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Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 01, n. 07, 2013, pp. 54-67
A MISSO DE PESQUISAS FOLCLRICAS REALIZADA PELO
DEPARTAMENTO DE CULTURA DE SO PAULO NA GESTO DE
MRIO DE ANDRADE (1934 A 1938) E SUA CONTRIBUIO PARA A
CULTURA POPULAR BRASILEIRA.
Patricia Cecilia Gonsales1
Resumo: O artigo trata da importante contribuio que o Departamento de Cultura da
cidade de So Paulo na gesto de Mrio de Andrade (1934 a 1938) trouxe para a cultura
brasileira. Em 1938, o departamento organizou a Misso Folclrica liderada por Lus Saia
com o objetivo de retratar manifestaes folclricas no interior do norte e nordeste
brasileiro. O material recolhido pela Misso foi alm dos registros de msicas, danas,
contos, festas e cerimnias religiosas populares. Os membros da expedio retrataram
tambm dados relativos cidade, instituies e arquitetura que traduziam o cotidiano da
vida nas comunidades, tornando o material to rico que o estudo aprofundado do acervo
s foi possvel a partir de 1990. Atualmente o material foi reconhecido pelo Instituto de
Patrimnio Histrico Artstico Nacional (IPHAN). Para a pesquisa foram utilizadas fontes
documentais primrias e fontes bibliogrficas secundrias. A Misso Folclrica foi um dos
vrios projetos desenvolvidos pelo Departamento de Cultura na Gesto de Mrio de
Andrade, ocorrido em uma poca em que o debate sobre a identidade brasileira estava
em evidncia e o Brasil procurava tornar-se Nao.
Palavras-Chave: Folclore. Preservao. Patrimnio.
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Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 01, n. 07, 2013, pp. 54-67
1. AS DISCUSSES SOBRE IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA: PRECEDENTES
DO DEPARTAMENTO DE CULTURA.
Pois foi nessa sala, em torno da fria mesa de granito, que um de ns quem
poder saber qual de ns? falou em perpetuao daquela roda numa
organizao brasileira de estudo de coisas brasileiras e de sonhos brasileiros.2
Desde o incio da dcada de trinta, o debate sobre identidade brasileira estava em
voga no pas. Para isso, era preciso estudar a cultura de todas as regies, ressaltar aquilo
que parecia de mais genuno. A sociedade se contagiou com mensagem nacionalista
trazida pelo movimento modernista iniciado na dcada anterior e procurava agora
conhecer-se. Um pas que abrigava tantos povos provenientes de tantos pases diferentes
revelava a urgncia em se definir a identidade do povo brasileiro. Essa identidade seria a
afirmao do Brasil como Nao.
O assunto no era objeto de discusses apenas dos intelectuais, mas tambm na
poltica. Um personagem importante neste perodo foi Gustavo Capanema, nomeado por
Getlio Vargas para ocupar a pasta do Ministrio da Educao e Sade. Adriana Lopez e
Carlos Guilherme Mota analisam o momento:
Capanema logrou reunir uma pliade de alto nvel, articulando para tal fim um
sistema cultura que envolvia os campos da educao, da msica, do patrimnio
histrico e artstico, da arquitetura, sob coordenao de seu chefe de gabinete, o
meticuloso [Carlos] Drummond [de Andrade].3
Em 1934 Fbio Prado assumiu a prefeitura de So Paulo e seguindo as tendncias
do governo federal, convidou Paulo Duarte para apresentar um projeto para o
Departamento de Cultura do municpio. O projeto para a Secretaria de Cultura era um
2 DUARTE, Paulo. Mrio de Andrade por ele mesmo. Ed. HUCITEC, Prefeitura Municipal de So Paulo, So Paulo, 1985,
p. 51. 3LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. Histria do Brasil. Uma Interpretao. SENAC So Paulo, Ed.3 2012 , p. 682.
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Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 01, n. 07, 2013, pp. 54-67
sonho antigo do grupo formado por Paulo Duarte, Mrio de Andrade, Antnio de Alcntara
Machado, Tcito Almeida, Srgio Milliet, Antonio Couto de Barros, Henrique Rocha de
Lima, Randolfo Homem de Melo, Rubens Borba de Moraes e Nino Gallo; amigos que se
reuniam quase que diariamente no apartamento de Paulo Duarte, na Avenida So Joo,
para discutirem cultura, identidade brasileira e preservao do patrimnio histrico
brasileiro.
Com a possibilidade concreta de tornar real tudo aquilo que idealizavam nas
reunies entre amigos, Paulo Duarte, Mrio de Andrade e alguns intelectuais da poca
estruturaram o projeto que apresentariam a Fbio Prado que, analisando o contedo,
aprovou de imediato. Mrio de Andrade foi convidado para ser o diretor do departamento
tomando posse do cargo no incio de 1935.
2. AS NOVAS PROPOSTAS E A POLMICA TRAZIDAS PELO DEPARTAMENTO DE
CULTURA E SUAS MISSES DE PESQUISA FOLCLRICAS.
Deus Me Livre MErmo! Sou O Homem Mais Feliz Do Mundo. E O Meu
Sossego? No Quero Abandona Ele No!4
O Departamento de Cultura do Municpio de So Paulo na gesto de Mrio de
Andrade estava dividido em cinco divises que se subdividiam conforme suas atribuies.
As divises revelam claramente a preocupao em criar acessos arte e cultura para as
camadas menos abastardas da sociedade. Dentre as divises do departamento, havia a
diviso de Bibliotecas; de Educao e Recreios; de Documentao Histrica, Social e
Estatsticas; de Turismo e Divertimentos Pblicos e a Diviso de Expanso Cultural, que
tinha a funo de favorecer movimentos culturais e educacionais. Estava dividida em duas
4 Frase atribuda a Mrio de Andrade quando recebeu o convite para dirigir o Departamento de Cultura de
So Paulo de 1934 a 1938. In: DUARTE, Paulo, op. cit., p. 52
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Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 01, n. 07, 2013, pp. 54-67
subsees: a de teatros, salas de cinemas e salas de concerto e a subdiviso de
radioescola, a qual estava anexa a Discoteca Municipal.
Algumas das incumbncias previstas no Regulamento do Departamento de Cultura
no chegaram a ser criadas. A verdade que essa estrutura previa a criao de muitas
instituies, algumas delas deveriam ser criadas em mbito nacional, como o caso do
SPHAN (secretaria encarregada da preservao dos monumentos histricos brasileiros)
criado por Rodrigo Melo Franco seguindo os moldes propostos pelo projeto de Mrio de
Andrade entre os anos de 1937 e 1938 e dirigido pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa.
Paulo Duarte, um dos mentores do Departamento de Cultura revela o ritmo acelerado de
trabalho do grupo e os planos para o departamento:
E o trabalho continuava dia e noite. Levantamentos demogrficos feitos
cientificamente; restaurao de documentos quase perdidos; museu da palavra;
pesquisas folclricas; congresso da lngua nacional cantada; e coro madregalgista
j organizado; setor de iconografia; um verdadeiro tesouro de publicaes, um
grande prdio para a biblioteca, participao na Exposio de Paris em 1937;
preparativos para o grande Instituto Brasileiro de Cultura, que seria a etapa final e
natural do Departamento de Cultura; o diabo enfim. Paris fazia um departamento
igual. Praga tambm. A cada notcia assim, era um daqueles sorrisos de crnio
aberto traindo o homem (Mrio de Andrade) completamente feliz.5
Uma parte importante do projeto do Departamento de Cultura foram as pesquisas
etnogrficas e folclricas, que segundo Paulo Duarte pretendia servir de base para a
criao do Instituto Brasileiro de Cultura. Inicialmente, essa incumbncia era da Diviso
de Documentao Histrica e Social sob a direo de Srgio Milliet, mas Mrio de
Andrade se envolveu pessoalmente no projeto que ficou sob a responsabilidade da
Diviso de Expanso Cultural. A Misso de pesquisa etnogrfica foi liderada por Levi
Strauss em 1937. J a Misso de Pesquisas Folclricas foi liderada por Luis Saia em
1938. Carlos Augusto Calil comenta:
5. Ibid., p. 53-54.
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Em 1938 partiram de So Paulo em direo ao Norte-Nordeste quatro
pesquisadores e tcnicos com a misso de anotar, desenhar, fotografar, filmar,
gravar manifestaes da nossa cultura profunda e recalcada, alm de recolher
objetos, instrumentos e artefatos. No esprito sculo 19 das grandes expedies
cientficas, embrenhadas no interior remoto do Pas, o grupo carregava uma tralha
imensa: os recm-criados equipamentos de gravao de imagem e som, de difcil
manuseio e inadaptados mobilidade.6
Mrio de Andrade e a equipe do Departamento de Cultura realizavam pesquisas
sobre o Folclore, etnologia (em especial a indianista) e patrimnio histrico do Estado de
So Paulo juntamente com professores da Universidade So Paulo e Escola Livre de
Sociologia e Poltica ambas contavam com um quadro docente de europeus, no caso da
USP e predominantemente de americanos no caso da Escola Livre de Sociologia que
vieram ao Brasil interessados em realizar pesquisas no pas. Em parceria com a
Sociedade de Etnologia e Folclore de So Paulo pesquisas realizadas sobre o folclore
paulista resultaram em um convite para participar do Congresso Internacional de Folclore
em 1937 realizado na cidade de Paris onde Nicanor Miranda, chefe da Diviso de
Educao e Recreios e presidente da Sociedade de Etnologia e Folclore, apresentou o
estudo.
O estudo apresentado em Paris rendeu elogios, mas o Congresso foi importante
principalmente por tratar de questes que norteariam o projeto da misso de pesquisas
folclrica liderada por Lus Saia que ocorreria no ano seguinte, em 1938. O objetivo do
Congresso7 era o de incentivar pesquisas antropolgicas e sociais sobre folclore em
vrios pases e o assunto era tratado em dois eixos temticos distintos: O primeiro estava
relacionado descrio da manifestao folclrica. Compunham temas para discusso o
estudo das estruturas sociais, tradies e leituras orais e a metodologia folclrica. O outro
eixo temtico era o folclore aplicado vida social; os assuntos abordados eram
relacionados arte popular; mocidade e folclore; construes modernas e registro de
msicas, danas, contos, festas e cerimnias populares.
66
CALIL, Carlos Augusto. Mrio da Cultura Andrade. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010, p. 3. 7 MIRANDA, Nicanor. O Congresso Internacional de Folclore. Revista do Arquivo Municipal de So Paulo, v. XLII, p. 79
96, dez. 1937.
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Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 01, n. 07, 2013, pp. 54-67
Algumas das principais resolues do Congresso8 foram no sentido de preservar
manifestaes culturais folclricas. No evento ficou definido que cada pas participante
deveria criar uma Instituio oficial nacional dedicada estudos do Folclore nacional.
Deveriam tambm ser criadas cadeiras em universidades pblicas que se dedicassem ao
estudo do tema que tambm deveria fazer parte do programa de estabelecimentos de
ensino de base.
A Misso de pesquisa Folclrica idealizada por Mrio de Andrade tinha o propsito
de registrar elementos culturais ameaados de desaparecerem em funo da chegada da
indstria cultural estrangeira no pas. Mrio de Andrade tinha urgncia em editar uma
enciclopdia folclrica nacional ilustrada como forma de preservar a cultura interiorana
brasileira.
Figura 1: Os membros da Misso de Pesquisas Folclricas. Martin Brauwieser, Lus Saia, Benedito Pacheco
e Antonio Ladeira. Foto tirada em maro de 1938 em Recife (PE) Autoria da imagem desconhecida.
8 In bid p.81.
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Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 01, n. 07, 2013, pp. 54-67
A Misso liderada por Luis Saia contava com Martin Braunwieser, tcnico musical,
Benedicto Pacheco, tcnico de som e Antonio Ladeira, ajudante geral; a viagem de
pesquisa teve a durao de seis meses. Todos estavam instrudos a anotarem
informaes colhidas durante os levantamentos de campo e entrevistas. Tudo isso fazia
parte da sistematizao na coleta de dados, conforme a metodologia apresentada no
Congresso de Paris. Para as anotaes feitas ao longo da Misso, os pesquisadores
usaram mais de vinte cadernetas e um total de 3.500 pginas escritas9. A organizao
das cadernetas usadas durante a Misso de pesquisas Folclricas no foi uma tarefa
fcil, pois no foi possvel orden-las por temtica, cronologia ou pelas localidades
visitadas. Flvia Camargo Toni descreve:
Elas (as cadernetas) registram os dados dos colaboradores que participaram das
danas e cantorias, descreveram objetos coletados e numerados com etiquetas de
controle, assim como descreveram esquemas de alguns bailados, fixaram os
detalhes que pareciam imprescindveis para a recuperao dos dados, como se
fosse possvel depois, reconstruir o ambiente da atividade de pesquisa e registro. 10
9 SAIA NETO, Jos. Chegamos Bem. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao
Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010, p. 74. 10
TONI, Flvia Camargo. As cadernetas da misso de pesquisa folclrica. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010, p. 27.
Figura 2: Caminho que levava os membros da Misso de
Pesquisas Folclricas (1938). Autoria da imagem desconhecida.
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O objetivo da Misso era registrar cantigas, danas e festas tradicionais do norte e
nordeste do Brasil e o material colhido foi farto e de muito boa qualidade. No entanto, Luis
Saia e sua equipe foram alm dos propsitos iniciais e colheram tambm dados relativos
cidade, instituies e arquitetura que traduziam o cotidiano da vida nas comunidades,
relatando tcnicas de trabalho e dados relativos infraestrutura desses povoados. O
acrscimo das informaes colhidas conforme os interesses pessoais de Luis Saia
ampliaram o campo de observaes e tornaram o material da pesquisa mais rico do que
se pretendia inicialmente.
Figura 3: Cena no registro de material sonoro na cidade de
Torrelndia, Joo Pessoa (PB). Autoria da imagem
desconhecida.
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No entanto, assim como uma boa parte dos projetos do Departamento de Cultura,
o projeto da enciclopdia folclrica nacional ilustrada era caro e foi alvo de crticas duras
feitas principalmente no cenrio poltico. Fbio Prado, prefeito de So Paulo na poca
deixou o cargo que seria assumido por Prestes Maia. O Departamento de Cultura e seus
grandes projetos no estavam nos planos do novo prefeito. As acusaes foram vrias,
Figura 4: Reis de Congo em Pombal,
Paraba (1938).
Figura 5: Uma das pginas da caderneta 1B.
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relacionadas a abuso de dinheiro pblico, negociatas; e Mrio de Andrade foi demitido e
acusado de perdulrio, antes que os pesquisadores da Misso retornassem So Paulo.
Aps a demisso de Mrio de Andrade o Departamento de Cultura foi seriamente
prejudicado, a Diviso de Expanso Cultural foi inteiramente arquivada, as verbas
liberadas por Fbio Prado para os projetos do departamento foram todas desviadas para
outras reas da prefeitura.
Nos anos seguintes, Oneyda Alvarenga11, Camargo Guarnieri e outros
pesquisadores chegaram a estudar o material trazido pelos integrantes da Misso
Folclrica, mas a tecnologia avanada utilizada da poca das pesquisas havia se tornado
obsoleta e a extenso do material era to grande que a explorao de tudo o que estava
registrado ficou impraticvel com os recursos disponveis at ento. Oneyda Alvarenga
recolheu o material anexando-o ao acervo da Discoteca Pblica paulistana.
11
Oneyda Alvarenga, chefe da Dicoteca Pblica, subseo da Diviso de Expanso Cultural do Departamento de Cultura. Ocupou o cargo na Discoteca Pblica de 1934 a 1968 tornou-se importante pela sua luta em organizar e preservar o acervo histrico da discoteca.
Figura 5: Material composto por 1 livro e 1 DVD sobre o contedo das
cadernetas de campo de Lus Saia e sua equipe.
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Em 1990 os registros sonoros foram finalmente digitalizados e Jos Saia Neto
encarregou-se de decifrar as cadernetas utilizadas por seu pai, Luis Saia e os outros
membros da misso. Em 2009 o material da pesquisa, anexo ao Acervo Histrico da
Discoteca Oneyda Alvarenga foi reconhecido pelo Conselho Consultivo do IPHAN e foi
aprovado um financiamento pela Caixa Econmica Federal com o objetivo de estudar e
recuperar todo o material produzido na Misso de Pesquisa Folclrica realizada pelo
Departamento de Cultura. Aps ser estudado, catalogado e organizado, o material
permanece como parte do Acervo Histrico da Discoteca Oneyda Alvarenga armazenado
no Centro Cultural So Paulo na cidade de So Paulo. Em 2010 foi lanado um material
com parte do contedo das cadernetas de campo da Misso Folclrica composto por um
livro e um DVD onde esto reproduzidas cantigas gravadas, fotos e algumas das 3.500
pginas das cadernetas de campo.
3. NA SO PAULO DE CRESCIMENTO FRENTICO, A IMPORTNCIA DE
PRESERVAR AS RAZES DE UMA SOCIEDADE EM BUSCA DE SUA IDENTIDADE.
Antes de compreender que o problema era puramente educacional, ainda fizeram
com entusiasmo a Revoluo de 32. Foi esta que, afinal, abriu os olhos de todos
revelando a nossa carncia terrvel de homens.12
As propostas e realizaes do Departamento de Cultura de So Paulo sob a gesto
de Mrio de Andrade um assunto que proporciona inmeros olhares. A preocupao da
equipe do Departamento em trazer a proposta de preservao e a ideia de patrimnio era
algo novo no perodo em que o Brasil, em especial So Paulo, ainda preocupava-se em
se parecer cada vez mais com grandes cidades modernas da poca. Arranha-cus,
problemas com o trnsito nas ruas estreitas e tortuosas do centro velho, problemas
12
MILLIET, SERGIO. Depoimento de Srgio Milliet. In CAVALHEIRO, Edgar. O Testamento de Uma Gerao: 26 figuras da intelectualidade brasileira prestam seu depoimento no inqurito promovido por Edgar Cavalheiro. Ed. Livraria do Globo, Porto Alegre, 1944 p. 237.
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habitacionais e de infraestrutura na periferia j faziam parte do cenrio urbano paulistano.
O xodo rural em funo da crise do caf desde o final da dcada de vinte e as grandes
massas de imigrantes que chegavam ao Brasil, em especial em So Paulo, desde o incio
do sculo tambm evidenciavam um problema pelo qual a sociedade se mobilizou. O
Brasil de tantas culturas precisava descobrir o que tinha de mais genuno. Precisava
descobrir dentre tantas referncias culturais quais eram as suas razes.
O Departamento de Cultura, que no era um projeto apenas de Mrio de Andrade,
mas de um grupo de intelectuais, tcnicos, pesquisadores que se mobilizaram para tentar
descobrir quais eram as razes do Brasil. Para isso, foram pesquisar povos paulistas,
interioranos, praianos, ndios. Decidiram pesquisar zonas remotas do pas, de acesso
difcil para identificar e registrar manifestaes genunas do interior do norte e nordeste
brasileiro. O plano era ambicioso, queria criar um Instituto de Cultura Brasileira, com base
em pesquisas realizadas com as nascentes universidades brasileiras. Registraram o culto
a Xang (manifestao religiosa do Candombl), o Catimb, o desafio de viola e tantas
outras danas, cantigas, festas e o cotidiano de comunidades remotas.
A enciclopdia ilustrada do folclore brasileiro, primeira etapa para a criao do
Instituto Brasileiro de Cultura, no foi lanada, no passou sequer da fase de
levantamento de dados e ficou praticamente esquecida por dcadas. No entanto, a
necessidade de preservar o patrimnio histrico cultural do Brasil, ideia trazida pelo
Departamento de Cultura em So Paulo, se firmou com a criao do SPHAN, projeto pelo
qual Lucio Costa se dedicou com afinco enquanto esteve frente da secretaria.
evidente que muita coisa se perdeu, a ausncia de leis regulamentares, fiscalizao e
mesmo falta de verbas deixou muitas memrias esquecidas pelo caminho. Preo da
modernidade desejada e necessria. Embora tenha permanecido quase oculto durante
quase sessenta anos, a recuperao do material trazido pela Misso de Pesquisas
Folclricas s foi possvel graas aos avanos tecnolgicos da tal modernidade, a mesma
que muitas vezes justificam o desaparecimento de manifestaes culturais antigas. Um
desses casos em que a modernidade traz de volta coisas genunas que pareciam
perdidas, mas essa outra discusso. O que importa, que depois de tanto tempo,
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possvel dizer a Mrio de Andrade e todos os diretores e pesquisadores que trabalharam
no Departamento de Cultura naqueles anos que os investimentos astronmicos na poca
para realizar a Misso de Pesquisas Folclrica valeram a pena e que de alguma forma,
agora a enciclopdia ilustrada do folclore brasileiro existe.
BIBLIOGRAFIA
CALIL, Carlos Augusto. Mrio da Cultura Andrade. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim
de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo,
2010, p. 3.
CAVALHEIRO, Edgar. O Testamento de uma Gerao. 26 Figuras da intelectualidade
brasileira prestam o seu depoimento no inqurito promovido por Edgar Cavalheiro. Ed. da
Livraria Globo. 1944 p.237-243.
CERQUEIRA, Vera Lcia Cardim de; Org. Misso de pesquisas folclricas: cadernetas
de campo. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010.
DUARTE, Paulo. Mrio de Andrade por Ele Mesmo. HUCITEC, Secretaria Municipal de
Cultura de So Paulo. So Paulo. 1985, p. 49 58.
DUARTE, Paulo. Srgio Milliet. Boletim Bibliogrfico da Biblioteca Mrio de Andrade. v.
29, p. 19 25, jul./set. 1972.
GONALVES, Lisbeth Rebollo. Srgio Milliet, crtico de arte. Edusp e Ed. Perspectiva,
So Paulo, 1992.
LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. Histria do Brasil. Uma interpretao. Ed.
SENAC, So Paulo 2008.
MIRANDA, Nicanor. O Congresso Internacional de Folclore. Revista do Arquivo
Municipal de So Paulo v. XLII, p. 79 96, dez. 1937.
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Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 01, n. 07, 2013, pp. 54-67
Regulamento do Departamento de Cultura. 30/05/1937 Acervo do Arquivo Municipal
de So Paulo.
SAIA NETO, Jos. Chegamos Bem. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org.
Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010, p.
74.
TONI, Flvia Camargo. As cadernetas da misso de pesquisa folclrica. In:
CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos
do Centro Cultural So Paulo, 2010, p. 27.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1, 2, 3 Fonte: http://profclaytonribeiro.blogspot.com.br/2012/05/mario-de-andrade-
e-missao-de-pesquisas.html
Figura 4 Fonte: CERQUEIRA, Vera Lcia Cardim de; Org. Misso de pesquisas
folclricas: cadernetas de campo. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo,
2010.
Figura 5 Fonte: CERQUEIRA, Vera Lcia Cardim de; Org. Misso de pesquisas
folclricas: cadernetas de campo. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo,
2010.
Figura 6 Fonte: http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-506390824-dvd-livro-missoes-
de-pesquisas-folcloricas-mario-d-andrade-_JM