5 - Lipideos e Membranas - Valter Motta

34
VALTER T. MOTTA BIOQUÍMICA BÁSICA Lipídeos e Membranas Capítulo 9

Transcript of 5 - Lipideos e Membranas - Valter Motta

  • VALTER T. MOTTA BIOQUMICA BSICA

    Lipdeos e Membranas

    Captulo

    9

  • 235

    9

    Lipdeos e Membranas

    Objetivos

    1 Compreender as estruturas dos principais lipdeos.

    2 Descrever os fatores que influenciam os pontos de fuso dos cidos graxos.

    3 Descrever os diferentes lipdeos presentes nas membranas.

    4 Descrever as diferentes protenas de membrana.

    5 Compreender o modelo do mosaico fludo e seus refinamentos.

    6 Compreender que a distribuio de ons em cada lado da membrana gera um potencial de membrana.

    7 Compreender os mecanismos de transporte atravs das membranas.

    8 Compreender as modificaes na bicamada que ocorrem durante a endocitose e da exocitose.

    Os lipdeos so biomolculas que exibem uma grande variedade estrutural. Molculas como as gorduras e leos, fosfolipdeos, esterides e carotenides, que diferem grandemente tanto em suas estruturas como em suas funes so considerados lipdeos. So compostos orgnicos heterogneos pouco solveis em gua, mas solveis em solventes no-polares. Alguns lipdeos esto combinados com outras classes de compostos, tais como protenas (lipoprotenas) e carboidratos (glicolipdeos).

    Os lipdeos participam como componentes no-proticos das membranas biolgicas, precursores de compostos essenciais, agentes emulsificantes, isolantes, vitaminas (A, D, E, K), fonte e transporte de combustvel metablico, alm de componentes de biossinalizao intra e intercelulares.

    9.1 Classificao dos lipdeos

    Os lipdeos so freqentemente classificados nos seguintes grupos:

    cidos graxos e seus derivados Triacilgliceris. Ceras

  • 236 Motta Bioqumica Fosfolipdeos (glicerofosfolipdeos e esfingosinas) Esfingolipdeos (contm molculas do aminolcool esfingosina) Isoprenides (molculas formadas por unidades repetidas de

    isopreno, um hidrocarboneto ramificado de cinco carbonos) constituem os esterides, vitaminas lipdicas e terpenos.

    A. cidos graxos e seus derivados Os cidos graxos so cidos monocarboxlicos de longas cadeias

    de hidrocarbonetos acclicas, no-polares, sem ramificaes e, em geral, nmero par de tomos de carbono. Podem ser saturados, monoinsaturados (contm uma ligao dupla) ou poliinsaturados (contm duas ou mais ligaes duplas). Os mais abundantes contm C16 e C18 tomos. Em geral, as duplas ligaes nos cidos graxos poliinsaturados esto separadas por um grupo metileno, CH=CHCH2CH=CH, para evitar a oxidao quando expostos em meio contendo oxignio. Como as ligaes duplas so estruturas rgidas, as molculas que as contm podem ocorrer sob duas formas isomricas: cis e trans. Os ismeros cis ocorrem na maioria dos cidos graxos naturais. Os cidos graxos so componentes importantes de vrios tipos de molculas lipdicas. As estruturas e nomes de alguns cidos graxos esto ilustrados na Tabela 9.1. Em geral, so representados por um smbolo numrico que designa o comprimento da cadeia. Os tomos so numerados a partir do carbono da carboxila. A numerao 16:0 designa um cido graxo com C16 sem ligaes duplas, enquanto 16:19 representa um cido graxo com C16 e ligao dupla em C9. Os tomos C2 e C3 dos cidos graxos so designados e , respectivamente.

    Figura 9.1 Estrutura e nomenclatura dos cidos graxos. Os cidos graxos consistem de uma longa cauda hidrocarbonada e um terminal com um grupo carboxlico. Na nomenclatura IUPAC, os carbonos so numerados a partir do carbono carboxlico. Na nomenclatura comum, o tomo de carbono adjacente ao carbono carboxlico designado , e os carbonos seguintes so nomeados , , , etc. O tomo de carbono mais distante do carbono carboxlico chamado carbono , independente do tamanho da cadeia. O cido graxo mostrado, laureato (ou dodecanoato), tem 12 carbonos e no

    O CCH2

    O

    CH2CH2

    CH2CH2

    CH2CH2

    CH2CH2

    CH2CH3

    1

    3

    5

    7

    9

    11

    2

    4

    6

    8

    12

    10

    cidograxo

    Grupoacil

    graxo

    Cadeiahidrocarbonada

  • 9 Lipdeos e membranas 237 contm duplas ligaes.

    Outro sistema de numerao tambm utilizado na nomenclatura dos cidos graxos onde o C1 o mais distante do grupo carboxila (sistema de numerao mega): Tabela 9.1 Alguns cidos graxos de ocorrncia natural

    Smbolo numrico Estrutura Nome comum

    cidos graxos saturados

    12:0 CH3(CH2)10COOH cido lurico

    14:0 CH3(CH2)12COOH cido mirstico

    16:0 CH3(CH2)14COOH cido palmtico

    18:0 CH3(CH2)16COOH cido esterico

    20:0 CH3(CH2)18COOH cido araqudico

    22:0 CH3(CH2)20COOH cido benico

    24:0 CH3(CH2)22COOH cido lignocrico

    cidos graxos insaturados

    16:19 CH3(CH2)5CH=CH(CH2)7COOH cido palmitolico

    18:19 CH3(CH2)7CH=CH(CH2)7COOH cido olico

    18:29, 12 CH3(CH2)4CH=CHCH2CH=CH(CH2)7COOH cido linolico

    18:39, 12, 15 CH3-(CH2-CH=CH)3(CH2)7COOH cido -linolico 20:45, 8, 11, 14 CH3-(CH2)3-(CH2-CH=CH)4-(CH2)3COOH cido araquidnico

    Alm das gorduras provenientes da dieta, o homem pode sintetizar a maioria dos cidos graxos, mas incapaz de produzir o cido linolico e o cido linolnico. Esses dois ltimos so denominados cidos graxos essenciais e so obtidos da dieta. Os cidos graxos essenciais so precursores para a biossntese de vrios metablitos importantes. A dermatite um sintoma precoce em indivduos com dietas pobres em cidos graxos essenciais. Outros sinais da deficincia incluem demora na cura de ferimentos, reduzida resistncia a infeces, alopecia (perda de cabelo) e trombocitopenia (reduo do nmero de plaquetas, um componente essencial nos processos de coagulao sangnea).

    Os pontos de fuso dos cidos graxos elevam com o aumento do comprimento da cadeia hidrocarbonada. Os cidos graxos saturados com dez ou mais tomos de carbono so slidos em temperatura ambiente. Todos os insaturados so lquidos nesta temperatura.

    Uma das mais importantes reaes dos cidos graxos a formao de steres:

    RCOOH + ROH ' RCOOR + H2O Essa reao reversvel; ou seja, sob condies favorveis um

    ster de cido graxo pode reagir com a gua para formar um cido graxo e um lcool.

  • 238 Motta Bioqumica B. Triacilgliceris

    Os triacilgliceris (triglicerdeos) so steres de cidos graxos com o glicerol. A poro cido graxo presente nos steres lipdicos designada grupo acila. Dependendo do nmero de grupos hidroxila do glicerol esterificados com cidos graxos, os acilgliceris so denominados monoacilgliceris, diacilgliceris e triacilgliceris. Estes compostos so tambm conhecidos como mono, di e triglicerdeos. So os lipdeos mais abundantes no transporte e armazenamento de cidos graxos. Os cidos graxos presentes nos triacilgliceris naturais podem ser iguais (triacilgliceris simples) ou diferentes (triacilgliceris mistos).

    Triacilglicerol

    A maioria dos cidos graxos presentes nos triacilgliceris so mono ou poliinsaturados em configurao cis. O ponto de fuso desses compostos determinado, fundamentalmente, pela natureza dos cidos graxos presentes na molcula.

    Em animais, os triacilgliceris (geralmente chamados de gorduras) tm vrios papis. Primeiro, so as principais formas de armazenamento e transporte de cidos graxos. As molculas de triacilgliceris armazenam energia mais eficientemente que o glicognio por vrias razes:

    Os triacilgliceris hidrofbicos so armazenados na forma de gotculas de gordura no hidratadas em clulas do tecido adiposo. O glicognio (outra molcula de armazenamento de energia) liga-se com substancial quantidade de gua de hidratao (2 gramas de gua por grama de glicognio). Assim, os triacilgliceris armazenam uma quantidade muito maior de energia que o glicognio hidratado.

    As molculas de triacilgliceris so mais reduzidas que as dos carboidratos e, desse modo, sua oxidao libera o dobro em energia que a oxidao dos acares, ou seja, 38,9 kJg1 (gordura) e 17,2 kJg1 (acares).

    Segunda importante funo da gordura o isolamento trmico contra baixas temperaturas, pois uma pobre condutora de calor. Como o tecido adiposo, com seu elevado contedo de triacilgliceris, encontrado na camada subcutnea previne a perda de calor.

    Nas plantas, os triacilgliceris constituem uma importante reserva de energia em frutas e sementes. Como essas molculas contm considerveis quantidades de cidos graxos insaturados (exemplos, olico e linolico) so chamados leos vegetais. Sementes ricas em leos incluem amendoim, milho, aafro e feijo de soja. Abacate e azeitonas so frutas com alto contedo em gorduras.

    2CH CH CH

    O

    2

    O O

    C O C O C O

    2CH CH CH22

    3CH CH CH33

    Glicerol

    3 cidos graxos

  • 9 Lipdeos e membranas 239 C. Ceras

    As ceras so misturas complexas de lipdeos no-polares. Funcionam como um revestimento de proteo em folhas, caules, frutos e na pele de animais. Os steres so compostos de cidos graxos de cadeia longa e lcoois de cadeia longa como constituintes proeminentes da maioria das ceras. Exemplos bem conhecidos de ceras incluem a cera de carnaba e a cera de abelha. O constituinte principal da cera de carnaba o ster de melissil ceronato. O triacontanoil palmitato o principal componente da cera de abelha. As ceras tambm contm hidrocarbonetos, lcoois, cidos graxos, aldedos e esteris (lcoois esterides).

    D. Fosfolipdeos Os fosfolipdeos so os principais componentes lipdicos

    estruturais das membranas. Alm disso, vrios fosfolipdeos so agentes emulsificantes (composto que promove a disperso coloidal de um lquido em outro) e agentes surfactantes (composto que reduz a tenso superficial de uma soluo, como detergentes). Os fosfolipdeos exercem essas funes por serem molculas anfiflicas. Apesar das diferenas estruturais, todos os fosfolipdeos so constitudos de caudas apolares alifticas de cidos graxos e cabeas polares que contm fosfato e outros grupos carregados ou polares.

    Quando em concentraes apropriadas, os fosfolopdeos suspensos em gua se organizam em estruturas ordenadas na forma de micelas ou bicamadas lipdicas (ver seo 9.3.A).

    Existem dois tipos de fosfolipdeos: os glicerofosfolipdeos e as esfingomielinas.

    1. Glicerofosfolipdeos ou fosfoglicerdeos. So molculas que contm um glicerol, dois cidos graxos de cadeia longa, um fosfato e um lcool (exemplo, colina). So os principais componentes lipdicos das membranas celulares. O cido fosfatdico (1,2diacilglicerol3fosfato) o composto, o precursor de outras molculas de glicerofosfolipdeos, consiste de glicerol3fosfato, cujas posies C1 e C2 so esterificadas com cidos graxos.

  • 240 Motta Bioqumica

    Figura 9.2 Glicerofosfolipdeos. (a) Glicerol3fosfato e (b) fosfatidato. O fosfatidato consiste de glicerol3fosfato com dois grupos acil graxo (R1 e R2) esterificado nos grupos hidroxila em C1 e C2.

    Os glicerofosfolipdeos so classificados de acordo com o lcool esterificado ao grupo fosfato. Alguns dos mais importantes so: fosfatidilcolina (lecitina), fosfatidiletanolamina (cefalina), fosfatidilglicerol e fosfatidilserina.

    Os cidos graxos frequentemente encontrados nos glicerofosfolipdeos tem entre 16 e 20 tomos de carbono. Os cidos graxos saturados ocorrem geralmente no C1 do glicerol. A posio C2 do glicerol freqentemente ocupada por cidos graxos insaturados. Um derivado do fosfoinositol denominado fosfatidil4,5bifosfato (PIP2), encontrado em pequenas quantidades nas membranas e um importante componente na transduo de sinal. O sistema do fosfoinositdeo iniciado quando certos hormnios ligam-se aos receptores especficos na superfcie externa das membranas plasmticas, descrito no Captulo 12: Regulao do metabolismo energtico.

    O C C O

    O O

    H C CH CH 2 22 31

    O

    O P O

    O

    (R ) 1 (R ) 2Fosfatidato

    HO OH

    H C CH CH 2 22 31

    O

    O P O

    O

    Cabea polar(hidrfila)

    Caudas apolares(hidrofbicas)

    Glicerol-3-fosfato

    (a) (b)

  • 9 Lipdeos e membranas 241

    Figura 9.3 Glicerofosfolipdeos comuns. Estruturas de quatro glicerofosfolipdeos mais comuns: Fosfatidilcolina (lecitina), fosfatidiletanolamina, fosfatidilglicerol e fosfatidilserina.

    2. Esfingomielinas. As esfingomielinas diferem dos fosfoglicerdeos por conterem esfingosina (aminolcool) em lugar de glicerol. Como as esfingomielinas tambm so classifcadas como esfingolipdeos, suas estruturas e propriedades so descritas mais adiante.

    Figura 9.4 Estrutura da esfingosina e da esfigomielina. (a) A estrutura da esfingosina derivada da serina e palmitato. (b) A ligao de um segundo grupo acila e uma fosfatidilcolina (ou fosfoetanolamina) produz uma esfingomielina.

    C O C O

    O O

    CH CH CH 2

    2

    O

    O P O CH CH N CH

    O

    R R

    Fosfatidilcolina

    2

    CH3

    CH3

    3+

    2

    C O C O

    O O

    CH CH CH 2

    2

    O

    O P O CH CH NH

    O

    R R

    Fosfatidiletanolamina

    2 3+

    2

    C O C O

    O O

    CH CH CH 2

    2

    O

    O P O CH CH CH OH

    O

    R R

    Fosfatidilglicerol

    2

    2

    OH

    C O C O

    O O

    CH CH CH 2

    2

    O

    O P O CH CH COO

    O

    R R

    Fosfatidilserina

    2

    NH3+

    CH

    HO CH CH CH

    Esfingosina

    2

    OH

    NH3+

    CH

    (CH ) 2 12

    CH3

    Resduode serina

    Resduo depalmitato

    Fosfocolina

    2

    O

    O P O CH CH N CH

    O

    2

    CH3

    CH3

    3+

    CH

    HO CH CH CH2

    CH

    (H C) 2 12

    CH3

    C O

    NH

    RGrupo acila

    Esfingomielina

    (a) (b)

  • 242 Motta Bioqumica E. Esfingolipdeos

    Os esfingolipdeos so o segundo maior componente lipdico das membranas animais e vegetais. As molculas de esfingolipdeos contm um aminolcool de cadeia longa. Em animais, o aminolcool a esfingosina e nas plantas a fitoesfingosina. As molculas mais simples desse grupo so as ceramidas, derivadas de cidos graxos ligados ao grupo amino (NH2) no C2 da esfingosina. As ceramidas so precursoras das esfingomielinas e glicoesfingolipdeos.

    1. Esfingomielina. O grupo lcool primrio da ceramida esterificado ao grupo fosfrico da fosfocolina ou da fosfoetanolamina. A esfingomielina encontrada na maioria das membranas plasmticas das clulas animais. Como o nome sugere, a esfingomielina est presente em grande quantidade na bainha de mielina que reveste e isola os axnios em neurnios. As suas propriedades isolantes facilitam a rpida transmisso dos impulsos nervosos.

    2. Glicoesfingolipdeos. As ceramidas so tambm precursoras dos glicoesfingolipdeos (ou glicolipdeos). Nesses compostos, os monossacardeos, dissacardeos ou oligossacardeos esto ligados por ligao Oglicosdica. Os glicoesfingolipdeos no contm grupos fosfato e so eletricamente neutros. As classes mais importantes dos gliceroesfingolipdeos so os cerebrosdeos, os sulfatdeos e os gangliosdeos.

    Cerebrosdeos. So esfingolipdeos cujas cabeas polares consistem de um resduo de monossacardeo. Os galactocerebrosdeos, o exemplo mais comum dessa classe, so encontrados predominantemente nas clulas das membranas do crebro.

    Sulfatdeos. So galactocerebrosdeos que contm um grupo sulfato esterificado na posio 3 do acar. Os sulfatdeos esto negativamente carregados em pH fisiolgico.

    Gangliosdeos. So os glicoesfingolipdeos que possuem oligossacardeos com um ou mais resduos de cido silico (cido

    OH

    H

    OHO

    H

    H

    HOCH

    H H

    OH

    O CH

    2

    CH

    OH CH CH

    CH

    (H C) 2 12

    CH3

    C O

    NH

    R

    2

    Um cerebrosdeo

  • 9 Lipdeos e membranas 243

    Nacetilneuramnico). Os nomes dos gangliosdeos incluem letras e nmeros subscritos. As letras M, D e T indicam que a molcula contm um, dois ou trs resduos de cido silico, respectivamente. Os nmeros designam a seqncia de acares ligados a ceramida. Os gangliosdeos GM1 , GM2 e GM3 so os mais conhecidos. Os gangliosdeos so componentes das membranas da superfcie celular.

    Os glicoesfingolipdeos podem atuar como receptores de certas toxinas proticas bacterianas, como as que causam clera, ttano e botulismo. Algumas bactrias tambm ligam-se aos receptores glicolipdicos, exemplo E. coli, Streptococcus pneumoniae e Neisseria gonorrhoeae, agentes causadores de infeces urinrias, pneumonia e gonorria, respectivamente.

    H

    HO

    OH C C NH

    H

    CHOH

    H

    H

    H

    2

    3

    O

    CHOH

    CH OH

    COO

    O

    H

    OHO

    H

    H

    H

    HO

    2CH OH

    H

    OH

    H

    OH

    O

    H

    H

    HO

    2HOCH

    H

    O CH

    CH

    OH CH CH

    CH

    (H C) 2 12

    CH3

    C O

    NH

    R

    2

    Um gangliosdeo

  • 244 Motta Bioqumica

    Figura 9.5 Representao das principais classes de lipdeos. Acar = mono ou oligossacardeo, P = grupo fosfato.

    F. Doenas do armazenamento de esfingolipdeos (esfingolipidoses)

    So causadas por defeitos hereditrios de enzimas necessrias para a degradao dos esfingolipdeos nos lisossomas e provocam o acmulo desses compostos nas clulas. A mais comum a doena de TaySachs, causada pela deficincia da hexoaminidase A, a enzima que degrada o gangliosdeo GM2. Como a clula acumula essa molcula, ocorre uma deteriorao neurolgica. Os sintomas da doena (cegueira, fraqueza muscular e retardo mental) geralmente aparecem alguns meses aps o nascimento. No existe terapia para as doenas de armazenamento dos esfingolipdeos e, portanto, so fatais.

    Quadro 9.1. Doenas do armazenamento de esfingolipdeos

    Doena Sintoma Esfingolipdeo acumulado Enzima deficiente

    Doena de TaySachs Cegueira, fraqueza muscular, retardo mental

    Gangliosdeo GM2 Hexoaminidase A Doena de Gaucher Retardo mental,

    esplenomegalia, hepatomegalia, eroso de ossos longos

    Glicocerebrosdeo Glicosdeo

    Doena de Krabbe Desmielinizao, retardo metal

    Galactocerebrosdeo Galactosidase Doena de NiemannPick Retardo mental Esfingomielina Esfingomielinase

    G. Isoprenides Os isoprenides so um vasto grupo de biomolculas que contm

    unidades estruturais repetidas de cinco carbonos conhecidas como unidades de isoprenos. Os isoprenides so sintetizados a partir do isopentenil pirofosfato formado do acetilCoA.

    Os isoprenides consistem de terpenos e esterides. Os terpenos so um enorme grupo de substncias encontradas em leos essenciais

    Glic

    erol

    cido Graxo

    cido Graxo

    cido Graxo

    Glic

    erol

    cido Graxo

    cido Graxo

    P lcool

    cido Graxo

    P lcool Acar

    cido Graxo

    Triglicerdeos Glicerofosfolipdeos

    Esfingomielinas Glicoesfingolipdeos

    Esfingolipdeos

    Fosfolipdeos

    Esfin

    gosin

    a

    Esfin

    gosin

    a

  • 9 Lipdeos e membranas 245 das plantas. Os esterides so derivados do anel hidrocarbonado do colesterol.

    1. Terpenos. Os terpenos so classificados de acordo com o nmero de resduos de isopreno que contm. Os monoterpenos so compostos de duas unidades de isopreno (10 tomos de carbono). O geraniol um monoterpeno encontrado no leo de gernio. Terpenos que contm trs isoprenides (15 carbonos) so denominados sesquiterpenos. Farnesene, um importante constituinte do leo de citronela (uma substncia usada em sabes e perfumes), um sesquiterpeno. Fitol, um lcool vegetal, um exemplo de diterpenos, molculas compostas de quatro unidades de isoprenos. O esqualeno, encontrado em grande quantidade no leo de fgado de tubares, azeite de oliva e levedura, um exemplo de triterpenos. (Esqualeno um intermedirio da sntese do esterides). Os carotenides, o pigmento laranja encontrado em muitas plantas, so tetraterpenos (molculas compostas de oito unidades de isopreno). Os carotenos so membros hidrocarbonados desse grupo. Os politerpenos so molculas de elevado peso molecular composto de centenas ou milhares de unidades de isopreno. A borracha natural um politerpeno composto de 3.000-6.000 unidades de isopreno.

    CH3 C C CH3

    CH3

    H CH2 C C CH2

    H

    CH3 Unidade isopreno Isopreno

    CH2 C CH2

    CH3CH2 O P O

    O

    O-P

    O

    O-O-

    Isopentenil pirofosfato

    Vrias biomolculas importantes so formadas por componentes no-terpenos ligados a grupos isoprenides. Exemplos incluem vitamina E (-tocoferol), ubiquinona, vitamina K e algumas citocinas.

    2. Esterides. So complexos derivados dos triterpenos encontrados em clulas eucariticas e em algumas bactrias. Cada esteride composto de quatro anis no-planares fusionados, trs com seis carbonos e um com cinco. Distinguem-se os esterides pela localizao de ligaes duplas carbono-carbono e vrios substituintes (exemplo, grupos hidroxil, carbonil e alquila).

    O colesterol, uma importante molcula dos tecidos animais, um exemplo de um esteride. Alm de ser um componente essencial das membranas biolgicas, o colesterol um precursor na biossntese de todos os hormnios esterides, vitamina D e sais biliares. O

    Ubiquinona

    H CO 3 CH3

    H CO 3 (CH CH C CH ) H 2 2 10

    Unidades isoprenides

    CH3

    O

    O

  • 246 Motta Bioqumica colesterol geralmente armazenado nas clulas como ster de cido graxo. A reao de esterificao catalisada pela enzima acil-CoA:colesterol aciltransferase (ACAT), localizada na face citoplasmtica do retculo endoplasmtico.

    Os glicosdeos cardacos, molculas que aumentam a intensidade

    da contrao do msculo cardaco, esto entre os mais interessantes derivados dos esterides. Os glicosdeos so acetais contendo carboidrato. Apesar de vrios glicosdeos cardacos serem extremamente txicos (exemplo, ouabana, obtida de sementes da planta Strophantus gratus), outros apresentam propriedades medicinais. Por exemplo, digitalis, um extrato de folhas secas da Digitalis purprea (planta ornamental dedaleira), um estimulador da contrao do msculo cardaco. A digitoxina, o principal glicosdeo cardiotnico no digitalis, usado no tratamento da insuficincia cardaca por obstruo dos vasos. Em concentraes acima das teraputicas, a digitoxina extremamente txica. Tanto a ouabana como a digitoxina inibem a (Na+K+)ATPase.

    9.2 Lipoprotenas Os triacilgliceris, o colesterol e os steres de colesteril so

    insolveis em gua e no podem ser transportados na circulao como molculas livres. Em lugar disso, essas molculas se agregam com os fosfolipdeos e protenas anfipticas para formar partculas esfricas macromoleculares conhecidas como lipoprotenas. As lipoprotenas tm ncleo hidrofbico contendo triacilgliceris e steres de colesteril, e camada superficial externa hidroflica que consiste de uma camada de molculas anfipticas: colesterol, fosfolipdeos e protenas (apoprotenas ou apolipoprotenas). As lipoprotenas tambm contm vrias molculas antioxidantes solveis em lipdeos (exemplo, -tocoferol e vrios carotenides). (Os antioxidantes destroem os radicais livres, como o radical superxido e radical hidroxila). As lipoprotenas so classificadas de acordo com sua densidade:

    1. Quilomcrons. Transportam os lipdeos da dieta por meio da linfa e sangue do intestino para o tecido muscular (para obteno de energia por oxidao) e adiposo (para armazenamento). Os quilomcrons esto presentes no sangue somente aps a refeio. Os quilomcrons remanescentes ricos em colesterol que j perderam a maioria de seu triacilgliceris pela ao da lipoprotenalipase capilar so captados pelo fgado por endocitose.

    HO

    Colesterol

    H C 3

    H C 3CH CH CH CH CH2 2 2

    CH3

    CH3

    CH3

  • 9 Lipdeos e membranas 247

    2. Lipoprotenas de densidade muito baixa (VLDL). So sintetizadas no fgado. Transportam triacilgliceris e colesterol endgenos para os tecidos extrahepticos. No transporte das VLDL atravs do organismo, os triacilgliceris so hidrolizados progressivamente pela lipoprotenalipase at cidos graxos livres e glicerol. Alguns cidos graxos livres retornam a circulao, ligados albumina, porm a maior parte transportada para o interior das clulas. Eventualmente, as VLDL remanescentes triacilgliceroldepletados so captadas pelo fgado ou convertidas em lipoprotenas de densidade baixa (LDL). A VLDL precursora da IDL (lipoprotena de densidade intermediria), que por sua vez precursora da LDL.

    3. Lipoprotenas de densidade baixa (LDL). As partculas de LDL so formadas a partir das VLDL. As LDL enriquecidas de colesterol e steres de colesteril transportam esses lipdeos para os tecidos perifricos. A remoo de LDL da circulao mediada por receptores de LDL (stios especficos de ligao) encontrados tanto no fgado como em tecidos extrahepticos. Um complexo formado entre a LDL e o receptor celular entra na clula por endocitose (engolfamento). As lpases dos lisossomos e proteases degradam as LDL. O colesterol liberado incorporado nas membranas celulares ou armazenado como steres de colesteril. A deficincia de receptores celulares para as LDL desenvolve hipercolesterolemia familiar, na qual o colesterol acumula no sangue e depositado na pele e artrias.

    4. Lipoprotenas de densidade alta (HDL). As HDL removem o colesterol do plasma e dos tecidos extrahepticos, transportando-o para o fgado. Na superfcie heptica, a HDL se liga ao receptor SR-B1 e transfere o colesterol e os steres de colesteril para o interior do hepatcito. A partcula de HDL com menor contedo de lipdeos retorna ao plasma. No fgado o colesterol pode ser convertido em sais biliares, que so excretados na vescula. O risco de aterosclerose (depsito de colesterol nas artrias) diminui com a elevao dos nveis de HDL e aumenta com a elevao da concentrao das LDL.

    Clula

    ColesterolLDL

    ReceptorLDL

  • 248 Motta Bioqumica

    Tabela 9.2 Classificao, propriedades e composio das lipoprotenas humanas.

    Parmetro Quilomcrons VLDL LDL HDL

    Densidade (g/mL) 70 3080 1828 512 Mobilidade eletrofortica Origem Pr Composio (% do peso)

    Colesterol livre 2 58 13 6 Colesterol esterificado 5 1114 39 13 Fosfolipdeos 7 2023 17 28 Triglicerdeos 84 4460 11 3 Protenas 2 411 20 50

    Local de sntese Intestino Intestino, fgado Intravascular Intestino, fgado

    Clula

    HDL

    Transportador/flipase

  • 9 Lipdeos e membranas 249

    Figura 9.6 Viso geral do metabolismo das lipoprotenas. Os quilomcrons formados nas clulas intestinais transportam os triacilgliceris para os tecidos perifricos, incluindo o msculo e o tecido adiposo. Os quilomcrons remanescentes entregam os steres de colesteril para o fgado. As VLDL so formadas no fgado e transportam os lipdeos endgenos para os tecidos perifricos. Quando as VLDL so degradas (via IDL) o colesterol esterificado com cidos graxos provenientes do HDL para tornar-se LDL, que transporta o colesterol para os tecidos extra-hepticos. A HDL envia o colesterol dos tecidos perifricos para o fgado.

    A. Lipoprotenas e aterosclerose Aterosclerose caracterizada por depsitos lipdicos

    irregularmente distribudos na camada ntima de artrias de grosso e mdio calibres, provocando o estreitamento das luzes arteriais e evoluindo, por fim, para fibrose e calcificao. A limitao do fluxo sangneo responsvel pela maioria dos sintomas clnicos.

    Os fatores de risco para a doena arterial coronria so capazes de lesar o endotlio vascular causando disfuno endotelial. A partir do dano vascular, ocorre a expresso de molculas de adeso das clulas vasculares (VCAM1) e protena quimiottica de moncitos (MCP1) que atraem a entrada de moncitos em direo ao espao intimal. Os moncitos que se transformam em macrfagos sob a influncia do fator estimulador de colnias de macrfagos/moncitos (MCSF) no espao intimal englobaro lipoprotenas modificadas (predominantemente LDL oxidadas), originando as clulas espumosas.

    Quilomcrons

    Intestino

    VLDL

    Fgado

    TriacilglicerolColesterol

    ster de colesteril

    Lipdios da dieta

    TriacilglicerolColesterol

    ster decolesteril

    Tecidos perifricos

    Quilomcronsremanescentes

    IDL LDL HDL

  • 250 Motta Bioqumica

    Quadro 9.1 Fatores de risco para a doena arterial coronria

    So parmetros que parecem guardar relao de causa e efeito, com a doena arterial coronria. Fatores de risco so atributos associados a um aumento substancial da suscetibilidade individual para a doena coronria, e em especial, para o seu aparecimento precoce. Os principais so:

    Tabagismo

    Hipertenso arterial sistmica (140/90 mmHg) Hipercolesterolemia >200 mg/dL (LDL-C >160 mg/dL)

    HDL-C baixo (200 mg/dL)

    Obesidade (IMC >25 kg/m2)

    Sedentarismo

    Idade (45 anos homens e 55 anos mulheres) Histria familiar precoce de ateroscleorose (parentes de primeiro grau

  • 9 Lipdeos e membranas 251

    Como cada espcie de clula e organela possui suas prprias funes, os componentes lipdicos e proticos das membranas tambm so nicos para cada uma delas. Assim, as membranas so constitudas por diferentes tipos de lipdeos e de protenas em combinaes que variam consideravelmente. Por exemplo, a bainha de mielina que envolve certos nervos, contm relativamente pouca protena. Em contraste, a membrana mitocondrial interna rica em protenas, refletindo seu elevado grau de atividade metablica. A membrana plasmtica dos eritrcitos tambm excepcionalmente rica em protenas.

    Apesar da diversidade da composio e de funes das membranas, elas compartilham certos atributos fundamentais:

    1. As membranas so estruturas em forma de lmina com duas molculas de espessura que circundam diferentes compartimentos. A espessura da maioria das membranas 6nm a 10nm.

    2. As membranas consistem principalmente de lipdeos e protenas, mas tambm contm carboidratos tais como, glicoprotenas e glicolipdeos.

    3. Os lipdeos das membranas so molculas relativamente pequenas com pores hidroflicas e hidrofbicas. Quando misturados em gua esses lipdeos espontaneamente formam trs tipos de agregados: micelas, bicamadas e lipossomos.

    4. Protenas especficas mediam distintas funes das membranas. Atuam como bombas, canais, receptores, enzimas e transdutores de energia. As protenas das membranas esto embebidas nas bicamadas lipdicas, que criam um meio apropriado para a sua ao.

    5. As membranas so associaes nocovalentes. As molculas de protenas e as de lipdeos esto unidas por interaes no-covalentes.

    6. A maioria das membranas so eletricamente polarizadas, cujo interior negativa [tipicamente 60 milivolts (mV)]. O potencial de membrana exerce papel fundamental no transporte, na converso de energia e na excitabilidade.

    A. Lipdeos da membrana Os principais lipdeos de membranas so: gliceroesfingolipdeos,

    esfingolipdeos, glicoesfingolipdeos e colesterol. As vrias membranas celulares de diferentes tcidos tm distintas composies lipdicas. Os gliceroesfingolipdeos e esfingolipdeos so molculas anfipticas (caudas hidrofbicas e cabeas hidroflicas) que constituem os lipdeos mais comuns das membranas celulares. Os cidos graxos presentes nos gliceroesfingolipdeos e esfingolipdeos das biomembranas so alifticos de cadeia longa e, em geral, com C16 e C18. Cerca de 50% dos cidos graxos presentes nas membranas so insaturados, com uma ou mais duplas ligaes carbono-carbono na configurao cis.

    Os glicoesfingolipdeos tm um acar ligado e no contm fosfato e so no-inicos. As classes mais importantes so: os cerebrosdeos, os sulfatdeos e os gangliosdeos.

  • 252 Motta Bioqumica

    O colesterol no forma bicamadas por si mesmo mas compe cerca de 30% do contedo lipdico das membranas biolgicas. O colesterol modifica a fluidez da membrana e participa do controle da microestrutura das membranas plasmticas.

    Figura 9.7 Representao esquemtica de fosfolipdeos ou outros lipdeos de membrana. O grupamento cabea polar hidroflico, e as caudas hidrocarbonadas so hidrofbicas. Os cidos graxos nas caudas so saturados (S) ou insaturados (I).

    Quando em concentraes adequadas, as molculas anfipticas so suspensas em gua e espontaneamente so agregadas em estruturas esfricas chamadas micelas. As caudas hidrofbicas hidrocarbonadas ficam voltadas para o interior excluindo a gua, enquanto os grupos das cabeas polares (grupos hidroflicos) ficam no lado de fora da esfera para interagir com a gua permitindo a solvatao.

    Figura 9.8 Micela constituda por agregado de lipdeos de cauda dupla. Os grupamentos cabea polares esto em contato com a gua, enquanto as caudas hidrofbicas hidrocarbonadas esto protegidas da gua.

    Quando em concentraes apropriadas, os lipdeos anfipticos organizam-se espontaneamente na gua para formar bicamadas lipdicas, nas quais duas camadas de lipdeos formam uma lmina

    S SS I

    Caudas apolareshidrocarbonadas

    Grupamento cabea polar

  • 9 Lipdeos e membranas 253 bimolecular. As pores hidrofbicas em cada lmina, excludas de gua, interagem entre si. Essa propriedade dos fosfolipdeos (e de outras molculas lipdicas anfipticas) estabelece a estrutura bsica de todas as membranas biolgicas.

    Figura 9.9 Representao esquemtica de bicamadas lipdicas. As estruturas anfiflicas contm cabeas polares ligadas a caudas sinuosas hidrofbicas. As caudas de cidos graxos insaturados esto dobradas, resultando em maior espaamento entre os grupamentos cabea polares e, portanto, maior espao para movimento.

    Os lipdeos das membranas so responsveis por vrias outras caractersticas importantes das membranas biolgicas:

    1. Fluidez da membrana. Por no estarem ligadas covalentemente, existe liberdade para as molculas individuais dos lipdeos e das protenas se movimentarem lateralmente no plano da membrana. A rpida difuso lateral de molculas de lipdeos nas bicamadas , aparentemente, responsvel pelo funcionamento apropriado de muitas molculas proticas. (O movimento de transverso no catalisado de um lado para outro flipflop dos glicerofosfolipdeos e esfingolipdeos nas bicamadas extremamente raro). A fluidez da membrana principalmente determinada pela percentagem de cidos graxos insaturados presentes nas molculas de fosfolipdeos. Altas concentraes de cadeias insaturadas resultam em membranas mais fluidas. O colesterol modula a estabilidade da membrana sem comprometer grandemente a fluidez por conter elementos estruturais rgidos (sistema de anis esterides) e flexveis (caudas de hidrocarbonetos) que interferem na movimentao das cadeias laterais de cidos graxos.

    2. Permeabilidade seletiva. Devido a sua natureza hidrofbica, as cadeias hidrocarbonadas nas bicamadas lipdicas organizam uma barreira virtualmente impenetrvel para o transporte de substncias inicas e polares. Protenas membranas especficas regulam o movimento dessas substncias para dentro e para fora das clulas. Cada membrana exibe sua prpria capacidade de transporte ou seletividade baseado em seus componentes proticos.

    3. Capacidade de auto-selar. Quando as bicamadas lipdicas so rompidas, elas imediata e espontaneamente so reconstitudas porque uma quebra na camada lipdica expem as cadeias de hidrocarbonetos hidrofbicas gua. Como a brecha nas membranas celulares podem ser letais, a propriedade de reconstituio crtica.

    Hidrofbico

    Hidroflico

    Hidroflico

    Aquoso

    Aquoso

  • 254 Motta Bioqumica

    4. Assimetria. As membranas biolgicas so assimtricas; ou seja, os componentes lipdicos das duas lminas da bicamada so diferentes. Por exemplo, a membrana dos eritrcitos humanos possuem substancialmente mais fosfatidilcolina e esfingomielina na superfcie externa. A maior parte da fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina da membrana est na superfcie interna. A assimetria da membrana fundamental pois cada lado da membrana est exposta a diferentes compartimentos (intracelular e extracelular, respectivamente). A assimetria tem lugar durante a sntese de membrana, j que a biossntese dos fosfolipdeos ocorre somente em um lado da membrana. Os componentes proticos das membranas tambm exibem considervel assimetria com distintos domnios funcionais diferentes dentro da membrana e as faces citoplasmticas e extracelulares da membrana.

    B. Protenas de membrana A maioria das funes associadas com as membranas biolgicas

    necessita de molculas de protenas. As protenas de membrana so classificadas de acordo com seus modos de associao com a bicamada lipdica em protenas integrais, protenas perifricas e protenas ligadas a lipdeos. Grande parte dessas molculas so componentes estruturais, enzimas, receptores de hormnios ou protenas transportadoras.

    Protenaintegral

    Protenaperifrica

    Protenaligada a lipdeos

    Figura 9.10 Protenas de membrana. Representao esquemtica de protena integral firmemente associada membrana por interaes hidrofbicas, protena perifrica ligada por interaes hidrofbicas e pontes de hidrognio e protena ligada a lipdeos por meio de cauda hidrofbina incorporada bicamada.

    1. Protenas integrais (intrnsicas). So protenas firmemente associadas s membranas por meio de ligaes hidrofbicas. Essas molculas s podem ser separadas pelo rompimento da membrana por agentes que interferem nas interaes hidrofbicas, como solventes orgnicos, desnaturantes ou detergentes.

    As duas mais importantes protenas integrais de membranas dos eritrcitos so a glicoforina e a protena de canais de nions. A glicoforina uma glicoprotena com 131 aminocidos. Cerca de 60% de seu peso so carboidratos. Certos grupos oligossacardeos da glicoforina constituem os antgenos dos grupos sangneos ABO e MN. Entretanto, apesar de todas as pesquisas, as funes da glicoforina ainda so desconhecidas. A protena de canais de nions

  • 9 Lipdeos e membranas 255 composta de duas subunidades idnticas, cada uma consistindo de 929 aminocidos. Essa protena exerce um importante papel no transporte de CO2 no sangue. O on HCO3 formado a partir do CO2 pela ao da anidrase carbnica, difunde atravs da membrana do eritrcito por meio dos canais de nions em troca do on Cl. A troca de Cl por HCO3, chamada desvio do cloreto, preserva o potencial eltrico da membrana dos eritrcitos.

    2. Protenas perifricas (extrnsicas). So protenas ligadas s membranas por meio de interaes eletrostticas e pontes de hidrognio. Algumas protenas perifricas interagem diretamente com a camada bilipdica. Normalmente, as protenas perifricas podem ser liberadas das membranas por procedimentos relativamente simples, tais como, uso de solues salinas concentradas ou mudanas de pH que alteram as interaes no-covalentes entre as cadeias laterais de aminocidos.

    As protenas perifricas de membranas dos eritrcitos, composta principalmente de espectrina, anquirina e banda 4.1, esto envolvidas na preservao da forma de disco bicncavo do eritrcito normal. Essa forma permite a rpida difuso de O2 para as molculas de hemoglobina, posicionando-as a uma distncia menor do que 1 m da superfcie celular. A espectrina, uma protena filamentosa longa, um tetrmero, composto de dois dmeros , que ligam a anquirina e a banda 4.1. A anquirina um peptdeo globular de grande tamanho que liga a espectrina protena de canal inico. Essa uma conexo entre o citoesqueleto dos eritrcitos e sua membrana plasmtica. A banda 4.1 liga-se tanto a espectrina como a filamentos actina (um componente citoesqueltico encontrado em muitos tipos de clulas). Como a banda 4.1 tambm se liga a glicoforina, essa tambm est associada ao citoesqueleto e a membrana.

    3. Protenas ligadas a lipdeos. So protenas de membranas que contm lipdeos ligados covalentemente. Os lipdeos ligados so responsveis por uma ncora hidrofbica, a qual se insere no interior da bicamada lipdica e conserva a protena na superfcie da membrana. A ligao das protenas lipdeos ocorrem de trs modos: (a) miristoilao: o cido mirstico est unido a protena de membrana por ligao amida com o grupo -amino da glicina aminoterminal; (b) palmitolilao: o cido palmtico est unido por ligao tioster a um resduo de cistena e (c) prenilao: os lipdeos esto ligados s protenas por unidades de isopreno.

  • 256 Motta Bioqumica

    Figura 9.11 Ancoramento de protenas membrana. (a) Miristoilao. (b) Palmitoilao. (c) Prenilao. O lipdeo ncora um grupo farnesil com 15 carbonos.

    Muitos eucariotos, particularmente os protozorios parasitas, contm protenas ligadas pelo C-terminal a um grupo lipdeocarboidratos, conhecido como glicosilfosfatidilinositol (GPI). A estrutura do grupo GPI consiste de um fosfatidilinositol, um tetrassacardeo e uma fosfoetanolamina.

    C O

    (a) (b)

    HN CH C2

    O

    C O

    NH CH C

    O

    S

    CH2

    (c)

    NH CH C O CH

    O

    S

    CH2

    3

    O

  • 9 Lipdeos e membranas 257

    Figura 9.12 Protenas ligadas a glicosilfosfatidilinositol. Os hexgonos representam diferentes monossacardeos que variam com a identidade da protena. Os resduos de cidos graxos do grupo fosfatidilinositol tambm variam consideravelmente.

    C. Glicoprotenas de membrana Como os lipdeos de membrana, as protenas de membrana esto

    distribudas assimetricamente entre as bicamadas. Por exemplo, algumas protenas ligadas membrana voltadas para o interior (as protenas ligadas ao glicosilfosfatidilinositol so excees). A face exterior da membrana nas clulas de vertebrados rica em glicoesfingolipdeos (cerebrosdeos e gangliosdeos) e glicoprotenas. As cadeias de oligossacardeos (polmeros de resduos de monossacardeos) presentes nas glicoprotenas e que esto covalentemente ancoradas aos lipdeos e as protenas de membrana envolvem as clulas como uma cobertura em plumagem.

    Vrias cadeias de carboidratos esto ancoradas s protenas como oligossacardeos N-ligados ou O-ligados. Em muitas protenas

    NH CH C NH CH CH

    O

    R22

    O

    O P O

    O

    H

    HO

    O

    HO

    H

    OH

    H

    H

    H O

    OH

    H

    O

    O P O

    CH CH CH2 2

    C O

    2

    O

    C O

    O

  • 258 Motta Bioqumica solveis, particularmente as extracelulares, os oligossacardeos ajudam a estabilizar a protena sob condies extracelulares hostis.

    Os resduos de monossacardeo podem ligar-se uns aos outros de diferentes modos e em seqncias potencialmente ilimitadas. Essa diversidade, presente em glicolipdeos e glicoprotenas, uma forma de informao biolgica. Por exemplo, o sistema ABO de grupos sanguneos baseado na diferena na composio de carboidratos dos glicolipdeos e das glicoprotenas nos eritrcitos. Muitas outras clulas parecem reconhecer uma a outra baseado nos carboidratos existentes em suas superfcies.

    Figura 9.13 Ligao oligossacardica em glicoprotenas. (a) Nos oligossacardeos Nligados, o resduo Nacetilglicosamina est ligado por ligao glicosdica protena via o N da amida de resduos especficos de Asn. Os oligossacardeos tipicamente contm vrios resduos monossacardicos adicionais ligados em seqncia a um dos grupos OH da glicosamina. (b) Nos oligossacardeos Oligados, a Nacetilgalactosamina est covalentemente ligada a tomos de O de cadeias laterais de resduos especficos de Ser ou Thr.

    9.4 Transporte atravs de membranas As membranas esto envolvidas em um grande nmero de

    funes nas clulas vivas. Entre as mais importantes esto o (a) transporte de molculas e ons para o interior e exterior das clulas e de organelas e (b) ligao de hormnios e outras biomolculas.

    O fluxo de ons e molculas altamente regulado para atingir as necessidades metablicas de cada clula. Por exemplo, a membrana plasmtica regula a entrada de molculas nutrientes e a sada de produtos de excreo, alm das concentraes intracelulares de ons. Como as bicamadas lipdicas so geralmente impermeveis a ons e a molculas polares, o trnsito mediado por protenas integrais que reconhecem e transportam esses compostos: canais de membranas, transportadores passivos (movem substratos a favor do seu gradiente de concentrao) e transportadores ativos (movem o substrato contra seu gradiente de concentrao). Vrios exemplos dessas estruturas,

    (a)O

    OH

    H

    OH

    HO

    H

    CH OH

    H H

    NH

    NH C CH CH Asn

    2

    2

    NH

    C O

    C O

    CH3

    (b)

    OH

    H

    OHO

    H

    H

    CH OH

    H O

    NH

    CH CH Ser

    2

    2

    NH

    C O

    C O

    CH3

  • 9 Lipdeos e membranas 259 chamadas transportadores, carreadores, transladadores ou permeases, sero descritas.

    Os mecanismos biolgicos de transporte so classificados de acordo com suas propriedades cinticas e com a necessidade ou no de energia. Os diferentes sistemas de transporte so realizados por protenas integrais de membrana (porinas, canais inicos, transportadores passivos e transportadores ativos), tambm como por exocitose e endocitose.

    A. Sistemas de transporte O transporte de substratos atravs das membranas executada

    por protenas integrais de membrana que se ligam a um substrato de um lado da membrana, conduzem-no atravs da bicamada e liberam-no no outro lado. Os transportadores diferem quanto ao nmero de solutos (substratos) transportados e na direo em cada um transportado. O transporte pode ser classificado como:

    Uniporte (transporte nico) envolve o movimento de uma nica molcula de soluto de cada vez. A famlia de transportadores de glicose constituda de cinco membros, denominados GLUT-1 a GLUT-5 exemplifica o uniporte.

    Simporte (cotransporte) transporta simultaneamente duas molculas diferentes de soluto na mesma direo. A glicose, aminocidos, muitos ons e outros nutrientes presentes no filtrado dos tbulos proximais dos rins so quase completamente reabsorvidos por processos de simporte.

    Antiporte (contratransporte) transporta simultaneamente duas molculas diferentes de soluto em direes opostas.

    Figura 9.14 Sistemas de transporte uniporte, simporte e antiporte.

    A classificao no descreve se os processos necessitam energia (transporte ativo) ou independentes de energia (transporte passivo).

    Uniporte Simporte Antiporte

  • 260 Motta Bioqumica

    Figura 9.15 Transporte de soluto atravs de membranas.

    B. Porinas As porinas so as mais simples transportadoras de membrana.

    Esto localizadas nas membranas externas das bactrias, mitocndrias e cloroplastos. So protenas intrnsicas de membrana que permitem a livre difuso de molculas de at 1000 D a favor do seu gradiente de concentrao. Todas as porinas conhecidas so trmeros proticos nos quais cada subunidade forma um domnio de 16 ou 18 fitas de barril .

    As membranas externas de algumas bactrias so ricas em porinas que permitem a passagem de ons ou pequenas molculas de um lado da membrana para o outro. As porinas so seletivas a solutos; atuam como peneira permanentemente aberta.

    As aquaporinas so protenas integrais que formam canais para a passagem de molculas de gua atravs das membranas plasmticas. Atuam na reabsoro, reteno, secreo e captao de gua em vrios tecidos. Existem no mnimo dez aquaporinas nos mamferos com seis segmentos helicoidais que esto envolvidas em diferentes funes.

    C. Canais inicos As membranas plasmticas das clulas animais contm muitos

    canais proticos altamente especficos para determinados ons. Alguns desses canais esto sempre abertos enquanto outros, abrem e fecham em resposta a sinais especficos. As membranas de clulas nervosas possuem canais de potssio que permitem a passagem rpida do on. Os canais permitem aos ons K+ passar at 10.000 vezes mais facilmente que os ons Na+. Os canais de K+ so constitudos de quatro subunidades idnticas que atravessam a membrana e formam um cone que circunda o canal inico. As entradas internas e externas dos canais possuem aminocidos carregados negativamente que atraem ctions e repelem nions. Os ctions hidratados promovem uma contrao eletricamente neutra do canal chamada seletividade inica do filtro. Os ons potssio perdem rapidamente parte de sua gua de hidratao e atravessam o filtro seletivo. Os ons sdio aparentemente retm mais gua de hidratao e assim transitam pelo filtro mais lentamente. O restante do canal tem revestimento hidrofbico. Baseado na comparao das seqncias de aminocidos,

    ATP ADP + Pi

    Difusosimples

    Difusofacilitada

    Transporteativo

  • 9 Lipdeos e membranas 261 as propriedades estruturais dos canais de potssio so tambm aplicadas a outros tipos de canais.

    D. Transporte passivo O transporte passivo o movimento de molculas ou ons

    solveis de um compartimento de maior concentrao, atravs de uma membrana permevel, para um compartimento de menor concentrao. O processo no necessita de energia. Os mais simples transportadores de membrana podem ser classificados de acordo com o nmero de molculas transportadas.

    O transporte passivo inclui dois sistemas: difuso simples e difuso facilitada.

    1. Difuso simples. Cada soluto, impulsionado por movimento molecular aleatrio, difunde-se atravs da membrana de acordo com seus respectivos gradientes de concentrao de um compartimento de maior concentrao para um compartimento de menor concentrao. O carter hidrofbico das molculas um fator importante para seu transporte atravs da membrana, uma vez que a bicamada lipdica hidrofbica. Em geral, quanto maior o gradiente de concentrao, mais rpida a velocidade de difuso do soluto. A difuso de molculas pequenas apolares (como O2, N2 e CO2) atravs da membrana proporcional aos seus gradientes de concentrao. Molculas polares no-carregadas (como uria, etanol e pequenos cidos orgnicos) deslocam-se atravs das membranas sem o auxlio de protenas.

    2. Difuso facilitada. Transporte de certas molculas grandes ou polares (como aminocidos e acares) ocorre atravs de canais especiais ou molculas transportadoras. Os canais so protenas transmembrana semelhantes a um tnel. Cada tipo designado pelo transporte de um soluto especfico. Muitos canais so controlados quimicamente ou por voltagem. Os canais quimicamente regulados abrem ou fecham em resposta a sinais qumicos especficos. Por exemplo, o canal inico por onde se movimenta o Na+ no receptor nicotnico da acetilcolina (encontrada nas membranas das clulas plasmticas dos msculos) se abre quando a acetilcolina se liga. O Na+ arremetido para o interior da clula com reduo do potencial eltrico transmembrana que causa despolarizao. A despolarizao promovida pela acetilcolina abre o canal vizinho de sdio (chamado de canal de Na+dependente de voltagem). A repolarizao, o restabelecimento do potencial de membrana, inicia com a difuso de ons K+ para fora da clula atravs de canais de K+ dependentes de voltagem. A difuso de ons K+ para o exterior da clula torna o interior menos positivo, ou seja, mais negativo.

    Outra forma de difuso facilitada envolve protenas chamadas transportadoras ou permeases. No transporte mediado por transportadores, um soluto especfico liga-se ao transportador em um lado da membrana e promove uma alterao conformacional no transportador. O soluto ento translocado atravs da membrana e liberado. Nos eritrcitos o transportador de glicose um exemplo bem caracterizado de transportador passivo. Ele permite que a D-glicose difunda atravs da membrana da clula para ser utilizada na gliclise e pela via das pentosesfosfato. A difuso facilitada aumenta a velocidade que certos solutos se movem em direo do seu

  • 262 Motta Bioqumica gradiente de concentrao. Esse processo no pode causar o aumento lquido na concentrao do soluto em um lado da membrana.

    E. Transporte ativo o movimento de substncias contra gradiente de concentrao

    ou eletroqumico. O processo de transporte necessita de aporte de energia. Os sistemas mais importantes de transporte ativo so a (Na+K+)ATPase (tambm chamada ATPase transportadora de ons ou bomba de Na+K+), e a Ca2+ATPase (bomba de Ca+), criam e mantm gradientes eletroqumicos atravs da membrana plasmtica e atravs das membranas das organelas. A (Na+K+)ATPase e a Ca2+ATPase usam a energia da hidrlise do ATP na sua translocao ativa de substncias. As duas formas de transporte ativo so: transporte ativo primrio e transporte ativo secundrio.

    1. Transporte ativo primrio. Os transportadores ativos primrios utilizam o ATP diretamente como fonte de energia para impulsionar o transporte de ons e molculas. As diferentes concentraes de Na+ e K+ no interior e exterior das clulas eucariticas so mantidas por mecanismos antiporte pela enzima (Na+K+)ATPase, encontrada em todas as membranas celulares. Em cada ciclo, a (Na+K+)ATPase hidrolisa 1 ATP e bombeia 3 ons Na+ para o exterior e 2 ons K+ para o interior das clulas.

    Uma protena transportadora ativa, a Pglicoprotena, parece exercer papel fundamental na resistncia de clulas tumorais a quimioterpicos. A resistncia multifrmaco a causa dominante do malogro no tratamento clnico do cncer humano. A P-glicoprotena uma glicoprotena integral de membrana abundante em membranas plasmticas de clulas resistentes a frmacos. Usando o ATP como fonte de energia, a P-glicoprotena bombeia uma grande variedade de compostos tais como frmacos, para fora das clulas, contra gradiente de concentrao. Desse modo, a concentrao de frmacos no citosol mantida em nveis baixos para evitar a morte da clula. A funo fisiolgica normal da P-glicoprotena parece ser a remoo de compostos hidrofbicos txicos da dieta.

    2. Transporte ativo secundrio. dirigido por um gradiente eletroqumico transmembrnico de Na+ ou H+ utilizado para o deslocamento. O transporte ativo ascendente de um soluto acoplado ao transporte descendente de um segundo soluto que foi concentrado pelo transporte primrio ativo. Por exemplo, o gradiente de Na+ criado pela (Na+K+)ATPase usado no tbulo renal e clulas intestinais para transportar a D-glicose por um simporte Na+-glicose; o transporte ativo de glicose, assim, desfaz o gradiente de concentrao do Na+, que restabelecido pela (Na+K+)ATPase. (Figura 9.7). Portanto, a hidrlise do ATP indiretamente fornece a energia necessria captao de glicose, sendo associada pelo gradiente inico do Na+.

  • 9 Lipdeos e membranas 263

    Figura 9.16 Transporte ativo secundrio. A (Na+K+)ATPase gera um gradiente de on sdio (estabelecido por um transporte ativo primrio) que direciona o transporte ativo secundrio da glicose nas clulas epiteliais do intestino. A glicose transportada juntamente com o Na+ atravs da membrana plasmtica para dentro da clula epitelial.

    Existem outras protenas transprtadoras que necessitam ATP para bombear substncias como prtons e ons Ca2+ contra gradientes de concentrao. Por exemplo, a Ca2+ATPase um sistema de transporte ativo que bombeia ons clcio para dentro do retculo endoplasmtico especializado (retculo sarcoplasmtico) das clulas musculares. O clcio mantido em baixas concentraes no citosol pela hidrlise do ATP em ADP e Pi que direciona o on clcio para o retculo sarcoplasmtico atravs da membrana e contra um gradiente eletroqumico.

    Defeitos no mecanismo de transporte da membrana podem provocar srias conseqncias. Um exemplo da disfuno do transporte ocorre na fibrose cstica. A fibrose cstica, doena autossmica recessiva, provocada pela falta ou defeito em uma glicoprotena de membrana, denominada regulador da condutividade transmembrnica da fibrose cstica (CFTR), que atua como um canal para ons cloreto nas clulas epiteliais e um membro da famlia de protenas chamadas transportadores da caixa ATPligante, ABC (ATP binding cassete). O canal para ons cloreto vital para a absoro de sal (NaCl) e gua atravs das membranas plasmticas das clulas epiteliais em tecidos como pulmes, fgado, intestino delgado e glndulas sudorparas. O transporte de cloretos ocorre quando molculas sinalizadoras abrem os canais CFTRCl na superfcie das membranas das clulas epiteliais. Na fibrose cstica, o defeito dos canais CFTR resulta na reteno de Cl no interior das clulas. Um muco espesso ou outras formas de secreo causa a excessiva captao de gua devido presso osmtica. As caractersticas encontradas na fibrose cstica so: doena pulmonar (obstruo do fluxo de ar e infeces bacterianas crnicas) e insuficincia pancretica (impedimento da produo de enzimas digestivas que pode resultar em deficincia nutricional severa). A mutao mais comum que causa a fibrose cstica a deleo do resduo Phe508 da CFTR, o que causa um enovelamento defeituoso e a insero de uma protena mutante na membrana plasmtica.

    Glicose-permease (Na -K )-ATPaseNa Glicose+

    + +

    Na+ K+

    Na Glicose+ Na+ K+

    Exterior

    Interior

  • 264 Motta Bioqumica

    Figura 9.17 Regulador da condutividade transmembrnica da fibrose cstica (CFTR). A protena CFTR est posicionada na membrana celular para formar um canal para o Cl sair da clula.

    H. Endocitose e exocitose Os mecanismos de transporte descritos acima ocorrem em um

    fluxo de molculas ou ons atravs de membranas intactas. As clulas tambm necessitam importar e exportar molculas muito grandes para serem transportadas via poros, canais ou protenas transportadoras. Os procariontes possuem sistemas especializados multicomponentes em suas membranas que permitem secretar certas protenas (muitas vezes toxinas ou enzimas) para o meio extracelular. Na maioria das clulas eucariticas, certos componentes de grande tamanho transitam para dentro e para fora da clula por endocitose e exocitose, respectivamente. Nos dois casos, o transporte envolve a formao de um tipo especializado de vescula lipdica.

    1. Endocitose. A endocitose um mecanismo para o transporte de componentes do meio circundante para o interior do citoplasma. A endocitose mediada por receptores, inicia com o seqestro de macromolculas por protenas receptoras especficas presentes nas membranas plasmticas das clulas. A membrana ento se invagina, formando uma vescula que contm as molculas ligadas. Uma vez dentro da clula, a vescula, sem o seu revestimento, funde-se com endossomos (outro tipo de vescula) e a seguir com um lisossomo. No interior do lisossomo, o material endocitado e o receptor so degradados. Alternativamente, o ligante, o receptor, ou ambos podem ser reciclados entre a membrana plasmtica e o compartimento endossmico. A fagocitose um caso especial de endocitose.

    Lquidoextracelular

    Membranacelular

    Citosol

    CFTR

    Cl

  • 9 Lipdeos e membranas 265

    A

    B

    Figura 9.18 A. A endocitose inicia com o seqestro de macromolculas ela membrana plasmtica da clula. A membrana invagina, formando uma vescula que contm as molculas ligadas (figura superior). B. Microfotografia eletrnica da endocitose.

    2. Exocitose. A exocitose o inverso da endocitose. Durante a exocitose, os materiais destinados secreo so encapsulados em vesculas no aparelho de Golgi. As vesculas podem fundir com a membrana plasmtica, liberando o seu contedo para o meio circundante. Os zimognios das enzimas digestivas so exportados pelas clulas pancreticas desse modo.

    Membrana plasmtica

    Figura 9.19 Mecanismo da exocitose

    Citoplasma

  • 266 Motta Bioqumica 9.5 Fuso de membranas Uma importante caracterstica das membranas biolgicas a sua capacidade de se fundir com uma outra membrana sem perder a sua integridade. As protenas integrais necessrias para as fuses de membranas so chamadas SNAREs (soluble Nethylmaleimidesensitive-factor attachment protein receptor) que exercem funes no direcionamento, ancoragem e fuso de vescula.

    A fuso um processo multi-etapas que inicia com a formao de bastes em forma de grampo que aproximam as protenas ligadas s membrana-alvo (por exemplo, a membrana da vescula) a outra (por exemplo, a membrana plasmtica). Vrias protenas parecem participar na juno das duas membranas preparando-as para a fuso.

    Resumo 1. Os lipdeos so biomolculas com grande variedade estrutural. So

    solveis em solventes no-polares. So: cidos graxos e seus derivados, triacilgliceris, steres graxos, fosfolipdeos, lipoprotenas, esfingolipdeos e isoprenides.

    2. Os cidos graxos so cidos monocarboxlicos que ocorrem principalmente como triacilgliceris, fosfolipdeos e esfingolipdeos. Os eicosanides so um grupo de molculas hormniolike derivados de cidos graxos de cadeias longas. Os eicosanides incluem as prostaglandinas, tromboxanos e leocotrienos.

    3. Os triacilgliceris so steres de glicerol com trs molculas de cidos graxos. Os triacilgliceris (chamadas gorduras) so slidos a temperatura ambiente (possuem principalmente cidos graxos saturados). Os lquidos a temperatura ambiente (ricos em cidos graxos insaturados) so denominados leos. Os triacilgliceris, a principal forma de transporte e armazenamento de cidos graxos, so uma importante forma de armazenamento de energia em animais. Nas plantas so armazenados nas frutas e sementes.

    4. Os fosfolipdeos so componentes estruturais das membranas. Existem dois tipos de fosfolipdeos: glicerofosfolipdeos e esfingomielinas.

    5. Os esfingolipdeos so tambm componentes importantes das membranas celulares de animais e vegetais. Contm um aminolcool de cadeia longa. Nos animais esse lcool a esfingosina. A fitoesfingosina encontrada nos esfingolipdeos vegetais. Os glicolipdeos so esfingolipdeos que possuem grupos carboidratos e nenhum fosfato.

    6. Os isoprenides so molculas que contm unidades isoprnicas de cinco carbonos repetidas. Os isoprenides consistem de terpenos e esterides.

    7. As lipoprotenas plasmticas transportam molculas de lipdeos atravs da corrente sangnea de um rgo para outro. Elas so classificadas de acordo com a densidade. Os quilomcrons so lipoprotenas volumosas de densidade extremamente baixa que transportam os triacilgliceris e steres de colesteril da dieta, do intestino para o tecido adiposo e msculo esqueltico. As VLDL so sintetizadas no fgado e transportam lipdeos para os tecidos. No transporte pela corrente sangnea, elas so convertidas em LDL. As LDL so captadas pelas clulas por endocitose aps ligao a receptores especficos localizados na membrana plasmtica. As HDL, tambm produzidas pelo fgado, captam o colesterol das membranas celulares e outras partculas lipoproticas. As LDL tem importante papel no desenvolvimento da aterosclerose.

    8. De acordo com o modelo do mosaico fludo, a estrutura bsica das membranas biolgicas uma bicamada lipdica na qual as protenas

  • 9 Lipdeos e membranas 267

    flutuam. Os lipdeos da membrana (a maioria dos quais so fosfolipdeos) so os principais responsveis pela fluidez, permeabilidade seletiva e a capacidade de auto-selar das membranas. As protenas das membranas geralmente definem as funes biolgicas especficas. Dependendo de sua localizao, as protenas de membranas podem ser classificadas como integrais, perifricas ou ligadas a lipdeos. Exemplos de funes nas quais as protenas de membranas esto envolvidas incluem o transporte de molculas e ons e a ligao de hormnios e outros sinais metablicos extracelulares.

    9. Algumas molculas pequenas ou hidrofbicas podem difundir atravs da bicamada lipdica. Poros, canais inicos transportadores passivos e ativos mediam o movimento de ons e molculas polares atravs das membranas. As macromolculas deslocam-se para dentro e para fora das clulas por endocitose ou exocitose, respectivamente.

    Referncias HORTON, H. R., MORAN, L. A., OCHS, R. S., RAWN, J. D., SCRIMGEOUR, K. G. Principles of biochemistry. 3 ed. Upper Saddle River: Prentice Hall, 2002. p. 264-303. McKEE, T., McKEE, J.R. Biochemistry: The molecular basis of live. 3 ed. New York: McGraw-Hill, 2003. p. 200-33. NELSON, D. L., COX, M. M. Lehninger: Princpios de bioqumica. 3 ed. So Paulo: Sarvier, 2002. p. 280-339. VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de bioqumica. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 195-218.