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Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 01, n. 07, 2013, pp. 54-67 A MISSÃO DE PESQUISAS FOLCLÓRICAS REALIZADA PELO DEPARTAMENTO DE CULTURA DE SÃO PAULO NA GESTÃO DE MÁRIO DE ANDRADE (1934 A 1938) E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A CULTURA POPULAR BRASILEIRA. Patricia Cecilia Gonsales 1 Resumo: O artigo trata da importante contribuição que o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo na gestão de Mário de Andrade (1934 a 1938) trouxe para a cultura brasileira. Em 1938, o departamento organizou a Missão Folclórica liderada por Luís Saia com o objetivo de retratar manifestações folclóricas no interior do norte e nordeste brasileiro. O material recolhido pela Missão foi além dos registros de músicas, danças, contos, festas e cerimônias religiosas populares. Os membros da expedição retrataram também dados relativos à cidade, instituições e à arquitetura que traduziam o cotidiano da vida nas comunidades, tornando o material tão rico que o estudo aprofundado do acervo só foi possível a partir de 1990. Atualmente o material foi reconhecido pelo Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN). Para a pesquisa foram utilizadas fontes documentais primárias e fontes bibliográficas secundárias. A Missão Folclórica foi um dos vários projetos desenvolvidos pelo Departamento de Cultura na Gestão de Mário de Andrade, ocorrido em uma época em que o debate sobre a identidade brasileira estava em evidência e o Brasil procurava tornar-se Nação. Palavras-Chave: Folclore. Preservação. Patrimônio. 1 [email protected]

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  • Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 01, n. 07, 2013, pp. 54-67

    A MISSO DE PESQUISAS FOLCLRICAS REALIZADA PELO

    DEPARTAMENTO DE CULTURA DE SO PAULO NA GESTO DE

    MRIO DE ANDRADE (1934 A 1938) E SUA CONTRIBUIO PARA A

    CULTURA POPULAR BRASILEIRA.

    Patricia Cecilia Gonsales1

    Resumo: O artigo trata da importante contribuio que o Departamento de Cultura da

    cidade de So Paulo na gesto de Mrio de Andrade (1934 a 1938) trouxe para a cultura

    brasileira. Em 1938, o departamento organizou a Misso Folclrica liderada por Lus Saia

    com o objetivo de retratar manifestaes folclricas no interior do norte e nordeste

    brasileiro. O material recolhido pela Misso foi alm dos registros de msicas, danas,

    contos, festas e cerimnias religiosas populares. Os membros da expedio retrataram

    tambm dados relativos cidade, instituies e arquitetura que traduziam o cotidiano da

    vida nas comunidades, tornando o material to rico que o estudo aprofundado do acervo

    s foi possvel a partir de 1990. Atualmente o material foi reconhecido pelo Instituto de

    Patrimnio Histrico Artstico Nacional (IPHAN). Para a pesquisa foram utilizadas fontes

    documentais primrias e fontes bibliogrficas secundrias. A Misso Folclrica foi um dos

    vrios projetos desenvolvidos pelo Departamento de Cultura na Gesto de Mrio de

    Andrade, ocorrido em uma poca em que o debate sobre a identidade brasileira estava

    em evidncia e o Brasil procurava tornar-se Nao.

    Palavras-Chave: Folclore. Preservao. Patrimnio.

    1 [email protected]

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    1. AS DISCUSSES SOBRE IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA: PRECEDENTES

    DO DEPARTAMENTO DE CULTURA.

    Pois foi nessa sala, em torno da fria mesa de granito, que um de ns quem

    poder saber qual de ns? falou em perpetuao daquela roda numa

    organizao brasileira de estudo de coisas brasileiras e de sonhos brasileiros.2

    Desde o incio da dcada de trinta, o debate sobre identidade brasileira estava em

    voga no pas. Para isso, era preciso estudar a cultura de todas as regies, ressaltar aquilo

    que parecia de mais genuno. A sociedade se contagiou com mensagem nacionalista

    trazida pelo movimento modernista iniciado na dcada anterior e procurava agora

    conhecer-se. Um pas que abrigava tantos povos provenientes de tantos pases diferentes

    revelava a urgncia em se definir a identidade do povo brasileiro. Essa identidade seria a

    afirmao do Brasil como Nao.

    O assunto no era objeto de discusses apenas dos intelectuais, mas tambm na

    poltica. Um personagem importante neste perodo foi Gustavo Capanema, nomeado por

    Getlio Vargas para ocupar a pasta do Ministrio da Educao e Sade. Adriana Lopez e

    Carlos Guilherme Mota analisam o momento:

    Capanema logrou reunir uma pliade de alto nvel, articulando para tal fim um

    sistema cultura que envolvia os campos da educao, da msica, do patrimnio

    histrico e artstico, da arquitetura, sob coordenao de seu chefe de gabinete, o

    meticuloso [Carlos] Drummond [de Andrade].3

    Em 1934 Fbio Prado assumiu a prefeitura de So Paulo e seguindo as tendncias

    do governo federal, convidou Paulo Duarte para apresentar um projeto para o

    Departamento de Cultura do municpio. O projeto para a Secretaria de Cultura era um

    2 DUARTE, Paulo. Mrio de Andrade por ele mesmo. Ed. HUCITEC, Prefeitura Municipal de So Paulo, So Paulo, 1985,

    p. 51. 3LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. Histria do Brasil. Uma Interpretao. SENAC So Paulo, Ed.3 2012 , p. 682.

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    sonho antigo do grupo formado por Paulo Duarte, Mrio de Andrade, Antnio de Alcntara

    Machado, Tcito Almeida, Srgio Milliet, Antonio Couto de Barros, Henrique Rocha de

    Lima, Randolfo Homem de Melo, Rubens Borba de Moraes e Nino Gallo; amigos que se

    reuniam quase que diariamente no apartamento de Paulo Duarte, na Avenida So Joo,

    para discutirem cultura, identidade brasileira e preservao do patrimnio histrico

    brasileiro.

    Com a possibilidade concreta de tornar real tudo aquilo que idealizavam nas

    reunies entre amigos, Paulo Duarte, Mrio de Andrade e alguns intelectuais da poca

    estruturaram o projeto que apresentariam a Fbio Prado que, analisando o contedo,

    aprovou de imediato. Mrio de Andrade foi convidado para ser o diretor do departamento

    tomando posse do cargo no incio de 1935.

    2. AS NOVAS PROPOSTAS E A POLMICA TRAZIDAS PELO DEPARTAMENTO DE

    CULTURA E SUAS MISSES DE PESQUISA FOLCLRICAS.

    Deus Me Livre MErmo! Sou O Homem Mais Feliz Do Mundo. E O Meu

    Sossego? No Quero Abandona Ele No!4

    O Departamento de Cultura do Municpio de So Paulo na gesto de Mrio de

    Andrade estava dividido em cinco divises que se subdividiam conforme suas atribuies.

    As divises revelam claramente a preocupao em criar acessos arte e cultura para as

    camadas menos abastardas da sociedade. Dentre as divises do departamento, havia a

    diviso de Bibliotecas; de Educao e Recreios; de Documentao Histrica, Social e

    Estatsticas; de Turismo e Divertimentos Pblicos e a Diviso de Expanso Cultural, que

    tinha a funo de favorecer movimentos culturais e educacionais. Estava dividida em duas

    4 Frase atribuda a Mrio de Andrade quando recebeu o convite para dirigir o Departamento de Cultura de

    So Paulo de 1934 a 1938. In: DUARTE, Paulo, op. cit., p. 52

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    subsees: a de teatros, salas de cinemas e salas de concerto e a subdiviso de

    radioescola, a qual estava anexa a Discoteca Municipal.

    Algumas das incumbncias previstas no Regulamento do Departamento de Cultura

    no chegaram a ser criadas. A verdade que essa estrutura previa a criao de muitas

    instituies, algumas delas deveriam ser criadas em mbito nacional, como o caso do

    SPHAN (secretaria encarregada da preservao dos monumentos histricos brasileiros)

    criado por Rodrigo Melo Franco seguindo os moldes propostos pelo projeto de Mrio de

    Andrade entre os anos de 1937 e 1938 e dirigido pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa.

    Paulo Duarte, um dos mentores do Departamento de Cultura revela o ritmo acelerado de

    trabalho do grupo e os planos para o departamento:

    E o trabalho continuava dia e noite. Levantamentos demogrficos feitos

    cientificamente; restaurao de documentos quase perdidos; museu da palavra;

    pesquisas folclricas; congresso da lngua nacional cantada; e coro madregalgista

    j organizado; setor de iconografia; um verdadeiro tesouro de publicaes, um

    grande prdio para a biblioteca, participao na Exposio de Paris em 1937;

    preparativos para o grande Instituto Brasileiro de Cultura, que seria a etapa final e

    natural do Departamento de Cultura; o diabo enfim. Paris fazia um departamento

    igual. Praga tambm. A cada notcia assim, era um daqueles sorrisos de crnio

    aberto traindo o homem (Mrio de Andrade) completamente feliz.5

    Uma parte importante do projeto do Departamento de Cultura foram as pesquisas

    etnogrficas e folclricas, que segundo Paulo Duarte pretendia servir de base para a

    criao do Instituto Brasileiro de Cultura. Inicialmente, essa incumbncia era da Diviso

    de Documentao Histrica e Social sob a direo de Srgio Milliet, mas Mrio de

    Andrade se envolveu pessoalmente no projeto que ficou sob a responsabilidade da

    Diviso de Expanso Cultural. A Misso de pesquisa etnogrfica foi liderada por Levi

    Strauss em 1937. J a Misso de Pesquisas Folclricas foi liderada por Luis Saia em

    1938. Carlos Augusto Calil comenta:

    5. Ibid., p. 53-54.

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    Em 1938 partiram de So Paulo em direo ao Norte-Nordeste quatro

    pesquisadores e tcnicos com a misso de anotar, desenhar, fotografar, filmar,

    gravar manifestaes da nossa cultura profunda e recalcada, alm de recolher

    objetos, instrumentos e artefatos. No esprito sculo 19 das grandes expedies

    cientficas, embrenhadas no interior remoto do Pas, o grupo carregava uma tralha

    imensa: os recm-criados equipamentos de gravao de imagem e som, de difcil

    manuseio e inadaptados mobilidade.6

    Mrio de Andrade e a equipe do Departamento de Cultura realizavam pesquisas

    sobre o Folclore, etnologia (em especial a indianista) e patrimnio histrico do Estado de

    So Paulo juntamente com professores da Universidade So Paulo e Escola Livre de

    Sociologia e Poltica ambas contavam com um quadro docente de europeus, no caso da

    USP e predominantemente de americanos no caso da Escola Livre de Sociologia que

    vieram ao Brasil interessados em realizar pesquisas no pas. Em parceria com a

    Sociedade de Etnologia e Folclore de So Paulo pesquisas realizadas sobre o folclore

    paulista resultaram em um convite para participar do Congresso Internacional de Folclore

    em 1937 realizado na cidade de Paris onde Nicanor Miranda, chefe da Diviso de

    Educao e Recreios e presidente da Sociedade de Etnologia e Folclore, apresentou o

    estudo.

    O estudo apresentado em Paris rendeu elogios, mas o Congresso foi importante

    principalmente por tratar de questes que norteariam o projeto da misso de pesquisas

    folclrica liderada por Lus Saia que ocorreria no ano seguinte, em 1938. O objetivo do

    Congresso7 era o de incentivar pesquisas antropolgicas e sociais sobre folclore em

    vrios pases e o assunto era tratado em dois eixos temticos distintos: O primeiro estava

    relacionado descrio da manifestao folclrica. Compunham temas para discusso o

    estudo das estruturas sociais, tradies e leituras orais e a metodologia folclrica. O outro

    eixo temtico era o folclore aplicado vida social; os assuntos abordados eram

    relacionados arte popular; mocidade e folclore; construes modernas e registro de

    msicas, danas, contos, festas e cerimnias populares.

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    CALIL, Carlos Augusto. Mrio da Cultura Andrade. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010, p. 3. 7 MIRANDA, Nicanor. O Congresso Internacional de Folclore. Revista do Arquivo Municipal de So Paulo, v. XLII, p. 79

    96, dez. 1937.

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    Algumas das principais resolues do Congresso8 foram no sentido de preservar

    manifestaes culturais folclricas. No evento ficou definido que cada pas participante

    deveria criar uma Instituio oficial nacional dedicada estudos do Folclore nacional.

    Deveriam tambm ser criadas cadeiras em universidades pblicas que se dedicassem ao

    estudo do tema que tambm deveria fazer parte do programa de estabelecimentos de

    ensino de base.

    A Misso de pesquisa Folclrica idealizada por Mrio de Andrade tinha o propsito

    de registrar elementos culturais ameaados de desaparecerem em funo da chegada da

    indstria cultural estrangeira no pas. Mrio de Andrade tinha urgncia em editar uma

    enciclopdia folclrica nacional ilustrada como forma de preservar a cultura interiorana

    brasileira.

    Figura 1: Os membros da Misso de Pesquisas Folclricas. Martin Brauwieser, Lus Saia, Benedito Pacheco

    e Antonio Ladeira. Foto tirada em maro de 1938 em Recife (PE) Autoria da imagem desconhecida.

    8 In bid p.81.

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    A Misso liderada por Luis Saia contava com Martin Braunwieser, tcnico musical,

    Benedicto Pacheco, tcnico de som e Antonio Ladeira, ajudante geral; a viagem de

    pesquisa teve a durao de seis meses. Todos estavam instrudos a anotarem

    informaes colhidas durante os levantamentos de campo e entrevistas. Tudo isso fazia

    parte da sistematizao na coleta de dados, conforme a metodologia apresentada no

    Congresso de Paris. Para as anotaes feitas ao longo da Misso, os pesquisadores

    usaram mais de vinte cadernetas e um total de 3.500 pginas escritas9. A organizao

    das cadernetas usadas durante a Misso de pesquisas Folclricas no foi uma tarefa

    fcil, pois no foi possvel orden-las por temtica, cronologia ou pelas localidades

    visitadas. Flvia Camargo Toni descreve:

    Elas (as cadernetas) registram os dados dos colaboradores que participaram das

    danas e cantorias, descreveram objetos coletados e numerados com etiquetas de

    controle, assim como descreveram esquemas de alguns bailados, fixaram os

    detalhes que pareciam imprescindveis para a recuperao dos dados, como se

    fosse possvel depois, reconstruir o ambiente da atividade de pesquisa e registro. 10

    9 SAIA NETO, Jos. Chegamos Bem. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao

    Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010, p. 74. 10

    TONI, Flvia Camargo. As cadernetas da misso de pesquisa folclrica. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010, p. 27.

    Figura 2: Caminho que levava os membros da Misso de

    Pesquisas Folclricas (1938). Autoria da imagem desconhecida.

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    O objetivo da Misso era registrar cantigas, danas e festas tradicionais do norte e

    nordeste do Brasil e o material colhido foi farto e de muito boa qualidade. No entanto, Luis

    Saia e sua equipe foram alm dos propsitos iniciais e colheram tambm dados relativos

    cidade, instituies e arquitetura que traduziam o cotidiano da vida nas comunidades,

    relatando tcnicas de trabalho e dados relativos infraestrutura desses povoados. O

    acrscimo das informaes colhidas conforme os interesses pessoais de Luis Saia

    ampliaram o campo de observaes e tornaram o material da pesquisa mais rico do que

    se pretendia inicialmente.

    Figura 3: Cena no registro de material sonoro na cidade de

    Torrelndia, Joo Pessoa (PB). Autoria da imagem

    desconhecida.

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    No entanto, assim como uma boa parte dos projetos do Departamento de Cultura,

    o projeto da enciclopdia folclrica nacional ilustrada era caro e foi alvo de crticas duras

    feitas principalmente no cenrio poltico. Fbio Prado, prefeito de So Paulo na poca

    deixou o cargo que seria assumido por Prestes Maia. O Departamento de Cultura e seus

    grandes projetos no estavam nos planos do novo prefeito. As acusaes foram vrias,

    Figura 4: Reis de Congo em Pombal,

    Paraba (1938).

    Figura 5: Uma das pginas da caderneta 1B.

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    relacionadas a abuso de dinheiro pblico, negociatas; e Mrio de Andrade foi demitido e

    acusado de perdulrio, antes que os pesquisadores da Misso retornassem So Paulo.

    Aps a demisso de Mrio de Andrade o Departamento de Cultura foi seriamente

    prejudicado, a Diviso de Expanso Cultural foi inteiramente arquivada, as verbas

    liberadas por Fbio Prado para os projetos do departamento foram todas desviadas para

    outras reas da prefeitura.

    Nos anos seguintes, Oneyda Alvarenga11, Camargo Guarnieri e outros

    pesquisadores chegaram a estudar o material trazido pelos integrantes da Misso

    Folclrica, mas a tecnologia avanada utilizada da poca das pesquisas havia se tornado

    obsoleta e a extenso do material era to grande que a explorao de tudo o que estava

    registrado ficou impraticvel com os recursos disponveis at ento. Oneyda Alvarenga

    recolheu o material anexando-o ao acervo da Discoteca Pblica paulistana.

    11

    Oneyda Alvarenga, chefe da Dicoteca Pblica, subseo da Diviso de Expanso Cultural do Departamento de Cultura. Ocupou o cargo na Discoteca Pblica de 1934 a 1968 tornou-se importante pela sua luta em organizar e preservar o acervo histrico da discoteca.

    Figura 5: Material composto por 1 livro e 1 DVD sobre o contedo das

    cadernetas de campo de Lus Saia e sua equipe.

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    Em 1990 os registros sonoros foram finalmente digitalizados e Jos Saia Neto

    encarregou-se de decifrar as cadernetas utilizadas por seu pai, Luis Saia e os outros

    membros da misso. Em 2009 o material da pesquisa, anexo ao Acervo Histrico da

    Discoteca Oneyda Alvarenga foi reconhecido pelo Conselho Consultivo do IPHAN e foi

    aprovado um financiamento pela Caixa Econmica Federal com o objetivo de estudar e

    recuperar todo o material produzido na Misso de Pesquisa Folclrica realizada pelo

    Departamento de Cultura. Aps ser estudado, catalogado e organizado, o material

    permanece como parte do Acervo Histrico da Discoteca Oneyda Alvarenga armazenado

    no Centro Cultural So Paulo na cidade de So Paulo. Em 2010 foi lanado um material

    com parte do contedo das cadernetas de campo da Misso Folclrica composto por um

    livro e um DVD onde esto reproduzidas cantigas gravadas, fotos e algumas das 3.500

    pginas das cadernetas de campo.

    3. NA SO PAULO DE CRESCIMENTO FRENTICO, A IMPORTNCIA DE

    PRESERVAR AS RAZES DE UMA SOCIEDADE EM BUSCA DE SUA IDENTIDADE.

    Antes de compreender que o problema era puramente educacional, ainda fizeram

    com entusiasmo a Revoluo de 32. Foi esta que, afinal, abriu os olhos de todos

    revelando a nossa carncia terrvel de homens.12

    As propostas e realizaes do Departamento de Cultura de So Paulo sob a gesto

    de Mrio de Andrade um assunto que proporciona inmeros olhares. A preocupao da

    equipe do Departamento em trazer a proposta de preservao e a ideia de patrimnio era

    algo novo no perodo em que o Brasil, em especial So Paulo, ainda preocupava-se em

    se parecer cada vez mais com grandes cidades modernas da poca. Arranha-cus,

    problemas com o trnsito nas ruas estreitas e tortuosas do centro velho, problemas

    12

    MILLIET, SERGIO. Depoimento de Srgio Milliet. In CAVALHEIRO, Edgar. O Testamento de Uma Gerao: 26 figuras da intelectualidade brasileira prestam seu depoimento no inqurito promovido por Edgar Cavalheiro. Ed. Livraria do Globo, Porto Alegre, 1944 p. 237.

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    habitacionais e de infraestrutura na periferia j faziam parte do cenrio urbano paulistano.

    O xodo rural em funo da crise do caf desde o final da dcada de vinte e as grandes

    massas de imigrantes que chegavam ao Brasil, em especial em So Paulo, desde o incio

    do sculo tambm evidenciavam um problema pelo qual a sociedade se mobilizou. O

    Brasil de tantas culturas precisava descobrir o que tinha de mais genuno. Precisava

    descobrir dentre tantas referncias culturais quais eram as suas razes.

    O Departamento de Cultura, que no era um projeto apenas de Mrio de Andrade,

    mas de um grupo de intelectuais, tcnicos, pesquisadores que se mobilizaram para tentar

    descobrir quais eram as razes do Brasil. Para isso, foram pesquisar povos paulistas,

    interioranos, praianos, ndios. Decidiram pesquisar zonas remotas do pas, de acesso

    difcil para identificar e registrar manifestaes genunas do interior do norte e nordeste

    brasileiro. O plano era ambicioso, queria criar um Instituto de Cultura Brasileira, com base

    em pesquisas realizadas com as nascentes universidades brasileiras. Registraram o culto

    a Xang (manifestao religiosa do Candombl), o Catimb, o desafio de viola e tantas

    outras danas, cantigas, festas e o cotidiano de comunidades remotas.

    A enciclopdia ilustrada do folclore brasileiro, primeira etapa para a criao do

    Instituto Brasileiro de Cultura, no foi lanada, no passou sequer da fase de

    levantamento de dados e ficou praticamente esquecida por dcadas. No entanto, a

    necessidade de preservar o patrimnio histrico cultural do Brasil, ideia trazida pelo

    Departamento de Cultura em So Paulo, se firmou com a criao do SPHAN, projeto pelo

    qual Lucio Costa se dedicou com afinco enquanto esteve frente da secretaria.

    evidente que muita coisa se perdeu, a ausncia de leis regulamentares, fiscalizao e

    mesmo falta de verbas deixou muitas memrias esquecidas pelo caminho. Preo da

    modernidade desejada e necessria. Embora tenha permanecido quase oculto durante

    quase sessenta anos, a recuperao do material trazido pela Misso de Pesquisas

    Folclricas s foi possvel graas aos avanos tecnolgicos da tal modernidade, a mesma

    que muitas vezes justificam o desaparecimento de manifestaes culturais antigas. Um

    desses casos em que a modernidade traz de volta coisas genunas que pareciam

    perdidas, mas essa outra discusso. O que importa, que depois de tanto tempo,

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    possvel dizer a Mrio de Andrade e todos os diretores e pesquisadores que trabalharam

    no Departamento de Cultura naqueles anos que os investimentos astronmicos na poca

    para realizar a Misso de Pesquisas Folclrica valeram a pena e que de alguma forma,

    agora a enciclopdia ilustrada do folclore brasileiro existe.

    BIBLIOGRAFIA

    CALIL, Carlos Augusto. Mrio da Cultura Andrade. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim

    de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo,

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    CAVALHEIRO, Edgar. O Testamento de uma Gerao. 26 Figuras da intelectualidade

    brasileira prestam o seu depoimento no inqurito promovido por Edgar Cavalheiro. Ed. da

    Livraria Globo. 1944 p.237-243.

    CERQUEIRA, Vera Lcia Cardim de; Org. Misso de pesquisas folclricas: cadernetas

    de campo. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010.

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    29, p. 19 25, jul./set. 1972.

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    SENAC, So Paulo 2008.

    MIRANDA, Nicanor. O Congresso Internacional de Folclore. Revista do Arquivo

    Municipal de So Paulo v. XLII, p. 79 96, dez. 1937.

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    Regulamento do Departamento de Cultura. 30/05/1937 Acervo do Arquivo Municipal

    de So Paulo.

    SAIA NETO, Jos. Chegamos Bem. In: CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org.

    Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo, 2010, p.

    74.

    TONI, Flvia Camargo. As cadernetas da misso de pesquisa folclrica. In:

    CERQUEIRA, Vera Lucia Cardim de; Org. Cadernetas de Campo. Ed. Associao Amigos

    do Centro Cultural So Paulo, 2010, p. 27.

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1, 2, 3 Fonte: http://profclaytonribeiro.blogspot.com.br/2012/05/mario-de-andrade-

    e-missao-de-pesquisas.html

    Figura 4 Fonte: CERQUEIRA, Vera Lcia Cardim de; Org. Misso de pesquisas

    folclricas: cadernetas de campo. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo,

    2010.

    Figura 5 Fonte: CERQUEIRA, Vera Lcia Cardim de; Org. Misso de pesquisas

    folclricas: cadernetas de campo. Associao Amigos do Centro Cultural So Paulo,

    2010.

    Figura 6 Fonte: http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-506390824-dvd-livro-missoes-

    de-pesquisas-folcloricas-mario-d-andrade-_JM