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CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA 5.º Congresso do Neolítico Peninsular VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSA eds. estudos & memórias 8

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CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

5.º Congressodo NeolíticoPeninsular

VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSAeds.

estudos & memórias 8

Victor S. Gonçalves • M

ariana Diniz • Ana Catarina Sousa, eds.

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5.º Congresso do Neolítico Peninsular Actas

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Casa das Histórias Paula Rego 7-9 Abril 2011

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5.º Congresso do Neolítico Peninsular Actas

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Casa das Histórias Paula Rego 7-9 Abril 2011

VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSA, eds.

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estudos & memóriasSérie de publicações da UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa)Direcção e orientação gráfica: Victor S. Gonçalves

8.GONÇALVES, V.S.; DINIZ, M.; SOUSA, A. C., eds. (2015), 684 p. 5.º Congresso do Neolítico Peninsular. Actas. Lisboa: UNIARQ.

Capa, concepção e fotos de Victor S. Gonçalves. Pormenor de uma placa de xisto gravada da Anta Grande da Comenda da Igreja (Montemor o Novo). MNA 2006.24.1. Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa.

Paginação e Artes finais: TVM designers

Impressão: Europress, Lisboa, 2015, 400 exemplares

ISBN: 978-989-99146-1-2Depósito Legal: 400 321/15

Copyright ©, os autores.Toda e qualquer reprodução de texto e imagem é interdita, sem a expressa autorização do(s) autor(es), nos termos da lei vigente, nomeadamente o DL 63/85, de 14 de Março, com as alterações subsequentes. Em powerpoints de carácter científico (e não comercial) a reprodução de imagens ou texto é permitida, com a condição de a origem e autoria do texto ou imagem ser expressamente indicada no diapositivo onde é feita a reprodução.

Lisboa, 2015.

Volumes anteriores de esta série:

1.LEISNER, G. e LEISNER, V. (1985) – Antas do Concelho de Reguengos de Monsaraz. estudos e memórias, 1. Lisboa: Uniarch.

2.GONÇALVES, V. S. (1989) – Megalitismo e Metalurgia no Alto Algarve Oriental. Uma aproximação integrada. 2 Volumes. estudos e memórias, 2. Lisboa: CAH/Uniarch/INIC.

3. VIEGAS, C. (2011) – A ocupação romana do Algarve. Estudo do povoamento e economia do Algarve central e oriental no período romano. estudos e memórias 3. Lisboa: UNIARQ.

4.QUARESMA, J. C. (2012) – Economia antiga a partir de um centro de consumo lusitano. Terra sigillata e cerâmica africana de cozinha em Chãos Salgados (Mirobriga?). estudos e memórias 4. Lisboa: UNIARQ.

5.ARRUDA, A. M. ed. (2013) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, I. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, estudos e memórias 5. Lisboa: UNIARQ.

6.ARRUDA, A. M. ed. (2014) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, 2. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, estudos e memórias 6. Lisboa: UNIARQ

7.SOUSA, E. (2014) – A ocupação pré-romana da foz do estuário do Tejo. estudos e memórias 7. Lisboa: UNIARQ.

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Introdução e historial de investigação

A gruta de Ibne Ammar localiza ‑se na Mexilhoeira Pequena ou da Carregação, em Lagoa, no distrito de Faro (Algarve), junto à margem esquerda do rio Arade. Trata ‑se de uma cavidade cársica constituída por um elevado número de salas e corredores, situando ‑se nas bancadas calcárias do Jurássico, sobre o antigo estuário do rio.

A gruta, oficialmente reconhecida por Ibne Ammar (Código Nacional de Sítio n.º 340), fora já referenciada anteriormente, ainda que sob várias outras designações: Cavernas da Mexilhoeirinha (Veiga, 1886), Furna dos Mouros ou Gruta do Algar (Machado, 1948), Gruta da Mexilheirinha (SPE, 1962), Gruta de D. Afonso Henri‑ques (topónimo local anotado em 1964) e Furnas da Mexilhoeira da Carregação (Bentes, 1985 ‑86).

As campanhas efectuadas por Carl Harpsöe surgiram na sequência das recolhas de Manuel Bentes, professor local, que com os seus alunos realizou várias recolhas nas camadas superficiais – alguns dos materiais então encontrados surgiram publicados na década de 1980 (Bentes, 1985 ‑86), sendo novamente revistos no âmbito do Levantamento Arqueológico do Algarve – Lagoa (Gomes, Cardoso e Alves, 1995).

Durante as campanhas de C. Harpsöe realizadas entre 1964 e 1966 foram efectuados trabalhos de levantamento topográfico da gruta, recolhas superficiais no seu interior e escavações localizadas essencialmente nas galerias «p» e «s». Destes trabalhos, para além dos relatórios existen‑tes, apenas surgiu uma publicação acerca dos materiais faunísticos (Costa, 1971).

A primeira planta da gruta, publicada por M. Bentes, não permitia uma legibilidade conveniente da mesma.

A ocupação neolítica da gruta de Ibne Ammar (Lagoa, Algarve, Portugal)1

■ RUI BOAVENTURA2, RUI MATALOTO3, DIANA NUKUSHINA4, CARL HARPSÖE, PETER HARPSÖE

R E S U M O Dão -se a conhecer os resultados preliminares do estudo do espólio neolítico recolhido na gruta de Ibne Ammar durante os trabalhos desenvolvidos na década de 1960 por Carl e Peter Harpsöe. É proposto um contexto crono -cultural para os elementos conheci-dos, devidamente enquadrados nas abordagens e discussões dedicadas ao processo de Neo-litização da região algarvia.

Palavras ‑chave: gruta de Ibne Ammar, Neolítico, Algarve.

A B S T R A C T The work conducted at the cave of Ibne Ammar in the Sixties of the past cen-tury by Carl and Peter Harpsöe is subject of a preliminary revision here, with a focus on the Neolithic occupation. Based on the artifacts collected in the cave a chronological and cultural frame is proposed, within the discussion of the processes of Neolithization in the region of Algarve.Key words: Ibne Ammar cave, Neolithic, Algarve.

«… as cavernas da margem esquerda do rio de Silves, nas proximidades da Mexilhoeira da Carregação, ficam aqui recommendadas para quando alguma vez haja governos n’este paiz, que, comprehendendo o alto interesse que em todas as nações cultas está inspirando o estudo das cavernas, saibam dar por bem empregado o tempo e dispêndio que reclamam estes interessantes trabalhos, que tantas revelações hão ministrado com relação ás raças e ao grau de civilisação das mais remotas nacionalidades, que viveram n’este ultimo retalho occidental da terra.»Veiga, 1886, p. 66

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A OCUPAÇÃO NEOLÍTICA DA GRUTA DE IBNE AMMAR (LAGOA, ALGARVE, PORTUGAL) RUI BOAVENTURA, RUI MATALOTO, DIANA NUKUSHINA, CARL HARPSÖE, PETER HARPSÖE P. 256-263

Fig. 1 Localização da Gruta de Ibne Ammar, no estuário do rio Arade (seg. mapa de C. e P. Harpsöe); Levantamentos gerais e de pormenor da Gruta de

Ibne Ammar: A‑ levantamento de C. e P. Harpsöe com identificação das diversas salas e galerias; B‑ Levantamento de M. Bentes (1985‑86); C‑ Plantas

de pormenor das salas «p» e «s», com a respectiva quadrícula de intervenção dos anos 60.

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Contudo, a sua comparação com as plantas mais fidedig‑nas de C. Harpsöe, permite constatar que «FA – Furna Alta» deverá corresponder à área das galerias «o» e par‑cialmente «p», e «FD – Furna dos Dentes» à galeria «p».

Na viragem do milénio, Nuno Bicho e John Lindly (2000 e 2001 – relatórios das intervenções) efectuaram escavações defronte da «entrada nova» da cavidade, bem como algumas recolhas dentro desta. Torna ‑se clara a presença de materiais moustierenses, bem como uma ocupação da Idade do Bronze no exterior da gruta. Algum material atribuído ao Neolítico antigo é identifi‑cado em visitas ao interior da gruta.

No âmbito do projecto «O Processo de Neolitização no Algarve» e da sua dissertação de doutoramento, A. F. Carvalho (2007) revê e estuda os materiais neolíticos depositados no Museu Municipal de Portimão («colec‑ção Bentes»), bem como os decorrentes dos trabalhos dirigidos por N. Bicho. Daí resulta a publicação de uma datação sobre conchas de Ruditapes decussata recolhi‑das, segundo N. Bicho (informação pessoal), na área da galeria anteriormente designada por «n» e «o». Esta aponta para o primeiro quartel do 4.º milénio a.n.e.

Datação pelo radiocarbono por AMS (Bicho e Lindly, s/d; Carvalho, 2007)Amostra: Ruditapes decussataLab: Wk ‑17028δ13C: ‑1,3±0,2%5485±41BP – data corrigida por AMSoares: Correcção: 5105±50BPCalibração: Wk ‑17028 ‑ 5105±50BP – cal BCE, 1 sigma: 3970 ‑3920 (23,6%), 3880 ‑3800 (44,6%); 2 sigma: 4040 ‑4020 (0,7%), 4000 ‑3780 (94,7%) Programa de calibração OxCal 4.1 (Bronk Ramsey, 2001, 2008a e 2009), com as curvas de calibração IntCal09 e Marine09 (Reimer et al., 2009).

O espólio recuperado é passível de ser enquadrado, essencialmente, no Neolítico e Idade do Bronze; além destes, há que mencionar outros que poderão correspon‑der a presenças de época romana, medieval e moderna. Aqui, procura ‑se apresentar, de uma forma preliminar, o espólio recuperado atribuível ao Neolítico.

Pedra lascada

Os materiais em pedra lascada foram obtidos maiori‑tariamente sobre sílex, embora se contabilizem alguns produtos de debitagem em matérias ‑primas não‑‑siliciosas, de grão grosseiro.

Os núcleos, em reduzido número, terão sido destina‑dos à produção de lascas, também representadas no con‑junto.

Destaca ‑se um conjunto significativo de produtos de debitagem laminar, com larguras variáveis em torno dos 12 ‑30 mm, encontrando ‑se escassos retocados, de forma marginal. Frequentemente, as lâminas conservam ainda vestígios de córtex rolado, o que poderá enunciar a utili‑zação de fontes locais de aprovisionamento de matéria‑‑prima. O fragmento de lâmina 621.99.60 apresenta mar‑cas resultantes de possíveis alterações térmicas, tipo potlid (v. Fig. 3). A grande dimensão de alguns produtos, nomeadamente, de uma lâmina fragmentada que atinge os 82,61 mm de comprimento conservado, e de outra, com largura máxima de 29,21 mm, aponta para uma cro‑nologia avançada dentro do Neolítico. Registam ‑se ainda algumas lamelas, fragmentadas.

Por outro lado, entre a pouca utensilagem detectada, não se registam armaduras de projéctil, nomeadamente geométricos e pontas de seta. A ausência da componente microlítica neste conjunto coaduna ‑se com a situação de quase inexistência verificada para vários sítios com ocu‑pação do Neolítico antigo do Algarve ocidental (Carva‑lho, 2007, p. 507).

Pedra polida O conjunto é maioritariamente constituído por enxós

(8) e alguns machados (2), totalizando 12 exemplares, ao incluirmos 3 fragmentos não classificáveis e um ALPNI (artefacto lítico polido não identificado) (v. Fig. 4, 621.91.1). Com a excepção de um machado de anfibolito de secção arredondada, todas as restantes peças foram elaboradas num tipo de rocha máfica, inclusive o refe‑rido ALPNI.

Em geral, são peças de pequenas dimensões, com sec‑ção subrectangular/ovalada e gume bem preservado, apontado para a sua deposição em contextos rituais. O dito ALPNI corresponde a uma peça discóide, total‑mente polida, de secção lenticular com aparentes mar‑cas de uso na aresta e na área central, podendo associar‑‑se a um utilização do tipo «bigorna».

Fig. 2 Equipa de escavação nos anos 60 junto da entrada original.

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Fig. 3 Indústria lítica talhada de Ibne Amar (Desenhos de D. Nukushina).

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Este conjunto lítico suscita dificuldade na sua atribui‑ção cronológico ‑cultural, sobretudo no que toca às enxós, que poderão não relacionar ‑se com o período neolítico, mas com uma cronologia posterior.

Adornos

Identificamos a presença de 2 fragmentos de pulsei‑ras de Glycymeris glycymeris (v. Fig. 5, 1), 3 contas de concha de Conus sp. e uma concha de Littorina obtu‑sata perfurada (v. Fig. 5, 3). Foram recolhidas centenas de contas discoidais (na proximidade do lago existente no interior da gruta), obtidas a partir de concha, de

pequena dimensão, que formariam um provável colar (v. Fig. 5, 7). Destaca ‑se também a presença de um con‑junto significativo de contas de xisto, pedra verde, osso e (provável) marfim (v. Fig. 5, 6), bem como de um pen‑dente de xisto (v. Fig. 5, 4), que terá sido encontrado na galeria «p»,. Finalmente, há ainda um possível pen‑dente de calcário, talvez reaproveitado de uma caixa cilíndrica (v. Fig. 5, 2).

Cerâmica (v. Fig. 6)

Perante a ausência de dados estratigráficos foi ape‑nas possível registar um pequeno conjunto de cerâmica

Fig. 4 Indústria lítica polida.

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decorada, genericamente atribuível ao Neolítico antigo, o que não obsta à presença de outros recipientes desta cronologia, mais difíceis de isolar no contexto das pro‑duções manuais provenientes do local. O elevado estado de fragmentação e a pequena dimensão dos fragmentos impediram a reconstituição formal da maioria dos recipientes. Naqueles em que tal foi possí‑vel, verifica ‑se, em geral, diâmetros de média a grande

dimensão, correspondentes a vasos e, em menor número, a taças.

As pastas revelam alguma variabilidade, embora gene‑ricamente apresentem grande compactação e um redu‑zido número de elementos não ‑plásticos.

Ao nível das decorações, verifica ‑se a aplicação maio‑ritária de técnica incisa, impressa e combinada (incisa e impressa). Entre as decorações incisas, destacam ‑se os

Fig. 5 Adornos vários de Ibne Ammar.

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motivos em espinha, formados por incisões curtas ou alongadas, bem como a utilização de traços curtos verti‑cais. As impressões apresentam alguma variação, cons‑tituindo em geral puncionamentos de forma ovalada, dispostos em fiadas paralelas à linha do bordo. Em

alguns casos, formam motivos «em espiga» ou em «falsa folha de acácia». Regista ‑se também a aplicação de cor‑dões plásticos decorados.

Alguns recipientes apresentam elementos de preensão e suspensão, nomeadamente asas verticais e horizontais

Fig. 6 Cerâmica decorada incisa e impressa de Ibne Ammar (Desenho de D. Nukushina).

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e pegas mamilares, usualmente junto ao bordo, ou mesmo parcialmente sobre este.

Ibne Ammar no quadro do processo de Neolitização da região algarvia – os comentários possíveis

No que toca à tipologia desta ocupação, para A. Carva‑lho (2007), a topografia da gruta, caracterizada por cor‑redores estreitos e salas de reduzida dimensão, não teria favorecido uma permanência continuada ou encetada por um grupo muito numeroso, pelo que a possibilidade levantada por Gomes e colaboradores (1995) de se tratar de uma necrópole é de colocar sob reserva (apesar do excelente grau de preservação de matéria orgânica ape‑nas alguns dentes humanos foram recolhidos). Por outro lado, uma outra hipótese é sugerida por Carvalho (2007) ‑ a de estarmos perante ocupações neolíticas com vista ao armazenamento («gruta ‑armazém»), tendo em conta a grande dimensão de alguns recipientes da «colecção Bentes», situação também verificada no conjunto cerâ‑mico aqui apresentado, cuja forma foi aqui possível de reconstituir.

Embora de um ponto de vista estilístico uma parte importante do espólio cerâmico recolhido nas escava‑ções da equipa de Carl Harpsoe seja conotável com o Neolítico antigo, a atribuição cronológica é, em muitos casos, reservada, sobretudo se tivermos em conta a pos‑sibilidade de recorrência de decorações impressas e inci‑sas para momentos posteriores.

Ainda que circunstancial, a datação obtida sobre con‑chas recolhidas próximo de um bordo de recipiente atribuível ao Neolítico antigo, ao situar ‑se essencial‑mente no primeiro quartel do 4.º milénio a.n.e., realça o provável distúrbio dos depósitos. Contudo, a presença de determinados elementos, nomeadamente de frag‑mentos de pulseiras de Glycymeris, traz à colação as datações de Castelo Belinho, apenas um pouco mais antigas, mas onde a presença daquelas pulseiras, bem atestada, constitui um caso excepcional ao nível do ter‑ritório hoje português (Gomes, 2010, p. 72). Por outro lado, alguns materiais, nomeadamente uma lâmina e um pendente de calcário, parecem remeter para momentos mais avançados, já da primeira metade do 3º milénio a.n.e. Se acrescentarmos ainda o conjunto importante de materiais atribuíveis à Idade do Bronze já conhecidos (Gomes et al, 1995) e outros ainda inédi‑tos das escavações de dois dos autores (C. e P. Harpsöe), torna ‑se evidente a diversidade de momentos de fre‑quentação deste complexo cársico e dos seus possíveis significados funcionais.

Redondo/Lisboa, Julho 2011 (revisto em Dezembro/11)

1 No texto final a componente gráfica foi amplamente condensada por razões editoriais.

2 PortAnta, Associação de Arqueologia Ibérica; UNIARQ, Centro de Arqueologia da UL; Município de Odivelas. [email protected].

3 Município de Redondo [email protected]

4 Mestranda em Arqueologia, FLUL [email protected]

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