(512432221) a Dúvida Cartesiana e a Busca de Um Método Seguro Para a Ciência Moderna

13

Click here to load reader

description

Dúvida cartesiana

Transcript of (512432221) a Dúvida Cartesiana e a Busca de Um Método Seguro Para a Ciência Moderna

  • Universidade Federal de Pelotas - UFPEL Departamento de Filosofia

    Curso de Licenciatura em Filosofia na Modalidade a Distncia- CLFD UAB Universidade Aberta do Brasil

    Disciplina: Histria da Filosofia ModernaPolo de apoio presencial: Cachoeira do sul/RS

    Professor: Robinson dos Santos

    A DVIDA CARTESIANA E A BUSCA DE UM MTODOSEGURO PARA A CINCIA

    Paulo Rogrio da Rosa Corra

  • Cachoeira do Sul, 05 de maio de 2015.

    Paulo Rogrio da Rosa Corra

    A DVIDA CARTESIANA E A BUSCA DE UM MTODO SEGUROPARA A CINCIA

    Trabalho apresentado como requisito parcial de avaliao

    da disciplina de Histria da Filosofia Moderna da

    Universidade Federal de Pelotas.

  • Cachoeira do Sul, 05 de maio de 2015.

    A DVIDA CARTESIANA E A BUSCA DE UM MTODO SEGURO PARA ACINCIA

    Paulo Rogrio da Rosa Corra

    Resumo: H mais de trezentos anos atrs a cincia tinha suas bases modernasestruturadas. Um dos grandes artfices dessa empreitada foi o filsofo francs Ren

    Descartes. Dessa forma, o artigo objetiva analisar, em breves apontamentos, como a dvida

    metdica elaborada por Descartes vai se constituir como pea chave na construo do

    mtodo cientfico. De fundamental no entendimento da dvida metdica sero a anlise das

    obras Discurso do mtodo cientfico e Meditaes metafsicas.

    Palavras chaves: cincia moderna, Descartes, dvida metdica.

  • INTRODUO

    Como bem lembra o filsofo Alan Chalmers em seu livro O que cincia

    afinal? 1 a cincia e a atividade cientfica so levadas em alta conta nos dias atuais.

    notrio entre debatedores a utilizao de alegaes que se ancoram em supostos

    fatos e descobertas cientficas ou quando um dos debatedores busca legitimidade a

    seus argumentos afirmando correto por que cientfico. Percebe-se em diversos

    espaos a referncia fora da cincia e ao seu potencial de busca pela verdade.

    Observa-se dessa forma a mdia (principalmente a televisiva) se apoiar em cientistas

    das mais diversas reas pra embasar (e porque no dizer justificar) seus pontos de

    vistas. Poderamos nos perguntar dessa forma da onde viria essa fora da cincia,

    bem como seu potencial explicativo. Certamente as mudanas que causou no

    mundo fornecem uma poderosa alta estima para a cincia; basta pensarmos em

    alguns eventos impulsionados desde seu surgimento: locomotivas, formas de

    energia, prdios e torres, pontes, bombas, avies, entre outros.

    No entanto, o objetivo desse trabalho no uma anlise em por menor do

    mtodo cientfico e de seus desdobramentos ao longo do tempo. O intuito se

    aproximar de um ponto bastante caro cincia: a dvida cientfica. Basilar para a

    cincia moderna, a dvida enquanto mtodo, ganha a primeira verso atravs de

    seu mais clebre formulador: o filsofo francs, do sculo XVII, Ren Descartes.

    Nesse sentido necessrio entender como a dvida formulada por Descartes vai

    contribuir decisivamente para a construo do edifcio da cincia ao longo dos

    ltimos 300 anos e vai manter-se (no sem crticas) como um de seus pilares

    norteadores at os dias atuais; com uma capacidade muito grande de influenciar

    outros cientistas e filsofos.

    Sobre Descartes muita coisa j foi escrita; muita coisa j se escreveu contra o

    filsofo francs. No raro recai sobre ele a pecha de ser o inaugurador do paradigma

    moderno cientfico que proporia a fragmentao demasiada da realidade. Uma vez

    1 CHALMERS, Alan. O que cincia afinal? Disponvel: http://www.nelsonreyes.com.br/A.F.Chalmers_-_O_que_e_ciencia_afinal.pdf Acesso: 15/05/2015

  • fragmentada a reconstruo da realidade numa unidade estruturada e orgnica

    ficaria prejudicada. 2 Mas se a crtica a Descartes no deixa de possuir a sua

    legitimidade e suas razes, de se admitir tambm os mritos do filsofo ao propor

    a dvida como elemento central de sua filosofia. Contra os dogmas apriori dos

    medievos Descartes arremessa sua dvida metdica desenvolvida ao longo de duas

    das suas principais obras: Discurso do mtodo e Meditaes filosficas. Numa das

    mais clebres formulaes da filosofia moderna: penso, logo existo. O filsofo

    possui, assim, a grandiosa pretenso de reconstruir o edifcio das cincias e

    alicer-lo sobre bases slidas e seguras.

    Desenvolvimento

    A Europa nos sculos XIV e XV passa por rpidas e profundas mudanas.

    Estas mudanas estavam longe de ficar restritas a um determinado campo da vida

    social; ao contrrio, alargam-se de tal forma a atingir a vida de milhares de pessoas.

    As velhas estruturas polticas e econmicas que se ergueram em solo europeu nos

    ltimos mil anos parecem agora esgotadas. A autoridade e a legitimidade da igreja

    catlica inserida em todos os espaos sociais e nas mentalidades da populao j

    no reinam de modo absoluto como antes. Esse perodo da histria europia

    chamado renascimento caracterizado por crticas avassaladoras a um modelo de

    sociedade considerado insuficiente para atender todas as necessidades humanas.

    Deste modo, h rupturas importantes no campo da cultura, das artes, da poltica, da

    economia, etc. O renascimento, como o prprio nome sugere, vai propor uma

    retomada da filosofia e da esttica grega. Os renascentistas propunham a destruio

    de um ponto ate ento central na concepo religiosa da igreja catlica: o

    geocentrismo. Para a igreja e os homens do seu tempo o planeta Terra criado por

    Deus era o centro do universo, Nicolau de Coprnico atravs de observao e

    medio vai propor justamente o contrrio, de que a Terra no o centro do

    universo, mas um planeta como outro qualquer que gira em torno do sol.

    Coprnico e os cientistas que lhe sucederam vo admitir o heliocentrismo e valores

    como humanismo e razo. Contra as concepes medievas que remetem as

    2 Sobre as crticas ao mtodo cartesiano destaco duas obras: O pensamento complexo do filsofofrancs Edgar Morin e a obra Pela mo de Alice do socilogo portugus Boa Ventura Santos.

  • questes terrenas a um ser transcendental (Deus) os renascentistas vo propor a

    concepo do homem como um ser ativo e construtor da realidade social. 3

    nesse caldeiro efervescente da Europa que se projeta a figura de Ren

    Descartes. Engenheiro do exrcito francs, matemtico e insatisfeito com as

    diversas formulaes dos filsofos que por vezes se apresentavam at mesmo

    contraditrias umas as outras. Na sua obra mais conhecida chamada Discurso do

    mtodo o filsofo afirma:

    verdade que, enquanto me limitava a observar os costumes dos outroshomens, pouco encontrava que me contentasse, pois percebia neles quasetanta diversidade como aquela que havia constatado anteriormente entre asopinies dos filsofos. 4

    A mirade de opinies e teorias filosficas deixava Descartes preocupado e

    desconfiado, em vrias passagens do seu Discurso faz referncia desconfiana:

    Embora no juzo que fao de mim mesmo procurei sempre me inclinar para o lado

    da desconfiana do que aquele da presuno... 5 A desconfiana e a insatisfao de

    Descartes vai leva-o a propor uma guinada importante na histria da cincia. Como

    coloca o jurista Carlos Medeiros:

    Parece no haver dvidas de que o nome de Descartes pode ser associadoao nascimento da Idade Moderna. Isto se deve ao fato de serem, o filsofo eseus seguidores chamados no sculo XVII de novos filsofos ,responsveis pela inaugurao de um deslocamento fundamental nopensamento cientfico de seu tempo. 6

    O nome completo da obra mais famosa do filsofo francs o Discurso do

    mtodo coloca em evidncia a intencionalidade do autor: Discurso do mtodo de

    corretamente conduzir a razo e procurar pela verdade nas cincias. Insatisfeito

    diante das inmeras teorias Descartes pe em dvida todas as verdades at ento

    estabelecidas para em seu lugar buscar uma verdade capaz de servir como base

    3 FERRAZ, Carlos Adriano. Uma breve introduo a histria da filosofia moderna. Apostila dehistria da filosofia moderna. Plataforma moodle UFPel.

    4 DESCARTES, Ren. Discurso do mtodo. So Paulo: Escala educacional, 2006. P.15

    5 Idem. P. 11

    6 MEDEIROS, Carlos. A dvida cartesiana: um mtodo para a cincia moderna. Disponvel:http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3044Acesso: 14/04/2015

  • slida e vigora para a cincia. dentro dessa preocupao e dessa intencionalidade

    que Ren Descartes formula uma das mais clebres mximas da histria da

    filosofia: penso, logo existo. A afirmao do filsofo conhecida por sua citao

    latina cogito, ergo sum, encontra-se formulada na quarta parte dos Discursos e

    ganha uma sistematizao mais apurada na obra Meditaes filosficas.

    Seria lcito perguntar, portanto, como Descartes chega a essa formulao. O

    que ela traz de implicaes para a construo da cincia moderna e como ela pode

    contribuir futuramente para que a cincia mantenha as suas snteses abertas, no

    coaguladas em verdades imutveis. O filsofo anuncia assim seu mtodo de

    investigao cientifica:

    O primeiro era o de nunca aceitar alguma coisa como verdadeira que noconhecesse evidentemente como tal, ou seja, de evitar cuidadosamente aprecipitao e a preveno e de nada mais incluir em meus juzos que nose apresentasse to clara e distintamente a meu esprito, que eu notivesse motivo algum de duvidar dele. O segundo o de dividir cada uma dasdificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossempossveis e necessrias, a fim de melhor resolve-las. O terceiro, o deconduzir por ordem meus pensamentos, comeando pelos objetos maissimples e mais fceis de conhecer, para elevar-me pouco a pouco, comoque por degraus, at o conhecimento dos mais compostos e presumindo atmesmo uma ordem entre aqueles que no se precedem naturalmente unsaos outros. E o ultimo, o de elaborar em toda parte enumerao tocompletas e revises to gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir. 7

    A formulao de Descartes oculta a complexidade por trs da aparncia

    simples. O que o filsofo esta propondo vai constituir a arquitetura da cincia

    moderna nos ltimos 300 anos. Ao que pese o intuito desses apontamentos que

    analisar a dvida como princpio metodolgico, no pode-se, no entanto,

    negligenciar que a formulao de Descartes prope a dualidade entre a res extensa

    (a substncia extensa) e a res cogitans (a substncia pensante) que o leva a propor

    uma srie de separaes e fracionamento no entendimento da realidade: entre

    sujeito e objeto, corpo e mente, razo e sentimento, etc.

    Descartes prope que o mtodo cientfico se inicie pela dvida. Comear pela

    dvida significa que todo aquele conhecimento ou ideia que no encontrar uma base

    segura deve ser posto em cheque e questionado radicalmente.

    7 DESCARTES, Ren. Discurso do mtodo. So Paulo: Escala educacional, 2006. P.21

  • Havia muito tempo tinha observado que, em relao aos costumes, svezes necessrio seguir opinies, que sabemos serem muito incertas,como se fossem indubitveis, conforme j foi dito anteriormente. A partir domomento, porem, em que desejava dedicar-me exclusivamente pesquisada verdade, pensei, que deveria agir exatamente ao contrrio e rejeitarcomo absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse supor a menordvida, com a inteno de verificar se, depois disso, no restaria algo emminha educao que fosse inteiramente indubitvel. 8

    O filsofo sabia que grande parte dos conhecimentos e das ideias que

    possumos chegam at ns atravs dos sentidos, e sabe que nem sempre esses

    conhecimentos so seguros e confiveis. No entanto, radicaliza sua dvida; Passa

    a questionar tambm sobre os pensamentos que possu at mesmo acordado, os

    raciocnios desenvolvidos ao longo da vida, as ideias que construiu ao longo do

    tempo no contato com outras pessoas e teorias, e se tudo isso for falso? Descartes

    toma por falso todas as ideias, todos os raciocnios baseados em impresses dos

    sentidos, todos os conhecimentos recebidos e elaborados ao longo do tempo, tudo

    alvo de dvida, seu corpo, sua imaginao. Como bem coloca Antonio Ccero:

    Submeto todas as minhas opinies dvida: duvido de tudo o que meparece certo, de tudo o que aprendi, da existncia do mundo, dapersonalidade, de Deus. concebvel que quaisquer coisas que seapresentam a mim como reais sejam irreais, que qualquer coisa que seapresentam a mim como existentes no existam e jamais tenham existido.Sou capaz de negar cada uma das coisas que concebo (...). 9

    No entanto, a dvida a respeito de tudo encontra um obstculo: a prpria

    dvida. Ora, o filsofo pode duvidar de todas as coisas, mas no pode duvidar de

    sua prpria dvida, no pode duvidar do fato que est duvidando. Se esta duvidando

    est pensando; no sendo possvel refutar a prpria dvida logo chega a uma

    verdade irrefutvel: penso. Logo existo.

    Logo em seguida [aps por em dvida todas as coisas], porm, percebique, enquanto eu queria pensar assim que tudo era falso, convinhanecessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. Ao notar queesta verdade penso, logo existo, era to slida e to correta que tosas asmais extravagantes suposies dos cticos no seriam capazes de abal-la,

    8 Idem; P.30

    9 CCERO, Antonio. A seduo relativa. In: O silncio dos intelectuais. Org. Adauto Novaes. SoPaulo: Companhia das letras, 2006. P.180

  • julguei que podia acat-la sem escrpulos como o primeiro principio dafilosofia que eu procurava. 10

    Na formulao de Descartes se encontra a chave para a construo do

    mtodo cientfico. A dvida radicalizada e hiperblica leva o filsofo a definir o

    homem como ser pensante; a radicalizao da dvida impregna o prprio processo

    de busca, gerando uma certeza. Todo conhecimento que no tiver passado pelo

    processo de dvida no deve servir como fundamento para a construo da cincia.

    Como Medeiros afirma:

    Todo o espao do conhecimento deve ser preenchido pela dvida; e isto demodo que qualquer certeza que da emane dever necessariamente gerar-se de alguma forma da dvida e, assim, no poder ser, ou derivar de, emefeito, nenhuma das certezas que existiam antes da dvida e que por estaforam varridas. O carter hiperblico da dvida, o que faz com que estaseja levada ao limite extremo da generalizao. Assim, quanto mais intensaa dvida for, quanto mais se estender e se radicalizar, mais firme sercerteza que frente a ela resistir. E esta firmeza justifica as caractersticas dadvida na medida em que o que se est a procurar o fundamento dacincia. 11

    A dvida proposta pelo filsofo como requisito a construo do mtodo no se

    opera no vazio, no uma simples negao dos conhecimentos anteriores. Ela

    precisa, para ser efetivada, estar articulada a pelo menos dois outros pontos: a

    recusa do conhecimento sensvel e o afastamento de toda a interferncia material e

    psicolgica que possam influir na busca da verdade. A dvida cartesiana est

    organizada num sistema filosfico coeso e coerente; a primeira articulao decorre

    da separao entre a res extensa e a res cogitan (Descartes busca por aquele

    conhecimento que passa pelo crivo da razo, para isso precisa captar a realidade de

    modo objetivo, buscando eliminar a subjetividade dos resultados). Da segunda

    articulao surge a predileo de Descartes pelas cincias matemticas como forma

    mais perfeita de se chegar ao conhecimento, o filsofo busca, desse modo, uma

    cincia universal.

    10 DESCARTES, Ren. Discurso do mtodo. So Paulo: Escala educacional, 2006. P.31

    11 MEDEIROS, Carlos. A dvida cartesiana: um mtodo para a cincia moderna. Disponvel:http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3044Acesso: 14/04/2015

  • Na obra Meditaes filosficas 12 Descartes volta a abordar a questo da

    dvida, dando a ela um carter mais radical, mais sistemtico e organizado. Busca

    dar um carter firme e constante s cincias: Tudo o que recebi, at

    presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos

    sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e

    de prudncia nunca se fiar inteiramente em quem j nos enganou uma vez. 13

    Obviamente Descartes se d conta de que h inmeros conhecimentos que

    operamos no dia a dia que encontrariam obstculos ao seu questionamento, por

    exemplo, ao atravessar a rua no posso duvidar se o carro que vem na minha

    direo existe ou no. Negligenciar esse tipo de conhecimento primordial para uma

    vida prtica nos colocaria srios riscos (so conhecimentos que nos chegam atravs

    dos sentidos). Como o prprio filsofo se refere:

    Encontramos talvez muitas outras, das quais no se pode razoavelmenteduvidar, embora as conhecssemos por intermdio deles: por exemplo, queeu esteja aqui, sentado junto ao fogo, vestido com um chambre, tendo estepapel entre as mos e outras coisas desta natureza. E como poderia eunegar que estas mos e este corpo sejam meus? 14

    Mas a dvida em Descartes metdica e o filsofo questiona se at mesmo

    esses conhecimentos que aparentam ser verdadeiros so possveis de erros, porque

    quando sonhamos temos a impresso de que as coisas so reais; se no sonho no

    tenho como distinguir o verdadeiro do falso como posso saber se no estou

    sonhando, de modo que no possa distinguir corretamente a viglia do sono.

    Descartes duvida tambm das coisas que so objetos da percepo: meus braos,

    olhos, partes do corpo, etc. tambm de figuras que retm na imaginao, de

    quantidades e suas extenses no espao, do movimento. Para potencializar a

    radicalizao de sua dvida Descartes insere a figura de um gnio maligno ou um

    demnio, um ser ardiloso e enganador com imenso poder, algum capaz de alterar

    12 Para muitos estudiosos da obra de Descartes h um deslocamento do sentido da dvida dapassagem do Discurso para as Meditaes, haja vista que na primeira obra busca-se um mtodoseguro para a cincia e nesta ultima Descartes forja uma ontologia ao definir o ser como substnciapensante.

    13 DESCARTES, Ren. Meditaes filosficas (Os pensadores). So Paulo: Abril cultural, 1983.Med.3. p.2

    14 Ibdem, idem; P.2

  • deliberadamente os conhecimentos que recebemos e tomamos por verdadeiros (at

    mesmo uma verdade matemtica, que um quadrado tem quatro lados, por exemplo.

    Ou clculos do tipo 2+3=5. Se um demnio maligno disser para meu crebro o

    resultado, como poderei saber de fato o que verdadeiro e o que falso? 15

    Suporei, pois, que h no um verdadeiro Deus, que a soberana fonte daverdade, mas certo gnio maligno 10, no menos ardiloso e enganador doque poderoso, que empregou toda a sua indstria em enganar-me. Pensareique o cu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisasexteriores que vemos so apenas iluses e enganos de que ele se servepara surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmoabsolutamente desprovido de mos, de olhos, de carne, de sangue,desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado da falsa crena de todasessas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento;e se, por esse meio, no est em meu poder chegar ao conhecimento dequalquer verdade, ao menos est ao meu alcance suspender meu juzo.16

    Atravs da dvida radical o filsofo vai se defrontar com a primeira certeza: ao

    duvidar, ao pensar, no posso no ser. Por certo a preposio, eu sou, eu existo

    verdadeira e vai fornecer uma base segura pela qual vai ser erigida a cincia

    moderna. A primeira certeza cartesiana , portanto, de que existe porque pensa, a

    segunda certeza de que por definio um ser pensante. O pensante uma

    determinao da essncia do ser: Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que

    pensa. Que uma coisa que pensa? uma coisa que duvida, que concebe, que

    afirma, que nega, que quer, que no quer, que imagina tambm e que sente. 17

    Em Descartes preciso questionar radicalmente os conhecimentos adquiridos

    ao longo do tempo, que por vezes nos chegam como verdades imutveis, e aceitar a

    dvida como processo metdico de construo da cincia. Como se referiu

    Monteiro: essa profunda autenticidade da dvida que dar absoluta segurana

    quanto ao carter inabalvel da certeza.

    15 O argumento do erro dos sentidos colocado por Descartes como o primeiro grau da dvida, oargumento do sonho o segundo grau da dvida, e na hiptese do gnio maligno encontra-se ageneralizao da dvida.

    16 DESCARTES, Ren. Meditaes filosficas (Os pensadores). So Paulo: Abril cultural, 1983.Med.3. p.5

    17 Ibdem, Idem; P.9

  • Consideraes finais

    A dvida proposta por Descartes a mais de trezentos anos deixa, nos dias

    atuais, expostas de maneira mais profunda os seus limites. No entanto, de se

    admitir a originalidade da formulao e o potencial explicativo e metodolgico que

    ainda possui. Ao radicalizar o prprio processo de busca pelo conhecimento o

    filsofo constri um dos pontos basilares da cincia que a extraordinria

    capacidade de no coagular suas snteses em verdades inabalveis. Permitindo,

    assim, que a descoberta de novos conhecimentos e a explicao de novos

    fenmenos se realize numa busca infinita permitindo que o novo sempre emirja. Ao

    propor a dvida e a desconfiana sobre os conhecimentos recebidos anteriormente,

    sobre as ideias, as percepes, etc. Descartes cunha uma atitude filosfica e

    cientifica frente ao saber.

    Em Descartes no possvel duvidar da prpria dvida, mas podemos

    colocar, no sem uma dose de humildade, que podemos desconfiar se a dvida est

    sendo capaz de questionar os fenmenos com suficiente grau de penetrabilidade e

    radicalidade. Como o prprio filsofo exigia: quanto mais intensa a dvida for, quanto

    mais se estender e se radicalizar, mais firme ser a certeza que frente a ela resistir.

    E esta firmeza justifica as caractersticas da dvida na medida em que se est a

    procurar o fundamento para a cincia.

  • REFERNCIAS

    CCERO, Antonio. A seduo relativa. In: O silncio dos intelectuais. Org. Adauto Novaes. So Paulo: Companhia das letras, 2006.

    CHALMERS, Alan. O que cincia afinal? Disponvel: http://www.nelsonreyes.com.br/A.F.Chalmers_-_O_que_e_ciencia_afinal.pdf Acesso:15/05/2015

    FERRAZ, Carlos Adriano. Uma breve introduo a histria da filosofia moderna. Apostila de histria da filosofia moderna. Plataforma moodle UFPel.

    DESCARTES, Ren. Discurso do mtodo. So Paulo: Escala educacional, 2006.

    --------------------------- Meditaes filosficas (Os pensadores). So Paulo: Abril

    cultural, 1983. Med.3.

    MEDEIROS, Carlos. A dvida cartesiana: um mtodo para a cincia moderna. Disponvel: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3044 Acesso: 14/04/2015