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CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA 5.º Congresso do Neolítico Peninsular VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSA eds. estudos & memórias 8

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CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

5.º Congressodo NeolíticoPeninsular

VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSAeds.

estudos & memórias 8

Victor S. Gonçalves • M

ariana Diniz • Ana Catarina Sousa, eds.

5.º Congresso do Neolítico Peninsular Actas

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Casa das Histórias Paula Rego 7-9 Abril 2011

5.º Congresso do Neolítico Peninsular Actas

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Casa das Histórias Paula Rego 7-9 Abril 2011

VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSA, eds.

estudos & memóriasSérie de publicações da UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa)Direcção e orientação gráfica: Victor S. Gonçalves

8.GONÇALVES, V.S.; DINIZ, M.; SOUSA, A. C., eds. (2015), 684 p. 5.º Congresso do Neolítico Peninsular. Actas. Lisboa: UNIARQ.

Capa, concepção e fotos de Victor S. Gonçalves. Pormenor de uma placa de xisto gravada da Anta Grande da Comenda da Igreja (Montemor o Novo). MNA 2006.24.1. Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa.

Paginação e Artes finais: TVM designers

Impressão: Europress, Lisboa, 2015, 400 exemplares

ISBN: 978-989-99146-1-2Depósito Legal: 400 321/15

Copyright ©, os autores.Toda e qualquer reprodução de texto e imagem é interdita, sem a expressa autorização do(s) autor(es), nos termos da lei vigente, nomeadamente o DL 63/85, de 14 de Março, com as alterações subsequentes. Em powerpoints de carácter científico (e não comercial) a reprodução de imagens ou texto é permitida, com a condição de a origem e autoria do texto ou imagem ser expressamente indicada no diapositivo onde é feita a reprodução.

Lisboa, 2015.

Volumes anteriores de esta série:

1.LEISNER, G. e LEISNER, V. (1985) – Antas do Concelho de Reguengos de Monsaraz. estudos e memórias, 1. Lisboa: Uniarch.

2.GONÇALVES, V. S. (1989) – Megalitismo e Metalurgia no Alto Algarve Oriental. Uma aproximação integrada. 2 Volumes. estudos e memórias, 2. Lisboa: CAH/Uniarch/INIC.

3. VIEGAS, C. (2011) – A ocupação romana do Algarve. Estudo do povoamento e economia do Algarve central e oriental no período romano. estudos e memórias 3. Lisboa: UNIARQ.

4.QUARESMA, J. C. (2012) – Economia antiga a partir de um centro de consumo lusitano. Terra sigillata e cerâmica africana de cozinha em Chãos Salgados (Mirobriga?). estudos e memórias 4. Lisboa: UNIARQ.

5.ARRUDA, A. M. ed. (2013) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, I. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, estudos e memórias 5. Lisboa: UNIARQ.

6.ARRUDA, A. M. ed. (2014) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, 2. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, estudos e memórias 6. Lisboa: UNIARQ

7.SOUSA, E. (2014) – A ocupação pré-romana da foz do estuário do Tejo. estudos e memórias 7. Lisboa: UNIARQ.

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1. Introdução: o projecto de investigação no povoado fortificado do Penedo do Lexim (1998–2004)

No actual território português são escassos os estudos de amostras arqueofaunísticos de contextos das fases finais do Neolítico, base fundamental para a caracteriza‑ção da intensificação pastoril da transição 4.º/3.º milénio a.n.e., a compreensão integrada da chamada “Revolução dos Produtos Secundários” e a leitura regional da gestão dos recursos faunísticos.

A necessidade de ampliar a amostra de sítios com caracterização paleoambiental constitui um dos vecto‑res que norteou o desenvolvimento do projecto de inves‑tigação no povoado pré‑histórico do Penedo do Lexim (1998–2004), uma vez que este sítio arqueológico apre‑senta um contexto sedimentar que propicia a conserva‑ção da matéria orgânica.

Penedo do Lexim localiza‑se na freguesia de Igreja Nova, concelho de Mafra, distrito de Lisboa (coorde‑nadas geográficas: Latitude 9º25’34.2588’’, Longitude 38º 53’21.8003’’, altitude – 232 m). Trata‑se de uma chaminé vulcânica situada na margem esquerda da Ribeira de Cheleiros, curso de água que desagua no Oceano Atlântico.

Apesar das alterações operadas por uma pedreira que destruiu parcialmente o sítio, é clara a presença de três grandes plataformas naturais: 1. a plataforma superior, correspondendo ao núcleo central do sítio; 2. a plata‑forma intermédia localizada a média encosta, incluindo varios núcleos delimitados por afloramentos rochosos e 3. uma plataforma inferior, na base do sítio (Sousa, 2010).

A história das pesquisas no Penedo do Lexim remonta ao século XIX, nomeadamente por Estácio da Veiga (Veiga, 1879), Possidónio da Silva e Joaquim Scolla (Sousa, 2010). Os primeiros trabalhos de escavação

A exploração de recursos faunísticos no Penedo do Lexim (Mafra) durante o Neolítico Final

■ MARTA MORENO ‑GARCÍA1, ANA CATARINA SOUSA2

R E S U M O O presente estudo aborda a fauna de vertebrados recuperada na U.E. 19 (Neo‑lítico Final), integrando‑se num programa mais vasto de estudo faunístico de Penedo do Lexim e da gestão faunística no Centro e Sul de Portugal. No conjunto em estudo, os restos de meso‑mamíferos são mais frequentes que aqueles de macro‑mamíferos, situação que concorda com a abundância de ovi‑caprinos e suídeos, se comparados com as espécies de maiores dimensões – gado bovino e veado. Sublinha‑se a reduzida presença da fauna sel‑vagem recuperada, com excepção do coelho. O padrão de mortalidade dos ovicaprinos evi‑dencia o sacrifício de indivíduos jovens e sub‑adultos, sugerindo o aproveitamento cárnico destas espécies. A comparação com espólios contemporâneos mostra diferenças significa‑tivas em relação as espécies exploradas, permitindo propor como hipótese de trabalho a existência de diversos modelos de gestão e aproveitamento dos recursos faunísticos pelas comunidades humanas do Neolítico final na Estremadura portuguesa.

Palavras chave: Arqueozoologia, Neolítico final, Estremadura

A B S T R A C T This study addresses the vertebrate fauna recovered in the UE 19, (Late Neo‑lithic), integrating a wider program of study of the fauna of Penedo do Lexim, as well as the study of fauna management in Central and Southern Portugal. In the context studied, the remains of meso‑mammals are more frequent than those of macro‑mammals, a situation which agrees with the abundance of ovine‑caprine and swine, compared with the larger species ‑ cattle and deer. It is emphasized the reduced presence of wildlife recovered, with the exception of the rabbit. The mortality pattern of ovicaprinos highlights the sacrifice of juveniles and sub‑adults, suggesting the use of meat of these species. Comparison with contemporary sets shows significant differences in species exploited, allowing propose as a working hypothesis the existence of many different management and utilization of wildlife resources by human communities in the late Neolithic Portuguese Estremadura.Key words: Archaeozoology, Late Neolithic, Estremadura

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foram apenas efectuados volvido quase um século, com José Morais Arnaud, que em 1970 e 1974, aqui dirige escavações de emergência na sequência da laboração de uma pedreira (Arnaud et al, 1971; Arnaud, 1974‑75). Estas pesquisas permitiram a realização de um estudo arqueozoológico (Driesch e Richter, 1976), um dos pri‑meiros a ser efectuado em Portugal, com uma análise global sem associação à leitura estratigráfica do sítio. Entre 1998 e 2004, uma das signatárias (ACS) dirigiu um projecto de investigação neste sítio, com seis campanhas de escavação e um vasto leque de estudos interdiscipli‑nares, entre as quais a Arqueozoologia.

Os trabalhos arqueológicos efectuados permitem avançar com um primeiro quadro interpretativo do

Penedo do Lexim. O faseamento do sítio inclui uma pri‑meira ocupação integrável no Neolitico final (Sousa, 2003) identificada apenas em duas áreas circunscritas do povoado – o topo (Locus 1) e uma pequena plataforma situada na vertente Sul (Locus 4). A principal fase do sítio, presente em grande parte do sítio, integra‑se no Calcolí‑tico inicial (c. 2800 a.n.e.) com a edificação de muralhas e de estruturas domésticas, prolongando‑se a ocupação pré‑histórica até finais do 3.º milénio, com ocupações do Bronze final e período romano (Sousa, 2010).

2. Contextualização da amostra arqueozoológica

O conjunto do Penedo do Lexim integra um avultado conjunto faunístico (108.668 fragmentos), dos quais aqui apenas se estuda especificamente o conjunto associado ao Neolítico final (4.521 fragmentos), recolhida no topo do Penedo do Lexim, no Locus 1. O estudo arqueozooló‑gico estende‑se ainda por dois contextos do Calcolítico pleno, no mesmo sector de escavação (U.E. 8 e 9).

Para a apresentação da proposta de faseamento são confrontados vários indicadores: a estratigrafia, a cultura material e a cronologia absoluta.

A detecção da primeira ocupação do sítio encontra‑se bem definida em termos sedimentares, correspondendo a duas manchas descontínuas, denominadas por U.E. 19. A presença de fosseis indicadores como bordos dentea‑dos, vasos carenados, pontas de seta de base triangular e os paralelos com contextos similares com datações radiocarbónicas (como Leceia), parecem confirmar a integração no Neolítico final.

Quanto à cronología absoluta, foram efectuadas 10 datações de radiocarbono (locus 1, locus 3, locus 5), amos‑tra insuficiente para um sítio com longa história de ocupa‑ção e complexidade estratigráfica. No que se refere ao con‑texto U.E. 19 integrável no Neolítico final, foram efectuadas 3 datações de radiocarbono, com resultados mais tardios do que sucede em contextos coevos como Leceia (Car‑doso e Soares, 1996) ou Vale de Lobos (Valente, 2006). A data mais antiga obtida para Penedo do Lexim remonta a 2890‑2620 cal a.n.e. cal BC a dois sigma (Beta‑175774).

No topo do Penedo, numa área com escassa sedimen‑tação e com sucessões de ocupações, importa alargar o leque de datações para aferir a datação deste contexto. Um rigoroso estudo estatístico efectuado sobre a cerâ‑mica deste sector, confirma claramente a individuali‑dade da ocupação do Neolítico final (Sousa, 2010).

O universo de contextos datados de finais do 4.º/iní‑cios do 3.º milénio na Península de Lisboa e Setúbal é ainda muito restrito, existindo apenas três contextos de clara definição crono‑estratigráfica: Leceia, Vale de Lobos e Serra das Éguas. Se usarmos como referência as datações destes sítios podemos identificar uma baliza cronológica que se concentra nos últimos três séculos do 4.º e nos primeiros dois séculos do 3.º milénio.

Fig. 1 Localização de Penedo do Lexim (n.º 23) na Península de Lisboa

e o povoamento do 4.º e o 3.º milénio a.n.e. Sítios escavados ou com

significativos dados de caracterização. Mapa por Maia Langley.

Fig. 2 Penedo do Lexim, foto Victor S. Gonçalves.

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Fig. 3 Sectores intervencionados no Penedo do Lexim e reconstituição das linhas de muralha calcolíticas.

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3. Metodologia de análise

3.1. Identificação

As identificações taxonómicas foram realizadas com o auxílio das colecções de referência de vertebrados do Laboratório de Arqueozoologia do IGESPAR (Moreno‑‑García et al., 2003).

No caso dos mamíferos, foram criadas várias catego‑rias gerais para distinguir os restos identificados da frac‑ção dos fragmentos indeterminados. Esta última inclui, sobretudo, fragmentos de ossos longos, de crânio, de cos‑telas e de vértebras, de difícil identificação específica. Pelos seus caracteres morfológicos foram classificados como pertencentes a mamíferos de grande (macro) ou média dimensão (meso).

3.2. Quantificação

Todos os ossos e dentes foram examinados e quantifi‑cados (Quadro 3). Em Arqueozoologia existem vários métodos que nos permitem calcular a importância rela‑tiva de cada uma das espécies presentes num determi‑nado conjunto faunístico (Grayson, 1984). No presente trabalho, apresentamos o método tradicional da conta‑gem do número de restos (NR), que consiste no computo de todos os fragmentos recuperados.

3.3. Idade de abate

Foram aplicados dois métodos osteológicos, normal‑mente utilizados para determinar a idade de morte dos mamíferos e, em particular, para avaliar a proporção de animais juvenis presente na amostra. O primeiro consi‑dera o estado de ligação das epífises às diáfises dos ossos longos do esqueleto apendicular. A ligação das epífises às respectivas diáfises ocorre durante o período de cres‑cimento do animal (Silver, 1969). A presença de epífises não ligadas indicia que se está perante um indivíduo juvenil ou sub ‑adulto.

O segundo método considera a erupção da dentição permanente e consequente substituição dos dentes de leite, assim como os progressivos estádios de desgaste das superfícies de oclusão. No caso dos suídeos (Sus sp.) seguem ‑se os estádios definidos por Grant (1982), para os ovicaprinos (Ovis aries, Capra hircus, Ovis/Capra) foi aplicado o método de Payne (1973, 1987).

3.4. Osteometria

As medidas foram efectuadas com uma craveira digi‑tal Mitutoyo CD ‑15DC e uma craveira manual Mitutoyo CN75, com precisão de 0,1mm, seguindo os critérios de von den Driesch (1976).

3.5. Marcas antrópicas e de origem animal

Foram registados os diversos tipos de marcas antrópicas derivadas do processamento e consumo das carcaças: inci‑sões superficiais, cortes mais profundos ou completamente seccionados e elementos termo alterados (Shipman et al., 1984). Foram igualmente analisadas e registadas marcas produzidas por animais como pequenos carnívoros e roe‑dores, as quais evidenciam, por um lado, a ocorrência des‑tas espécies no registo arqueológico nem sempre recupera‑das e, por outro, a sua contribuição tafonómica e/ou acessibilidade ao espólio arqueofaunístico estudado.

4. Recuperação e estado de conservação

O material faunístico foi recuperado manualmente no decurso das escavações, tendo os sedimentos sido criva‑dos, a seco, com crivos de malha fina (4 mm e 2 mm).

A recolha foi exaustiva e eficaz, como fica demons‑trado pela elevada presença de dentes isolados, incisivos (Quadro 2), falanges e outros elementos de pequenas dimensões (ossos carpais e tarsais) de meso ‑mamíferos (ovelha, cabra e suídeo; Quadro 4) e também pela ocor‑rência puntual de restos de microvertebrados (peixes, répteis, aves e micromamíferos; Quadro 1). O conjunto arqueofaunístico é dominado por restos de mamíferos (99,6%; Quadro 1).

Fig. 4 Aspecto das escavações no topo do Penedo, locus 1.

Fig. 5 Fauna conservada in situ.

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Quadro 1 Penedo do Lexim UE 19. Número (NR) e percentagem (%NR) de restos analisados no total da amostra

Determinados Não determinados TOTAL

NR % NR % NR %

Mamífero 1558 99,5 4743 99,7 6301 99,6

Ave 6 0,4 5 0,1 11 0,2

Réptil 1 0,1 – – 1 0,1

Peixe – – 8 0,2 8 0,1

TOTAL 1565 24,7 4756 75,3 6321 100

Quadro 2 Penedo do Lexim UE 19. Comparação do número de incisivos com o total de dentes recuperados de ovicaprinos e suídeos na amostra e comparação do número de dentes isolados com o total de dentes inseridos nas mandíbulas

Incisivos Total dentes % Incisivos

Ovis/Capra 42 57 42,4

Sus 6 50 10,7

Dentes soltosDentes na mandíbula

% Dentes soltos

Ovis/Capra 86 13 86,8

Sus 43 13 76,8

As elevadas percentagens indiciam a excelente recuperação dos restos durante a escavação.

De um modo geral, o material faunístico encontra ‑se má conservado, condição indiciada pela elevada percen‑tagem de restos não determinados (75,3%) em relação aos identificados (24,7%; Quadro 1). A figura 1 FAU mostra que aproximadamente 80% dos ossos, quer determinados quer não determinados, apresentam superfícies corroídas (pela acção de raizes) e com perda parcial do tecido ósseo. O grau de fragmentação é muito elevado, situação que deriva de vários factores entre os que se encontra a expo‑sição prolongada aos agentes naturais (chuva, vento, sol) e a processos mecânicos (i.e., trampling), expectáveis em contextos de deposição abertos (Lyman, 1994), assim

como a intensa ocupação do topo do penedo. Também terám contribuido a destruição parcial da amostra a acção de canídeos evidente nas mordeduras presentes nalguns ossos e actividades humanas derivadas do processamento (marcas de corte) e consumo (restos termo ‑alterados) das carcassas. Com efeito, a percentagem de ossos alterados pela acção do fogo atinge aproximadamente 10% quer das espécies identificadas quer nas categorías criadas de meso e macro ‑mamífero.

5. Resultados e discussão

5.1. Composição faunística

A fauna de vertebrados recuperada na U.E. 19 do Penedo do Lexim inclui um espectro diversificado de mamíferos, bem como uma amostra residual de outros vertebrados. O espólio faunístico analisado totaliza 6321 restos (Quadro 1). Foram identificados 1182 ossos, 371 dentes e 5 chifres/hastes de mamíferos (Quadro 3), 6 res‑tos pertencentes a aves e 1 resto de réptil (Quadro 1). Segundo o Número Mínimo de Indivíduos (NMI) conta‑bilizam ‑se 60 mamíferos, 5 aves y 1 réptil.

O coelho (Oryctolagus cuniculus) constitui a espécie mais abundante, seguida de perto pelos suídeos (Sus sp.) e ovicaprinos (Ovis/Capra), que mostram iguais frequên‑cias. Salienta ‑se a pobre contribuição do gado vacum (Bos taurus) e da fauna salvagem, a excepção do coelho (Qua‑dro 3), situação que sugere pouca importância da caça de animais de grandes dimensões. Foram identificadas ainda quatro espécies de aves, entre as quais verifica ‑se a pre‑sença de uma espécie extinta na actualidade no território português, o Brita ‑ossos (Gypaetus barbatus).

O boi doméstico apresenta ‑se como uma espécie resi‑dual no que diz respeito ao número de fragmentos recu‑perados (NR= 17). Esta realidade contrasta com os resul‑tados obtidos noutras jazidas contemporâneas do entorno, caso do povoado de Leceia, Oeiras (Cardoso e Detry, 2001‑‑2) e o pequeno conjunto arqueofaunístico recuperado no Belas Clube de Campo, Vale de Lobos (Davis, comunica‑ção pessoal). No caso de Leceia, devido a sua elevada abundância no Neolítico Final se conclui que «era a esta espécie que se devia o maior contributo proteico da ali‑mentação dos habitantes do povoado» (Cardoso e Detry, 2001 ‑2, p.140), sendo aproveitados também o leite e a sua força de tracção. Será que a situação verificada no Locus 1 do Penedo do Lexim é circunstancial? Parece plausível que tenha existido uma diferenciação espacial quanto à dimensão das peças abatidas e a selecção de locais de des‑manche de carcaças. Segundo uma perspectiva pragmá‑tica, dificilmente ocorreriam no topo do Penedo do Lexim tarefas de desmanche de animais muito corpulentos, tal como os bovídeos que teriam sido procesadas com maior facilidade em áreas com melhor accessibilidade. Nos níveis calcolíticos que se sucederam no Locus 1 repete ‑se o mesmo padrão (Moreno ‑García, em preparação). Tere‑

Fig. 6 Estado de conservação da amostra faunística. Percentagens de

ossos corroídos, bem conservados, mordidos, queimados e com cortes.

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mos que aguardar a conclusão dos análisis dos materiais recuperados nos outros loci identificados (actualmente en processo de estudo) para avaliar o papel desempenhado pelo gado vacum nesta comunidade pré ‑histórica. Não podemos contudo esquecer que no Penedo do Lexim o topo corresponderia a uma verdadeira cidadela, sendo o coração do povoado.

As semelhanças morfológicas entre ovelhas e cabras dificultam a sua identificação osteológica (Boessneck, 1969; Hatting, 1995). Com excepção de alguns fragmen‑tos claramente identificáveis, a maior parte dos seus res‑tos foram registados na categoria geral de ovicaprídeos. Com efeito, se ovelhas (OVA), cabras (CAH) e restos não identificados especificamente (O/C) são quantificados em conjunto, constituem 30% da amostra identificada (Quadro 3), situação que indicia a sua importância na economia do povoado. A relação ovelha/cabra demons‑tra uma predominância nítida dos ovinos (10:1), que em termos ambientais poderia associarse à presença de bió‑topos ricos em pastos e planuras. Cardoso e Detry (2001‑‑2) verificam também a maior contribuição da ovelha ao total dos restos de ovicaprinos no nível do Neolítico Final do povoado de Leceia (Oeiras) ‑ apenas identificaram um resto de cabra frente a veinte e um de ovelha. Davis (comunicação pessoal) assinala de igual forma a presença mais numerosa da ovelha no conjunto arqueofaunístico recuperado no Club de Campo de Belas (Vale de Lobos).

A frequência elevada de restos de suínos, compartida pelas otras jazidas acima referidas, evidencia que a sua carne constituia parte essencial da dieta dos habitantes destes povoados da Estremadura portuguesa. Embora os valores obtidos possam estar ligeiramente supravalora‑dos devido ao maior número de ossos que esta espécie presenta na parte inferior dos miembros (metacarpos, metatarsos e falanges), situação evidente se reparamos no resultado do NMI – apenas foram quantificados 9 suí‑nos frente a 17 ovicaprinos.

Os abundantes restos de coelho são indicadores da exploração deste recurso cinegético, sendo evidente que a quantidade de carne que estes pequenos vertebrados proporcionam é muito inferior à das outras espécies. A sua ocorrência deve ser avaliada não em termos quan‑titativos mas qualitativos; ou seja, testemunham a varie‑dade de recursos faunísticos que seriam explorados, tal‑vez de forma sazonal nas imediações do povoado e a

diversidade dos tipos de carne que podem ter sido con‑sumidos pelos seus moradores.

Por último, importa referir que além das espécies acima mencionadas foram recuperados otros mamíferos não asociados ao consumo humano: um fragmento pro‑ximal da ulna de um texugo (Meles meles), dois mandí‑bulas completas de uma doninha (Mustela nivalis), um fémur de leirão (Eliomys quercinus), um fémur de rato‑‑cego (Microtus lusitanicus) e três restos de Microtus sp. A eles há que acrescentar a recuperação das seguintes aves: um coracoide e uma escápula de Perdiz (Alectoris rufa), um carpal de Brita ‑ossos (Gypaetus barbatus), um úmero completo de Pombo das rochas (Columba livia), um carpal de Corvo (Corvus corax) e uma falange de cor‑vídeo. Nenhum destes restos apresentava sinais de mani‑pulação humana, contudo não é de excluir que a carne, os ovos e as penas de algumas destas espécies foram exploradas de forma ocasional.

5.2. Idades de abate

A elaboração de estimativas sobre a idade de abate dos animais domésticos permite ao arqueozoólogo colocar algumas hipóteses de trabalho sobre questões relaciona‑das com o aproveitamento e com as utilidades dos ani‑mais explorados. Porém, para conseguir reconhecer os diferentes padrões de exploração é necessário contar com boas amostragens que sejam representativas dos mesmos. No caso do povoado do Penedo do Lexim ape‑nas os ovicaprídeos e suídeos cumprem este requisito. A amostra de gado bovino é tão reduzida que não permite tais interpretações. A ocorrência por um lado, de duas epífisis não ligadas ás suas respectivas diáfises (ulna pro‑ximal e tíbia distal) e um molar superior muito desgas‑tado sugerem apenas a presença de dois indivíduos de idades diferentes, um juvenil/sub ‑adulto e um adulto.

Os resultados obtidos nos restos de ovicaprinos a par‑tir dos estádios de fusão epifisária indiciam que, em média, 63% derivam de animais juvenis/sub ‑adultos (Quadro 4). Em concreto, verifica ‑se que o abate de indi‑víduos menores de 1 ½ ano de idade atinge 56%, tratando ‑se de animais muito jovens que estariam longe de ter atingido o seu peso óptimo e total desenvolvi‑mento corporal. A análise dos estádios de erupção e do

Quadro 3 Penedo do Lexim (U.E. 19). Número de ossos, dentes e chifres/hastes de mamíferos identificados

U.E.19 BOS OVA CAH OC SUS CEE ORC MEL Micro TOTAL

Ossos 14 29 3 232 350 1 545 1 7 1182

Dentes 2 – – 208 123 – 38 – – 371

Chifres/Hastes 1 1 – – – 3 – – – 5

Total restos 17 30 3 440 473 4 583 1 7 1558

%NR 1 2 <1 28 30 <1 37 <1 <1 100

NMI 2 5 1 17 9 1 20 1 4 60

Abreviaturas: BOS: vaca/boi; OVA: ovelha; CAH: cabra; OC: ovicaprino; SUS: porco/javali; CEE: veado; ORC: coelho; MEL: texugo; Micro: micromamíferos.

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desgaste dentário concorda com este dado (Quadro 5). Assim, 72% dos ovicaprinos abatidos tinham ainda o 4.º pré ‑molar de leite (13 dP4 vs. 5 P4).

A conclusão a reter é a de que houve um aproveita‑mento preferentemente cárnico de ovelhas e cabras e não uma exploração especializada ou alargada dos cha‑mados produtos secundários (lã, leite, estrume, etc.), que pelo contrário sim parece pudo ter existido no povo‑ado de Leceia onde o número de elementos fundidos de ovelha e cabra diminui em todas as clases de idade do Neolítico Final para o Calcolítico Pleno, «ou seja, a lon‑gevidade dos indivíduos, e a sua manutenção nos reba‑nhos é máxima na fase inicial da ocupação do povoado» (Cardoso e Detry, 2001 ‑2, p.148).

No que respeita aos suínos, os resultados obtidos, quer através do estado de ligação das epífises dos ossos lon‑gos, quer através dos estádios de erupção e desgaste den‑tário, coincidem em assinalar a tendência para o abate de animais sub ‑adultos, entre 1 e 2 ½ anos de idade (Quadro 6). Verifica ‑se a sua exploração encaminhada quase de forma exclusiva a produção de carne. Uma vez que já tivessem atingido o seu desenvolvimento corporal seriam abatidos e consumidos no local. Os restos de indi‑víduos recém ‑nascidos e maduros são muito escassos.

Quadro 4 Penedo do Lexim (U.E.19). Estimativa da idade de morte dos ovicaprídeos

O/C

Fusão precoce (nascimento – 11/2 ano) U F

Escápula distal 2 –

Úmero distal 2 3

Rádio proximal – 2

Primeira falange prox. 2 –

Segunda falange prox. – 3

Pélvis 4 –

% média juvenis 55,5%

Fusão média (de 11/2 – 21/2 anos) U F

Tíbia distal 3 2

Metacarpo distal – –

Metatarso distal – 1

Metápodo distal 5 2

% média juvenis 61,5%

Fusão tardia (21/2 -31/2 anos) U F

Ulna proximal 2 3

Ulna distal 1 –

Fémur proximal 5 1

Calcâneo proximal 5 1

Rádio distal 1 –

Úmero proximal 1 1

Fémur distal 1 1

Tíbia proximal – –

% média juvenis 69,5%

% Média de animais jovens 63%

U= articulação não consolidada. F= articulação consolidada

Quadro 5 Número de mandíbulas de ovicaprídeos nas categorias etárias definidas por Payne (1973)

Estádios de desgaste A B C D E F G H I Total

Idade 0-2 meses

2-6 meses

6-12 meses

1-2 anos

2-3 anos

3-4 anos

4-6 anos

6-8 anos

8-10 anos

N – 6 5 – 3 3 2 1 – 20

% – 30 25 – 15 15 10 5 –

Quadro 6 Penedo do Lexim (U.E.19). Estimativa da idade de morte dos suínos

O/C

Fusão precoce (nascimento – 11/2 ano) U F

Escápula distal 2 2

Úmero distal 2 4

Rádio proximal – 5

Segunda falange prox. 6 20

Pélvis 2 –

% média juvenis 28%

Fusão média (de 11/2 – 21/2 anos) U F

Metápodo distal 16 9

Primeira falange prox. 23 2

Tíbia distal 2 4

Fíbula distal 3 –

Calcâneo proximal 3 –

% média juvenis 75,8%

Fusão tardia (21/2 -31/2 anos) U F

Ulna proximal 2 –

Ulna distal 1 –

Úmero proximal 2 –

Rádio distal 3 –

Fémur proximal 2 1

Fémur distal 1 –

Tíbia proximal 3 –

% média juvenis 93,3

% Média de animais jovens 60,8%

U= articulação não consolidada. F= articulação consolidada

5.3. Representação anatómica

Conforme ilustra o Quadro 7, todas as partes anatómi‑cas do gado bovino, ovicaprinos, suínos e coelhos se encontram representadas, sendo os elementos do esque‑leto cranial, em particular os dentes das espécies de dimensões médias, aqueles mais abundantes. Como referido acima, este padrão sugere uma elevada frag‑mentação da amostra, situação conferida pelo alto número de fragmentos de ossos longos, costelas e vérte‑bras registados nas categorías de meso – (MSM) e macro ‑ mamífero (LSM). No caso dos ovinos, cabras, suínos e

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Quadro 7 Penedo do Lexim (U.E. 19).Representação anatómica dos restos de mamíferos identificados

BOS CEE LSM OVA CAH OC SUS MSM ORC

C R Â N I O

Chifre/Haste 1 3 – 1 – – – – –

Crânio – – 6 – – 25 39 97 46

Dentes superiores 1 – – – – 40 19 – –

Mandíbula – – 4 – – 26 27 16 43

Dentes inferiores – – 2 – – 100 56 1 –

Fragmentos de dentes 1 – 2 – – 68 48 6 38

Hyoide – – – – – – – 1 –

E S Q U E L E T O A X I A L

Atlas – – – – – – – – 4

Áxis – – – – – – – – 2

Vértebra – – 10 – – 18 19 183 48

Sacro – – – – – – – 1 2

Sternovértebra – – 1 – – – 1 2 –

Costela – – 19 – – 2 10 417 27

M E M B R O A N T E R I O R

Escápula 1 – 1 – – 10 7 9 21

Úmero 1 – 2 2 – 13 8 10 30

Radio – – – 1 – 7 8 1 43

Ulna 2 – – 2 1 20 11 4 23

Carpal – – 1 11 – 17 12 1 –

Metacarpo – – 1 – – 2 21 – 16

M E M B R O P O S T E R I O R

Pélvis 1 – 5 – – 20 9 8 35

Fémur 1 1 – – – 13 6 7 29

Patella 1 – 1 – – 3 1 – –

Tíbia 1 – – – – 14 14 2 40

Fíbula – – – – – – 7 – –

Astrágalo 1 – 1 7 – 10 6 – 1

Calcâneo – – – 3 – 8 5 4 16

Tarsal 1 – – – – 5 7 – 1

Metatarso – – – 1 1 2 16 – 32

Metápodo – – – – 9 14 2 3

Ossos longos – – 71 – – – 3 438 70

PATA S

1.ª Falange 3 – 1 – – 2 37 4 11

2.ª Falange 1 – – – 1 3 30 – 3

3.ª Falange – – – 2 – 2 23 – –

Falange – – 1 – – 1 9 12 –

Sesamoide – – 2 – – – – 1 –

Total NR 17 4 131 30 3 440 473 1227 584

Abreviaturas, vide Quadro 3.

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coelhos tal representação de restos anatómicos sugere que carcaças completas foram desmanchadas, consumi‑das e abandonadas no mesmo local, não existindo intro‑dução ou selecção de porções anatómicas consoante diferentes tipos de aproveitamento.

5.4. Osteometria

Os dados métricos obtidos para as espécies mais abun‑dantes, suínos e ovicaprinos, são muito escassos (Qua‑dros 8 e 9) devido à fragmentação e corrosão presentes quer nas zonas de articulação dos ossos longos quer nos dentes inferiores, bem como à presença de indivíduos juvenis ou sub ‑adultos cujas epífises não se encontram ainda ligadas.

No intuito de reconhecer a presença de porco domés‑tico e javali na amostra do Neolítico Final de Penedo do Lexim, o Quadro 8 apresenta a descrição estatística do cumprimento máximo lateral do astrâgalo de suínos em jazidas de cronología mais temprana (mesolítica) e mais tardía (calcolítica). De um modo geral, quando comparados os valores médios de todos os espécimes com aqueles procedentes dos Concheiros mesolíticos do Tejo (Detry, 2007), observa ‑se que os últimos apre‑sentam dimensões maiores. Poderá concluir ‑se que os suínos mesolíticos pertencem à espécie selvagem, em quanto as outras amostras mais recentes estão integra‑das, na sua maioria, por porcos domésticos. Salienta ‑se ainda a grande semelhança entre os seus valores médios, sugerindo a ocorrência de animais de dimen‑

sões similares, embora os suinos neolíticos de Penedo do Lexim pareçam ser ligeiramente menores.

No caso dos ovinos, as semelhanças evidentes nos valores médios do comprimento máximo lateral do astrâgalo das amostras do Neolítico Final e Calcolítico de Penedo do Lexim e dos níveis calcolíticos do Zambujal (Quadro 9) sugerem que não houve mudanças nas suas dimensões ao longo de estes períodos cronológicos. A amostra é demasiado reduzida para estimar a proporção de machos e fêmeas através dos dados métricos.

6. Considerações finais

As amostras arqueozoológicas do Neolítico Final no território português são ainda muito escassas, situação que dificulta a interpretação dos resultados obtidos no nosso trabalho. A análise realizada com os materiais do Penedo do Lexim mostra como a base proteica da ali‑mentação dos habitantes deste povoado deriva das espé‑cies domésticas de médias dimensões: ovinos, caprinos e suínos, cujo padrão de mortalidade sugere o aproveita‑mento prioritário destas espécies como fornecedores de carne. A exploração dos chamados produtos secundários parece que foi praticada em menor escala que o que pode ter sido no povoado vizinho de Leceia. Porém, são preci‑sas mais amostras que nos ajudem a reconhecer se as variações observadas entre estes dois locais respondem a diferentes modelos de gestão e aproveitamento dos recur‑sos faunísticos disponíveis em ambas as comunidades.

Quadro 8 Resumo estadístico do cumprimento máximo lateral (GLl) dos astrâgalos de suínos em jazidas mesolíticas, do Neolítico Final e Calcolítico

N Mínimo Máximo Media Desv. típ. Varianza

Concheiros de Muge (Mesolítico) 34 40,2 48,3 44,45 2,01 4,0

Penedo do Lexim (Neolítico Final) 5 34,4 40,0 37,64 2,27 5,1

Penedo do Lexim (Calcolítico)* 25 32,2 43,5 38,98 2,70 7,3

Leceia (Calcolítico) 134 33,9 46,4 39,50 2,1 5,4

Zambujal (Calcolítico) 114 34,3 51,1 40,70 3,2 7,8

Mercador (Calcolítico) 5 38,2 42,5 39,34 1,81 3,2

Dados de Muge em Detry (2007); de Leceia e Zambujal em Albarella et al. (2005); Mercador em Moreno‑García (2003). * inclui dados inéditos (Moreno‑García, em prep.) e publicados em Driesch e Richter (1976).

Quadro 9 Resumo estadístico do cumprimento máximo lateral (GLl) dos astrâgalos de ovinos nos níveis do Neolítico Final e Calcolítico de Penedo do Lexim e dos níveis calcolíticos do Zambujal (von den Driesch e Boessneck 1976)

N Mínimo Máximo Media Desv. típ. Varianza

Penedo do Lexim (Neolítico Final) 6 26,96 29,45 28,18 1,08 1,1

Penedo do Lexim (Calcolítico) 14 26,16 31,59 28,83 1,60 2,5

Zambujal (Calcolítico) 161 23,50 32,20 27,9 1,40 –

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Quadro 10 Contribuição das principais espécies de mamíferos em três jazidas contemporâneas do Neolítico Final

BOS%

OC%

SUS%

CEE%

ORC%

Penedo do Lexim (N=1550) 1 30,5 30,5 <1 37,6

Leceia (N= 733) 30 30 36,7 1 2,3

Vale de Lobos (N= 114,5) 24,5 49,5 17,5 6,0 2,5

Abreviaturas, vide Quadro 3.

Uma outra diferença em relação às jazidas contempo‑râneas (Quadro 10) diz respeito a contribuição do gado vacum e a importância da actividade cinegética de pequenas presas, representadas pelo coelho. A reduzida presença de restos de bovino parece real, dada a boa recuperação evidenciada nos abundantes restos de coe‑lho, fragmentos de meso ‑mamíferos e dentes isolados. O estudo alargado a outras zonas do Penedo e de crono‑logia posterior poderá proporcionar novos dados que permitam avaliar com maior certeza o papel desenvol‑vido pelo gado bovino na economia e subsistência de esta comunidade pré ‑histórica.

Em conclusão, verifica ‑se a grande importância das actividades pastoris reflectidas na criação de ovinos e porcos, complementadas com a caça de espécies selva‑gens abundantes no entorno, entre as que se incluiriam de forma cotidiana coelhos e de forma ocasional veados, javalis e aves como perdizes e pombos.

1 G.I. Arqueobiología, Instituto de Historia, Centro de Ciencias Humanas

y Sociales (CCHS), CSIC. Albasanz 26 ‑28, 28037 Madrid, Espanha.

[email protected]

2 Centro de Arqueologia ‑ Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa,

Lisboa, Portugal.

[email protected]

B I B L I O G R A F I A

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