qualidade ambiental do plano, política ou

programa implantado.

Apesar da importância de todas as fases mencionadas para o conjunto do

processo, pela especificidade de cada uma delas, é na 3ª e 4ª etapas - de definição

de conteúdo da avaliação e de análise dos impactos estratégicos – que se tomam

medidas cruciais para o prosseguimento do processo. Nestas fases são

identificadas as questões socioambientais relevantes e os impactos respectivos da

implantação de tais programas, políticas e planos, levantadas as alternativas

possíveis – alternativas de qualquer natureza, seja em relação a investimentos,

localização de ações, projetos, empregos de tecnologia, somente para citar -, e

definição de procedimentos de acompanhamento e monitoramento. Ainda neste

momento é realizada uma análise comparativa das alternativas, com vistas ao

estabelecimento de prioridades estratégicas. Também é nesta fase que se verifica a

participação pública.

O relatório final elaborado pelas empresas Arcadis/Tetraplan representou

apenas a documentação de uma parte do referido processo. Este detalhe foi

inclusive abordado na própria apresentação do documento103, onde se lê:

A Avaliação Ambiental Estratégica é um processo que não se encerra com a finalização deste relatório. Definições, ainda, são necessárias a respeito das responsabilidades no processo de planejamento e de implementação de ações e programas ao longo do tempo - a partir de um cronograma estabelecido conforme demandas ambientais, sociais, econômicas e institucionais no curto, médio e longo prazo. Também deverá haver um monitoramento: são desejáveis atualizações e revisões de informações que alimentem novas discussões e tomadas de decisões de forma transparente, em fóruns, reuniões, etc., contribuindo para constantes avaliações e ajustes. É assim que se apresenta o documento “Avaliação Ambiental Estratégica do Complexo do Rio Madeira”, relato da etapa inicial desse macro processo.

De forma mais minuciosa, a estrutura do referido documento foi dividida

em seis capítulos. No capítulo 1, foram apresentados os conceitos referenciais de

103 Relatório final da Avaliação Ambiental Estratégica do Complexo do Rio Madeira, maio de 2005, Arcadis/Tetraplan. Disponibilizado por Luis Augusto Biazzi da empresa Tetraplan, através do link < https://www.yousendit.com/transfer.php?action=batch_download&send_id=649604704&email=919b2789733cff851cf1235a6d2900ea >. Último acesso em 05 de fevereiro de 2009, p. 01.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 62: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

268

apoio e as motivações para a aplicação do instrumento avaliação ambiental

estratégica ao Complexo do Rio Madeira. No capítulo 2, foram fornecidas as

características físicas do Complexo e de outros empreendimentos previstos para a

região; foi realizada também a delimitação da região de estudo e feita uma análise

do quadro referencial básico das condições de sustentabilidade ambiental,

econômica, social e institucional. No capítulo 3, foi feita uma espécie de avaliação

do projeto, com sua inserção nas políticas setoriais de energia e de transportes e

na política ambiental voltada para a Amazônia. No capítulo 4, foram expostos os

pressupostos - condições assumidas como fundamentos necessários - para

sustentar a identificação e a análise dos efeitos de longo prazo da implantação do

Complexo do Rio Madeira. No capítulo 5, foi relatada a experiência da

participação social para a elaboração de tal documento. E o capítulo 6, por fim,

apresentou os subsídios para tomada de decisão.

Assim, de início cabe o esclarecimento de que a avaliação ambiental

estratégica, corporificada no documento entregue à ANEEL e ao IBAMA, não

pode ser encarada efetivamente como a concretização do processo de avaliação

ambiental estratégica objeto da presente investigação. Elementos fundamentais

para a caracterização de tal processo não foram identificados, conforme será por

nós a seguir abordado.

A referida avaliação ambiental não contou com a participação do órgão

licenciador, para sua realização. Isto significa dizer que o estudo foi elaborado

sem ter por base o termo de referência elaborado e aprovado pelo órgão

licenciador, definindo o seu escopo e sua abrangência, bem como fixando

diretrizes para sua realização, o que seria indicado, diante da ausência de previsão

legal para a AAE. Este, em verdade, tem sido o procedimento adotado para a

realização tanto da avaliação ambiental estratégica, como para estudos

complementares (avaliação ambiental integrada e estudo integrado de bacia

hidrográfica) para o caso de implantação de hidrelétricas, como pode ser visto no

caso de Barra Grande104, Bacia do Rio Chopin105 e das usinas do Sudoeste

Goiano106.

104 No caso da UHE Barra Grande, através do termo de compromisso assinado entre o Ministério Público Federal e o empreendedor, com a participação do IBAMA, MMA e MME, o empreendedor assumiu o compromisso de elaborar avaliação ambiental integrada da bacia do Rio Uruguai, após a apresentação do termo de referência pelo IBAMA.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 63: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

269

A seu turno, o estudo foi elaborado para a avaliação da implantação de um

projeto que, embora de grande complexidade e amplitude, já estava previamente

concebido. A idéia do Complexo do Rio Madeira, que envolve, além da

construção da usinas hidrelétricas, a viabilização de hidrovias e a implantação de

linhas de transmissão para interligar as usinas ao Sistema Interligado Nacional

(SIN), já havia sido formulada e, inclusive, a implantação das hidrelétricas já

estava prevista no plano decenal de expansão. Conclui-se que o escopo da

realização da avaliação ambiental estratégica no sentido de auxiliar na própria

formulação de planos, programas e políticas, não foi de longe atingido, pois o

projeto, ainda que em contornos gerais, já estava preconcebido.

A iniciativa do empreendedor partiu, então, da premissa equivocada da

necessidade de revisão do projeto por meio do instrumento da avaliação ambiental

estratégica. Ocorre que este não é o real objetivo do referido instrumento, que

deve ser usado para auxiliar na formulação de planos, programas e políticas e,

não, para submeter os já formulados à sua revisão.

Importante destacar o teor de outras premissas levadas em consideração na

avaliação ora analisada.

O aludido estudo trabalhou com o conceito de “efeitos” e não o de

“impactos” para “designar mudanças significativas em processos instaurados em

uma dada região, diferentemente de análises de impactos propriamente ditos,

típicos de estudos ambientais de projetos (EIA/RIMA).”107

105 Para a análise dos empreendimentos hidrelétricos previstos para a Bacia do Rio Chopin, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão licenciador estadual, exigiu a elaboração de avaliação ambiental estratégica da Bacia do Rio Chopim, ocasião em que foi contratada uma empresa de consultoria ambiental, a SOMA, para a realização da avaliação, com base no Termo de Referência aprovado pelo IAP em junho de 2002. Cf. BURIAN, Paulo Procópio. Avaliação Ambiental Estratégica como instrumento de licenciamento para hidrelétricas – o caso das bacias do rio Chopim no Paraná. Disponível pelo site < http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT06/paulo_burian.pdf>. Ultimo acesso em 25 de agosto de 2008. 106 O termo de ajustamento de conduta celebrado entre os Ministérios Públicos Estadual e Federal e o órgão licenciador estadual, Agência Goiana de Meio Ambiente e Recursos Naturais, em julho de 2004, previu a realização de estudos integrados de bacia hidrografica previamente à concessão de licenças prévias a todo e qualquer empreendimento hidrelétrico, sejam de grandes usinas (UHE’s) ou de pequenas usinas hidreletricas (PCH’s), determinando que o EIBH seguisse as diretrizes do termo de referência anexo ao termo de ajustamento de conduta, sem prejuizo da inserção de novas exigências técnicas ou legais definidas pelo órgao licenciador. (Cláusulas primeira e terceira ) 107 Relatório final da Avaliação Ambiental Estratégica do Complexo do Rio Madeira, maio de 2005, Arcadis/Tetraplan. Disponibilizado por Luis Augusto Biazzi da empresa Tetraplan, através do link <

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 64: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

270

E acrescenta, ainda:

Ao se concentrar em grandes efeitos que o capital físico e institucional irá aportar à região em análise, procurou-se averiguar sucessivas alterações que se propagam em circuitos de natureza econômica, social, ambiental e institucional e suas respectivas formas de sustentabilidade, objeto de avaliação no bojo de uma AAE.

Porém, a legislação brasileira em vigor, para todo o tipo de avaliação de

impacto ambiental, inclusive para a avaliação ambiental estratégica, espécie

daquela, leva em consideração a noção de impacto ambiental. Nos termos da

Resolução CONAMA 01/86, cuja interpretação deve estar em consonância com a

norma constitucional inserta no art. 225 da CF/88, e ainda do teor do Decreto

99.274/1990, cabe ao CONAMA fixar os critérios exigidos para os estudos de

impacto ambiental. Estes deverão conter, entre outros, a previsão, identificação e

análise de impactos significativos, positivos e negativos.

Neste particular, impactos ambientais são as alterações profundas,

produzidas por ações antrópicas, nas estruturas e nos fluxos do sistema ecológico,

social ou econômico, de natureza positiva ou negativa.108

Não há qualquer definição normativa a respeito de “efeitos” e o relatório

final da AAE do Rio Madeira também não foi preciso e explicito na definição

destes, deixando de citar, por exemplo, fontes doutrinárias ou trabalhos científicos

que tomassem tal “conceito” como base para a avaliação pretendida.

Isto, por si só, já demonstra a fragilidade conceitual do documento.

Além disso, o relatório não apresenta de forma prévia e clara a

metodologia utilizada para a previsão, identificação e posterior avaliação dos

chamados “efeitos”, razão pela qual não se pode saber, ao certo, como o relatório

concluiu por uma avaliação prospectiva dos “efeitos” decorrentes da implantação

do Complexo do Rio Madeira.

No tocante à metodologia, importante esclarecer que, não havendo

previsão legal do instituto, é imprescindível que esta seja claramente delineada em

uma avaliação ambiental estratégica.

https://www.yousendit.com/transfer.php?action=batch_download&send_id=649604704&email=919b2789733cff851cf1235a6d2900ea >. Último acesso em 05 de fevereiro de 2009, p. 05. 108 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto Ambiental. Aspectos da legislação brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2008, pp. 40-43.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 65: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

271

Burian109, em estudo realizado sobre a avaliação ambiental estratégica

realizada na Bacia do Rio Chopin assevera a relevância de tal questão,

esclarecendo que, na referida bacia, foi usada metodologia semelhante a dos

inventários hidrelétricos. Segundo o método adotado, foi elaborado o diagnóstico

ambiental, contemplando quatro “componentes-síntese”: uso e qualidade da água,

ictiofauna, ecossistemas terrestres e modos de vida, contribuindo para tal enfoque

as áreas de influência de cada empreendimento. Após, tal identificação, em cada

um dos “componentes-síntese”, para cada trecho próximo aos cursos d’água, foi

realizada a identificação de pontos de fragilidade ambiental, formando o que

chamou de “manchas de fragilidade ambiental”, para as quais foram atribuídas

notas de 1 a 5.

Em seguida, foi feita a sobreposição dos mapas de fragilidade de cada

componente-síntese, “identificando-se áreas ou trechos que são homogêneos em

termos de criticidade, visando identificar a viabilidade ambiental maior ou menor

de absorver os empreendimentos previstos no inventário hidrelétrico.”

Denominou-se “criticidade” esta sobreposição dos mapas de fragilidade de cada

componente síntese. Assim, foi possível avaliar a viabilidade ambiental da área,

na absorção dos empreendimentos previstos no inventário hidrelétrico.

Ao final, dos doze empreendimentos previstos no inventário hidrelétrico

da bacia do Rio Chopin, dois foram classificados como de pequeno potencial de

impacto ambiental; nove como de médio potencial de impacto ambiental; e um

inviável ambientalmente (um daqueles que apresentavam um dos maiores

reservatórios que afetaria remanescentes florestais na região mais baixa da bacia).

Todavia, dos nove empreendimentos considerados de médio impacto, dois seriam

praticamente inviáveis também, tendo a AAE recomendado o condicionamento do

licenciamento ambiental de cada um a alterações no projeto em relação ao nível

dos reservatórios e localização das barragens.

Assim, repita-se, não houve a apresentação da metodologia utilizada para a

previsão, identificação e análise dos “efeitos” causados pelo Complexo do Rio

Madeira no relatório apresentado pelo consórcio.

109 BURIAN, Paulo Procópio. Avaliação Ambiental Estratégica como instrumento de licenciamento para hidrelétricas – o caso das bacias do rio Chopim no Paraná. Disponível pelo site < http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT06/paulo_burian.pdf>. Ultimo acesso em 25 de agosto de 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 66: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

272

Ainda que careça de metodologia o processo aplicado, cabe trazer alguns

comentários sobre os “efeitos” previstos no relatório do Complexo do Rio

Madeira, no último Capítulo. Eles foram classificados de acordo com a dimensão

econômica, institucional, social e ambiental, conforme se observa a seguir:

Efeitos na dimensão econômica:

1. Ganhos de acessibilidade e redução dos custos de transportes - maior integração

aos mercados

2. Provisão de energia elétrica confiável e generalizada

3. Atração de atividades econômicas diversificadas e maior valor agregado

4. Consolidação de Porto Velho como o principal centro regional

5. Aumento da produtividade agropecuária

6. Expansão do PIB total de longo prazo, crescendo acima da média histórica dos

últimos anos

7. Concentração da estrutura fundiária e de renda

8. Homogeneização do uso e ocupação do espaço - expansão de monoculturas

9. Fortalecimento do eixo Porto Velho - Rio Branco em direção ao Pacífico

Efeitos na dimensão institucional:

1. Fortalecimento da presença do Estado com maiores chances de sucesso no uso

de instrumentos ordenadores do espaço

2. Modernização e ampliação dos sistemas de regularização fundiária, de

normatização e de fiscalização do uso do solo

3. Desajustes estruturais nas finanças municipais, pressão sobre a despesa anterior

ao aumento da receita orçamentária

4. Dificuldades das prefeituras para acompanhar as múltiplas necessidades

institucionais da inserção regional do Complexo

5. Chances de aumento de atividades ilegais através das fronteiras: tráfico de

drogas, garimpo, contrabando de recursos naturais

Efeitos na dimensão social:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 67: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

273

1. Maior geração de renda e emprego e melhorias nos serviços públicos

2. Aumento da Receita Orçamentária própria (ISS, IPTU entre outros) com

reflexos positivos nos gastos sociais dos governos locais.

3. Ganhos dos produtores rurais melhoram os salários médios, porém a

distribuição de renda não melhora significativamente.

4. Alterações sócio-culturais nas comunidades tradicionais.

5. Aumento da taxa de urbanização e dos déficits de saneamento. Risco de

“periferização”.

6. Estímulo à concentração fundiária favorecendo concentração de renda e

exclusão social

7. Desflorestamentos ilegais induzindo um novo ciclo de conflitos sociais

Efeitos na dimensão ambiental:

1. Maiores chances de alavancar o desenvolvimento sustentável regional

2. Desflorestamentos e fragmentação da cobertura vegetal por mecanismos de

ocupação informal

3. Ocupação de áreas de cabeceiras de bacias hidrográficas

4. Aumento de urbanização gerando pressão sobre ambientes urbanos e

conseqüentemente deterioração da qualidade ambiental das cidades

5. Expansão agropecuária pressionando as Savanas de Beni

6. Pressão sobre áreas protegidas e sobre Terras Indígenas

7. Modificação das comunidades aquáticas com reflexos nos recursos pesqueiros

8. Homogeneização do uso e ocupação do espaço - expansão de monoculturas

Relatou o aludido documento, ainda, que tais efeitos foram discutidos com

a sociedade, através da realização de eventos – workshops -, em que

representantes de entidades públicas e privadas foram convidadas para a

participação.

Assim, a participação foi limitada ao número de representantes

convidados, não se coadunando com o princípio da gestão democrática que prevê

a participação ampla e irrestrita a todos aqueles interessados no debate das

questões levantadas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 68: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

274

Desta forma, o relatório assim descreveu110:

A dinâmica proposta consistiu em sessões dirigidas, com a participação de técnicos e representantes de instituições públicas e privadas, representantes de comunidades interessadas, governamentais e não-governamentais. Procurou-se restringir o número de representantes de cada entidade a dois, para garantir representatividade e diversidade nos trabalhos de cada uma das sessões realizadas. Na etapa inicial de cada sessão, procedia-se à apresentação dos conceitos da AAE aplicados ao Complexo do Rio Madeira, das informações referentes a esse capital físico e de sua região de implantação, abordando as principais questões evidenciadas no estudo. Na segunda etapa, realizavam-se as discussões sobre os efeitos e sobre as recomendações para a inserção do Complexo na região, no médio e longo prazo. Em cada uma das sessões, com o intuito de propiciar ambiente adequado ao debate e, dessa forma maximizar os resultados das discussões, os participantes eram divididos em grupos de cinco a oito pessoas, organizados de acordo com os temas com os quais tinham maior familiaridade, procedendo-se o debate de um conjunto de questões preparadas na forma de questionário ou de afirmativas sintéticas. Após esses debates, cada grupo realizava uma síntese dos principais aspectos abordados, que eram apresentados e discutidos em plenária. Os resultados finais compunham opiniões e sugestões a respeito dos efeitos do Complexo do Rio Madeira na Região de Estudo, bem como as recomendações, objetos do capítulo 6.

Com relação à análise dos efeitos acima como desejáveis ou indesejáveis,

realizada após os workshops, informou o relatório que os efeitos econômicos

prevaleceram como desejáveis enquanto os efeitos das dimensões social e

ambiental concentraram a maioria dos indesejáveis. Sugeriu, ainda, o relatório que

a avaliação dos efeitos econômicos teria peso preponderante, pois os efeitos

positivos, do ponto de vista social e institucional, poderiam reverter o quadro dos

efeitos ambientais adversos. Assim, concluiu111:

A percepção geral, portanto, é de que a vinda do Complexo pode ser fator de transformação e de indução de novas possibilidades de desenvolvimento. Por outro lado, os receios de efeitos indesejáveis evidenciados são, em sua maioria, advindos de processos já em curso. A adequada articulação social e institucional poderá reverter essas tendências, tornando o Complexo fator indutor de transformações no sentido desejado, com o controle dos efeitos adversos e a valorização do potencial de resultados benéficos. ( g. n. )

Portanto, a finalidade atribuída ao processo de avaliação ambiental

estratégico no setor elétrico, no sentido de contribuir para a inclusão efetiva da

110 Relatório final da Avaliação Ambiental Estratégica do Complexo do Rio Madeira, maio de 2005, Arcadis/Tetraplan. Disponibilizado por Luis Augusto Biazzi da empresa Tetraplan, através do link < https://www.yousendit.com/transfer.php?action=batch_download&send_id=649604704&email=919b2789733cff851cf1235a6d2900ea >. Último acesso em 05 de fevereiro de 2009, p. 121. 111 Ibid, p. 139.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 69: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

275

dimensão ambiental nos processos decisórios de tal setor, não foi alcançada neste

caso.

Outra questão que merece maior atenção diz respeito aos pressupostos

adotados no referido estudo.

No item 4.2112, o documento chama a atenção para os dez pressupostos

usados na análise e identificação dos efeitos de longo prazo da implantação do

Complexo do Rio Madeira. Seriam eles:

1 – O empreendimento foi classificado como altamente transformador. Neste ponto,

o papel do conjunto de empreendimentos com vistas à geração e energia foi enaltecido,

no sentido de demonstrar sua capacidade de transformar “a dinâmica econômica,

constituindo o pressuposto básico de todo o trabalho.” Segundo o relatório, a implantação

do complexo estaria convergindo na mesma direção de uma maior integração comercial e

produtiva entre a região amazônica e as demais regiões do pais.

2 – O papel relevante das bacias hidrográficas amazônicas na geração elétrica, dada

a “expectativa e necessidade de crescimento econômico da economia brasileira para as

próximas décadas”113 que impõe a emergência da expansão da oferta de energia elétrica.

3 – O papel suplementar das fontes alternativas na provisão de energia elétrica,

pouco expressivo e limitado para o atendimento da demanda nacional.

4 – A inserção do Complexo como “novo paradigma tecnológico”. Através da

utilização de turbinas-bulbo para a geração de energia pelo aproveitamento do volume e

velocidade das águas do rio Madeira, haveria maiores “ganhos ambientais”, pois não seria

exigido grandes desníveis para geração de energia, reduzindo as áreas alagadas.114

5 – O papel estruturante de hidrovias na Região Amazônica. A navegabilidade pelas

hidrovias previstas no complexo propiciaria um melhor ordenamento territorial.

6 – A inexorável integração física da América do Sul, permitindo “alternativas

bioceânicas” de interligação física de energia, de transportes e de comunicações. Esta

integração permitiria a expansão da articulação comercial entre os países da América

Latina.

7 - O inexorável avanço da ocupação territorial, já constatado através da ocupação

extensiva associada aos grãos, à pecuária e à ação dos grileiros. Isto ensejaria a

necessidade da tomada de “atitudes pró-ativas dos diversos atores institucionais

112 Ibid, pp. 115-118. 113 Ibid, p. 115. 114 Ibid, p. 116.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 70: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

276

envolvidos, no sentido do planejamento e da efetiva implementação das ações

planejadas.”115

8 – A crescente valorização dos serviços ambientais dos ecossistemas, fazendo

menção à adoção de métodos de uso de matérias florestais com “sistemas inovadores de

tecnologia que agregam valor a esses produtos”, como a produção e comercialização de

produtos certificados (madeira, borracha, etc).

9 – O fortalecimento de processos de participação e de compromisso social, pois a

aplicação da avaliação ambiental estratégica exigiria uma forte participação pública na

discussão das questões ambientais, socioeconômicas e institucionais para a região

amazônica.

10 – A necessidade de incremento da segurança nacional, sendo que a implantação das

atividades do Complexo do Rio Madeira importaria na maior presença econômica e

institucional na região de fronteira, “incrementando a Segurança Nacional e permitindo

melhor gestão do território tendo, como conseqüência, maior controle de atividades

ilegais.”116

A partir do exame de tais pressupostos, podemos tirar algumas conclusões.

A primeira delas, no sentido de que tais pressupostos indicam que o modelo de

desenvolvimento sustentável priorizado está mais preocupado com as questões de

integração regional e econômica do que com a sustentabilidade socioambiental.

Não se verifica em nenhum dos pressupostos uma preocupação real e

efetiva com os grandes impactos socioambientais causados pelo Complexo do Rio

Madeira. Aliás, pela sua leitura, é como se eles não existissem.

O estudo acima apontado foi realizado, em grande medida, para enaltecer

os pontos positivos e as vantagens advindas com a implantação do projeto, sob

uma ótica que privilegia o crescimento econômico mesmo diante dos altos custos

socioambientais. Tal lógica admite a degradação ambiental, se utilizando de

medidas tecnológicas para mitigar ou compensar os impactos causados pelo

empreendimento. Portanto, a avaliação ambiental estratégica não pode ser tida

como tal, pois o seu enfoque sobre as “questões relevantes” do Complexo do Rio

Madeira não foram examinadas sob o enfoque ambiental e nem estratégico.

Neste sentido, podemos destacar alguns pontos tratados na chamada

“avaliação ambiental estratégica” realizada.

115 Ibid, p. 117. 116 Ibid, p. 118.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 71: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

277

No que diz respeito ao processo de integração regional dos países da

America do Sul, o estudo apontou que o Complexo do Rio Madeira contribuiria,

de forma inconteste, para a integração regional, pois a construção das hidrovias

(cerca de 4.200 km) seria viabilizada pela implantação de eclusas nos

aproveitamentos hidrelétricos. Por outro lado, a existência de tais hidrovias seria

uma forma de incentivo à expansão das atividades econômicas na região, pois

haveria redução de custos com o escoamento da produção.

Outro ponto positivo assinalado foi que a construção das hidrelétricas

traria para a região um incremento de recursos, permitindo um novo padrão de

ocupação regional do solo e de organização da vida urbana. Possibilitaria,

também, um melhor aparelhamento do poder público local, com a melhoria dos

serviços públicos prestados, especialmente na cidade de Porto Velho, que se

consolidara como centro regional. A redução de custos de transportes fortaleceria

a competitividade regional e, ademais, a confiabilidade no fornecimento

energético serviria para atrair capitais produtivos (indústrias e serviços) regionais

e cadeias transnacionais, com aumento também da produtividade nas áreas hoje já

exploradas (Centro-Sul de Rondônia, Noroeste de Mato Grosso e vale do rio

Acre).

No entanto, não ficou evidenciado no referido estudo que, em

contrapartida a tais “efeitos positivos”, outros de natureza negativa e irreversível,

como o avanço das fronteiras do agronegócio com o conseqüente desmatamento

florestal na região e a perda da rica biodiversidade local, seriam passíveis de

acontecer.

Com relação à infra-estrutura, acentuou-se que os aproveitamentos

hidrelétricos do rio Madeira elevariam o patamar de flexibilidade e confiabilidade

do sistema interligado nacional, já que a integração física propiciada pela

implantação do projeto tende a intensificar trocas comerciais (articulação

comercial), podendo levar a trocas de capitais produtivos (integração produtiva).

Sob o enfoque institucional, os estudos de AAE anteciparam que a gestão

territorial enfrentaria desafios e oportunidades, pois a geração de receitas próprias

para o poder público municipal acabaria por fortalecer as instituições públicas

municipais, permitindo uma melhor gestão territorial com a presença mais efetiva

do Estado, o que se refletiria em melhorias na oferta de bens e serviços públicos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 72: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

278

Todavia, o estudo não abordou a questão polêmica sobre o destino da

energia gerada pelas usinas do Complexo do Rio Madeira. Assim, não houve

nenhuma discussão sobre se seria viável admitir tantos impactos socioambientais

para a região amazônica na produção de energia destinada ao incremento da

produção econômica de empresas localizadas na região sudeste do país.

Sob o enfoque ambiental, os estudos aferem particular interesse às formas

inovadoras de uso sustentável das áreas florestadas, com aumento da certificação

de produtos florestais e com a conversão de áreas degradadas com sistemas

agroflorestais e valorização dos serviços ambientais. O surgimento de novas redes

transnacionais de comunicações deverá repercutir em uma maior difusão da

informação e do conhecimento na região. No entanto, não se discute onde tais

atividades seriam permitidas, pois caberia ao Zoneamento Ecológico-Econômico

definir a amplitude e a repercussão da adoção de tal modelo de desenvolvimento

de atividades econômicas, cuja tendência é a de transformar os recursos

ambientais em mercadorias.

Pode-se dizer, ainda, que os efeitos positivos enaltecidos pelo

empreendedor, do ponto de vista ambiental, não se caracterizam como aqueles

diretamente decorrentes da implantação do empreendimento. Seriam

conseqüências, talvez desejadas por determinados setores da economia. Todavia,

para serem concretizadas, dependem de outras medidas públicas, fora do âmbito

do próprio projeto do Rio Madeira - exigem, por exemplo, a implantação de

outros instrumentos, como o zoneamento ecológico-econômico da região

amazônica.

No mais, segundo afirmado no relatório técnico formulado pelo Ministério

Público de Rondônia117, a avaliação ambiental estratégica realizada somente

serviu para dar subsídios à caracterização da área de abrangência regional,

solicitada no termo de referência do IBAMA.

Recordando as definições trazidas pela doutrina especializada no tema

(Vide item 5.1 deste capítulo), foi observado que a AAE constitui instrumento de

política ambiental que tem por objetivo auxiliar, antecipadamente, os tomadores

de decisões no processo de identificação e avaliação dos impactos e efeitos, a

117 MINISTÉRIO PÚBLICO. Relatório de Análise do Conteúdo dos Estudos de Impacto Ambiental (Eia) e do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) dos Aproveitamentos Hidrelétricos de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, Estado de Rondônia, realizado pela empresa Cobrape – Cia. Brasileira de Projetos e Empreendimentos, em outubro, 2006. Parte A, p. 41.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 73: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

279

respeito da implementação ou não de uma política, um plano ou um programa.

Portanto, não se pode esquecer que a natureza do instituto é de planejamento de

política ambiental e não econômica, sendo fundamental que os diversos setores

sobrelevem a dimensão ambiental nas discussões sobre a implantação de planos,

programas ou políticas setoriais, como no caso das hidrelétricas.

Por outro lado, a AAE permite ampliar a capacidade de avaliação do

projeto, por levar em consideração os impactos cumulativos e sinérgicos de

determinado plano, programa ou política em relação aos outros empreendimentos

já localizados ou previstos para a região. Tal instrumento contribui, ainda, para

que as questões ambientais ganhem importância similar a que é dada a outros

aspectos do desenvolvimento na tomada de decisão, estimulando o decisor a

articular os objetivos ambientais com os objetivos sociais, institucionais e

econômicos.

No entanto, repita-se: no caso do Rio Madeira, tais objetivos, sequer de

longe, foram atendidos. O estudo elaborado, de forma voluntária e espontânea,

teve como escopo único o de reunir informações complementares ao EIA/RIMA,

com o intuito de maximizar os efeitos positivos do projeto na economia da região

e do país, bem como na integração regional sul-americana.

Em verdade, a aplicação da AAE no planejamento do setor elétrico poderia

se dar em duas etapas: no plano decenal de expansão e no estudo de inventário de

bacia hidrográfica. Todavia, no caso-referência ora analisado, os estudos da AAE

foram realizados por ocasião da apresentação do projeto, ou seja, bem depois do

Plano Decenal de Expansão ( 2006-2015 ) e, também, posteriormente à etapa do

estudo de inventário hidrelétrico – este foi aprovado pela ANEEL118, em

16/12/2002.

Teoricamente, se, em um esforço de imaginação, a AAE fosse implantada

no momento oportuno, trataria de identificar os principais problemas

socioambientais ocasionados pelos empreendimentos constantes do complexo do

Rio Madeira, possibilitando a discussão e a antecipação de eventuais outras

soluções, o que, atualmente pela legislação em vigor, não teria como ser realizado.

De acordo com a normativa vigente, somente caberia a realização do estudo de

118 ANEEL. Despacho ANEEL nº 817 publicado no Diário Oficial da União em 17 de dezembro de 2002 que aprova o Estudo de Inventário do Rio Madeira. Disponivel pelo site <http://www.aneel.gov.br/hotsite/hotsite_ver2/default.cfm#xxx>. Ultimo acesso em 16 de janeiro de 2009.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA
Page 74: 5 A avaliação ambiental estratégica€¦ · 5 A avaliação ambiental estratégica Como já discorrido em outro tópico, a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de

280

impacto ambiental, de maneira isolada, em cada projeto individual para avaliação

e licenciamento ambiental de cada hidrelétrica119.

Por ter sido realizada fora do momento próprio e sem priorizar a dimensão

socioambiental, a AAE - realizada no licenciamento ambiental do Complexo do

Rio Madeira - não teve efetivamente uma abordagem estratégica.

Esta é a conclusão a que chegou o próprio IBAMA, no Parecer Técnico nº

141/2005-COLIC/CGLIC/DILIQ/IBAMA, ao analisar o teor do EIA/RIMA e

da AAE apresentada pelo empreendedor:

O trabalho, como um todo, não deve ser descartado, pois o mesmo levantou uma série de dados econômicos e sociais para a região de inserção do Complexo do Rio Madeira, caracterizando-o de forma sócio-econômica. Entretanto, como descritor das variáveis ambientais que serão modificadas e para propor alternativas para o desenvolvimento sustentável ele é bastante falho. Além do mais, a parte ambiental não foi considerada de forma apropriada no estágio inicial da tomada de decisão. Desta forma, perde o seu valor como avaliação estratégica. Vale a pena salientar, entretanto, que uma Avaliação Ambiental Estratégica é sem dúvida uma forte ferramenta para o planejamento de Políticas, Programas e Projetos. Portanto, deveria ser adotada como prática comum pelos definidores destes. ( g. n. )

Assim, levando-se em consideração os princípios e regras, bem como os

objetivos da AAE e as razões para a sua adoção, tópicos abordados pela doutrina

estrangeira e mencionados no item próprio, pode-se concluir que o estudo

elaborado no caso em tela não atingiu a sua finalidade última.

119 SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação ambiental estratégica e sua aplicação no Brasil. Disponível no site < http://www.iea.usp.br/iea/aaeartigo.pdf. Ultimo acesso em 30 de dezembro de 2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710476/CA