500 Anos de Periferia

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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Livros da Bibliografia: Obra relacionada para Política Internacional. Quinhentos Anos de Periferia (parte I)

GUIMARÃES NETO, Samuel Pinheiro. Quinhentos anos de Periferia: uma contribuição ao estudo da Política Internacional. 3.ed. Porto Alegre/Rio de Janeiro:UFRGs/Contraponto, 2007. Samuel Pinheiro Guimarães Neto (ver entrevista concedida à TV Senado, clicando no marcador leituras sobre o Brasil) considera o conceito de estrutura hegemônica mais apropriado para abarcar os complexos mecanismos de dominação. O conceito de estruturas hegemônicas evita discutir a existência ou não, no mundo pós-Guerra Fria, de uma potência hegemônica, os Estados Unidos, e determinar se o mundo é unipolar ou multipolar. O conceito de estruturas hegemônicas é mais flexível e inclui vínculos de interesse e de direito, organizações internacionais, múltiplos atores públicos e privados, a possibilidade de incorporação de novos participantes e a elaboração permanente de normas de conduta; mas, no âmago dessas estruturas, estão sempre Estados Nacionais. Samuel Guimarães aponta que os interesses econômicos das grandes empresas sempre estiveram vinculados aos Estados, de uma forma ou de outra, desde o Comitê dos XXI da República Holandesa, até as grandes companhias inglesas de comércio e às corporações transnacionais americanas de hoje. Todavia, as megaempresas atuais não têm como se transformar em organismos legislativos e sancionadores legítimos, isto é, aceitos pela sociedade, os quais serão sempre indispensáveis enquanto houver competição e conflito entre empresas, classes, grupos sociais, étnicos, religiosos, etc... Na área internacional, as estruturas hegemônicas se organizaram, após o Congresso de Viena de 1815, mais ou menos informalmente (por meio das reuniões do Concerto das Nações; da Santa Aliança; dos sistemas de alianças conhecido como ‘equilíbrio de poder’ na Europa) enquanto agiam pela força, direta, ostensiva e às vezes de forma coordenada, em zonas da periferia para incorporá-las como colônias ou para subjugar revoltas contra seus interesses, como a História da expansão européia na África, e, em especial, na China, bem exemplifica. Todavia, com o desenvolvimento das lutas sindicais, humanitárias e anticolonialistas, as ideologias ‘desiguais’ foram progressivamente substituídas,

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nas próprias sociedades nacionais do centro das estruturas hegemônicas, por ideologias ‘igualitárias’, que levaram à extensão do sufrágio e à legislação de limitação da exploração do trabalho. Entre os Estados, as tendências igualitárias levaram às novas concepções de igualdade soberana dos Estados e de autodeterminação dos povos, em especial a partir da Revolução Bolchevique e dos Catorze Pontos de Wilson, que foram a ela uma tentativa de resposta. Diante dessa nova realidade, que impedia, ou, pelo menos, dificultava o uso direto da superioridade e da força militar e econômica, as estruturas hegemônicas de poder procuraram criar organizações internacionais por meio das quais pudessem preservar o seu poder no âmbito internacional e legitimá-lo aos olhos de sua opinião pública internacional, inspirada agora por uma visão ‘igualitária’ do mundo. Assim, sob a liderança dos Estados Unidos, e após a primeira crise interna de contestação de liderança que foi a Primeira Guerra Mundial, as estruturas hegemônicas de poder criaram a Liga das Nações, que não teve o sucesso esperado e, após a segunda crise, de 1939 a 1945, a Organização das Nações Unidas, como centro de um sistema de agências internacionais nos mais diversos campos de atividade, desde os refugiados à saúde, às telecomunicações, à agricultura, à energia nuclear, etc... . A Expansão das Agências Internacionais A primeira estratégia de preservação e expansão das estruturas hegemônicas de poder se verifica através da expansão das organizações internacionais, sob seu controle, tais como o Conselho de Segurança, Centro de Poder Efetivo das Nações Unidas; a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); o Grupo dos Sete (G-7); a Organização Mundial do Comércio (OMC); a União Européia; o North American Free Trade (NAFTA); a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); o Fundo Monetário Internacional (FMI), etc... .

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Livros da Bibliografia: Obra Relacionada para Política Internacional. Quinhentos Anos de Periferia (Parte II)

(Continuação...) No seio de tais organizações se desenvolve, sob a liderança dos países que integram aquelas estruturas hegemônicas, um esforço de elaboração de normas, com suas respectivas sanções, de comportamento internacional ( e, hoje, crescentemente nacional) do que seria ‘permitido’, ou seja, ‘legal’. A participação da maioria dos países da periferia nesse processo não só é considerada essencial, como chega a ser ‘exigida’: não para que tomem parte efetivamente da elaboração ou ‘aperfeiçoamento’ daquelas normas mas, sim,

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para dar legitimidade e validade universal a tais normas e à eventual aplicação de sanções ‘internacionais’ contra os infratores. De um lado, essas normas de conduta refletem a força relativa dos diversos integrantes daquelas estruturas hegemônicas e regulam suas relações dentro das estruturas. De outro lado, tais normas enquadram os Estados da periferia, buscando sempre o objetivo maior de preservação das estruturas, de seu poder e dos benefícios delas decorrentes para as sociedades dos Estados centrais que as integram. No âmbito político, busca-se a expansão da competência do Conselho de Segurança das Nações Unidas e de seu sistema de sanções para além do conceito inicial restrito, conforme a Carta de São Francisco, de ameaça à paz e de ruptura da paz. No âmbito militar se verifica, de um lado, a preservação do status especial dos integrantes daquelas estruturas e, de outro, a elaboração de normas de controle da difusão de tecnologias avançadas, por meio da AIEA, do Tratado de não-proliferação Nuclear (TNP), do Complete Test Ban Treaty (CBTP), da Organização para Eliminação de Armas Químicas (OPAQ), dos Acordos de Wasenaar, do Missile Technology Control Regime (MTCR). Uso da OTAN, e inclusão de novos membros, bem como ampliação da sua área geográfica de atuação. Cooptação e Fragmentação No processo estratégico de preservação, expansão e perpetuação de poder dessas estruturas hegemônicas, a eventual divisão interna e fragmentação territorial de terceiros estados, em especial dos grandes Estados da periferia, é vista com favor e interesse, quando não promovida com vigor, ainda que com natural e cuidadosa discrição. A fragmentação da União Soviética e da Iugoslávia e a perspectiva de fragmentação da República Popular da China foram e são vistas com beneplácito, quando não estimuladas, como a política em relação a Taiwan exemplifica. Grandes Estados da periferia, como o Brasil, sempre que se engajam em programas de fortalecimento político, econômico, militar ou tecnológico de natureza autônoma são vistos com suspeita, ameaçados e até atingidos por sanções. Por outro lado, a eventual fragmentação de seu território ou a criação de tensões internas através de iniciativas que incentivam a reivindicação de territórios autônomos para minorias, que estimulam o fortalecimento de diferenças raciais e a ação de seitas fundamentalistas agressivas seriam processos que contribuiriam para, no mínimo, enfraquecer a coesão interna dos grandes Estados da periferia e, assim, para o êxito da estratégia de preservação do poder daquelas estruturas hegemônicas.

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Política Internacional: Quinhentos Anos de Periferia (Parte III)

(Continuação...) Cumpre dizer que se a Expansão das Agências Internacionais e a Cooptação e Fragmentação correspondem a duas estratégias pelas quais as Estruturas Hegemônicas preservam e expandem o seu poder, estas não são as únicas. Samuel Pinheiro ilumina em destaque, ao menos mais três, a saber, a Geração de Ideologias, a Formação de Elites e a Difusão Ideológica. A terceira dessas estratégias ( a geração de ideologias), têm em seus instrumentos, segundo o autor, uma grande, crescente e pouco examinada relevância. Trata-se da geração de ideologias para consumo da população de todos os países, quer pertençam eles ao seu centro, quer se situem na periferia. O processo de elaboração de conceitos, de visões de mundo e de situações específicas, que o autor chama de “ideologias”, se desenvolve em diversos níveis e se utiliza de distintos instrumentos. Sua validade e sua utilidade para a preservação e a perpetuação das estruturas hegemônicas de poder, segundo Samuel Guimarães, depende de serem tais “ideologias” percebidas como neutras, desinteressadas, ou, melhor ainda, de interesse geral, imparciais, verídicas e verossímeis, sendo que muitas delas, por não encerrarem tais características, acabam por ser contraditadas pela realidade. Neste caso, passarão a ser substituídas por outras ideologias que as desmentem, ridicularizam e se apresentam como novas e verdadeiras. Nas palavras do autor, sua elaboração conceitual e seu foco central, inicial, de difusão deve se localizar acima dos governos e dos Estados Nacionais, e têm seu locus ideal nos quadros técnicos das organizações internacionais de âmbito mundial, supostamente imparciais e independentes em relação àqueles governos e Estados. Grandes Organizações de composição mundial, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, exercem um papel estratégico fundamental no processo de elaboração

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de ideologias e de sugestões de políticas a serem seguidas pelos governos de Estados periféricos, já que governos dos países centrais não levam em consideração as sugestões de políticas, quando são, o que para o autor é muito raro ocorrer, feitas por tais agências. A Formação de Elites, quarta estratégia na preservação e expansão do poder das estruturas hegemônicas, diz respeito à formação, nos países da periferia, de elites e de quadros simpáticos e admiradores dessas estruturas hegemônicas de poder. Programas de difusão cultural, de bolsas de estudo, de pesquisadores visitantes, de visitas de personalidades políticas e de formadores de opinião, são instrumentos utilizados amplamente pelos países que integram o centro daquelas estruturas. Segundo o autor, apesar de não ocorrer com todos os indivíduos que participam de tais programas, um grande número vêm a desenvolver sentimentos de simpatia em relação ao estilo de vida, ao modo de ver o mundo e as relações entre aquelas estruturas e a periferia, e finalmente, quanto às políticas que as primeiras propõem para resolver as questões e as crises internacionais. Nisto, estes indivíduos se tornam elementos de grande importância para as estratégias de preservação das estruturas hegemônicas de poder, na medida em que vêm a ocupar posições de destaque na vida pública e privada dos países da periferia. A Difusão Ideológica responde pela quinta estratégia, ligada ao uso dos meios de comunicação de massa. O autor chama a atenção para o fato dos meios de comunicação de massa terem se tornado gigantescas empresas, as quais passam pelo mesmo processo de concentração e globalização sofridas pelos setores industriais e de serviços. Mantendo estreita vinculação e relação de interdependência com as empresas de publicidade e, portanto, com os interesses econômicos das grandes corporações, que poderão ser ou não multinacionais, cujas sedes localizam-se nos Estados Centrais, fazem com que tenham ser tornado, além de defensores da liberdade de expressão e da opinião particular dos dirigentes dos próprios meios de comunicação, defensores dos interesses e das visões de mundo geradas naquelas estruturas hegemônicas.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Política Internacional: Quinhentos Anos de Periferia (Parte IV)

(Continuação...)

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No entanto, ao mesmo tempo que desenvolvem estratégias de preservação e expansão de poder no cenário internacional, as estruturas hegemônicas, pari passu suas criações, acabam sofrendo seus efeitos. Samuel Pinheiro Guimarães identificou cinco grandes processos de transformação que se encontram inseridos no cenário internacional, os quais se caracterizam pela ocorrência simultânea e interativa. O autor esclarece ainda que cada um desses processos não é inexorável, imprevisível, e a-histórico, como parecem sugerir – ao descrevê-los – alguns teóricos ou apologistas. Para Samuel Guimarães, a realidade é que tais processos de transformação têm sua origem e curso influenciados pelas ações das grandes potências e das estruturas hegemônicas de poder. Tais processos, assinala o autor, repercutem sobre aquelas estruturas, sobre as correlações de poder dentro delas e sobre as sociedades dos Estados que as integram. O primeiro dos cinco grandes processos mencionados acima seria a aceleração do progresso científico e tecnológico. Neste sentido, estima-se que o total de conhecimentos científicos e tecnológicos à disposição da sociedade dobre a cada 11 anos, aceleração que decorre, na avaliação do autor, em decorrência do número atual de cientistas e engenheiros engajados em atividades de pesquisa e desenvolvimento ser maior que a soma de todos aqueles que trabalharam em épocas passadas, o que fez com que o processo de produção científica e tecnológica assumisse características industriais em si mesmas altamente tecnológicas, atividades nas quais os governos e as empresas investem enormes somas. E se as empresas gastam recursos em pesquisa tecnológica para reduzir custos de produção e aumentar “fatias” de mercado ou “criar” mercados novos, os governos investem em programas científicos e tecnológicos por dois motivos principais: 1. Financiar pesquisas de alto risco, assim consideradas, assinala o autor, pelas empresas, devido ao custo, ao longo período de maturação, e à imprevisibilidade de resultados. Dessa forma foram financiados os primeiros programas em biotecnologia, em informática, em atividades espaciais e nucleares, e em outros setores nos EUA, e são financiados em outros países, os programas em pesquisa científica básica. 2. O segundo objetivo dos governos é o de desenvolver os armamentos necessários à defesa de seus interesses políticos e econômicos fora do território nacional. Dessa forma, o progresso científico se verifica primordialmente nos centros universitários de pesquisa, em programas financiados pelas empresas privadas, mas especialmente pelo Estado, devido à dificuldade de apropriação privada do conhecimento novo. Os resultados das atividades de pesquisa tecnológica desses programas, sejam eles financiados ou não pelo Estado, acabam por ser apropriados privadamente pelas empresas por meio da concessão de patentes e de sua defesa pelo Estado. Esforço permanente de inovação tecnológica é essencial para a grande empresa manter fatias de mercado, para expandi-las, para criar novos mercados para velhos ou novos produtos e para entrar em novos mercados. Na avaliação de Samuel Pinheiro Guimarães, despesas permanentes do Estado em pesquisa são necessárias, e até imprescindíveis, nas atuais condições sociais da guerra, para proteger militarmente os canais de suprimento de insumos e de distribuição de produtos finais, que constituem a própria estrutura dos mercados mundiais e que formam a chamada economia global, em cujo centro se encontram as gigantescas corporações multinacionais, suas principais beneficiárias. Interessante ainda lembrar é o papel dos fluxos de capital, diferentes e que ocorrem em todas as direções: há fluxos de investimentos diretos, que produzem lucros; de empréstimos, que produzem juros; de

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comércio, que produzem receitas, verificados principalmente entre os países altamente desenvolvidos da tríade Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão. Esses fluxos têm resultado em uma crescente concentração de riqueza, renda e poder nos países da tríade, e essa tendência, realça o autor, tem sido um aspecto permanente da cena internacional. Por comporem uma importante e extraordinária parcela dos lucros das empresas multinacionais, as operações no exterior, em especial nos países subdesenvolvidos da periferia, permitem ou facilitam que o lucro de suas operações nos países onde têm sede sejam menores, e não “escandalosos”, e maior seja a remuneração do trabalho. Assim, nas palavras do autor, a melhor remuneração do trabalho nos países-sede das empresas multinacionais é facilitada pela sua altíssima lucratividade na periferia, decorrente sobretudo dos baixos salários nela vigentes e das posições oligopolísticas que desfrutam.

terça-feira, 2 de março de 2010

Política Internacional: Quinhentos Anos de Periferia (Parte V)

(Continuação...) Passamos então ao segundo dos cinco grandes processos considerados mais relevantes, pela lavra de Samuel Guimarães, onde as estruturas hegemônicas , atuando no cenário internacional, desenvolvem suas estratégias de preservação e expansão de poder. Trata-se da reorganização territorial e de soberania. Para o autor, a despeito dos argumentos sobre o gradual desaparecimento do Estado e de sua substituição por organizações não-governamentais ou pelas grandes empresas transnacionais, o fato é que o Estado foi, é e continuará a ser o principal ator do sistema internacional. Mesmo na hipótese, remota, da constituição de uma economia global e de um sistema político universal que a ela correspondesse, o Estado continuaria a existir, ainda que na forma de Estado mundial. O autor chama a atenção para o fato que Organizações não-governamentais não têm legitimidade, nem representatividade nem poder para exercer as funções típicas do Estado, que seriam, legislar, executar, dirimir e punir. As corporações multinacionais também não possuem tais atributos, nem isoladamente, nem como grupo. As organizações civis e as corporações econômicas influenciam o processo de criação e de execução de normas devido ao poder de mobilização de opinião pública das primeiras, ou pelo exercício do

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poder econômico que as segundas detêm. Todavia, elas jamais poderiam vir a substituir o Estado em suas funções específicas. Na realidade, o único bloco econômico com algumas características políticas e capacidade de se transformar em um Estado é a União Européia; neste caso, vários Estados Nacionais vêm cedendo parcelas de sua soberania a um novo Estado Supranacional. Os Estados Nacionais, não importando quanto possam desagradar a alguns, são uma criação necessária e irremovível da sociedade e exercem um papel crucial no presente momento histórico, não obstante no tocante aos aspectos da reorganização territorial e de soberania, vários processos estejam em gestação, sendo que em nenhum momento apontam para o fim do Estado enquanto instância político-social, sendo estes: 1. O fortalecimento de certos Estados Nacionais, como os EUA. O fortalecimento desse super-Estado norte-americano, escreveu Samuel Guimarães, se exerce por meio de sua crescente capacidade de projeção de força política, econômica e militar, direta ou indiretamente, através de organismos internacionais como a ONU, OTAN, OMC, FMI e o Banco Mundial. Revelador, é que nenhum analista que anuncia o “fim do Estado Nacional”, seja ele norte-americano ou não, ocorre imaginar ou mesmo sugerir que o Estado Norte-Americano esteja em vias de desaparecimento. 2. A emergência de novos Estados, só a curto prazo são considerados supranacionais, como a União Européia . O processo de criação da União Européia resulta de um projeto político, econômico e militar que se afirma depois das conseqüências desastrosas da 2ª GM. Em termos econômicos, esse projeto correspondeu à meta de atingir maior eficiência econômica, vale dizer eficiência na alocação de recursos e instalação de unidades de produção de maior escala, incluídas as áreas científica e tecnológica, atividades que devem contar com mercados iniciais garantidos, mais amplos e estáveis em termos de regulamentação jurídica das atividades econômicas. Em termos políticos, foi a correta compreensão do funcionamento dos mercados e das estruturas políticas mundiais que conduziu os governos europeus à necessidade e à oportunidade da criação de um novo Estado “nacional” europeu que permitisse recuperar a influência econômica e política da Europa no sistema internacional e nele melhor defender seus interesses, objetivo a longo prazo, que defende o autor, sempre esteve claro e presente na criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço, nos Tratados de Roma e Maastricht. Tal processo atinge em 1999 o marco político e econômico crucial da criação da moeda única, seguido da construção de políticas externa e de defesa comuns e a consolidação dos organismos supranacionais, como o Parlamento Europeu, a Comissão Européia e a Corte de Justiça. 3. A reorganização territorial, no sentido da desintegração, como nos casos da União Soviética, Iugoslávia e Tchecoslováquia. Resultou dos desequilíbrios e tensões gerados pela tentativa de modernização das estruturas políticas e econômicas do “socialismo real”, ou “socialismo de Estado”, o qual revelou dificuldades extraordinárias para enfrentar a corrida armamentista, tecnológica e econômica com os Estados Unidos devido à velocidade das transformações no sistema americano, decorrentes da introdução, em larga escala, em todos os setores, das tecnologias baseadas na microeletrônica. Não obstante, a idéia de que a transição das economias socialistas para o capitalismo tem necessariamente de passar por tais fases de desequilíbrio social e econômico, o que justificaria a situação da Rússia como inevitável, é

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contrariada pela evolução política e econômica da China, que demonstra, cabalmente para o autor, a possibilidade de rotas alternativas de transição. No caso dos países da Europa Oriental, a desintegração territorial se verificou na medida em que estruturas estatais e militares, que correspondiam a Estados multinacionais, foram abaladas pelo colapso da URSS, o que permitiu que conflitos étnicos e religiosos tradicionais, antes mantidos congelados ou contidos pelo Estado, com apoio externo viessem à tona, estimulados e protegidos pela idéia-força das nacionalidades.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Política Internacional: Quinhentos Anos de Periferia (Parte VI)

(Continução...) 4. Reivindicações de autonomia local em Estados Unitários (Reino Unido e Espanha) e Federais (Canadá). Países Ocidentais tão distintos como a Inglaterra, a Itália, a Espanha e o Canadá tem sido alvo de uma maior reivindicação de autonomia local e até de separatismo, pretensões que se fundamentam na percepção, e de acordo com o autor, também na realidade de opressão de certas nacionalidades por outras dentro do mesmo Estado Nacional, devido ao processo de formação histórica ou de concentração de poder econômico. Tal situação levou inicialmente, escreveu Samuel Pinheiro, a um esforço ideológico de valorização das identidades culturais, étnicas e religiosas que puderam emergir ao campo da reivindicação política na medida em que o conflito Leste-Oeste reduziu a convicção e a possibilidade de imposição da prioridade da unidade nacional sobre os particularismos locais e em que a nova força ideológica do individualismo e da democracia triunfantes legitimou e incentivou as reivindicações locais de autonomia política. 5. O enfraquecimento, por influência externa deliberada, daqueles que eram chamados New Industrializing Countries, depois mercados emergentes. No contexto de diversos fenômenos distintos, como a ofensiva ideológica radical do neoliberalismo, a luta contra os regimes militares e as campanhas pelos direitos humanos, os Estados, mas não os governos e as elites, foram identificados na América Latina como os culpados pelo atraso e estagnação econômica, autarquia, desigualdades econômicas, injustiça social, opressão política e conflitos e tensões entre Estados. Para Samuel Pinheiro Guimarães, tornou-se moda e convicção generalizada advogar a redução acelerada da dimensão e dos poderes do Estado, o seu downsizing, de acordo com a idéia de

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que a soberania nacional e os projetos nacionais seriam idéias ultrapassadas na nova ordem da globalização, dos mercados livres e da democracia. Cumpre ainda acrescer, pela lavra do autor, que apesar do êxito temporário em controlar os processos inflacionários, a realidade é que as disparidades econômicas e sociais da América Latina se agravaram na década de 90, durante a imposição dos programas econômicos de ajuste estrutural com base na filosofia neoliberal, a qual incluiu a redução e desarticulação de Estados que, já eram fracos e tinham dificuldade em cumprir suas funções essenciais. A fragilidade interna dessas sociedades somente aumentou devido ao agravamento das disparidades, enquanto que as vulnerabilidades externas se acentuaram. Mas não somente os latinos americanos sofreram tal impacto. A partir de 1998, os Estados asiáticos, que até então eram classificados pelos países desenvolvidos, agências internacionais e meios de comunicação como “tigres”, ou outras denominações, como modelos para os países subdesenvolvidos, passaram a ser acusados de corrupção, autoritarismo e violação dos direitos humanos. Na opinião do autor, existem elementos de verdade na descrição neoliberal da América Latina e Ásia, porém, o detalhe é que os elementos negativos foram omitidos durante anos, tanto em um caso, como no outro. 6. A desintegração de Estados e a anomia de certas sociedades. Nas palavras de Samuel Pinheiro Guimarães, a anomia e o caos político em países africanos decorre da arbitragem das fronteiras coloniais que foram mantidas pela ONU ao reconhecer a independência dos novos Estados africanos e da extrema inconveniência de, naquele momento, examinar qualquer hipótese de correção de fronteiras para acomodar as etnias divididas pelos regimes coloniais.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Política Internacional: Quinhentos Anos de Periferia (Parte VII)

(Continuação...) Anotou Samuel Pinheiro Guimarães, que uma das principais conseqüências da aceleração do progresso científico e tecnológico é o vasto processo de reorganização do sistema produtivo - no centro - e, em especial, nas sociedades periféricas semi-industrializadas, os países que antes eram chamados de new industrializing countries. Para Samuel Pinheiro, cumpre ressaltar que o sistema econômico está passando por uma profunda reorganização em todos os setores de atividade, porém com velocidades distintas, tanto entre setores, como entre as empresas de um mesmo setor. Essa reorganização corresponde de certa forma, a um novo paradigma para o funcionamento do sistema produtivo (em substituição ao “fordismo”), com base, fundamentalmente em constantes avanços no campo da informática, processo muito acelerado com o surgimento do microchip, a

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miniaturização, e a conseqüente redução, pela constância dos avanços dos custos e dos preços dos equipamentos eletrônicos. Os avanços no sistema produtivo encontram-se a partir da sua base da informática, bastante imbricados às telecomunicações , com reduções aceleradas de custos e aumentos constantes da capacidade de operação. Basta lembrar que equipamentos eletrônicos, armazenam instruções de comando, o que faz com que as operações de produção ocorram naturalmente com maior precisão que a dos sistemas eletromecânicos, reduzindo desperdícios, defeitos de fabricação e custos unitários de produção. Neste sentido, os principais impactos da reorganização produtiva (fragmentação de unidades produtivas em diversas subunidades mais próximas da matéria-prima mas também do mercado consumidos, flexibilização ou “customerização” enquanto capacidade de adaptar linhas de produção de forma rápida e a baixo custo, atendendo a segmentos específicos do mercado, ou ainda, a expansão vertiginosa da capacidade de cálculo, processamento paralelo de dados e simulação de experiências. Finalmente, encontramos as práticas e métodos gerenciais, os quais impactaram a multiplicação da capacidade, velocidade e simultaneidade de processamento de informação, as técnicas de redução de estoque como o just in time e a criação de redes de especialistas e de equipes de trabalho à distância.). A reorganização promovida pelos avanços da informática produziu impactos nos mercados de produtos, estando entre os mais relevantes: 1. a redução do ciclo de vida dos artigos, pela aceleração de sua substituição por novos produtos; 2. a possibilidade das organizações empresariais atingirem maiores dimensões, reduzindo o número de empresas em cada mercado; 3. em conseqüência do item anterior, há um favorecimento à oligopolização crescente de mercados, com seus efeitos sobre preços, eficiência de alocação de recursos e “exploração” do consumidor. Quanto aos mercados de trabalho, assumem maior impacto, principalmente: 1. a mudança acelerada nas proporções trabalho/capital nos sistemas de produção e de gerenciamento e os conseqüentes desequilíbrios mais rígidos entre oferta e demanda nos diversos mercados setoriais de mão-de-obra, o que corresponde aos desemprego “estrutural”; 2. as características de habilitação exigidas pelas novas e cambiantes tecnologias e as alterações que provocam nas atividades de produção levam a um desequilíbrio entre as estruturas (sistema produtivo) e os métodos do sistema de formação de mão-de-obra (sistema educacional). O autor cita ainda que no caso dos mercados de capital, a informática e as telecomunicações foram e são essenciais para a globalização, pois: 1. tornaram possível a unificação, em tempo real, dos distintos mercados financeiros em todo o mundo; 2. em conseqüência do item anterior, as mudanças propiciaram a crescente volatilidade dos movimentos de capital, com profundos efeitos desestabilizadores, sobretudo para as economias mais frágeis. Porém, nos lembra o autor, que há mais. Pois a biotecnologia e a engenharia genética tenderão a ter impacto e importância semelhante pelos seus efeitos diretos sobre o maior desejo do ser humano, que é a imortalidade. A biotecnologia e a engenharia genética permitem o aumento da longevidade pela redução do ritmo de envelhecimento, pelo transplante de órgãos, pela clonagem, etc... Além, disto, a biotecnologia e a engenharia genética afetam a agropecuária de forma profunda ao permitir o desenvolvimento de espécies vegetais resistentes a pragas e doenças, mas também de espécies mais produtivas pela aceleração do ritmo de reprodução vegetal, adaptação de espécies a climas e

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solos normalmente a elas adversos e a clonagem de animais. Toda esta gama de inovações, assinala o autor, vêm reduzir as vantagens comparativas naturais dos países subdesenvolvidos, na medida em que permitem a produção eficiente em áreas antes não competitivas, inclusive nos países mais desenvolvidos do centro. Cumpre ainda incluir nesse imenso rol de inovações da informática e da biotecnologia, os novos materiais que substituem produtos tradicionais como é o caso do cobre, substituído pela fibra óptica, a cerâmica utilizada em motores, e dos setores de ponta dos satélites e naves espaciais. A reorganização produtiva contribui, segundo Samuel Pinheiro Guimarães, para fortalecer as empresas de maiores dimensões, com maior flexibilidade e que atuam em vários territórios, as quais passam a pressionar pela unificação de normas jurídicas e, portanto, pela formação de territórios econômicos e, eventualmente, políticos, mais amplos. A vasta reorganização em curso do sistema produtivo, defende o autor, acentua a concentração de poder em todos os aspectos.

domingo, 30 de maio de 2010

Política Internacional (Sínteses de livros da Bibliografia): Quinhentos Anos de Periferia (Parte VIII)

(Continuação...) A concentração de poder é evidenciada por Samuel Guimarães como decisiva, no plano internacional para determinar a forma como se organizam as relações entre os Estados; em jogo estão a distribuição dos benefícios, sendo a conseqüência o bem-estar relativo de suas sociedades. Afirma o autor que pode ser constatado empiricamente, fortes tendências e processos de concentração de poder em várias ordens, nomeadamente, de poder tecnológico, de poder econômico, de poder político, de poder militar e de poder ideológico. 1. concentração de poder tecnológico: muito enfatizadas pelo autor são as características da pesquisa científica e tecnológica, articuladas sempre ao custo da transformação de invenções tecnológicas. Os países mais ricos e mais desenvolvidos tecnológica e cientificamente dispõem de recursos e estoque de conhecimentos e experiência que os tornam mais capazes de desenvolver de forma exitosa, seus programas de pesquisa. Esses grandes centros geradores de ciência e tecnologia procuram, naturalmente, reduzir a amplitude e a velocidade de difusão de novos conhecimentos. A característica “dual”, valeria dizer, civil e militar das aplicações desse conhecimento foi justificada e facilitada durante a

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Guerra Fria, e se desenvolveu nos Estados Unidos toda uma ampla legislação de controle da exportação de bens de alta tecnologia e difusão de conhecimento científico e tecnológico, no que se caminhou no sentido de operacionalizar essa legislação por meio de acordos e “regimes” internacionais de controle. Nesse contexto, os países não-membros desses regimes, enfrentavam grande dificuldade de acesso até mesmo à tecnologias relativamente mais simples, porém classificadas. Ressalta-se ainda que na esfera civil desenvolveu-se todo um esforço de criação de normas internacionais mais favoráveis aos produtores e detentores de novas tecnologias e que sancionassem os países que viessem a não aceitar, ou a infringir tais regras, apresentadas como espécie de emblemas do moderno. Com efeito, cita Samuel Guimarães, as novas normas da Organização Mundial do Comércio, por fortalecer os direitos dos detentores de patentes e estabelecer as chamadas sanções “cruzadas”, que punem com restrições comerciais os países que não são produtores de tecnologia e detentores de patentes, quando julgados infratores de tais normas. 2. A concentração do poder econômico. Como lembra o autor, o capital se sente atraído para as regiões com melhor infra-estrutura de transportes e de comunicações, com melhores serviços públicos, mão-de-obra mais treinada e qualificada, nível de renda e capacidade de consumo mais elevados e que sejam mais estáveis politicamente. Não seria por acaso então que a concentração de poder econômico se verifica tanto entre países quanto entre regiões de um mesmo país, ou entre grupos populacionais em termos de renda e riqueza. 3. A concentração de poder político. Anotou o autor que na esfera internacional, a concentração de poder político se verifica pela transformação do Conselho de Segurança das Nações Unidas nas próprias Nações Unidas e pelo definhar das atribuições e poderes da Assembléia Geral e das agências especializadas, exceção para aquelas em que o voto é ponderado, o que equivale dizer, naquelas agências cujo peso é maior para os países centrais, como ocorre com o FMI, o Banco Mundial e a OMC, onde as decisões não são por voto, mas por consenso, o que na prática equivale dizer o consenso dos principais “países comerciantes”. Reitera o autor que a expansão dos poderes do Conselho de Segurança para incluir em sua competência novas áreas, que começou com o direito e o dever de ingerência em casos humanitários, poderá vir a incluir temas como o meio ambiente. A Carta das Nações Unidas é o único tratado realmente universal e o único que prevê e permite o uso da força para fins de segurança coletiva e nela os cinco membros permanentes têm direito a veto, o que os coloca, na prática, fora do alcance das sanções da comunidade internacional. A propósito, o TNP, agora tratado perpétuo, exclui a possibilidade legal de surgimento de novas potências nucleares; desta feita, os cinco membros permanentes são também os cinco detentores legais de armas nucleares, tornam claro que o poder político em nível mundial está concentrado em termos jurídicos e políticos, refletindo a concentração de poder tecnológico e econômico, e que a eventual expansão da competência legal do Conselho virá a concentrar ainda mais o poder. A concentração de poder entre países, e o processo de concentração dentro dos países, o aumento da influência do poder econômico na política, a manipulação que as técnicas modernas de informação, pesquisa de opinião e marketing político permitem, com a transformação de campanhas e debates políticos em marketing de produtos, sem confronto real de idéias e propostas políticas torna o cidadão afastado do debate e da atividade política, com o auxílio da televisão e da transformação de hábitos sociais e culturais que esta promove e provoca. Entre estes novos hábitos, incluem-se o

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achincalhamento da política e da cidadania, a exacerbação do individualismo consumista, o culto do corpo e o desprezo pelo intelecto, através da depreciação da cultura que não seja pop. 4. A concentração de poder militar. A concentração de poder científico e tecnológico, a restrição à difusão de tecnologias militares por meio de acordos específicos, inclusive de criação de zonas livres de diversos tipos de armamentos na periferia – mas que não incluem a proibição à presença nessas zonas de armamentos das Grandes Potências. Há de se notar, segundo o autor, os mecanismos de sanção aos países que os infringem e o arcabouço jurídico das Nações Unidas e de outras organizações, em especial a OTAN, a qual atua cada vez mais como agente das Nações Unidas, cristalizando em prol das Grandes Potências a situação do poder militar mundial. É ainda colocado em evidência por Samuel Pinheiro a realidade dos programas de desenvolvimento de armamentos automáticos e robotizados altamente sofisticados, os esforços recentes do Banco Mundial e do FMI para culpar as despesas com armamentos pelas dificuldades econômicas da periferia. Tudo isto faz parte, ainda segundo o autor, da estratégia de eventual desarmamento completo da periferia e a um ainda maior grau de concentração de poder militar. Essa estratégia tem como objetivo permitir a uma pequena parcela da população mundial, encontrada nos países integrantes das estruturas hegemônicas, controlar, se necessário pela força, as reivindicações de toda ordem da enorme e crescente população da periferia. 5. A concentração de poder ideológico. Esta concentração fica ressaltado na lavra do autor, devido às novas tecnologias de informação e das telecomunicações. A capacidade de produção de informações e o controle dos sistemas de comunicação audiovisual por parte dos Estados Unidos, a transformação do inglês em “língua franca” universal, criaram as condições que levam a uma enorme concentração de poder ideológico. Os programas de treinamento de estudantes, em especial nas áreas de ciências humanas, nos Estados Unidos, fazem com que se criem, na periferia, grupos ideologicamente identificados com os valores do centro e que participam, de forma alienada e satisfeita, e às vezes interessada, da implementação das políticas gerais de concentração de poder, articuladas pelos Estados centrais e operacionalizadas pelas estruturas hegemônicas, no que são auxiliados pela mídia, o que se faz em nome das virtudes do individualismo, da eficiência, da competitividade e da paz universal.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Política Internacional (Sínteses de livros da Bibliografia): Quinhentos Anos de Periferia (Parte IX)

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(Continuação...) A expansão territorial dos Estados, desde sua formação moderna, foi financiada pelo capital privado, o qual por sua vez, o Estado protegeu ao financiar o desenvolvimento tecnológico. Os efeitos dessa aliança se fizeram sentir na atividade econômica e na transformação das artes da guerra, condições que se mostraram indispensáveis, anotou o autor, para a conquista territorial e a imposição do modo de produção e distribuição capitalista a um número crescente de áreas do globo. O século XX, logo em seu início, foi marcado com uma série de eventos, que contribuíram para a interrupção desse processo secular de expansão, e que se originaram em contestações internas e externas de grandes dimensões. As extraordinárias conseqüências advindas desses fatores são apontadas por Samuel Pinheiro Guimarães como a causa mais remota das rápidas transformações ocorridas, e da crise atual. A Alemanha, surgida como potência continental após 1871, ano no qual vence a guerra franco-prussiana, lança o desafio à hegemonia inglesa, que, não possuindo mais a pujança econômica de outrora, mantêm-se ainda como potência marítima e política, em vista do seu império colonial na África e na Ásia. O grande desafio pela hegemonia, lançado explicitamente em 1914, e traduzido no conflito bélico entre 1914 e 1918, termina com a entrada decisiva dos Estados Unidos em 1917. A tentativa de organizar o sistema político internacional por meio da Liga das Nações como forma de permitir a expansão ordenada do capitalismo esbarra em problemas como a punição rigorosa dos Estados contestadores de 1914 e pela ocorrência do movimento socialista dos bolcheviques na Rússia, entendida como a primeira grande crise externa de contestação ao sistema capitalista, traduzida na exclusão do enorme território do Império Tzarista, em termos políticos e econômicos do sistema capitalista global. A Rússia, conquistada pelos bolcheviques demonstrava a possibilidade de uma sociedade periférica e arcaica de se libertar do jugo central, fato que teria enorme importância sobre o imaginário das populações coloniais em todo o mundo, tendo a força de atração ideológica do socialismo aumentado no período posterior à I GM, período que inclui a Grande Depressão. Os fatos de a Grande Depressão não ter afetado a União Soviética (a qual encontrava-se ocupada em transformar sua economia de agrário-feudal em capitalista industrial, não obstante grande força repressiva usada contra as populações rurais mais atrasadas), e de nos Estados Unidos, o keynesianismo ter trazido força nova ao capitalismo, aumentaram a crença e deram força às possibilidades de intervenção do Estado, processos que teriam grande importância na exclusão relativa de certas áreas da periferia, quando da expansão e acumulação do sistema capitalista, comandado pelo seu centro. Entre 1939 e 1945, ocorria o segundo episódio de contestação interna à liderança do

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sistema. Uma das conseqüências desta II GM será um tipo de migração para as Américas, que se traduz pela grande qualidade intelectual, que foram os cientistas alemães e europeus de modo geral, os quais migraram para os Estados Unidos antes e depois da guerra. O conflito que se seguiu entre os Estados Unidos e União Soviética (que haviam colaborado decisivamente para vencer a Alemanha, principal potência contestadora interna), traduzido no período conhecido por Guerra Fria, fez com que cada área da periferia, recén-emergidas de regimes coloniais, se tornassem objetos de disputa, o que fez aumentar a liberdade de estratégia política e econômica da periferia. O desejo dos novos Estados de intervir na economia para acelerar o desenvolvimento, o apoio da teoria keynesiana e a visão das Nações Unidas como promotora da descolonização e do desenvolvimento, mas também, visto pelo outro lado, o desenvolvimento como forma de amortecer as tensões sociais e o avanço dos partidos socialistas, e ainda, o desenvolvimento visto como meio de reduzir a influência das potências colonialistas e neocolonialistas, permitiram que, em vários países da América Latina, Ásia e África, fossem desencadeados programas de industrialização, com maior ou menor êxito, e tentativas de planejamento centralizado ou indicativo. Na opinião de Samuel Guimarães, foram três os eventos marcantes que contribuíram para encerrar a Guerra Fria e para permitir a reincorporação de áreas ao processo de expansão do sistema econômico e capitalista global: 1. as crises do petróleo; 2. a revolução ideológica reaganiana; e, 3. o fim da União Soviética. A política das estruturas hegemônicas para promover a reincorporação de áreas ao sistema global capitalista se verifica por meio de estratégias de ação nas áreas econômica, militar e política, conduzidas com determinação e urgência. Na esfera econômica, a estratégia central tem sido promover por meio das agências internacionais, programas de reforma “estrutural”, das economias ex-socialistas e periféricas semi-industrializadas. Tais programas, escreveu o autor, semelhantes em sua filosofia básica, promoveram o desmantelamento dos controles de comércio exterior, a redução e consolidação de tarifas, a liberalização dos movimentos de capital, e a adoção de políticas de câmbio mais ou menos fixo. No setor interno, tais programas incluíam políticas de ampla desregulamentação da economia, abrindo todos os setores ao investimento estrangeiro, eliminando a ação empresarial do Estado (desestatização), adotando programas de ajuste macroeconômico e controle da inflação através de equilíbrio orçamentário rígido e de “reformas” ditas estruturais, com viés pró-capital e antitrabalho, à imagem dos países centrais, nos campos fiscal, trabalhista e previdenciário. Essa estratégia das estruturas hegemônicas continua a se desenvolver nas esferas multilateral e regional através de articulações como a preparação da rodada de negociações do milênio da OMC, com o objetivo de ampliar concessões feitas na Rodada Uruguai no campo dos serviços, em especial financeiros, da propriedade intelectual, e do comércio eletrônico. A participação dos países periféricos nesses encontros é mais uma vez justificada, acenando com a esperança de que se liberalizem os mercados agrícolas internacionais ou pelo argumento de que é preferível “poder influir” nas negociações do que ter que aceitar seus resultados. Surge ainda como exemplo, a negociação do Acordo Multilateral de Investimentos (MAI), no âmbito da OCDE, cujas regras, que colocam as grandes empresas em situação de superioridade jurídica em relação aos Estados, levaram a uma reação negativa até mesmo de grandes países exportadores de capital. A reincorporação de áreas

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ao sistema capitalista, inclui esferas militar e política. Na vertente militar, o autor evidencia uma distinção entre as antigas áreas periféricas e as antigas zonas socialistas. Nas primeiras, houve um esforço para restabelecer a situação pré-1914, ou pré-1945, vale dizer, o seu desarmamento convencional e nuclear. Já nas antigas zonas socialistas, a Rússia – herdeira legal da URSS – pode manter seu armamento, sendo que as demais áreas como a Ucrânia e o Azerbaijão foram tratados como a ex-periferia ex-colonial; e como ex-colônias russas, foram induzidas com firmeza ao desarmamento nuclear unilateral. A vertente política de reincorporação de áreas ao capitalismo, tanto no caso dos países ex-socialistas, quanto no dos periféricos industrializados, foi dupla. De um lado, a firme pressão no sentido de serem estruturados sistemas democráticos formais, “garantidos” por “cláusulas democráticas” em acordos bilaterais ou regionais e, em segundo lugar, pela promoção da adoção das chamadas normas de good governance.

domingo, 8 de agosto de 2010

Política Internacional (Sínteses de Livros da Bibliografia) Quinhentos Anos de Periferia (Parte X)

(Continuação...) Samuel Pinheiro Guimarães esclarece que as cinco grandes tendências, a saber: 1. aceleração do progresso científico e tecnológico; 2. reorganização do sistema produtivo; 3. reorganização territorial; 4. concentração de poder; e, 5. reincorporação de áreas, têm efeitos radicais sobre a situação global dos fatores de produção, que como sabemos, são: a) trabalho; b) capital; c) recursos naturais; e, d)empresa – e sobre suas inter-relações. O autor foca sua atenção sobre as principais conseqüências no tocante a situação geral acerca do fator trabalho, nas quais se destacam: 1) a transformação da pirâmide demográfica; 2) os movimentos populacionais; 3) o desemprego estrutural; e, 4) a desvalorização do trabalho como atividade humana. Rápidas diminuições da taxa de mortalidade e reduções da taxa de natalidade, pelas técnicas de controle demográfico e valores sociais, completam o quadro: em um contexto dessa natureza, o autor observa uma ameaça a partir da redução abrupta da taxa de crescimento demográfico e do envelhecimento relativo da população, ameaças materializadas nas conseqüências sobre o sistema previdenciário, a situação fiscal dos Estados, e sobre a taxa de poupança.

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As pressões migratórias da periferia para o centro, decorrentes de conflitos armados e da estagnação econômica, bem como a perspectiva de grandes migrações decorrentes da desintegração de Estados, são o segundo fenômeno que ameaça os mercados de trabalho no centro das estruturas hegemônicas, e ali, segundo Samuel Pinheiro Guimarães, geram tendências protecionistas e xenófobas. Fator de incotestável valor, é a aceleração do progresso tecnológico, especialmente na área da tecnologia da informação, que vem causando transformações radicais nos bens de capital e reorganizando a gestão empresarial. Não obstante, os efeitos sobre o mercado de trabalho, causados pelos rápidos e constantes avanços da microeletrônica e da tecnologia da informação têm tornado a unidade típica de produção industrial mais intensiva de capital, tem se apresentado de difícil assimilação.

domingo, 22 de agosto de 2010

Política Internacional: (Sínteses de Livros da Bibliografia do CAD) QUINHENTOS ANOS DE PERIFERIA (Parte XI - Final.)

(Continuação...) As políticas neoliberais e a redução da regulamentação dos mercados e da atividade econômica em geral, de um lado aceleram a deterioração do meio ambiente e o esgotamento de recursos naturais, em especial na periferia e, de outro, permitem a concentração do capital em cada mercado, através de fusões e aquisições, e o acumulam, cada vez mais, nos países centrais em relação à periferia. A desregulamentação, em especial das atividades financeiras, globalizou os mercados de capitais. As políticas econômicas recessivas no centro, aponta o autor, combinadas com as políticas de crescimento econômico na periferia, baseadas na atração da poupança externa, na abertura comercial e financeira e no endividamento externo agressivo, acabam por gerar a necessidade de políticas de juros altos na periferia. Criam-se dessa forma, as condições para a circulação de capitais especulativos de um mercado periférico para o outro, os quais permitem, inicialmente, uma temporária e artificial estabilidade de preços, à custa do déficit comercial e do financiamento do déficit público, seguida pela necessidade de realização de lucros que leva à crise cambial e econômica, à desestruturação da economia, ao retrocesso do nível de vida da população e ao agravamento da concentração de renda e das disparidades sociais. É preciso ainda esclarecer, anotou Samuel Pinheiro, a disposição revelada na firme oposição a qualquer iniciativa de regulamentação

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dos mercados de capitais, dado os capitais especulativos serem originários via de regra, do centro das estruturas hegemônicas. Os capitais são especulativos, frisa o autor, devido às políticas econômicas, e não a despeito das políticas econômicas exercidas pelos governos dos países centrais e da periferia: assim, propostas de regulamentação internacional de fluxos de capitais para controlar sua volatilidade, mesmo quando tecnicamente viáveis, seriam demonstrações de ingenuidade política e desconhecimento da natureza essencial desses fluxos. Ainda importante seria acrescer algo sobre a questão do meio ambiente e a noção de desenvolvimento sustentável. Na opinião de Samuel Pinheiro Guimarães, a deterioração do meio ambiente e a crescente escassez de recursos naturais, em especial a água e, em breve, o petróleo, levam à convicção de ser impossível reproduzir na periferia os atuais padrões de consumo do centro. Esta convicção está, de acordo com o autor, por trás da ideologia do Desenvolvimento Sustentável que, em primeiro lugar, teria por tarefa desviar a atenção da opinião pública da necessidade e da obrigação dos países centrais de reduzir o extremo desperdício de seus elevados padrões de consumo de recursos e de poluição e, assim, permitir ao centro mantê-los. A ideologia do Desenvolvimento Sustentável, recomenda implicitamente que a periferia deva contentar-se em permanecer em seus atuais baixos padrões de consumo, além de encetar a tarefa paradoxal e dificílima de imaginar e executar estratégias de ‘desenvolvimento sustentável’ , o que exigiria a intervenção do Estado em ambientes políticos nacionais e internacionais nos quais predominam o pensamento econômico liberal. Ficam gerados, dessa forma, segundo o autor, um preconceito anti-industrial nos Estados da periferia, que contribui para fortalecer indiretamente as estratégias que insistem em fundamentar o desenvolvimento em vantagens comparativas estáticas, com base na dotação de recursos naturais, com efeitos óbvios sobre as possibilidades de desenvolvimento a longo prazo. Se há por um lado uma advocacia dos países do centro na defesa da ampla liberdade para as “forças do mercado”, encontrando-se no centro da questão a redução do papel regulamentador do Estado, existe por outro lado uma forte pressão do centro para que sejam adotadas na periferia, políticas eficazes de desenvolvimento sustentável, onde integram o repertório do centro, as ameaças de sanções e restrições ao comércio de bens produzidos de forma “agressiva” ao meio ambiente , através de cláusulas ambientais, aplicadas unilateralmente, ou através da OMC. =================================================================== Este livro do Diplomata SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES, editado pela Contraponto, em parceria com a Editora da UFRGs, é leitura altamente recomendada para o concurso de admissão ao IRBr, presente nos editais do mesmo já há alguns anos, motivo pelo qual reproduzimos as sínteses aqui postadas, na intenção de balizar aos colegas que venham a se dispor à leitura de primeira mão.