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5 - Imperfeições das Estruturas Cristalinas No começo deste século, a estrutura cristalina dos metais foi bastante investigada, havendo nesta época uma tendência entre os metalurgistas, de considerar os cristais metálicos como sendo relativamente perfeitos. Contudo, este conceito trona difícil a explicação de algumas propriedades dos metais, particularmente o fenômeno de difusão em soluções sólidas. Além disto, torna também difícil a explicação do fato de que o valor prático obtido para a tensão crítica de cisalhamento de um metal, é muitas ordens de grandeza menor do que o valor deduzido de considerações teóricas, baseadas no deslizamento instantâneo e em “bloco”. A sugestão de que os átomos no cristal metálico estão agrupados em configuraçòes rígidas, nas quais não existem desvios, há tempos que já foi rejeitada, pela evidência do que foi acumulado durante anos. Normalmente, os metalurgistas consideram que o cristal metálico consiste de átomos que se agrupam de acordo com alguma condiguração geral, na qual existem vários tipos de falhas e defeitos, os quais causam distorções e irregularidades na vizinhança da rede cristalina. Assim sendo, apesar de suas características de ordenação e repetitividade espacial do arranjo atômico, a estrutura cristalina não é totalmente perfeita e pode apresentar imperfeições ou defeitos esporádicos ou contínuos. O tipo e a quantidade relativa destas imperfeições vão influir decisivamente em certas propriedades e no comportamento dos materiais cristalinos. As imperfeições cristalinas podem ser de três tipos fundamentais: imperfeições de ponto imperfeições de linha imperfeições de superfície 5.1 - Imperfeições puntuais Uma imperfeição de ponto ou puntual é uma interrupção muito localizada na regularidade da rede. Como regra, um imperfeição puntual aparece por causa da ausência de um átomo da matriz (que estaria presente num cristal perfeito) ou a presença de um átomo de impureza, ou um átomo da matriz colocado em lugar “errado” (um ponto não ocupado no cristal perfeito). Na figura 33, mostram-se as imperfeições puntuais mais 51

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5 - Imperfeições das Estruturas Cristalinas

No começo deste século, a estrutura cristalina dos metais foi bastante investigada,

havendo nesta época uma tendência entre os metalurgistas, de considerar os cristais

metálicos como sendo relativamente perfeitos. Contudo, este conceito trona difícil a

explicação de algumas propriedades dos metais, particularmente o fenômeno de difusão em

soluções sólidas. Além disto, torna também difícil a explicação do fato de que o valor

prático obtido para a tensão crítica de cisalhamento de um metal, é muitas ordens de

grandeza menor do que o valor deduzido de considerações teóricas, baseadas no

deslizamento instantâneo e em “bloco”.

A sugestão de que os átomos no cristal metálico estão agrupados em configuraçòes

rígidas, nas quais não existem desvios, há tempos que já foi rejeitada, pela evidência do

que foi acumulado durante anos. Normalmente, os metalurgistas consideram que o cristal

metálico consiste de átomos que se agrupam de acordo com alguma condiguração geral, na

qual existem vários tipos de falhas e defeitos, os quais causam distorções e irregularidades

na vizinhança da rede cristalina.

Assim sendo, apesar de suas características de ordenação e repetitividade espacial

do arranjo atômico, a estrutura cristalina não é totalmente perfeita e pode apresentar

imperfeições ou defeitos esporádicos ou contínuos. O tipo e a quantidade relativa destas

imperfeições vão influir decisivamente em certas propriedades e no comportamento dos

materiais cristalinos. As imperfeições cristalinas podem ser de três tipos fundamentais:

• imperfeições de ponto

• imperfeições de linha

• imperfeições de superfície

5.1 - Imperfeições puntuais

Uma imperfeição de ponto ou puntual é uma interrupção muito localizada na

regularidade da rede. Como regra, um imperfeição puntual aparece por causa da ausência

de um átomo da matriz (que estaria presente num cristal perfeito) ou a presença de um

átomo de impureza, ou um átomo da matriz colocado em lugar “errado” (um ponto não

ocupado no cristal perfeito). Na figura 33, mostram-se as imperfeições puntuais mais

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comuns num cristal de um elemento puro; algumas das imperfeições puntuais que podem

ocorrer num cristal iônico são mostradas na figura 34.

A ausência de um átomo de uma posição normalmente ocupada é chamada lacuna

ou vacância, conforme mostrado na figura 33. Se faltarem dois átomos, o defeito chamar-

se-á bilacuna. Mais átomos podem estar ausentes.

As lacunas são imperfeições muito freqüentes nas estruturas cristalinas, podendo

atingir concentrações da ordem de 1 vazio para cada 1.000 vértices na rede de um cristal de

metais e cerâmicos.

A origem dessas imperfeições pode ser atribuída quer a um empacotamento

defeituoso durante o processo original de cristalização, quer a vibrações térmicas dos

átomos a temperaturas elevadas. As lacunas podem mover-se, trocando de posição com os

átomos vizinhos. Essa movimentação fornece um meio para os átomos migrarem ou

difundir-se no estado sólido a temperaturas elevadas, o que favorece o mecanismo de

difusão, tão importante em determinados processos metalúrgicos (tratamentos térmicos e

termoquímicos por exemplo).

Figura 33 – Representação esquemática dos diversos defeitos puntuais

Um átomo extra pode ser abrigado nos interstícios de uma estrutura cristalina,

principalmente se o fator de empacotamento for baixo. Tal imperfeição, denominada

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defeito intersticial está esquematizada na figura 33. Se o átomo, por assim dizer intruso,

for menor que os átomos restantes do reticulado, o efeito da imperfeição é pequeno; caso

contrário, haverá uma distorção atômica.

Impurezas substitucionais são defeitos provocados pela intromissão de átomos

estranhos nos próprios vértices da rede cristalina em substituição aos átomos que ali

deveriam estar se não houvessem lacunas. Os defeitos intersticiais e substitucionais

decorrem normalmente da presença de átomos de impurezas e de elementos de liga, estes

últimos colocados propositalmente na estrutura do material com o intuito de otimizar

algumas de suas propriedades.

Em cristais iônicos, um pequeno cátion pode abandonar seu ponto na rede, criando

uma lacuna catiônica e ficando dissolvido intersticialmente na estrutura; este par de

defeitos associados (uma lacuna catiônica e um cátion intersticial) é chamado Defeito de

Frenkel (figura 34.a).

Quando uma lacuna catiônica é associada á lacuna aniônica, em vez de a um cátion

intersticial, o par (lacunas aniônica e catiônica associadas) é chamado Defeito de Schottky.

São estabelecidas em compostos que devam manter um balanço (equilíbrio) de cargas

(figura 34.b). Elas envolvem lacunas de pares de íons de cargas opostas. Da mesma forma

que as lacunas simples, estas facilitam a difusão atômica.

(a)

(b)

Figura 34 - Defeitos puntuais nos cristais iônicos: (a) de Frenkel e (b) de Schottky

Em geral, é mais provável que se formem imperfeições Schottky que Frenkel,

porque são poucas as estruturas que contêm interstícios suficientemente grandes para

dissolver cátions sem deformação considerável. Entretanto, numa estrutura relativamente

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aberta como a da fluorita (CaF2), onde os interstícios são grandes, é muito provável que os

cátions se dissolvam intersticialmente e produzam imperfeições Frenkel.

Estruturas compactas têm muito menos defeitos intersticiais e íons deslocados do

que lacunas, porque se torna necessária uma energia adicional para forçar os átomos para

posições intersticiais.

5.2 - Imperfeições de linha

Os cristais podem apresentar defeitos alinhados e contínuos em sua estrutura dando

lugar às imperfeições de linha. Os principais defeitos de linha são denominados de

Discordânciais Cristalinas, que podem ser de dois tipos: em aresta e em hélice.

As discordâncias, ilustradas esquematicamente na figura 35 podem atuar tanto

isoladamente como em conjunto na rede cristalina, e sua presença é de fundamental

importância nos mecanismos de deformação plástica dos materiais de estrutura cristalina.

Assim como as lacunas, as discordâncias são defeitos originados durante o

crescimento do cristal. Entretanto, as discordâncias podem ser multiplicadas durante a

deformação plástica do cristal. A presença da discordância provoca uma distorção na rede

cristalina em função dos campos de tensão originados ao longo do alinhamento. A

discordância em cunha apresenta campos de tensão e compressão justapostos, ao passo que

a discordância em hélice apresenta campos de cisalhamento.

No início, a Teoria das Discordâncias não era comprovada com dados

experimentais desses defeitos. Porém, com o passar dos anos, foram-se acumulando

evidências, de tal maneira que a teoria floresceu após a guerra, tornando-se amplamente

aceita. Recentemente, a existência das discordância foi verificada metalograficamente,

através de microscópios eletrônicos de alta potência.

A principal característica de uma discordância é o seu vetor de Burgers (⎯b), o qual

dá uma medida da distorção causada na estrutura da rede cristalina ao redor do

alinhamento. Outra característica da discordância é o fato de que podem se movimentar ao

longo de planos de alta densidade atômica, denominados de Planos de Deslizamento da

rede cristalina, e isto ocorre toda vez que o cristal é solicitado mecanicamente.

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(a)

(b)

Figura 35 - Representação esquemática de Discordâncias Cristalinas: (a) em aresta e (b) em hélice

Em geral, os elementos não metálicos e a maioria dos compostos de ligação iônica

possuem elasticidade e não possuem plasticidade. Por outro lado, os metais e a maior parte

dos polímeros orgânicos possuem alto grau de elasticidade e também de plasticidade. Eles

podem ser conformados por compressão ou por tração e, em ambos os casos, suas

estruturas permanecem basicamente inalteradas. Isto porque eles são deformados

plasticamente, mantendo, contudo, a continuidade de suas estruturas.

Pode ser feita uma demonstração simplificada das diferenças no comportamento

dos metais e dos cristais iônicos, submetidos a tensões superiores ao limite elástico. Esta

demonstração se baseia nas respectivas estruturas desses dois tipos de materiais. Um cristal

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metálico consiste de íons positivamente carregados, cercados por uma ‘nuvem eletrônica”.

Os íons se repelem mutuamente, mas são mantidos em suas posições de equilíbrio pelas

forças de atração entre cada íon e a “nuvem” carregada negativamente. Quando uma força

é aplicada a um plano de íons (fig. 36.a), há a tendência ao movimento dos íons positivos

do plano, bem como dos íons do plano adjacente. As forças de repulsão entre os íons

atingem um máximo nas condições do limite de elasticidade. Porém, a camada de íons se

desloca em relação à camada adjacente e essas forças de repulsão são então

contrabalanceadas. Neste estágio, não há destruição da estrutura, pois continuará a atração

mútuas entre os íons positivos e a nuvem eletrônica que os cerca. O plano ao longo do qual

há o movimento e chamado de plano de deslizamento.

O cristal de uma substância como o cloreto de sódio, consiste de íons de sódio

carregados positivamente e íons de cloro carregados negativamente. Esses íons são

agrupados de tal maneira, que cada íons é cercado por outros de carga oposta. Qualquer

tentativa de provocar deslizamento na direção [100] (fig 36.b) é inútil, pois colocará íons

da mesma carga próximos um dos outro. Os íons iguais iriam se repelir mutuamente,

fazendo com que o cristal se dividisse em suas partes. Então, o cristal fragmentar-se-ia ao

longo do plano de clivagem.

(a) (b)

Figura 36 - Processo de deformação permanente num cristal perfeito

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Como comentado anteriormente, nos metais o deslizamento ocorre segundo planos

cristalográficos específicos. Geralmente esses planos são os de maior distância interplanar,

pois neste caso as forças entre os planos de deslizamento passam por um mínimo. Dentro

de cada plano, a densidade de empacotamento atômico é a maior possível. Nessas

condições, o deslizamento se dá segundo a direção de máxima densidade de

empacotamento atômico (direção mais compacta).

Nos metais CFC, como o alumínio, cobre e ouro, o deslizamento ocorre,

usualmente, nos planos {111}. A distância entre esses planos é maior do que a distância

interplanar de qualquer famíliade planos da estrutura CFC. Além, disso, nos planos

{111} a população atômica é mais densa do que qualquer outra família de planos.

Então, os planos de deslizamento mais fáceis, são também os planos mais

compactos. As direções de deslizamento da estrutura CFC são as da família <110>

(diagonais das faces). Há quatro planos efetivos de deslizamento, e cada plano

contém três possíveis direções de deslizamento, o que dá um total de doze direções

da estrutura CFC, nas quais o deslizamento tem lugar com igual facilidade (fig.

37.a).

Na estrutura HC os planos basais (0001) são similares aos planos (111) da estrutura

CFC. Contudo, a estrutura HC contém apenas um plano basal, em comparação com os

quatro planos (111) da estrutura CFC. Sendo assim, na estrutura HC só existem três

sistemas de deslizamento (fig. 37.b). Isto se reflete nas diferenças de propriedades

mecânicas entre os metais CFC dúcteis e maleáveis como o alumínio e o cobre, e os metais

HC relativamente frágeis, como o zinco. Como a prática demonstrou que o esforço necessário para produzir esse

deslocamento de planos atômicos em relação a planos vizinhos é muito menor que o

previsto pelos cálculos teóricos, deve-se admitir a presença de uma imperfeição.

Essa imperfeição corresponde a um plano extra de átomos no interior da estrutura

cristalina e é chamada discordância em aresta ou em cunha e está representada

esquematicamente na figura 35.a, onde se nota a presença de uma aresta de um plano extra

de átomos, donde a denominação discordância em aresta.

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(a) (b)

Figura 37 – Direções de deslizamento: (a) CFC (b) HC

A razão pela qual uma pequena tensão é capaz de deformar plasticamente uma

estrutura cristalina fortemente ligada resiste no fato de que somente poucas ligações

precisam ser reajustadas a cada passo se a discordância estiver presente. Os átomos da

extremidade do plano extra, de uma discordância em aresta (figura 38.a), são atraídos

igualmente para a direita e para a esquerda pelos átomos do plano horizontal abaixo deles.

Por essa razão, uma pequena tensão pode fazer o plano extra 1 se mover para a

direita (figura 38.b), e empurrar o plano 2 na posição da cunha. A discordância avançou

agora de um espaçamento atômico. A repetição desse rearranjo local de ligações resulta no

deslizamento através de toda a seção de corte do cristal (figura 38.c), mesmo que somente

uma fração das ligações atômicas totais seja afetada em um dado instante.

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Figura 38 - Representação esquemática do movimento de uma discordância em aresta

Zonas de compressão e de tração

acompanham uma discordância desse tipo

(figura 39), de tal forma, que ao longo de sua

linha ocorre um aumento em energia. Ainda

sobre a figura 39.a os átomos que estão sob

compressão são os escuros e os claros estão

sob tração em volta da discordância.

Na discordância em aresta, a grandeza

do vetor de Burgers corresponde ao

d

4

p

a

e

v

á

p

Figura 39 - Energia de discordância (aresta)

espaçamento atômico. O vetor, no

eslocamento de aresta, é sempre perpendicular à linha de discordância, conforme a figura

0.b.

Uma discordância em hélice ou em espiral, tem seu vetor deslizamento (Burgers)

aralelo à sua linha (figura 40.a). Tensões de cisalhamento estão associadas aos átomos

djacentes; logo, há, também, o exemplo do que ocorrera para discordâncias em aresta,

nergia extra envolvida.

Um procedimento convencional que envolve um circuito de Burgers determina o

etor de Burgers de uma dada discordância. Um circuito de Burgers é um caminho de

tomo para átomo que forma um circuito fechado, se efetuado numa região de cristal

erfeito.

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(a) (b)

Figura 40 – Representação do Vetor de Burgers: (a) discordância em hélice, (b) discordância em aresta

Durante a cristalização podem se originar ambos os tipos de discordâncias. As

discordâncias em arestas, por exemplo, decorrem de uma pequena diferença na orientação

de partes adjacentes do cristal em crescimento de maneira que um plano atômico extra

possa ser introduzido ou eliminado. Como mostrado na figura 35.b, uma discordância em

espiral facilita o crescimento do cristal já que os átomos e células unitárias adicionais

podem se acrescentados ao passo da espiral. Logo, o termo espiral é muito adequado, visto

que enquanto o crescimento prossegue, uma espiral se desenvolve ao longo de seu eixo.

As discordâncias se originam mais comumente durante a deformação

(cisalhamento) e isto pode ser visto na figura 41.

A parte (a) da figura 41 corresponde à discordância em aresta; a parte (b), à

discordância em hélice e a parte (c) indica o circuito completo com as componentes em

aresta e em espiral, ou seja, o cisalhamento resultante da ação conjunta dos dois tipos de

discordância.

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(a) (b) (c)

Figura 41 - Representação esquemática da formação de uma discordância por cisalhamento

5.3 - Imperfeições de Superfície

O modelo de cristalização pode ser melhor compreendido ao verificar-se o que

acontece quando um metal solidifica no interior de um recipiente (figura 42). As principais

células unitárias que se formam, em pontos diferentes, crescem geralmente pela absorção

de outras, até se encontrarem formando um contorno irregular que delimita uma área onde

estão compreendidas milhares daquelas células.

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Figura 42 - Representação esquemática do processo de solidificação (cristalização) de um metal

Um conjunto de células unitárias forma o cristal com contornos geométricos, o qual

ao adquirir os contornos irregulares pelo seu crescimento e devido aos pontos de contato de

cada conjunto, passa a chamar-se grão. Esses grãos são ligados entre si por uma película

que geralmente não se considera mais cristalina. Essa película é chamada de contorno de

grão, que é caracterizado por ser uma zona de transição, em que os átomos não pertencem

claramente a grão algum (figura 43.a), ao contrário do que ocorre no interior do grão, onde

os átomos estão perfeitamente acomodados, de acordo com o reticulado cristalino

correspondente. Ao longo do contorno de grão não existe, portanto, um empacotamento

atômico perfeito. Essa zona de transição é caracterizada por possuir uma energia maior que

a que existe no interior dos grãos, fato esse que explica a maior rapidez de ataque do

contorno de grão, quando o metal é submetido à ação de um reagente químico, para

observação da estrutura, pois os átomos da zona de transição ou do contorno de grão se

dissolverão mais rapidamente que os outros. O resultado é o aparecimento de uma linha

perfeitamente visível ao microscópio (figura 42.b). O empacotamento atômico, menor ao

longo do contorno, favorece a difusão atômica e a diferença entre grãos adjacentes

modifica a progressão dos movimentos de discordância. Logo, o contorno de grão interfere

na deformação plástica de um material

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(a) (b)

(c)

Figura 43 - Contornos de grão: (a) Representação esquemática, (b) molibdênio ao microscópio e (c) tridimensional

Apesar do deslizamento ser o processo mais significativo na deformação plástica

dos metais, é necessário fazer uma breve menção ao fenômeno conhecido por maclagem.

Enquanto que o deslizamento é um processo associado a um defeito de linha (a

discordância), a maclagem está associada a um defeito de plano (o contorno de macla).

No final do deslizamento, os átomos em bloco se moveram da mesma distância

(fig. 44.a). Já na deformação por maclagem (fig. 44.b), os átomos localizados em planos

sucessivos, movem-se em bloco em distâncias diferentes. Quando a maclagem está

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completa, a rede cristalina se altera de tal maneira que, uma metade da macla é a imagem

especular da outra metade, sendo que a linha de maclagem corresponde à posição do

espelho. Da mesma forma que no deslizamento, a deformação por maclagem também se dá

com o movimento de discordâncias. A figura 45 representa o resultado final de um

processo de maclagem na rede de um cristal.

(a) (b)

Figura 44 – Deformação por: (a) deslizamento (b) maclagem

A tensão necessária para produzir deformação por maclagem, tende a ser maior que

a necessária para produzir deformação por deslizamento. A maclagem ocorre mais

facilmente em metais sobre os quais atuam cargas de choque a baixas temperaturas. Assim

é que, no ferro CCC repentinamente carregado a baixa temperatura, há a formação de

maclas finas de forma lamelar, geralmentes conhecidas como bandas de Neumann. A

maclagem é comumente encontrada em metais HC como o zinco. Por outro lado, numa

barra de estanho convenientemente fletida, ocorre formação audível de maclas.

Figura 45 – Exemplo de deformação por maclagem

Durante o recozimento de alguns metais deformados a frio, ocorre a formação de

maclas. Neste caso, a recristalização se inicia em planos, em lugar de numa fonte pontual.

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Como resultado, observam-se bandas de maclas dentro dos novos cristais recristalizados.

Estas “maclas de recozimento” são comuns em ligas de baixa energia de falha de

empilhamento, como o cobre, latões, brozes e aços austeníticos. Estas maclas são

diferentes daquelas maclas mecânicas acima consideradas. Elas são formadas por

cisalhamento mecânico, mas sim, como parte do processo de crescimento de grão durante a

recristalização.

5.4 – Soluções sólidas

Há muitos modos segundo os quais os agregados cristalinos e não-cristalinos de

átomos e moléculas podem se dispor em um sólido. Estes arranjos são responsáveis por

muitas características estruturais distintas em escalas superiores às das dimensões

moleculares ou atômicas. Por exemplo, em um sólido cristalino homogêneo estas

características podem ser as faces externas de um cristal, ou então detalhes superficiais,

dependentes da estrutura, produzidos por um ataque químico ou por deformação. Sólidos

não-homogêneos podem apresentar detalhes estruturais adicionais devido aos modos como

podem se distribuir, no material, regiões com diferentes estruturas atômicas e moleculares.

Para podermos melhor estudar estes detalhes temos necessidade de inicialmente apresentar

algumas definições:

• Fase. É uma porção da matéria, homogênea, de composição física e química uniforme,

separada das demais por uma interface. Por exemplo, num sistema contendo gelo, água

e vapor d’água em equilíbrio, há três fases. Não importa quantos pedaços de gelo

existam flutuando na água: há somente uma fase gelo.

• Componente. É o constituinte químico que deve ser especificado de modo a descrever a

composição de cada fase presente. Por exemplo, no sistema Cu-Al que contém os

compostos CuAl e CuAl2, todas as composições podem ser expressas pelas espécies

moleculares Cu e Al; assim trata-se de um sistema de dois componentes; no sistema

gelo, água e vapor d’água, há somente o componente H2O.

• Solução. É uma fase com mais de um componente.

• Mistura. É um material com mais de uma fase, cada uma delas com seu arranjo atômico

peculiar.

• Ligas. Substâncias que consistem em combinações íntimas de dois ou mais elementos

químicos, dos quais pelo menos um é metal, e possuindo propriedades metálicas. Estas

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combinações podem ser misturas de dois tipos de estruturas cristalinas, ou podem

envolver soluções sólidas.

As fases e distribuições das fases são características importantes dos sólidos.

Entretanto, não são características estáticas. Podem ser alteradas por tratamentos térmicos

e mecânicos. A alteração das estruturas, formas e distribuições de fase com finalidades

específicas se denomina processamento.

Quando misturas homogêneas de duas ou mais espécies atômicas (componentes)

ocorrem no estado sólido, elas são chamadas de soluções sólidas. Essas soluções cristalinas

são muito comuns e equivalentes às soluções líquidas e gasosas, pois as proporções dos

componentes podem variar dentro de certos limites fixos e as misturas não se separam

naturalmente. Deve-se destacar ainda que o termo solvente se refere à forma atômica mais

abundante e soluto à menos abundante.

As soluções sólidas podem ser de dois tipos distintos: solução sólida substitucional

e solução sólida intersticial.

Solução sólida substitucional

Neste caso ocorre uma substituição direta de um tipo de átomo por outro, de forma

que os átomos de soluto se localizam em posições normalmente ocupadas por átomos de

solvente. Na figura 46.a é mostrado, esquematicamente, um exemplo contendo dois tipos

de átomos (Cu e Zn). Na figura é mostrada uma estrutura ordenada na qual a maioria dos

átomos escuros está circundada por átomos claros. Tal ordenação é menos comum a altas

temperaturas, visto que as maiores agitações térmicas tendem a destruir o arranjo

ordenado. Já na figura 46.b é mostrada uma substituição aleatória entre dois tipos de

átomos numa estrutura cristalina, esta é a situação mais comum.

Em muitos sistemas ocorrem estruturas cristalinas ou fases diferentes das dos

componentes elementares (metais puros). Se essas estruturas ocorrem em um intervalo de

composições, então elas são de fato soluções sólidas. Todavia, quando as novas estruturas

cristalinas apresentam uma relação constante e simples entre os números de átomos dos

componentes, elas são consideradas como compostos intermetálicos

Quando cobre e zinco combinam para formar o latão, várias novas estruturas se

formam para diferentes faixas de composição. Muitas ocorrem para composições sem

qualquer valor comercial, mas aquelas correspondente a uma relação aproximada de um

átomo de zinco para um de cobre é encontrada em alguns dos latões comerciais. A

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estrutura cristalina dessa nova fase é CCC, enquanto o cobre é CFC e o zinco é HC. Como

essa estrutura CCC existe para um certo intervalo de composições (é a única fase estável à

temperatura ambiente, para 47 a 50 % em peso de zinco), ela não é um composto

intermetálico, mas sim uma solução sólida.

(a) (b)

Figura 46 - Esquemas de solução sólida substitucional: (a) ordenada (b) aleatória

Na figura 46, os átomos poderiam ser de cobre e níquel, e estariam desenhados com

o mesmo diâmetro. Na verdade, os átomos de um cristal de cobre puro têm diâmetro

aparente (2,551 Å) aproximadamente 2 % maior que os de um cristal de níquel puro

(2,487Å). Essa diferença é pequena, e ocorre somente uma pequena distorção do reticulado

quando um átomo de cobre entra num cristal de níquel, ou vice-versa, e assim não é de

surpreender que esses dois elementos sejam capazes de cristalizarem simultaneamente num

reticulado CFC, em qualquer proporção. níquel e cobre são excelente exemplo de uma

série de ligas com solubilidade completa.

A prata, assim como o cobre e níquel, cristaliza em uma estrutura CFC. Apesar de

ser quimicamente semelhante ao cobre, a solubilidade do cobre na prata, ou da prata no

cobre, é de apenas 1 % à temperatura ambiente. Há então uma diferença fundamental entre

os sistemas cobre-níquel e cobre-prata. Essa diferença é devida principalmente à maior

diferença dos tamanhos relativos dos átomos nas ligas cobre-prata. O diâmetro aparente da

prata é 2,884 Å, isto é 13 % maior que o de um átomo de Cobre. Esse valor está muito

próximo do limite primeiramente indicado por Hume-Rothery, que afirmou que a

solubilidade sólida extensa de um metal em outro somente ocorre se os diâmetros dos seu

átomos não diferem de mais de 15 %. Esse critério de solubilidade é conhecido como fator

tamanho e se relaciona diretamente com as deformações introduzidas pelos átomos de

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soluto no reticulado do solvente. Na tabela 9 é mostrada a influência da relação das

dimensões atômicas de metais de mesmo reticulado cristalino (CFC) na solução sólida.

Quando a diferença de dimensões aumenta, a solubilidade diminui, como mostrado na

tabela.

O fator tamanho é apenas uma condição necessária para um alto grau de

solubilidade. Não é uma condição suficiente, pois outros requisitos precisam ser satisfeitos.

Um dos mais importantes é a posição relativa dos elementos na série eletroquímica. Dois

elementos muito separados nessa série normalmente não formam ligas, mas se combinam

conforme as regras da valência química. Nesse caso, o elemento mais eletropositivo cede

seus elétrons de valência para o elementos mais eletronegativo, resultando em um cristal

com ligação iônica. Um exemplo típico desse tipo de cristal é o NaCl. Por outro lado,

quando os metais estão próximos na série eletroquímica, eles tendem a agir como se

fossem quimicamente idênticos, o que resulta na ligação metálica em vez da iônica.

Tabela 9 - Efeito da relação de dimensões atômicas sobre a solubilidade sólida máxima

soluto solvente Relações dos raios atômicos (soluto/solvente)

solubilidade (%) em peso

solubilidade (%) em átomos

Ni Cu 0,98 100 100

Al Cu 1,12 9 19

Ag Cu 1,14 8 6

Pb Cu 1,37 0 0

Ni Ag 0,86 0,1 0,1

Cu Ag 0,88 9 11

Pb Ag 1,21 5 3

Cu Ni 1.02 100 100

Al Ni 1,14 12 22

Ag Ni 1,16 4 2

Ni Al 0,87 0,05 0,03

Cu Al 0,90 6 3

Ag Al 1,01 48 19

Outros dois fatores são importantes, principalmente quando se considera um

sistema completamente solúvel. Mesmo que o fator tamanho e as posições na série

eletroquímica sejam favoráveis, tais sistemas somente são possíveis quando os

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componentes (metais puros) têm a mesma valência e cristalizam com o mesmo tipo de

reticulado.

Nas fases iônicas podem ocorrer soluções sólidas substitucionais igualmente como

nos metais. Nelas, como no caso de metais sólidos, os tamanhos atômico e iônico são

importantes. Um exemplo simples de uma solução sólida iônica é mostrado na figura 47. A

estrutura é a do MgO na qual os íons Mg2+ são substituídos por íons Fe2+. Visto que os

raios dos dois íons são 0,066 nm e 0,074 nm, é possível substituição completa. Por outro

lado, íons Ca2+ não podem ser substituídos de forma similar pelo Mg2+ porque seu raio de

0,099 nm é, comparavelmente, grande.

Figura 47 - Esquema de solução sólida substitucional em composto iônico (Fe2+ substituindo Mn2+)

Um requisito adicional, que é mais rigoroso para soluções sólidas de compostos

cerâmicos do que de metais, é que as cargas de valência sobre o íon substituído e sobre o

novo íon devem ser idênticas. Por exemplo, seria difícil substituir o Mg2+ do MgO por Li+,

embora os dois tenham raios idênticos, por que haveria uma deficiência de cargas. Cada

substituição só será possível se houver outra mudança de compensação na carga.

Solução sólida intersticial

O outro tipo de solução sólida é mostrado na figura 46.a. Aqui, o átomo de soluto

(carbono) não desloca os átomos de solvente, mas ocupa um dos interstícios, existentes

entre os átomos de solvente (ferro).

Um exame da figura 48.a indica que os átomos de soluto situados em interstícios

devem ser pequenos. As condições que determinam as solubilidade nos dois casos,

intersticial e substitucional, foram estudas em detalhes por Hume-Rothery e outros. De

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acordo com seus resultados, soluções sólidas intersticiais extensas ocorrem somente se o

átomo do soluto tem um diâmetro aparente menor que 0,59 do de solvente (não pode ser

maior que 60 % do átomo de solvente). Os quatro mais importantes solutos intersticiais

são: carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio, todos eles de pequeno diâmetro.

(a) (b)

Figura 48 - Esquemas de solução sólida intersticial: (a) sem distorção (b) com distorção

O tamanho do átomo não é o único fator que determina se haverá ou não a

formação de solução sólida intersticial. Os pequenos átomos de soluto intersticial se

dissolvem mais facilmente nos elementos de transição do que nos outros metais. De fato,

verifica-se que o Carbono é tão insolúvel em muitos metais não-de-transição, que cadinhos

de argila grafítica são normalmente usados na sua fusão. Alguns dos metais de transição de

importância comercial são: ferro, vanádio, tungstênio, titânio, cromo, tório, zircônio,

manganês, urânio, níquel e molibdênio.

Acredita-se que a capacidade de os elementos de transição dissolverem átomos

intersticiais seja devida à sua estrutura eletrônica anormal. Todos os elementos de transição

possuem uma camada eletrônica incompleta antes da camada de valência. Por outro lado,

os metais não-de-transição têm as camadas anteriores às de valência totalmente

preenchidas. A solubilidade dos átomos intersticiais nos metais de transição depende do

tipo de metal, mas é usualmente pequena.

Na figura 48.a é mostrada uma solução substitucional intersticial com um pequeno

átomo de soluto, quando as dimensões do átomo do soluto são maiores há uma distorção da

estrutura cristalina como indicado na figura 48.b, para que o átomo do soluto possa se

alojar no interstício.

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