5.º Juízo Criminal de Lisboa 5º Juízo - 2ª Secção · procedimentos de leilão (regra 4301)....

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5.º Juízo Criminal de Lisboa 5º Juízo - 2ª Secção Av. D. João II, 1.08.01 - Edif. B - 1990-097 Lisboa Telef: 213505500 Fax: 211545135 Mail: [email protected] _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Proc. n.º 7391/08.3TDLSB Processado por computador e revisto 1 I. Relatório Foi pronunciado, para julgamento em processo comum e perante tribunal singular: João Manuel Martins Batista , nascido a 02-10-1963, natural da freguesia de Urra, Portalegre, português, filho de Joaquim de Ascensão Batista Mendes e de Joaquina da Conceição Martins Santos, casado, bancário, titular do BI n.º 6527860, emitido em 06.03.2003, em Lisboa, residente no Solar das Matinhas, Bloco n.º 2, 2º D, 2625-266, Póvoa de Santa Iria; Imputando-se-lhe a prática, como autor material e na sua forma consumada, um crime de manipulação de mercado , previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, do Código Penal e do artigo 379.º, nºs 1 e 2, na redacção do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13/11, alterado pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15/03, versão em vigor à data da prática dos factos, e actualmente previsto e punido pelo mesmo preceito, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 28/2009, de 19/06. O arguido contestou, impugnando a factualidade constante do despacho de pronúncia, sustentando, em suma, não ter praticado ou qualquer crime no dia 19 de Fevereiro de 2008 nem teve alguma vez sequer a intenção de o praticar, nesse ou noutro dia qualquer, sendo falso que o arguido tenha dado quaisquer ordens de venda fictícias no dia 19 de Fevereiro de 200S relativamente aos títulos PORTUCEL; Mais sustentou ser igualmente falso que quer tais ordens de venda quer a posterior ordem de cancelamento tenham sido previamente determinadas; e que o comportamento do arguido tivesse por objectivo a venda das suas acções ao preço por si estabelecido; Alega, ainda, que no dia descrito na acusação limitou-se a obedecer às normais regras de mercado, sendo impossível deter a capacidade de manipular o mercado descrita no despacho acusatório. Aduziu elementos que, em seu entender, afastam as conclusões retiradas pelo Ministério Público na acusação, e terminou pugnando pela sua absolvição. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, na observância do formalismo legal para tanto prescrito, conforme consta da respectiva acta. Não se suscitaram nem existem nulidades, excepções, outras questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa. * II. Fundamentação fáctica

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5.º Juízo Criminal de Lisboa

5º Juízo - 2ª Secção Av. D. João II, 1.08.01 - Edif. B - 1990-097 Lisboa

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Proc. n.º 7391/08.3TDLSB Processado por computador e revisto – 1

I. Relatório

Foi pronunciado, para julgamento em processo comum e perante tribunal singular:

João Manuel Martins Batista, nascido a 02-10-1963, natural da

freguesia de Urra, Portalegre, português, filho de Joaquim de Ascensão

Batista Mendes e de Joaquina da Conceição Martins Santos, casado,

bancário, titular do BI n.º 6527860, emitido em 06.03.2003, em Lisboa,

residente no Solar das Matinhas, Bloco n.º 2, 2º D, 2625-266, Póvoa de

Santa Iria;

Imputando-se-lhe a prática, como autor material e na sua forma consumada, um crime de

manipulação de mercado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, do

Código Penal e do artigo 379.º, nºs 1 e 2, na redacção do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13/11,

alterado pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15/03, versão em vigor à data da prática dos factos, e

actualmente previsto e punido pelo mesmo preceito, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º

28/2009, de 19/06.

O arguido contestou, impugnando a factualidade constante do despacho de pronúncia,

sustentando, em suma, não ter praticado ou qualquer crime no dia 19 de Fevereiro de 2008

nem teve alguma vez sequer a intenção de o praticar, nesse ou noutro dia qualquer, sendo

falso que o arguido tenha dado quaisquer ordens de venda fictícias no dia 19 de Fevereiro de

200S relativamente aos títulos PORTUCEL; Mais sustentou ser igualmente falso que quer tais

ordens de venda quer a posterior ordem de cancelamento tenham sido previamente

determinadas; e que o comportamento do arguido tivesse por objectivo a venda das suas

acções ao preço por si estabelecido; Alega, ainda, que no dia descrito na acusação limitou-se

a obedecer às normais regras de mercado, sendo impossível deter a capacidade de manipular

o mercado descrita no despacho acusatório. Aduziu elementos que, em seu entender, afastam

as conclusões retiradas pelo Ministério Público na acusação, e terminou pugnando pela sua

absolvição.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, na observância do formalismo legal

para tanto prescrito, conforme consta da respectiva acta.

Não se suscitaram nem existem nulidades, excepções, outras questões prévias ou incidentais

que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

*

II. Fundamentação fáctica

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a) Factos provados

Declara-se provada, com relevância para a decisão, a seguinte factualidade:

Da pronúncia

1.º Em Fevereiro de 2008, as acções da «PORTUCEL – Empresa Produtora de Pasta de Papel,

S.A.» (doravante PORTUCEL), com o código ISIN PTPTI0AM0006, encontravam-se

admitidas à negociação em contínuo, no grupo P0, do mercado a contado “Eurolist by

EURONEXT” (Mercado de Cotações Oficiais) da EURONEXT Lisbon.

2.º Nos termos do Regulamento do Mercado EURONEXT, em vigor em Fevereiro de 2008, a

negociação destes valores mobiliários fazia-se (e faz-se), quer através do encontro

contínuo de ofertas de sentido contrário no Livro de Ofertas Central, quer através de

procedimentos de leilão (regra 4301).

3.º Cada dia de negociação inicia-se com um leilão de abertura, ao qual se segue a

negociação em contínuo (regras 4302/1 e 4302/2).

4.º Por seu turno, o preço de fecho de negociação destas acções é determinado através

de um leilão de fecho (regra 4302/3).

5.º Cada um destes leilões é antecedido de uma fase de chamada durante a qual os

investidores introduzem ofertas de compra e venda de acções, bem como podem

modificar ou cancelar ofertas existentes, sendo as mesmas automaticamente

registadas no Livro de Ofertas Central, sem, todavia, darem lugar a quaisquer

operações ou negócios, os quais apenas se realizarão na fase de leilão propriamente

dita.

6.º No decurso da fase de chamada, em que as ofertas são acumuladas sem execução, é

actualizado continuamente e divulgado o preço indicativo de abertura ou fecho,

consoante o período do dia, o qual é determinado tendo em atenção a situação do

Livro de Ofertas Central em cada momento (regra 4303/1).

7.º Ou seja, o preço indicativo de abertura ou fecho, consoante o leilão em causa, vai-se

estabelecendo em conformidade com as ofertas de compra e venda introduzidas,

alteradas e canceladas pelos intermediários financeiros durante o período de

chamada, sendo divulgado continuamente ao público o preço teórico e as

quantidades executáveis a esse nível de preço.

8.º Após a conclusão do período de chamada, o sistema determina o preço do leilão com

base na situação do Livro de Ofertas Central existente nesse momento, em conjugação

com o critério de que seja o preço que permita executar a maior quantidade de

ofertas (regras 4303/3 e 4401/3).

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9.º De acordo com o Regulamento do mercado EURONEXT para Portugal, o período de

pré-fecho ou fase de chamada, que precede o leilão de fecho de sessão, decorre

entre as 17:30 e as 17:35 Central European Time (CET), referência horária de

negociação da EURONEXT, o que equivale na hora nacional, em horário de Inverno,

respectivamente, às 16:30 e às 16:35 Greenwich Mean Time (GMT).

10.º Após o leilão de fecho de sessão, entre as 17:35 e as 17:40 CET (16:35 e as 16:40 da hora

nacional), ainda é possível proceder à transacção de títulos, se bem que limitada ao

preço do leilão de fecho (regra 4302/4 e 4303/3).

11.º O «Banco de Investimento Global. SA.» (doravante BIG), com sede social na Praça

Duque de Saldanha, nº 1, 8°, em Lisboa, encontra-se registado na EURONEXT como

membro negociador e na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (doravante

CMVM), sob o nº 263, como intermediário financeiro, tendo por serviços autorizados,

entre outros, a execução de ordens por conta de outrem no mercado a contado

(desde 19-11-2002) e a recepção e transmissão de ordens por conta de outrem (desde

08-03-1999).

12.º O arguido João Manuel Martins Batista, é o cliente nº 525973 do BIG e o único titular da

conta de depósitos à ordem nº 5525973500, aberta a 15 de Maio de 2007.

13.º Nesta mesma data, constituiu o arguido como seu bastante procurador, Orlando da

Silva Marques Ferreira, a quem conferiu poderes para, em seu nome e representação,

junto do BIG, dar ordens de bolsa sem limitação de montantes, efectuar operações

cambiais ou operações de liquidação associadas a essas ordens e celebrar as

respectivas confirmações, podendo, para esse efeito, dar ordens de movimentação da

supra referida conta bancária.

14.º Em 17-05-2007, João Batista celebrou um contrato de abertura de crédito com penhor

junto do BIG, ao abrigo do qual lhe foi concedida uma linha de crédito até ao

montante máximo de € 600.000, pelo prazo de 6 meses (automaticamente prorrogado

por iguais períodos).

15.º Como garantia do cumprimento do contrato, o arguido constituiu a favor do BIG

penhor de primeiro grau sobre os valores monetários e mobiliários depositados na conta

n.º 5525973500.

16.º O montante de crédito disponibilizado é movimentado através de transferências

ordenadas automaticamente via Web da subconta 5525973570, de que o arguido é

titular.

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17.º Em 26 de Junho de 2007 foi celebrado um aditamento ao contrato supracitado, tendo

o montante máximo da linha de crédito sido aumentado de € 600.000 para € 1.000.000.

18.º João Batista tem vastos conhecimentos e experiência no que respeita à negociação

de valores mobiliários.

19.º Encontra-se o arguido registado junto da CMVM como colaborador de intermediários

financeiros, designadamente:

a. No «BCP Dealer – Sociedade Financeira de Corretagem. S.A.» esteve registado

como sendo responsável pela execução de ordens no mercado a contado

(de 04-03-1999 a 03-07-2001) e no mercado a prazo (de 04-03-1999 a 03-07-

2001) e como responsável pela recepção e transmissão de ordens por conta

de outrem (de 04-03-1999 a 03-07-2001).

b. Por seu turno, no «Banco Expresso Atlântico. S.A.» está registado junto da CMVM

como responsável pela execução de ordens no mercado a contado (de 25-09-

2003 a 28-06-2004).

c. A título pessoal, o arguido diariamente intervém em vários mercados mobiliários

da EURONEXT – a contado e a prazo, português e estrangeiros – movimentando

títulos diversificados e atingindo um volume de negócios elevado.

20.º A sua estratégia de actuação consiste em comprar e vender diversos títulos ao longo

das sessões de negociação, procurando retirar mais-valias da constante oscilação dos

respectivos preços.

21.º Entre os dias 2 de Janeiro de 2008 e 29 de Fevereiro de 2008, João Batista transaccionou

regularmente elevadas quantidades de títulos PORTUCEL, tendo sempre encerrado as

sessões de negociação com uma quantidade nula desses títulos em carteira.

22.º No período compreendido entre o dia 1 e 29 de Fevereiro de 2008, o arguido interveio

em 11 sessões sobre o título PORTUCEL, tendo sido responsável, em média, por 7,12% da

quantidade real do título transaccionada diariamente.

23.º João Batista apresenta, no período temporal referido e relativamente ao título

PORTUCEL, o perfil de negociação de „intraday trader‟, ou seja, de um investidor que

compra e vende acções com o objectivo de ganhar dinheiro com a oscilação do

preço das acções ao longo de uma mesma sessão de bolsa.

24.º Para tanto, João Batista fechava as suas posições, em cada dia, com operações de

sentido oposto às realizadas no decurso da sessão de negociação, de forma a, no final

do dia, não ter qualquer saldo, positivo ou negativo, em termos de quantidade

detidas/devidas do título PORTUCEL.

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25.º Com esta sua actuação, e de acordo com as regras do mercado EURONEXT

relativamente à concretização das transacções, o arguido somente tinha a receber e a

pagar as diferenças positivas e/ou negativas entre o preço médio da aquisição na

sessão e o preço médio de venda, deduzidas/acrescidas dos respectivos custos de

transacção.

26.º De acordo com a informação constante da aplicação DATHIS, gerida pela EURONEXT

Lisbon, no dia 19-02-2008, verificaram-se 420 (quatrocentos e vinte) negócios sobre o

título PORTUCEL, tendo sido transaccionadas 2.047.070 acções, no montante global de

€ 4.499.751,21, conforme tabela que se segue:

Nº de

negócios %

Quantidade

Transaccionada %

Valor

Transaccionado (€) %

Antes 17:30 386 91,9% 1.867.300 91,2% 4.109.650 91,3%

Negociação

após 17:30 34 8,1% 179.770 8,8% 390.101 8,7%

Total 420 100,0% 2.047.070 100,0% 4.499.751 100,0%

27.º Ao longo da sessão do dia 19 de Fevereiro de 2008, João Batista transaccionou sobre o

título PORTUCEL, tendo concretizado 10 ofertas de venda e 8 ofertas de compra, que

foram sendo inseridas pelo BIG no sistema de negociação, por conta do arguido, de

forma intercalada ao longo da sessão, embora com o acentuar da predominância

vendedora no final da sessão.

28.º Ao longo deste dia de negociação o máximo de acções do título PORTUCEL que o

arguido teve em saldo na sua conta foi de 191.693 (às 16:57:21 CET; 15:57:21 hora

nacional).

29.º Sendo que, às 17:30 CET (16:30 hora nacional), do dia 19-02-2008, detinha o arguido

ainda em carteira 44.123 acções PORTUCEL.

30.º Para actuar em conformidade com a sua estratégia habitual enquanto investidor,

relativamente ao título em causa, esta sua posição longa (compradora) teria de ser

anulada com uma operação de sentido oposto: uma posição curta (vendedora) de

idêntica quantidade (44.123) de acções PORTUCEL.

31.º Assim com vista a vender as mesmas, João Batista, através de contacto telefónico por si

estabelecido com o funcionário do BIG que habitualmente dava cumprimento às suas

ordens, Edgar José Pereira da Silva, deu a este ordem para introduzir, no período de

pré-chamada do leilão de encerramento da sessão desse dia de negociação, uma

oferta de venda destas 44.123 (quarenta e quatro mil cento e vinte e três) acções

PORTUCEL, limitada ao preço de € 2,17.

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32.º Cumprindo o determinado pelo arguido João Batista, imediatamente após a mesma

ter sido dada, foi tal ordem introduzida, nos seus precisos termos, pelo referido

funcionário do BIG, no sistema informático que gere o mercado de valores mobiliários

às 17:30:31 horas CET (16:30:31 hora nacional), dando origem à oferta de venda nº 1147.

33.º Todavia, João Batista, através da evolução dos preços teóricos e das quantidades

executáveis que estavam a ser continuamente divulgadas pelo sistema, verificou que

estava a ter dificuldade em concretizar esta sua oferta, correndo o risco de encerrar a

sessão desse dia com títulos PORTUCEL em carteira.

34.º Assim, deu João Batista pessoalmente ordem, via telefone, no mesmo dia e no período

de chamada do leilão, para proceder à venda de 400.000 (quatrocentas mil) acções

PORTUCEL, ao preço limite de € 2,14.

35.º Cumprindo de forma imediata e nesses precisos termos esta ordem, introduziu Edgar

Silva, em nome do operador financeiro BIG, às 17:30:48 horas CET (16:30:48 hora

nacional), uma oferta de venda de 400.000 acções da PORTUCEL, agora ao preço

limite de € 2,14, a qual veio a assumir o nº 1163.

36.º A quantidade de acções desta oferta foi modificada pelo BIG às 17:32:25 horas CET

(16:32:25 hora nacional), em cumprimento de ordem dada pessoalmente via telefone

pelo arguido João Batista, dando origem à oferta de venda de 650.000 (seiscentas e

cinquenta mil) acções PORTUCEL limitada a idêntico preço (€ 2,14), à qual foi atribuído

o nº 1184.

37.º As ofertas de venda n.º 1163 e 1184, foram feitas de forma fechada, a solicitação do

arguido, mostrando-se visíveis ao mercado para venda apenas 3.000 (três mil acções)

acções ao valor de € 2,14.

38.º Esta oferta de venda de 400.000, depois alterada para 650.000 acções, apresentava

um limite de preço de venda muito baixo (€ 2,14), face aos preços de transacção que

tiveram lugar na sessão de negociação desse dia, em que o preço oscilou entre o valor

mínimo de € 2,17 e o valor máximo de € 2,23.

39.º Apresentava igualmente uma quantidade muito elevada face às quantidades

transaccionadas na sessão de negociação desse dia, em que o negócio com maior

volume ascendeu a 50.000 acções.

40.º Efectivamente, de todas as ofertas de venda inseridas no período de chamada ao

leilão, ou seja, entre as 17:30:00 e as 17:35:00 CET (16:30:00 e as 16:35:00 hora nacional),

as ofertas nº 1163 e 1184, são aquelas que apresentam o preço-limite mais baixo (sendo

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o preço mais baixo das outras ofertas de € 2,17) e a quantidade a ser transaccionada

mais elevada (a quantidade mais elevada das demais ofertas é de 100.000 acções).

41.º À hora em que João Batista deu ordens ao BIG para introduzir a oferta de venda nº

1184, o mesmo era apenas titular de 44.123 acções PORTUCEL, pelo que, a realizar-se tal

transacção teria necessariamente de ser feita a descoberto, ou seja, sem que o

arguido tivesse a titularidade – directa ou de forma financiada, através de empréstimo

prévio – das 650.000 acções que alegadamente se propunha a alienar.

42.º Efectivamente, considerando que o contrato de crédito com penhor (e respectivo

aditamento) celebrado entre o arguido e o BIG não previa o empréstimo de valores

mobiliários, a venda pelo arguido de acções que não se encontravam na sua

titularidade traduzir-se-ia numa venda curta em mercado (operação de short selling),

não suportada por contrato de empréstimo de valores mobiliários.

43.º Ainda assim, o BIG na qualidade de intermediário financeiro participante no sistema de

liquidação seria responsável pela liquidação das operações realizadas em execução

das ordens do arguido, tendo de colocar à disposição do sistema de liquidação os

valores mobiliários necessários a essa liquidação, estando as transacções ordenadas

pelo arguido dentro das margens de risco negocial aceites pelo banco.

44.º Poucos segundos antes do final do período de consolidação de ofertas que antecede

o leilão de encerramento da sessão, João Batista deu pessoalmente, através de

contacto telefónico, ordem ao funcionário do BIG, Edgar Silva, para proceder ao

cancelamento da oferta de venda nº 1184.

45.º Em cumprimento do assim determinado por João Baptista, às 17:34:57 CET (16:34:57

hora nacional), Edgar Silva, actuando em representação do BIG, executou a referida

ordem cancelando a oferta de venda das 650.000 acções PORTUCEL, com o n.º 1184.

46.º Foram estas, em síntese, as ordens de ofertas de venda dadas pelo arguido,

relativamente ao título PORTUCEL, no período de chamada ao leilão de fecho da

sessão de negociação no dia 19-02-2008:

47.º No leilão de fecho, às 17:35:00 CET (16:35:00 hora nacional), o BIG vendeu, em nome de

João Batista, ao preço de € 2,17, as 44.123 acções PORTUCEL que o arguido tinha nesse

Hora CET N.º

Oferta Tipo

Quantidade

Pedida

Quantidade

realizada

Preço

Limite

Data

validade

17:30:31 1147 Venda 44.123 44.123 2,17 19-02-2008

17:30:48 1163 Venda 400.000 0 2,14 19-02-2008

17:32:25 1184 Venda 650.000 0 2,14 19-02-2008

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dia ainda em carteira, negócio que correspondeu à concretização da oferta de venda

n.º 1147, inserida logo na abertura do período de chamada por ordem do arguido.

48.º A oferta nº 1147, relativa à venda de 44.123 acções PORTUCEL, foi, pois, totalmente

executada tendo dado origem a 12 negócios, nos termos infra-descritos:

49.º Analisando as ofertas de compra subjacentes aos negócios que o arguido João Batista

concretizou com base na sua ordem de venda de 44.123 acções, verifica-se que:

- Em todas as ofertas de compra existia um preço-limite de € 2,17

estabelecido para a concretização da aquisição das acções;

- 37,9% da quantidade transaccionada teve origem em ofertas de compra

já existentes em sistema em momento prévio à inserção das ofertas de

venda nº 1163 e 1184; nos negócios nº 396, 397, 398, 399 e 395 todos os

comitentes compradores viram satisfeitas as intenções manifestadas

previamente nas respectivas ordens de compra, mas apenas ao preço de

€ 2,17 estabelecido como limite para a efectivação das operações;

- 62,1% da quantidade transaccionada (27.382 acções) teve origem em

ofertas de compra inseridas em momento posterior à oferta de venda nº

1163 (relativa à venda de 400.000 acções a € 2,14), que veio a ser

posteriormente alterada pela oferta de venda n.º 1184, e em momento

prévio ao cancelamento desta última oferta (17:34:57).

50.º A concretização da oferta de venda n.º 1147 foi, portanto, a quantidade exacta para

permitir ao arguido fechar o dia com uma exposição nula ao título PORTUCEL –

considerando que o mesmo às 17:30:31 detinha em carteira um saldo de 44.123 acções

PORTUCEL, transaccionadas findo o leilão de encerramento, conforme descrito supra.

Número

do

Negóci

o

Corretor

Comprador

Hora do

Negócio

Data da

Oferta de

Compra

Hora de

inserção

Oferta

compra

Momento

N.º da

Oferta de

Compra

Preço

Limite

Corretor

VendedorQuantidade %

396 Caixa BI 173500 19-Fev-08 17:29:10 Antes oferta n.º 1147 1143 2,17 BIG 5.000

397 Millennium BCP Inv. 173500 19-Fev-08 17:28:17 Antes oferta n.º 1147 1139 2,17 BIG 2.000

398 Millennium BCP Inv. 173500 19-Fev-08 17:25:35 Antes oferta n.º 1147 1133 2,17 BIG 1.000

399 BIG 173500 19-Fev-08 17:19:03 Antes oferta n.º 1147 1110 2,17 BIG 2.741

10.741 24,3%

395 Timber Hill 173500 19-Fev-08 17:30:40 Após oferta n.º 1147 1160 2,17 BIG 6.000

6.000 13,6%

394 BPI 173500 19-Fev-08 17:31:28 Após oferta n.º 1163 1174 2,17 BIG 460

460 1,0%

388 Fincor 173500 19-Fev-08 17:33:00 Após oferta n.º 1184 1190 2,17 BIG 3.522

389 Millennium BCP Inv. 173500 19-Fev-08 17:34:24 Após oferta n.º 1184 1209 2,17 BIG 1.000

390 Millennium BCP Inv. 173500 19-Fev-08 17:34:22 Após oferta n.º 1184 1208 2,17 BIG 10.000

391 BIG 173500 19-Fev-08 17:33:40 Após oferta n.º 1184 1202 2,17 BIG 6.900

392 Fincor 173500 19-Fev-08 17:33:10 Após oferta n.º 1184 1195 2,17 BIG 2.500

393 Caixa BI 173500 19-Fev-08 17:33:08 Após oferta n.º 1184 1193 2,17 BIG 3.000

26.922 61,0%

44.123 100,0%

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51.º No intervalo de tempo entre a inserção da oferta nº 1163 (às 17:30:48) e a inserção da

oferta nº 1184 (às 17:32:25), a procura de acções associada a ofertas inseridas a preços

maiores ou iguais a € 2,17 ascendeu a 506.775 acções (das quais 500.460 acções com

preço-limite e 6.315 acções sem limite de preço).

52.º Por seu turno, no intervalo de tempo entre a inserção da oferta nº 1184 e o seu

cancelamento (às 17:34:57), a procura de acções associada a ofertas inseridas a

preços maiores ou iguais a € 2,17 ascendeu a 43.970 acções (das quais 28.955 acções

com preço-limite e 15.015 acções sem limite de preço).

53.º No período temporal que decorreu entre o momento da introdução da oferta de

venda nº 1147 (17:30:31) e o momento do cancelamento da oferta de venda n.º 1184

(17:34:57), o valor do título PORTUCEL teve a seguinte oscilação de preços:

Hora CET Preço Teórico

de Abertura Ofertas

17:30:31 € 2, 17 Inserida a oferta nº 1147

17:30:37 € 2, 17

17:30:40 € 2, 17

17:30:46 € 2, 17

17:30:48 € 2, 14 Inserida a oferta nº 1163

17:31:00 € 2, 14

17:31:06 € 2, 14

17:31:13 € 2, 14

17:31:16 € 2, 16

17:31:24 € 2, 16

17:31:27 € 2, 17

17:31:28 € 2, 17

17:31:30 € 2, 17

17:31:56 € 2, 17

17:32:00 € 2, 17

17:32:25 € 2,15 Inserida a oferta nº 1184

17:32:28 € 2,15

17:32:33 € 2,15

17:32:37 € 2,15

17:32:46 € 2,16

17:33:00 € 2,16

17:33:08 € 2,16

17:33:10 € 2,16

17:33:15 € 2,16

17:33:32 € 2,16

17:33:37 € 2,16

17:33:40 € 2,16

17:33:42 € 2,15

17:33:44 € 2,14

17:33:44 € 2,15

17:33:51 € 2,14

17:33:54 € 2,14

17:33:55 € 2,15

17:34:21 € 2,15

17:34:22 € 2,15

17:34:24 € 2,16

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17:34:26 € 2,16

17:34:33 € 2,16

17:34:34 € 2,14

17:34:39 € 2,14

17:34:49 € 2,14

17:34:50 € 2,14

17:34:55 € 2,14

17:34:57 € 2,17 Cancelada a oferta nº

1184

54.º O arguido João Batista e o funcionário do BIG Edgar Silva, mantiveram-se em contacto

telefónico permanente durante o período de chamada ao leilão de encerramento da

negociação do dia 19-02-2008, tendo todas as ordens de venda sido transmitidas

pessoalmente por João Batista, via telefone, a este funcionário do BIG.

55.º Durante esse período de tempo, acompanhou o arguido em tempo real a negociação

do título e a formação dos preços teóricos que os diversos títulos iam assumindo no pré-

fecho do leilão, assim como as quantidades executáveis das ofertas inseridas, incluindo

do título PORTUCEL.

Da contestação

56.º No dia dos factos - 19 de Fevereiro de 200S - o arguido, com o seu comportamento,

perdeu, relativamente aos títulos PORTUCEL, -6.721,11€;

57.º Exemplificativamente, nos dia 1 de Fevereiro e 4 de Fevereiro de 2008 (antes do dia dos

factos) já o arguido tinha tido uma perda de, respectivamente, -1.167,09€ e -3.207,97€;

58.º Também exemplificativamente, nos dias 25 de Fevereiro e 29 de Fevereiro de 2008

(após o dia dos factos) também o arguido teve uma perda de, respectivamente, -

l.836,39€ e -3.963.65€;

59.º Por outro lado, ao longo de todo o mês dos factos (Fevereiro de 2008) o arguido

registou uma perda total (menos-valia) de -11.208,l€, sempre em relação aos títulos

PORTUCEL;

60.º Todavia, o volume de acções negociado a partir daí aumentou significativamente

transaccionando-se um total de 2.047.070 acções face às 554.321 até então

negociadas, mas a evolução do preço foi quase sempre de queda o que fez com que

o arguido chegasse ao período normal de negociação com 44.123 acções em carteira

e com perdas no final do dia, em PORTUCEL, de -6.721,11€, frustrando-se a sua

expectativa quanto ao preço.

61.º No final do período normal de negociação restava ao arguido o tempo do leilão para

tomar uma decisão de entre as seguintes 3 hipóteses: A) Manter as 44.123 acções em

carteira e vendê-las nas sessões seguintes; B) Vender as 44.123 acções no leilão; C)

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Montar uma posição que permitisse a recuperação do prejuízo sofrido nos dias

seguintes;

62.º O título de Portucel apresentava-se estável nessa sessão, mas a partir do ponto em que

se verifica o aumento de volume, logo a seguir à aquisição pelo arguido de 150.00

acções, o preço começou a cair (de 2,22€ até 2,17€) o que posteriormente levou o

arguido a crer que existira no mercado uma venda indexada, isto é, uma venda que

vai sendo executada de acordo com o volume que o título vai realizando;

63.º A conjugação de três factores, na análise do arguido, designadamente pressão

compradora associada a queda de preço e arrastando igualmente um aumento do

volume negociado levou efectivamente o arguido a concluir que existiria uma venda

indexada no mercado

64.º Dada a percepção do arguido, embora tardia, de que o título se encontrava vendedor

a posição a montar teria que ser curta (short selling - vender os títulos sem os possuir e

adquiri-los posteriormente), esperando que a tendência se mantivesse no dia seguinte e

assim adquiri-los a um preço inferior;

65.º Dadas as características do título em causa, e tendo em conta o facto de a operação

ter que ser efectuada num prazo muito reduzido, o arguido entendeu que teria que

optar por uma maior quantidade de acções que lhe permitissem a recuperação do

prejuízo com pequenas variações de 1 ou 2 cêntimos;

66.º Tal estratégia, no entender do arguido, teria aliás efectivamente funcionado caso

tivesse persistido na sua leitura, uma vez que o título Portucel registou efectivamente

nova queda no dia seguinte, 20-02-2008, tendo descido até ao valor de 2,12€;

67.º Sendo o último negócio antes do leilão efectuado ao preço de 2,17€, introduziu o

arguido a venda das 44.123 acções que detinha em carteira (oferta nº 1147 introduzida

às 17:30:31) àquele mesmo preço, levando em princípio a que no final do leilão

vendesse uma quantidade significativa de acções e não provocaria qualquer variação

no preço, (o último preço registado antes do início do leilão foi 2,17€.

68.º O tempo restante para o final do leilão era ainda de 4 minutos e 29 segundos pelo que

o arguido tinha expectativas no aparecimento de outros compradores, sendo que a

quantidade de acções que poderiam ficar em carteira não representar um risco de

perdas significativas para si.

69.º A opção por uma posição curta que desse frutos com variações reduzidas (ganhando

um ou dois cêntimos permitiria um lucro de 4.000 ou 8.000 (, respectivamente) fez o

arguido optar por um valor inicial de 400.000 acções (oferta nº 1163).

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70.º Optou o arguido por um preço de venda, 2,14 que não provocasse oscilações

significativas provocou uma queda de apenas 1,38% e foi introduzida fechada, isto é, só

eram visíveis 3.000 acções;

71.º Nos 28 segundos seguintes (entre as 17:30:48 e 17:31:16) o preço subiu de 2,14€ para

2,16€ o que o arguido interpretou como a introdução de compras em quantidade

superior à sua venda do arguido (400.000 acções), E, até às 17:32:00, continuou a subir

até aos 2,17€.

72.º No referido período fora introduzidas as ofertas de compra nº 1167, 1170 e 1173 por um

terceiro cliente num total de 450.000 acções, ofertas estas que foram todas canceladas

posteriormente e quase em simultâneo (17:33:42 e 17:33:44);

73.º Perante a possibilidade de existir volume capaz de satisfazer a oferta de venda do

arguido, optou este pelo aumento da quantidade oferecida de 400.000 para 650.000

acções – ordem nº 1184 –, número de acções que perfazia um valor enquadrável nos

seus limites de negociação autorizados junto do BIG;

74.º Aguardou o arguido pelo desenrolar do leilão que subitamente registou uma quebra

súbita no preço teórico de 2,16€ para 2,14€ no espaço de 1 segundo (entre as 17:34:33

e as 17:34:34) o que, no entender do arguido, sugeria a existência de cancelamento(s)

de quantidades significativas de acções, tal como, alias, já se tinha verificado

anteriormente às 17:33:42 e 17:33:44; tendo a ordem nº 1206 referente a uma compra

de 300.000 acções, sido cancelada às 17:34:34;

75.º Acreditando tratar-se de um forte cancelamento de compras o que impediria o

arguido de montar uma posição curta em quantidades necessárias para a

recuperação do prejuízo, decidiu o arguido também, à semelhança das restantes

ordens de cancelamento acima descritas, ordenar o cancelamento da ordem de

venda n.º 1184; o que fez.

76.º Fê-lo – proceder ao cancelamento da ordem de venda n.º 1184 – por estar perante

uma operação de elevado risco, dado ser uma posição curta que teria de ser fechada

num espaço de tempo muito reduzido (1,2 dias), o facto de estar fortemente

condicionado pelo tempo de decisão (menos de 28 segundos), pelo nível de incerteza

provocado pela queda súbita do preço de 2,16 € para 2,14 € (provocado pelo

cancelamento a ordem n.º 1206) e a completa noção do volume de acções que

resultariam do leilão.

77.º No total do período referido pela acusação, Janeiro e Fevereiro de 2008, o arguido

negociou uma média diária de 1.610.282 acções;

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78.º Após a introdução da ordem de venda n.º 1163 de 400.000 acções foram introduzidas

por um terceiro cliente (Fincor) as ordens n.º 1167, 1170 e 1173 perfazendo um total de

450.000 acções, e a um preço de 2,20 €;

79.º O mesmo terceiro cliente introduziu uma ordem de compra de 25.000 acções próximo

desse momento (ordem n.º 1169) que não foi cancelada.

80.º No entanto, as três ordens n.º 1167, 1170 e 1173 foram mais tarde canceladas, tendo a

ordem de compra n.º 1206, também introduzida, de 300.000 acções que foi também

cancelada, próximo do final da sessão; (introduzida às 17:33:55 e cancelada às

17:34:34).

81.º O cancelamento da ordem n.º 1163, não obstante executado por Edgar Correia nas

circunstâncias de tempo descritas em 45.º e 46.º, foi ordenado pelo arguido àquele 8

segundos antes da sua execução.

Das condições pessoais e socioeconómicas do arguido

82.º O arguido exercia a actividade profissional de bancário, encontrando-se em processo

de reforma, pelo que aufere € 1.300,00 mensais;

83.º Reside com a sua mulher, tesoureira e a qual aufere € 1.000,00, e a filha menor, em casa

própria cuja prestação relativa a mútuo bancário para a respectiva aquisição importa

em € 600,00;

84.º Despende € 400,00 no pagamento de mensalidade do estabelecimento escolar

frequentado pela sua filha.

85.º Tem como habilitações literárias a licenciatura em gestão.

86.º É reputado por familiares, amigos e colegas de profissão como pessoa idónea, correcta

e respeitadora da legalidade;

87.º Do seu certificado de registo criminal não consta qualquer condenação.

b) Factos não provados

Não se provou, com relevo para a decisão que:

Da pronúncia

a. Na ocasião referida em 35.º o arguido deu a ordem aí referida com vista a dar

erroneamente ao mercado a impressão de existir uma oferta expressiva do valor

mobiliário PORTUCEL a baixo preço, gerando assim, de forma artificial, procura para o

referido título;

b. O arguido tinha como propósito inicial cancela a oferta de venda n.º 1184;

c. As ofertas de venda n.º 1163 e 1184, não tiveram subjacente uma vontade real por parte

de João Batista de proceder à venda das respectivas acções, das quais não era titular,

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nem tinha intenção de adquirir, tendo sempre sido seu propósito proceder ao

cancelamento daquelas ofertas de venda momentos antes do encerramento do período

de chamada ao leilão.

d. Com esta sua actuação teve somente o arguido em vista induzir no mercado uma

tendência que gerasse novas ofertas de compra, de forma a assegurar a existência de

contraparte compradora capaz de satisfazer a sua pretensão de vender as 44.123

acções PORTUCEL, que ainda tinha em carteira, ao preço-limite por si estabelecido de €

2,17.

e. E fê-lo com sucesso, pois a introdução pelo BIG, a mando de João Batista, das ofertas de

venda nº 1163 e 1184, que se consubstanciaram numa elevada quantidade de acções

com preço limite reduzido (abaixo da média do dia), deu ao mercado a impressão

enganosa de que existia, na fase de chamada que precede o leilão de fecho da sessão,

uma oferta expressiva do valor mobiliário PORTUCEL a baixo preço.

f. Tal facto provocou, numa fase inicial, a diminuição do preço teórico de abertura do

leilão – logo após a inserção da oferta de venda nº 1163, às 17:30:48, o preço desceu de

€ 2,17 para € 2,14; igualmente, após a inserção da oferta nº 1184, às 17:32:25, o preço

voltou a descer de € 2,17 para € 2,15, continuando a descer até aos € 2,14.

g. Ou seja, esta conjugação de factores – oferta volumosa de acções para venda a baixo

preço – induziu de forma artificial interesse comprador das acções PORTUCEL,

aparentemente disponíveis para venda, por parte de outros investidores, que em

reacção lançaram as suas ofertas de aquisição ainda no período de chamada ao leilão.

h. Por seu turno, o cancelamento da ordem de venda nº 1184, ao fazer diminuir a

quantidade de acções disponíveis no mercado para venda, atentas as ofertas de

aquisição entretanto introduzidas, provocou o aumento do preço teórico de venda das

acções PORTUCEL de € 2,14 para € 2,17, pois entretanto, para assegurar as ofertas de

compra realizadas, os demais investidores tinham apresentado ofertas a um nível de

preço não inferior a esse valor.

i. Ao cancelar a oferta n.º 1184, poucos segundos antes do encerramento do período de

chamada que precede o leilão, provocou o arguido uma diminuição da quantidade de

acções aparentemente disponíveis no mercado para venda, e consequentemente,

atentas as ofertas de aquisição entretanto efectuadas, o aumento do preço teórico de

venda das acções PORTUCEL de € 2,14 para € 2,17.

j. O facto do cancelamento ter sido feito pelo arguido mesmo em cima do fim do período

de chamada ao leilão foi deliberado e teve em vista não dar tempo aos demais

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investidores de reagir e de cancelar as suas ofertas de aquisição, acabando os mesmo

por adquirido acções PORTUCEL a um preço superior àquele que tinham em vista, atentos

os valores fictícios induzidos pelo arguido.

k. Entre as 17:34:55 e as 17:34:57 hora CET (16:34:55 e as 16:34:57 hora nacional) - hiato

temporal em que o preço teórico de abertura passou de € 2,14 para € 2,17 - não existiu

qualquer inserção, modificação ou cancelamento de oferta susceptível de provocar a

alteração do preço teórico de abertura que não o cancelamento, pelo BIG, a mando do

arguido, da oferta de venda nº 1184.

l. A introdução das ofertas n.º 1163 e 1184 e o subsequente cancelamento desta, foram

assim directamente responsáveis pela modificação das condições de formação do

preço de fecho do título PORTUCEL na sessão realizada em 19-02-2008.

m. Com a introdução pelo arguido destas ofertas, que nunca pretendeu concretizar e o

cancelamento da oferta n.º 1184, da forma supra descrita, logrou ainda o arguido criar

artificialmente procura para o título PORTUCEL pelo preço de € 2,17 e,

consequentemente, satisfazer a sua pretensão, que motivou toda a sua conduta, de

vender as 44.123 acções PORTUCEL que tinha ainda nesse dia em carteira, ao preço

mínimo de € 2,17.

n. Caso não tivesse procedido ao cancelamento da oferta de venda n.º 1184 e ocorresse a

venda, no leilão de fecho da sessão, de uma quantidade de acções superior às por si

detidas, haveria a forte possibilidade de João Baptista não conseguir encerrar o dia com

uma quantidade nula de acções PORTUCEL em carteira, como era habitual atenta a sua

estratégia enquanto investidor.

o. Acresce que, caso não tivesse procedido ao cancelamento da oferta de venda nº 1184,

tal inviabilizaria a concretização da oferta de venda nº 1147, que tinha um valor limite

superior (€ 2,17), levando a que o arguido ficasse com aquelas acções em carteira, ao

mesmo tempo que teria vendido outras a descoberto e a um valor inferior (€ 2,14).

p. Nunca foi propósito do arguido João Batista proceder à venda de quaisquer das 650.000

acções PORTUCEL subjacentes às ofertas de venda n.º 1163 e 1184, das quais aliás não

era titular, tendo o mesmo no momento da realização dessas ofertas já em vista o seu

cancelamento imediatamente antes do encerramento da fase de chamada que

antecede o leilão, nunca sendo sua intenção proceder à sua concretização.

q. João Batista ordenou ao BIG, a inserção, no sistema de negociação de ofertas de índole

fictícia de quantidade elevada face ao padrão normal de negociação, com o único

intuito de dar ao mercado a impressão enganosa de que existia, na fase de chamada

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que precedeu o final do leilão de fecho da sessão de 19-02-2008, oferta de venda do

valor mobiliário PORTUCEL que sabia não ser verdadeira.

r. Sabia o arguido que estas ofertas, inseridas e canceladas por ordem sua, o foram em

condições de tempo, de quantidade e de preço susceptíveis de gerar procura capaz de

satisfazer a sua pretensão de alienar, no fecho da sessão, 44.123 acções PORTUCEL ao

preço de € 2,17, por forma a chegar ao final do dia com uma quantidade nula de

acções PORTUCEL em carteira, como era seu propósito.

s. Configurou, pois, a actuação do arguido a realização operações de natureza fictícia,

que alteraram as normais condições de formação dos preços e da oferta e da procura

do título PORTUCEL, e consequentemente gerou uma alteração artificial do regular

funcionamento do mercado de valores mobiliários.

t. Actuou sempre o arguido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua

conduta era proibida e criminalmente punida por lei.

Inexistem outros factos provados ou a provar com relevo para a decisão, certo que a

demais matéria constante da acusação/pronúncia e da contestação reveste natureza

meramente de impugnação e jurídico-conclusiva.

c) Motivação

A convicção do tribunal quanto à factualidade dada por provada resultou da globalidade

da prova produzida, valorada à luz das regras da experiência.

Quanto aos factos provados atinentes às condições pessoais e económicas do arguido

valorou-se as declarações do mesmo, cuja credibilidade não foi abalada e o certificado de

registo criminal junto aos autos. No que respeita à sua reputação e merecimento no meio

familiar, social e profissional foram valorados os depoimentos de Orlando Ferreira, cunhado do

arguido, Miguel Cruz, e José Miguel Luz, amigos e colegas de profissão do arguido, quando o

mesmo exercia funções e que enunciaram, de modo equidistante e imparcial, ser este pessoa

idónea, excelente profissional e respeitador da legalidade.

No que respeita aos factos dados por provados nos pontos 1.º a 10.º o tribunal assim os

declarou com base na prova documental junta aos autos, designadamente Documentos

relacionados com a regulamentação do mercado EURONEXT – fls. 179 a 225, mormente, Boletim

de Cotação, datado de 19 de Fevereiro (folhas 176-178), Anexo ao Manual de Negociação dos

Mercados a Contado da Euronext. Por seu turno, no que respeita aos factos dados por

provados nos pontos 11.º a 19.º, valorou-se os documentos – correspondência trocada entre a

CMVM e o BIG – fls. 15 a 18, 26 a 28, 226 a 228 – donde resulta os termos do contrato celebrado

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entre o arguido e a referida instituição, a constituição de procurador, a titularidade e

caracterização da conta bancária.

No atinente aos demais factos dados por provados e constantes da pronúncia e da

contestação – pontos 20.º a 81.º o tribunal valorou, desde logo, as declarações do arguido e a

demais prova documental junta aos autos que infra se enunciará.

Com efeito, o arguido esclareceu, desde logo, ter efectuado as transacções referenciadas

na acusação, negando, porém, ter, em algum momento, o propósito lançar quaisquer ofertas

de venda fictícias com vista a criar uma impressão enganosa no mercado de que havia

acções PORTUCEL para venda, com o único propósito de induzir no mercado interesse

comprador por parte de outros investidores e de, consequentemente, para as 44.123 acções

Portucel ao preço-limite de € 2,17 que tinha em carteira. A este respeito, enunciou, o seu perfil

como investidor, para o que foi valorado. No que tange, concretamente às ofertas de vendas

n.º 1163 e n.º 1184 das acções PORTUCEL por si introduzidas referiu que as mesmas terão tido da

sua parte o objectivo de ficar com uma "posição curta" daquele papel, com base numa

percepção de que existia uma pressão vendedora daquele título, que se poderia prolongar

para o dia seguinte. Por outras palavras, seria sua intenção efectuar uma venda, total ou

parcial, desse papel a descoberto ao valor mínimo de € 2,14, com vista a proceder à aquisição

do mesmo nos dias seguintes a um valor inferior, lucrando com a diferença. Ou seja, terá tido a

percepção de que o valor daquelas acções iria descer nos próximos dias. Mais referiu que o

cancelamento posterior da oferta de venda n.º 1184 deveu-se ao facto de, no decurso do

leilão, ter presumido, face à dinâmica do mesmo, inclusivamente no que respeita à quebra

súbita no preço teórico das acções de 2,16€ para 2,14€ num curto espaço de tempo, sugeria a

existência de cancelamento(s) de quantidades significativas de acções. Atenta tal

movimentação do mercado, que impediria o arguido de montar uma posição curta em

quantidades necessárias para a recuperação do prejuízo, decidiu também, à semelhança do

que outros investidores fizeram na mesma sessão, ordenar o cancelamento da ordem de venda

n.º 1184, o que fez. Esclareceu, por fim, que, no atinente ao volume de títulos em causa –

650.000 – as ofertas e respectivo cancelamento deveram-se à circunstância de considerar que

o “papel” em causa era um papel estável e que apenas a aquisição de tal volume lhe permitia

montar a referida “posição curta” de molde a recuperar o prejuízo que havia sofrido no final da

sessão diária, tendo vindo a cancelá-la por, dados os condicionalismos do leilão, dos quais

depreendeu que não haveria oferta de compra suficiente para corresponder à sua oferta de

venda. No que respeita ao “timing” da ordem de cancelamento, esclareceu tê-la dado cerca

de 8 segundos antes da sua execução por Edgar Silva – o que foi corroborado através da

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audição do registo fonográfico – CD com cópia dos registos fonográficos relacionados com as

transacções sobre o título PORTUCEL pelo arguido, remetido pelo BIG – fls. 19, esclarecendo que

o fez naquela ocasião por ter sido apenas nesse momento que se apercebeu dos movimentos

no mercado e suas consequências, explicitando, para o efeito, o curto período em que se

processa o leilão, acrescido da pressão psicológica que circunda a negociação em tais

circunstâncias e o conhecimento limitado que, como investidor, tem das operações realizadas

através do sistema que lhe é providenciado. Por último, referiu que manteve em carteira 44.123

acções (1147) uma vez que a manutenção de tal número de acções não implicaria, para si,

um impacto assinalável.

As declarações do arguido, que se demonstraram, em toda a linha coerentes e credíveis,

foram corroboradas pelo próprio teor da conversação telefónica mantida pelo arguido com o

corretor Edgar Pereira, objecto de registo fonográfico e cuja transcrição se encontra a folhas 9

dos autos, e donde resulta que a ordem de cancelamento surge da percepção de que haveria

um forte cancelamento de compras, que originariam a baixa do preço do valor mobiliário.

Com efeito, a testemunha Edgar Silva, corretor no Banco de Investimento Global (BIG) desde

2006, referiu nunca se ter apercebido, com base na informação ao seu dispor, de transacções

irregulares ou suspeitas por parte do arguido. No que diz respeito às operações concretamente

descritas na acusação – as transacções efectuadas por João Batista no leilão de fecho da

sessão da bolsa Euronext de Lisboa no dia 19 de Fevereiro de 2008, designadamente, com a

inserção das ordens de venda do título Portucel n.º 1163 e 1184 e o cancelamento das mesmas

às 17:34:57, ou seja, poucos segundos antes do encerramento do leilão às 17:35 – aduziu a

testemunha que tais sem de ofertas de venda fictícias. Efectivamente, apesar de ter podido

constatar que aquele cliente não tinha naquele momento em carteira as 650.000 acções

Portucel que oferecia para venda, tal venda a descoberto ainda se enquadrava dentro das

margens de crédito e de risco que eram estipuladas pelo BIG para aquele cliente – ou seja, era

ainda admissível e permitido que o cliente dentro dos três dias que tinha para liquidar uma

eventual venda daqueles títulos os pudesse adquirir e entregar aos eventuais compradores, pois

o mesmo tinha crédito para tal – tanto mais que o sistema informático admitiu tal operação, o

que não sucederia se o banco não autorizasse tal operação ao cliente. No que respeita,

concretamente, à ordem de cancelamento em causa, e considerando a conversação

telefónica havida entre si e o arguido, esclareceu que, na sua perspectiva, quando o cliente se

refere à existência de uma venda indexada, o mesmo estava a referir-se à potencial causa da

desvalorização do título Portucel, por ter o mesmo detectado em relação a esse título uma

pressão vendedora (a saber, mais vendedores que compradores), o que o poderia levar a crer

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que o título continuaria a cair no dia seguinte. Mais referiu que o arguido é um cliente que

movimenta muitos títulos, não só no mercado mobiliário Português, mas também noutros

mercados da EURONEXT, tendo diariamente um volume de negócios elevado, recebendo em

média o depoente pedidos de compra e venda, proveniente do mesmo, na ordem das

dezenas.

Foram ouvidas as testemunhas Orlando Ferreira, cunhado do arguido e seu procurador,

actuando do mercado em nome deste e, por isso, com conhecimento dos factos a que depôs,

Miguel Cruz, amigo do arguido e com conhecimento dos factos a que depôs por exercer

funções na banca, na área de mercados mobiliários, e por último, José Miguel Luz, também

amigo do arguido e com algum conhecimento do mercado de valores mobiliários, na

qualidade de investidor. As referidas testemunhas, de modo isento, credível e distanciado,

esclareceram, quando confrontadas com as operações realizadas pelo arguido, que as

mesmas se impunham racionalmente face às demais operações realizadas por terceiros

investidores no leilão de fecho, sendo que, em caso de menos valias no final do dia – o que era

o caso do arguido – a opção de montar uma posição curta se afigurava como uma forma de

recuperar os montantes perdidos.

Face à prova acima enunciada, conjugada com a prova documental junta aos autos,

designadamente os documentos juntos a folhas 166 a 388, donde se extrai que o arguido por

vezes terminava a sessão com títulos em carteira, sendo certo que apenas no que respeita ao

título Portucel em Janeiro e Fevereiro de 2008, não o fez (conforme dado por provado), a

enunciação que o arguido fez das operações por si realizadas ao longo de toda a sessão e no

leilão de fecho, com todos os condicionantes que enunciou e que rodearam os factos,

designadamente as ofertas que foram introduzidas por terceiros relativamente ao título – e que

se encontram documentadas no quadro de folhas 9, concluiu o tribunal pela prova dos factos

considerados como tal, inclusivamente no que respeita aos factos constantes da contestação.

Atendeu o tribunal, quanto aos factos dados por provados e constantes da pronúncia, à

demais prova documental junta aos autos, designadamente, Relatório da CMVM – fls. 64 a 66;

Informação remetida pela EURONEXT – fls. 82 a 84, Documentação constante do Apenso I,

remetida pela CMVM, designadamente: Comunicações internas da CMVM – fls. 1, 2, Listagem

das comunicações efectuadas pela PORTUCEL ao mercado em 2008 – fls. 3; Documentação

remetida pela EURONEXT – fls. 4 a 14, 229 a 234; Correspondência trocada entre a CMVM e o

BIG – fls. 15 a 18, 26 a 28; CD com cópia dos registos fonográficos relacionados com as

transacções sobre o título PORTUCEL pelo arguido, remetido pelo BIG – fls. 19; Registos de

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operações e transacções – fls. 20 a 24; documentação bancária remetida pelo BIG – fls. 29 a

160; Outros documentos – fls. 25, 161 a 178, 226 a 228.

Tais elementos foram, ainda e no que tange aos factos dados por provados e constantes

dos pontos 20.º a 55.º conjugados com os depoimentos de Marta Calado, responsável, à data

dos factos, pelo Departamento Market Integrity na EURONEXT para o mercado português, e de

João Tomás, à data dos factos exercendo funções do Departamento de Análise de Operações

e Investigação da CMVM e, nessa qualidade, responsável pela investigação e participação

que deu origem aos presentes autos.

No que tange ao depoimento de Marta Calado, a mesma enunciou, de modo distanciado

e imparcial, por isso merecedor de credibilidade, que o departamento, à data, por si dirigido

tem dois núcleos – o núcleo de análise, que tem a seu cargo a verificação dos dados que o

sistema informático gera no decurso de uma sessão; esse sistema, através de diversos

algoritmos, permite detectar a existência de qualquer anormalidade que demande

investigação adicional, a qual está a cargo do núcleo de investigação, tendo sido nessa

sequência que a situação descrita na acusação foi detectada como potencial caso de

manipulação de mercado, designadamente, a conjugação da ordem de venda de 650.000

acções Portucel, ao preço mínimo de € 2,14, introduzida às 17:32:25, a qual foi cancelada às

17:34:57, causando um aumento no Preço Teórico de Fecho de € 2,14 para € 2,17. Esclareceu a

testemunha, ainda, que o que deu origem ao alerta foi o volume elevado de acções postas

para venda, o seu preço e a circunstância de ter tal ordem sido cancelada já muito próximo

do momento de fecho do leilão, facto que, sem seu entender impossibilitou aos outros

participantes de reagir atempadamente, tendo sido a partir de tais elementos, que

posteriormente foram investigados sumariamente, que a EURONEXT deu conhecimento destes

factos à CMVM, entidade competente para a sua investigação.

Não obstante a testemunha ter referido que os elementos em causa eram, na sua

perspectiva e pelos motivos que aduziu, indiciadores de ordens fictícias por parte do investidor,

confrontada com as possibilidade de as ordens por este colocadas terem por propósito e

fundamento a “montagem” de uma posição curta por parte do investidor – conforme

declarado pelo arguido – a mesma veio a admitir tal cenário como possível.

No atinente à testemunha João Pedro Tomás, o mesmo enunciou os motivos pelos quais, à

semelhança da anterior testemunha, entendeu, na qualidade de responsável pela

investigação no quadro da CMVM, concluiu que as operações realizadas pelo arguido eram

fictícias, centrando-se, desde logo, no perfil do arguido enquanto investidor – na medida que

habitualmente terminada a sessão sem quaisquer acções em carteira, pelo que não seria

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plausível a versão do arguido de pretender assumir uma posição a descoberto considerável (de

650.000 acções.

Apreciados os depoimentos das testemunhas Marta Calado e João Pedro Tomás, e pese

embora o tribunal não questione os elementos fácticos por estes avançados, baseados, aliás,

na prova documental junta aos autos e já referenciada, entende-se que dos mesmos não se

pode extrair que as ordens dadas pelo arguido fossem fictícias e que este tivesse por propósito

induzir no mercado uma tendência que gerasse novas ofertas de compra, de forma a

assegurar a existência de contraparte compradora capaz de satisfazer a sua pretensão de

vender as 44.123 acções PORTUCEL, que ainda tinha em carteira, ao preço-limite por si

estabelecido de € 2,17.

Com efeito, além das declarações do arguido e das testemunhas anteriormente referidas se

terem demonstrado, em toda a linha, pelo seu grau de clareza, espontaneidade, e

verosimilhança – atenta a enunciação que o arguido procedeu do seu iter cognitivo e decisório

na realização das operações e condicionalismos envolventes – credíveis no que concerne às

motivações subjacentes ao comportamento do arguido, não foram infirmadas pelas

declarações das testemunhas Marta Calado e João Pedro Tomás.

Por um lado, no que concerne à testemunha Marta Calado, a mesma admitiu que a análise

realizada no departamento de que era responsável tratava-se de uma análise através de

algoritmo, perfunctória, e que, atentas as características do leilão em causa – em especial a

sua curta duração e o número de operações registadas – eram muitas vezes debatidas no seio

do referido departamento se determinadas operações deveriam ser reportadas como

consubstanciadores de manipulação de mercado.

Por outro lado, no que concerne à testemunha João Pedro Tomás, constatou-se que as

conclusões pelo mesmo retiradas, designadamente no que concerne ao perfil do arguido

enquanto investidor, foram-no apenas com base nos registos de operações efectuadas pelo

mesmo em Janeiro e Fevereiro de 2008, apenas no que respeita ao título Portucel, excluindo

todas as demais operações realizadas pelo arguido, designadamente as documentadas a

folhas 165 e ss., donde se retira que o arguido, quanto a títulos com idêntica estabilidade e

características, mantinha-as em carteira no final da sessão diária.

Atento o exposto, considerando a valoração a que se procedeu das declarações do

arguido, corroboradas pelos depoimentos já enunciados, e suas características, e pelas demais

operações evidenciadas nos quadros de folhas 8 e 9, donde se extrai a colocação de ordens e

cancelamento de número elevado de títulos da Portucel por outros intervenientes (v. ofertas

1167, 1170, 1173 e 1206 no referido quadro de folhas 8) – que não se demosntraram, de modo

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concludente, infirmadas pela prova da acusação – entendeu o tribunal não se encontrarem,

de modo seguro e inequívoco, provados os factos declarados como tal nas alíneas a. a f) dos

factos não provados.

*

III. Fundamentação juridico-conclusiva

a) Da responsabilidade penal

Encontra-se o arguido pronunciado pela prática de um crime de manipulação de mercado,

previsto e punido pelo artigo 379.º, n.º 1 e n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na redacção

que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15/03, versão em vigor à data da prática dos

factos, e actualmente previsto e punido pelo mesmo preceito, na redacção que lhe foi dada

pela Lei n.º 28/2009, de 19/06.

Verificando-se, pela mera análise da moldura abstractamente aplicável ser mais favorável a

aplicação da lei vigente à data da prática dos factos, inexiste fundamento para a aplicação

da lei actual, conforme resulta do artigo 2.º, n.º 2 e n.º 4, do Código de Processo Penal, pelo

que todas as menções a que doravante se procedam reportar-se-ão à primeira.

Dispõe o artigo 379.°, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários que “quem divulgue

informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas, realize operações de natureza

fictícia ou execute outras práticas fraudulentas que sejam idóneas para alterar artificialmente o

regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros

é punido com prisão até três anos ou com pena de multa”.

Aduz o nº2 do normativo em apreço que “consideram-se idóneos para alterar artificialmente

o regular funcionamento do mercado, nomeadamente, os actos que sejam susceptíveis de

modificar as condições de formação dos preços, as condições normais da oferta ou da

procura de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou as condições normais de

lançamento e de aceitação de uma oferta pública”

Nos termos do disposto no art. 1.º al. a) do Código dos Valores Mobiliários são valores

mobiliários, além de outros que a lei como tal qualifique, as acções.

São características distintivas dos valores mobiliários: a) serem direitos; b) serem direitos

representados; c) serem valores de massa; d) serem transmissíveis; e) terem a potencialidade de

gerar proventos periódicos (frutos civis) e f) serem susceptíveis de negociação num mercado

organizado (José de Oliveira Ascensão, Valor Mobiliário e Título de Crédito, Direito dos Valores Mobiliários, Lex Lisboa,

1997, p.33).

Reduzindo tal definição legal à sua expressão mínima conclui-se que os mesmos são direitos

ou conjuntos de direitos susceptíveis de serem negociados em mercados organizados, isto é, em

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locais especificamente criados para receberem a confluência da oferta e da procura de

determinadas categorias de bens ou direitos.

A bolsa de valores é um desses locais consubstanciando um estabelecimento financeiro

integrado por um conjunto de sistemas através dos quais se concretizam negócios jurídicos

translativos da titularidade de valores mobiliários e se efectuam as operações materiais

necessárias ao cumprimento de obrigações, principais e acessórias que emergem dos referidos

negócios.

No que respeita ao tipo de ilícito que se impõe apreciar, dir-se-á, desde logo, que a permite

concluir que o seu preenchimento exige a verificação cumulativa: de uma acção típica

traduzida, ao que ao caso importa, na realização de operações fictícias, da aptidão ou

idoneidade de tal acção para alterar o regular funcionamento do mercado, de dolo do

agente em qualquer de uma das modalidades do art. 14º do Código Penal.

Ao aludir a operações o tipo refere-se a negócios, designadamente, transmissivos de valores

mobiliários e operações realizadas em mercado organizado como tal qualificadas por lei (vide,

neste sentido, Alexandre Brandão da Veiga, Crime de Manipulação, Defesa e Criação de Mercado, Estudos Sobre o

Mercado de Valores Mobiliários, Almedina, pág.49).

Exige-se que as mesmas sejam fictícias, ou seja, que tenham uma aparência que não traduz

a sua realidade.

Com efeito, em tais operações existe um desvio entre o nexo genético e o nexo funcional

que resulta no encobrimento da substância do negócio e ofende a transparência do mercado.

Tais operações ou negócios apresentam-se como aparentemente regulares mas na

realidade são integralmente controlados pelo agente de forma a violar o livre jogo da oferta e

da procura.

Relativamente ao elemento subjectivo genérico o mesmo traduz-se no dolo em qualquer

das suas modalidades previstas no art. 14º do Código Penal e, ao que nos interessa, reside na

prática intencional pelo agente das operações fictícias com o conhecimento por aquele dessa

sua natureza e da sua aptidão para alterar o regular funcionamento do mercado.

Trata-se de um crime de perigo abstracto-concreto, dado que prevê a incriminação de

condutas que por serem intrinsecamente perigosas colocam em perigo o bem jurídico tutelado,

o qual consiste no regular funcionamento do mercado.

Um mercado que funcione regularmente é um mercado em que vigora a transparência, em

que a oferta e a procura se regem por critérios de normalidade pautados pelo livre jogo das

mesmas e em que as cotações e preços se formam com base em tal livre jogo (v. Frederico de

Lacerda da Costa Pinto, ob. citada p.93 a 95)

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Tal regularidade e eficiência é afectada, designadamente, pela realização de operações

fictícias em que o agente controla toda a formação do negócio, dando origem a uma liquidez

artificial e à formação de cotações que não tem a menor correspondência com a verdade.

Tal prática é particularmente lesiva se atentarmos quer no facto de as cotações servirem

como referência para a celebração de negócios e decisões de investimento quer no facto de

o agente manipulador reduzir os riscos económicos dos investimentos realizados, subvertendo,

assim, uma das características do mercado - a do risco.

Tecidos tais considerandos, importa proceder à subsunção jurídico-penal da conduta

apurada.

No caso em apreço provou-se que, sendo que, às 17:30 CET (16:30 hora nacional), do dia 19-

02-2008, detinha o arguido ainda em carteira 44.123 acções PORTUCEL e que para actuar em

conformidade com a sua estratégia habitual enquanto investidor, relativamente ao título em

causa, esta sua posição longa (compradora) teria de ser anulada com uma operação de

sentido oposto: uma posição curta (vendedora) de idêntica quantidade (44.123) de acções

PORTUCEL.

Mais resulta provado que, com vista a vender as mesmas, João Batista, através de contacto

telefónico por si estabelecido com o funcionário do BIG que habitualmente dava cumprimento

às suas ordens, Edgar José Pereira da Silva, deu a este ordem para introduzir, no período de pré-

chamada do leilão de encerramento da sessão desse dia de negociação, uma oferta de

venda destas 44.123 (quarenta e quatro mil cento e vinte e três) acções PORTUCEL, limitada ao

preço de € 2,17, e que cumprindo o determinado pelo arguido João Batista, imediatamente

após a mesma ter sido dada, foi tal ordem introduzida, nos seus precisos termos, pelo referido

funcionário do BIG, no sistema informático que gere o mercado de valores mobiliários às

17:30:31 horas CET (16:30:31 hora nacional), dando origem à oferta de venda nº 1147.

Provou-se, ainda, que o arguido, através da evolução dos preços teóricos e das

quantidades executáveis que estavam a ser continuamente divulgadas pelo sistema, verificou

que estava a ter dificuldade em concretizar esta sua oferta, correndo o risco de encerrar a

sessão desse dia com títulos PORTUCEL em carteira, pelo que deu pessoalmente ordem, via

telefone, no mesmo dia e no período de chamada do leilão, para proceder à venda de

400.000 (quatrocentas mil) acções PORTUCEL, ao preço limite de € 2,14, a qual foi cumprida de

forma imediata e nesses precisos termos esta ordem, introduziu Edgar Silva, em nome do

operador financeiro BIG, às 17:30:48 horas CET (16:30:48 hora nacional), uma oferta de venda

de 400.000 acções da PORTUCEL, agora ao preço limite de € 2,14, a qual veio a assumir o nº

1163.

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A quantidade de acções desta oferta foi modificada pelo BIG às 17:32:25 horas CET

(16:32:25 hora nacional), em cumprimento de ordem dada pessoalmente via telefone pelo

arguido João Batista, dando origem à oferta de venda de 650.000 (seiscentas e cinquenta mil)

acções PORTUCEL limitada a idêntico preço (€ 2,14), à qual foi atribuído o nº 1184, sendo as

ofertas de venda n.º 1163 e 1184, foram feitas de forma fechada, a solicitação do arguido,

mostrando-se visíveis ao mercado para venda apenas 3.000 (três mil acções) acções ao valor

de € 2,14.

Mais se provou que esta oferta de venda de 400.000, depois alterada para 650.000 acções,

apresentava um limite de preço de venda muito baixo (€ 2,14), face aos preços de transacção

que tiveram lugar na sessão de negociação desse dia, em que o preço oscilou entre o valor

mínimo de € 2,17 e o valor máximo de € 2,23, apresentava igualmente uma quantidade muito

elevada face às quantidades transaccionadas na sessão de negociação desse dia, em que o

negócio com maior volume ascendeu a 50.000 acções.

Finalmente, encontra-se provado que, poucos segundos antes do final do período de

consolidação de ofertas que antecede o leilão de encerramento da sessão, João Batista deu

pessoalmente, através de contacto telefónico, ordem ao funcionário do BIG, Edgar Silva, para

proceder ao cancelamento da oferta de venda nº 1184.

Ora, não obstante poder admitir-se, em termos hipotéticos, que as condições de tempo, de

quantidade e de preço em que as ordens referidas foram dadas pelo arguido pudessem

conduzir à realização de negócios por parte de outros investidores com base em pressupostos

erróneos, sempre se dirá que, no caso, não se provou que tais negócios fossem fictícios e

intrinsecamente aptos ou idóneos a alterar o regular funcionamento do mercado

Por outras palavras, não pode dizer-se que, relativamente a tais negócios, não vigorou o livre

jogo de oferta e da procura, a transparência, o anonimato e o risco, porquanto não se apurou

que as operações realizadas não correspondessem à real vontade do arguido.

Acresce que, no que tange ao elemento subjectivo do tipo, não se demonstra o mesmo

provado já que, não se apurou que o arguido tenha ordenou ao BIG, a inserção, no sistema de

negociação de ofertas de índole fictícia de quantidade elevada face ao padrão normal de

negociação, com o único intuito de dar ao mercado a impressão enganosa de que existia, na

fase de chamada que precedeu o final do leilão de fecho da sessão de 19-02-2008, oferta de

venda do valor mobiliário PORTUCEL que sabia não ser verdadeira.

Atento o exposto, não se encontrando provados os elementos necessários ao

preenchimento do tipo de ilícito imputado ao arguido, impõe-se concluir, sem necessidade de

ulteriores considerandos, pela sua absolvição.

5.º Juízo Criminal de Lisboa

5º Juízo - 2ª Secção Av. D. João II, 1.08.01 - Edif. B - 1990-097 Lisboa

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Proc. n.º 7391/08.3TDLSB Processado por computador e revisto – 26

Não existe fundamento para a condenação do arguido no pagamento das custas criminais

(artigos 513.º e 514.º, a contrario, do Código de Processo Penal).

*

IV Decisão

Atento o exposto, e à luz das normas legais citadas decide-se absolver João Manuel Martins

Batista do crime de manipulação de mercado, previsto e punido pelas disposições conjugadas

dos artigos 26.º, do Código Penal e do artigo 379.º, nºs 1 e 2, na redacção do Decreto-Lei n.º

486/99, de 13/11, alterado pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15/03, versão em vigor à data da

prática dos factos, e actualmente previsto e punido pelo mesmo preceito, na redacção que

lhe foi dada pela Lei n.º 28/2009, de 19/06, que lhe foi imputado.

Sem tributação.

Notifique.

Remeta cópia da presente decisão ao Conselho Directivo da Comissão do Mercado de

Valores Mobiliários nos termos do disposto no artigo 387.º do Código dos Valores Mobiliários.

Proceder-se-á ao depósito.

Lisboa, 16 de Setembro de 2011

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