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66 VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais Os créditos laborais no processo especial de revitalização: breves notas e inquietações 1 Ana Ribeiro Costa UCP-Escola de Direito do Porto, Advogada 2 1. Introdução O memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica, apresentado em Maio de 2011 3 , previa, sob o título “regulação e supervisão do setor financeiro”, a alteração do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o que veio a ser concretizado pela Lei n.º 16/2012, de 20-04. A mais importante das alterações consubstanciou-se na criação do processo especial de revitalização. Este processo tem início num requerimento do devedor, que manifesta a vontade de iniciar negociações no sentido de alcançar a sua revitalização, através da aprovação de um plano de recuperação. Sucede que, no que respeita aos créditos laborais, têm sido apresentadas algumas propostas de pagamento em tais planos de recuperação que nos parecem de duvidosa conformidade legal. De facto, alguns planos prevêem o pagamento dos créditos laborais com períodos de carência, perdão de capital e juros, pagamento em dezenas de prestações e pretensa eliminação ou alteração das garantias legais dos créditos laborais. Ora, este tratamento dos créditos laborais reclama a necessidade de uma reflexão sobre todo o sistema de tutela dos créditos laborais, erigido sobre o art. 59º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Em especial, importará analisar as várias formas de tutela legal dos créditos laborais, apreciando as consequências do 1 O presente texto corresponde aos apontamentos que coligimos para a apresentação realizada no VI Congresso Internacional Ciências Jurídico-Empresariais, decorrido em 24-10-2014, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria, completados com algumas referências jurisprudenciais e legislativas posteriores. Agradecemos, desde já, a amabilidade da organização que nos acolheu e destacamos a elevada qualidade técnica e científica de todos os participantes no encontro. 2 A autora é doutoranda e docente convidada da Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa. É advogada na sociedade Gama Lobo Xavier, Luis Teixeira e Melo e Associados, em Guimarães, colabora com o Católica Research Center for the Future of Law e é Vice-Presidente da Associação de Jovens Juslaboralistas. O presente texto terá em consideração a legislação, doutrina e jurisprudência publicadas até 21-01- 2015. As citações de jurisprudência serão todas pertencentes à fonte informática www.dgsi.pt, exceto quando expressamente se indicar que a decisão não se encontra publicada, caso em que a autora acedeu à mesma no exercício da sua atividade profissional. 3 Que pode ser consultado em https://infoeuropa.eurocid.pt/opac/?func=service&doc_library=CIE01&doc_number=000046743&line_nu mber=0001&func_code=WEB-FULL&service_type=MEDIA, consultado em 21-02-2015.

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

Os créditos laborais no processo especial de revitalização: breves notas e

inquietações1

Ana Ribeiro Costa

UCP-Escola de Direito do Porto, Advogada2

1. Introdução

O memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política

económica, apresentado em Maio de 20113, previa, sob o título “regulação e

supervisão do setor financeiro”, a alteração do Código da Insolvência e da

Recuperação de Empresas (CIRE), o que veio a ser concretizado pela Lei n.º 16/2012,

de 20-04. A mais importante das alterações consubstanciou-se na criação do processo

especial de revitalização. Este processo tem início num requerimento do devedor, que

manifesta a vontade de iniciar negociações no sentido de alcançar a sua revitalização,

através da aprovação de um plano de recuperação.

Sucede que, no que respeita aos créditos laborais, têm sido apresentadas

algumas propostas de pagamento em tais planos de recuperação que nos parecem de

duvidosa conformidade legal. De facto, alguns planos prevêem o pagamento dos

créditos laborais com períodos de carência, perdão de capital e juros, pagamento em

dezenas de prestações e pretensa eliminação ou alteração das garantias legais dos

créditos laborais.

Ora, este tratamento dos créditos laborais reclama a necessidade de uma

reflexão sobre todo o sistema de tutela dos créditos laborais, erigido sobre o art. 59º

da Constituição da República Portuguesa (CRP). Em especial, importará analisar as

várias formas de tutela legal dos créditos laborais, apreciando as consequências do

1 O presente texto corresponde aos apontamentos que coligimos para a apresentação realizada no VI Congresso Internacional Ciências Jurídico-Empresariais , decorrido em 24-10-2014, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria, completados com algumas referências jurisprudenciais e legislativas posteriores.

Agradecemos, desde já, a amabilidade da organização que nos acolheu e destacamos a elevada qualidade técnica e científica de todos os participantes no encontro.

2 A autora é doutoranda e docente convidada da Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa. É advogada na sociedade Gama Lobo Xavier, Luis Teixeira e Melo e Associados, em Guimarães, colabora com o Católica Research Center for the Future of Law e é Vice-Presidente da Associação de Jovens Juslaboralistas.

O presente texto terá em consideração a legislação, doutrina e jurisprudência publicadas até 21-01-2015. As citações de jurisprudência serão todas pertencentes à fonte informática www.dgsi.pt, exceto quando expressamente se indicar que a decisão não se encontra publicada, caso em que a autora acedeu à mesma no exercício da sua atividade profissional.

3 Que pode ser consultado em https://infoeuropa.eurocid.pt/opac/?func=service&doc_library=CIE01&doc_number=000046743&line_number=0001&func_code=WEB-FULL&service_type=MEDIA, consultado em 21-02-2015.

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regime de garantia de tais créditos, distinguindo os créditos remuneratórios dos

indemnizatórios e, bem assim, dos compensatórios. Em consequência, apreciaremos

se os mesmos são renunciáveis ou disponíveis e em que medida.

Impõe-se, ainda, proceder a uma cuidada análise da jurisprudência que se tem

debruçado sobre a matéria. Na verdade, apreciando a legalidade dos planos de

recuperação sob a perspetiva do princípio da igualdade dos credores, a jurisprudência

tem decidido de forma contraditória o relevo de tais particularidades dos créditos

laborais.

Assim, impõe-se discutir o reflexo que o processo especial de revitalização teve

sobre a tutela dos créditos dos trabalhadores e se a jurisprudência tem resolvido os

problemas concretos com respeito pela natureza constitucionalmente consagrada a

tais créditos.

Cumprirá, ainda, apreciar a articulação dos interesses subjacentes ao

processo especial de revitalização com as garantias substanciais e procedimentais

características da legislação laboral, abordando algumas questões onde a colisão

entre tais princípios se poderá verificar.

2. Garantias especiais dos créditos laborais

Dispõe o art. 59º da CRP que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça,

cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição

do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para

trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; (…) 3. Os salários gozam de

garantias especiais, nos termos da lei.”

Assim, prevê a CRP que os salários gozem de especiais garantias.

A especial proteção destes créditos deriva do facto destes se afigurarem como

contrapartida do trabalho, sendo suporte da existência do trabalhador e da

subsistência da sua família. Reconhece-se, pois, uma dimensão social ou alimentar do

salário. Finalmente, há quem lhe atribua, ainda, uma dimensão de “instrumento de

política económica”, relacionando a sua determinação com a concertação social e a

contratação coletiva4.

4 Cfr. ANTÓNIO DE LEMOS MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra,

2010, p. 467.

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Tais garantias especiais dos créditos laborais encontram-se consagradas em

diversa legislação, com destaque para o CT. Entre elas, encontram-se as seguintes:

1) Regime dos arts 334º e 335º do CT, que reforça a responsabilidade do

empregador pelo pagamento dos créditos laborais, estabelecendo a responsabilidade

solidária do empregador e da sociedade que com este se encontre em relação de

participações recíprocas, domínio ou grupo5 e a responsabilidade solidária dos sócios6,

gerentes, administradores e diretores7/8;

2) Regime relativo à prescrição dos créditos laborais, previsto no art. 337º

do CT: impossibilidade de prescrição na pendência da relação laboral, prescrevendo

os mesmos um ano após a cessação da relação de trabalho9;

3) Previsão da proibição da diminuição do salário – princípio da

irredutibilidade (art. 129º, n.º 1, alínea d) do CT);

4) Manutenção da retribuição mesmo sem trabalho efetivo

(designadamente, em feriados, casos de suspensão prolongada do contrato por

motivos relacionados com a empresa, certas faltas justificadas, créditos de horas por

motivos sindicais ou outros – arts. 255º, n.º 1 e n.º 2 a contrario, 364º, n.º 1, 408º, n.º 2

e 467º, n.º 1, do CT10);

5) Insusceptibilidade de cessão da remuneração (art. 280º do CT),

impossibilidade (em regra) de compensação e descontos durante a pendência do

contrato (art. 279º do CT) e parcial impenhorabilidade da retribuição (art. 824º, n.º 1,

5 Arts. 481º e ss’ do Código das Sociedades Comerciais – CSC. 6 Art. 83º do CSC - desde que se verifiquem os pressupostos dos arts. 78º, 79º e 83º do mesmo

diploma. 7 Quando se verifiquem os pressupostos dos arts. 78º e 79º do CSC. JOANA COSTEIRA, Os efeitos da

declaração de insolvência no contrato de trabalho: a tutela dos créditos laborais, Almedina, Coimbra, 2013, p. 94.

8 BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER salienta que, nestes últimos casos, a responsabilidade depende da alegação e prova dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Manual de Direito do Trabalho, Verbo, Lisboa, 2014, p. 626. Também JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES esclarece que se trata de responsabilidade subjectiva: Direito do Trabalho. Volume I. Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 902.

9 Esta interpretação, embora durante décadas sustentada pelas doutrina e jurisprudência maioritárias, parece começar a merecer alguma crítica, como a de BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER. O autor afirma que o regime do art. 337º do CT deve ser entendido como um complemento do sistema do Direito Civil, pelo que deverá aplicar-se o prazo geral de prescrição de 20 anos e o de 5 anos previstos no Código Civil (CC), devendo, ainda, estender-se tal regime prescricional aos direitos de impugnação. «Prescrição dos créditos laborais», Revista de Direito e de Estudos Sociais (RDES), n.os 1-4, ano XLIX, 2008, pp. 254 e 255. O autor retoma o assunto em «Prescrição nas relações de trabalho (uma questão polémica)», RDES, n.os 3-4, julho-dezembro 2012, 7-41.

10 BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Manual de Direito do Trabalho, cit., p. 619.

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alínea a) do Código de Processo Civil)11. Note-se que o art. 62º, n.º 3, do revogado

Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (Decreto-

Lei n.º 132/93, de 23-04) refletia a ideia de indisponibilidade parcial dos créditos

laborais: “qualquer redução do valor dos créditos dos trabalhadores deverá ter como limite a medida

da sua penhorabilidade e depender do acordo expresso destes”12/13;

6) O pagamento da retribuição deve ser imediatamente após o vencimento

da mesma ou até no dia útil anterior (art. 278º, n.º 4, do CT);

7) O atraso no pagamento da retribuição configura mora do empregador

(art. 323º, n.º 2, do CT);

8) A falta de pagamento da remuneração no momento do seu vencimento

consubstancia contraordenação grave (art. 278º, n.º 6, do CT);

9) A falta de pagamento, nos termos legais, da retribuição de férias,

subsídios de férias e de Natal e retribuição de trabalho noturno consubstancia

contraordenação muito grave (arts. 263º, n.º 3 e 264º, n.º 4, do CT);

10) A falta de cumprimento dos requisitos legais quanto ao pagamento da

retribuição por isenção de horário de trabalho, da retribuição por exercício de funções

afins ou funcionalmente ligadas com retribuição mais elevada e do trabalho

suplementar, constitui contraordenação grave (arts. 265º, n.º 3, 267º, n.º 2 e 268º, n.º

4, do CT);

11) A falta de pagamento da retribuição pode, em determinados casos,

fundamentar a suspensão do contrato de trabalho (arts. 323º, n.º 3 e 325º e ss’ do CT)

ou a sua resolução com justa causa (arts. 323º, n.º 3, 394º, n.º 2, alínea a) e 394º, n.º 3,

alínea c) do CT);

12) Impossibilidade de prática de determinados atos que possam diminuir

património do empregador quando o empregador esteja em situação de falta de

pagamento pontual da retribuição (art. 313º ex vi do art. 324º, n.º 1, do CT);

11 Ibidem, p. 995. 12 Sobre este preceito, vd. ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO, «Reflexos laborais do Código dos

Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência», RDES, n.os 1-2-3, 1995, p. 84. 13 BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER entende que as posições inderrogáveis são apenas quanto

aos direitos primários à prestação, sendo que sobre as pretensões de natureza patrimonial em caso de violação desses direitos (ou seja, as prestações secundárias de caráter indemnizatório) poderão recair confissão, transação, renúncia e prescrição. Para mais desenvolvimentos, veja-se o Manual de Direito do Trabalho, cit., p. 996. Defende ainda o autor que é possível a renúncia após a extinção do vínculo contratual, posição também manifestada por ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO. Cfr. respetivamente Manual de Direito do Trabalho, cit., pp. 621 e «Reflexos laborais do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência», cit., p. 84.

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13) A prática de determinados comportamentos (art. 313º ex vi do art. 324º,

n.º 1, do CT) pode consubstanciar infracção criminal (art. 324º, n.º 3, do CT);

14) Irrenunciabilidade de certos créditos laborais, como os que decorrem de

acidentes de trabalho e doenças profissionais: consagração da nulidade de acordos no

âmbito das prestações decorrentes de acidente de trabalho (art. 12º da Lei n.º

98/2009, de 04-09, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e

doenças profissionais – LAT –) e natureza dos créditos derivados daquele diploma,

qualificados como inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis (art. 78º da LAT)14;

15) Possibilidade de condenação para além do pedido em processo do

trabalho (art. 74º do Código de Processo do Trabalho), refletindo mais uma vez a

tendencial irrenunciabilidade aos créditos laborais;

16) O regime dos arts. 25º a 31º da Lei 105/2009, de 14-09: quando o

trabalhador for alvo de execuções tendo créditos laborais vencidos e não pagos,

poderá haver suspensão de execuções fiscais, suspensão de venda de bens

penhorados ou dados em garantia, suspensão da execução de sentença de despejo15).

Para além das garantias supra referidas, as garantias mais significativas dos

créditos laborais estão previstas nos arts. 333º e 336º do CT e consistem nos

privilégios creditórios atribuídos aos créditos laborais e, bem assim, na possibilidade

de acesso ao Fundo de Garantia Salarial (FGS)16.

Mas, afinal, que créditos estão abrangidos por esta tutela? Apenas os salários,

como se diz no art. 59º, n.º 3, da CRP? Ora, entende-se atualmente de forma pacífica,

atenta a redação atual dos arts. 333º e 336º do CT, que não só os créditos emergentes

do contrato de trabalho, mas também os créditos decorrentes da sua violação e da

sua cessação estão abrangidos por esta tutela.

De facto, os trabalhadores podem ser credores da entidade empregadora,

detendo créditos referentes à execução do contrato de trabalho (remuneração,

14 BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER atenta que não há referência expressa na lei a qualquer

indisponibilidade de posições jurídicas dos trabalhadores, embora no caso da retribuição a irrenunciabilidade resulte de todo o sistema legislativo laboral – o trabalhador não pode renunciar previamente, ainda que parcialmente, aos créditos garantidos por lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Sobre esta matéria, veja-se Manual de Direito do Trabalho, cit., pp. 620 e 994.

15 ROSÁRIO PALMA RAMALHO critica estas duas últimas hipóteses, porquanto fazem recair sobre terceiros as consequências do incumprimento do empregador; a autora adianta, ainda, que poderá haver inconstitucionalidade por quebra dos princípios igualdade e proporcionalidade. Tratado de Direito do Trabalho. Parte II. Situações Laborais Individuais, Almedina, Coimbra, dezembro 2012, p. 606.

16 Nesta matéria deve atender-se à Diretiva n.º 80/987 e à Diretiva n.º 2008/94, de 22 de outubro, referentes a proteção dos trabalhadores em caso de insolvência.

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subsídio de alimentação, subsídio de férias e Natal, subsídio de turno, e mesmo

créditos excecionais como gratificações extraordinárias, participações nos lucros17,

prestações decorrentes da LAT – art. 78º LAT –, entre outros), bem como créditos

atinentes à violação ou cessação do contrato de trabalho.

Entre estes últimos encontram-se, designadamente, os proporcionais de férias,

de subsídio de férias e de subsídio de Natal, os créditos indemnizatórios (que

derivam, designadamente, da indemnização devida pela resolução do contrato com

justa causa pelo trabalhador nos termos do art. 396º do Código do Trabalho – CT –,

ou os que resultam de indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho que

resulta de despedimento ilícito, prevista na alínea a) do n.º 2 do art. 389º do CT, ou

ainda, devidos em substituição da reintegração, a pedido do trabalhador, consagrados

no art. 391º do CT), e os créditos compensatórios (resultantes da compensação devida

por cessação do contrato por despedimento coletivo, extinção do posto de trabalho,

despedimento por inadaptação – arts. 344º, n.º 2, 345º, n.º4, 346º, n.º 5, 347º, n.º 5,

366º, 372º e 379º do CT18).

Com o CT reforçou-se este regime, estendendo estas garantias não só aos

créditos salariais, mas também aos créditos decorrentes da violação e cessação do

contrato.

2.1. Graduação: privilégios creditórios

Atualmente, os privilégios creditórios estão previstos no art. 333º do CT.

Recorde-se que os privilégios creditórios correspondem à faculdade que a lei,

em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do

regime, de serem pagos com preferência a outros (art. 733º do CC).

Ora, dispõe o CT que quer os créditos laborais (todos eles, como se viu)

beneficiam dos seguintes privilégios creditórios:

17 JOANA COSTEIRA, op. cit., p. 102. 18 Distinguindo os diversos créditos entre remuneratórios, indemnizatórios e compensatórios, veja-se

JOANA COSTEIRA, op. cit., p. 86. Todavia, parece-nos que nem sempre esta classificação poderá coincidir ou sobrepor-se à distinção entre créditos decorrentes da cessação, violação ou cessação do contrato, respectivamente, já que, a título de exemplo, os créditos decorrentes do direito à reparação decorrentes da LAT poderão ser considerados créditos indemnizatórios, embora decorram da execução do contrato de trabalho e não necessariamente da sua violação nem certamente da sua cessação.

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a) Privilégio mobiliário geral19;

b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o

trabalhador presta a sua atividade.

Note-se que, nos termos dos arts. 47º, n.º 4, alínea a) e 97º do CIRE, estas

garantias não se extinguem com a declaração insolvência. Diríamos que nos parece

evidente que tais privilégios também não extinguem com a situação de pendência de

processo de revitalização da empresa, mantendo-se tais garantias sobre os créditos

laborais mesmo em tal hipótese, independentemente de tal garantia ser ou não

expressamente referida no plano de recuperação da empresa20.

Estes privilégios configuram uma derrogação ao princípio par conditio

creditorum, que significa que, em princípio, os credores estão em pé de igualdade

perante o devedor, pelo que ocuparão posição de paridade (art. 604º, n.º 1, do CC). A

ideia da criação deste princípio da igualdade dos credores, seria fazer solucionar

facilmente um problema distributivo complexo, fazendo ceder o princípio em face de

causas legítimas de preferência21. Para outros autores, o princípio corresponde a uma

justiça distributiva, a uma comunhão de perdas ou comunhão no risco22.

De qualquer forma, o princípio par conditio creditorum significa tratar igual o

que é igual e diferente o que é diferente. Assim, desde que justificada no caso

concreto, a discriminação resultante dos privilégios creditórios permite a realização

da satisfação comunitária23. Como tal, entende-se que os créditos laborais são causas

legítimas de preferência24, beneficiando, portanto, os credores laborais de um

tratamento desigual justificado.

Nesta matéria, cumpre referir que o art. 17º-H do CIRE, surgido aquando da

criação do processo especial de revitalização e aditado ao CIRE pela Lei n.º 16/2012,

19 MIGUEL LUCAS PIRES defende que este deveria ser um privilégio mobiliário especial, sobre

todos os instrumentos de trabalho afetos à atividade do trabalhador, de modo a melhorar a graduação deste privilégio – «Garantia dos créditos laborais», in Código do Trabalho. A Revisão de 2009, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 392.

20 Assim, os créditos laborais sempre beneficiarão das garantias que acima melhor descrevemos, em especial dos privilégios creditórios do art. 333º do CT. Todavia, a possibilidade de eliminação e alteração da graduação de tais garantias foi discutida nos arestos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17-12-2013, relatado por Paulo Duarte Barreto, e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19/06/2014, relatado por Helena Melo, que abordaremos adiante, onde se debatia a hipótese de um devedor colocar em causa, por via do plano de recuperação, a persistência e a graduação legalmente conferida aos privilégios creditórios dos trabalhadores.

21 JOANA COSTEIRA, op. cit.,, p. 107. 22 Ibidem, p. 108. 23 Ibidem, p. 112. 24 Ibidem, p. 109.

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de 20-04, prevê que “1 - As garantias convencionadas entre o devedor e os seus credores durante o

processo especial de revitalização, com a finalidade de proporcionar àquele os necessários meios

financeiros para o desenvolvimento da sua atividade, mantêm-se mesmo que, findo o processo, venha a

ser declarada, no prazo de dois anos, a insolvência do devedor.2 - Os credores que, no decurso do

processo, financiem a atividade do devedor disponibilizando-lhe capital para a sua revitalização gozam

de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral

concedido aos trabalhadores”. Sendo assim, a nosso ver, este preceito coloca problemas

significativos de articulação com o regime que acima identificámos, já que a

graduação dos privilégios dos créditos laborais, constitucionalmente garantidos, é

aqui alterada, dando-se prevalência aos créditos do “credor financiador”.

CATARINA SERRA discute se estas garantias são constituídas apenas para

os credores financeiros stricto sensu, que disponibilizem meios financeiros ou capital

à empresa25, ou se também abarca os trabalhadores, que são indispensáveis para a

continuidade da empresa, sendo a autora da opinião de que estes estão também

abrangidos26.

Ora, não obstante reconheçamos a bondade e justiça material inerente a tal

posição, entendemos que o preceito não poderá interpretar-se dessa forma, já que o

legislador – mal ou bem27 –, ao graduar expressamente aquela garantia antes do

privilégio mobiliário geral dos trabalhadores, quis beneficiar de forma especial

aqueles “credores financiadores”, distinguindo-os claramente dos trabalhadores.

Parece-nos que o legislador quis, precisamente, afastar a força das garantias dos

créditos laborais. Com efeito, que o legislador se esqueceu da essencialidade dos

trabalhadores para a viabilidade e continuidade da empresa (tal como sublinha

CATARINA SERRA28) parece evidente, mas não podemos ir além da letra e do

espírito da lei e tentar contornar os mesmos contrariando a expressa vontade do

legislador.

Ademais, CATARINA SERRA esclarece que este privilégio do 17º-H do CIRE,

quanto aos créditos laborais, será apenas aplicável aos créditos “relativos às prestações

de trabalho efetuadas durante o PER”, enquanto que os privilégios constantes do 333º do

25 CATARINA SERRA, «Para um novo entendimento dos créditos laborais na insolvência e na pré-

insolvência da empresa – Um contributo feito de velhas e novas questões», Questões Laborais, n.º 42 - número especial comemorativo dos 20 anos da Revista, janeiro 2014, p. 202.

26 Sobre as vantagens desta interpretação, veja-se «Para um novo entendimento…», cit., pp. 203 e 204.

27 Mal, a nosso ver. 28 CATARINA SERRA, «Para um novo entendimento…», cit., p. 203.

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CT beneficiarão todos os créditos laborais, anteriores ao processo especial de

revitalização e posteriores ao mesmo29. Todavia, entendemos que os créditos laborais

referentes à execução do contrato de trabalho durante o processo especial de

revitalização devem equiparar-se às “dívidas da massa” em sede de insolvência,

devendo, portanto, ser pagas preferencialmente (arts. 172º e 219º do CIRE), não

devendo ser incluídas no plano de recuperação, que abrangerá apenas os créditos

vencidos até ao recebimento do processo especial de revitalização e nomeação do

Administrador Judicial Provisório (AJP)30 ou, quando muito, até à data do termo do

prazo para a reclamação de créditos31. Na nossa opinião, é aquele o momento do

“reset”, em que se fixa o passivo da empresa que vai ser sujeito a reestruturação32.

Como tal, estes créditos remuneratórios não têm porque beneficiar de tal garantia

acrescida.

Além disto, a autora afirma que a interpretação literal daquele preceito

afastaria da mesma os credores fornecedores que disponibilizam matéria prima e os

credores trabalhadores que se dispõem a prestar trabalho, ambos essenciais à

continuidade da empresa33. Mais uma vez, reconhecemos a retidão e justiça do

pensamento subjacente a este argumento, mas a solução dada corresponderia a uma

proliferação de “credores financiadores” com tal privilégio, passando estes a ter não

uma garantia excecional34, mas uma garantia comum a vários credores, o que

afastaria a ratio da criação da mesma, que é, no nosso entendimento, a de incentivar

determinados credores a assumirem o risco do financiamento de uma empresa em

29 Ibidem, p. 205. 30 Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-01-2015, relatado por Fernanda

Soares. 31 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-01-2015, relatado por Márcia Portela, não

publicado. Neste sentido, referindo que os créditos constituídos após o termo do prazo para a reclamação de créditos não são atendidos no processo especial de revitalização nem afetados pelo plano, vd. NUNO SALAZAR CASANOVA e DAVID SEQUEIRA DINIS, PER – o Processo especial de revitalização. Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 57. Ainda assim, os autores admitem que os créditos não vencidos possam ser reclamados, em determinadas circunstâncias. Op. cit., p. 66.

32 Exceção feita para os créditos sob condição suspensiva que sejam reconhecidos pela própria empresa, como veremos, como pode suceder se a empresa prevê desde logo no seu plano de recuperação a realização de um despedimento coletivo, prevendo, em consequência, os valores de créditos laborais de que os trabalhadores serão titulares e prevendo uma forma de pagamento de tais créditos dilatada no tempo.

33 CATARINA SERRA, «Processo especial de revitalização – contributos para uma “rectificação”», Revista da Ordem dos Advogados, abril-setembro 2012, p. 731.

34 FÁTIMA REIS SILVA salienta, precisamente, esta característica da excecionalidade, para recusar conceder a este preceito uma interpretação extensiva como a que é dada por JOÃO LABAREDA. Processo Especial de revitalização. Notas práticas e jurisprudência recente, Porto Editora, Porto, 2014, p. 76.

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situação financeira difícil, garantindo que para esse “credor financiador” que apareça

como “salvador” da empresa em processo especial de revitalização haja um

tratamento realmente diferenciado caso o plano de recuperação não tenha sucesso.

2.2. Fundo de Garantia Salarial

O art. 336º do CT prevê o pagamento de créditos decorrentes da execução,

violação ou cessação do contrato de trabalho por parte do FGS, quando o mesmo não

possa ser concretizado pelo empregador por motivo de insolvência ou situação

económica difícil. O art. 12º, n.º 6, alínea o) da Lei preambular que aprovou o CT de

2009 (Lei n.º 7/2009, de 12-02) manteve em vigor os arts 316º a 326º da

Regulamentação ao CT de 2003 (Lei 35/3004, de 29-07), que dispõem sobre este

pagamento por parte do FGS.

O FGS funciona, pois, como uma “ulterior garantia especial” que atua no

cumprimento de uma obrigação que seria do empregador35.

Note-se, todavia, que este regime está prestes a ser alterado, estando

pendente uma alteração ao mesmo que prevê o seu alargamento às hipóteses de falta

de pagamento por parte do empregador devido à pendência de processo especial de

revitalização36.

35 JOANA COSTEIRA, op. cit., p. 143. 36 Aprovado em Conselho de Ministros, conforme comunicado de 12-02-2015 disponível em

http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministro-da-presidencia-e-dos-assuntos-parlamentares/documentos-oficiais/20150212-cm-comunicado.aspx. Note-se que a proposta de Decreto-lei divulgada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 6, de 05-12-2014, para apreciação pública, nos coloca sérias dúvidas quanto à forma como se vai executar este novo regime. De facto, o empregador deverá prever no plano de recuperação o pagamento em prestações aos trabalhadores ou ao FGS? Será uma dívida a negociar de forma independente? Ou o FGS sub-roga-se nos direitos e também na posição dos trabalhadores no plano de recuperação que seja aprovado, submetendo-se e vinculando-se à posição adotada pelo trabalhador? E se o trabalhador tiver votado favoravelmente à redução do seu crédito, o FGS pode pedir do empregador a devolução do que pagou a mais ao trabalhador, ou só o poderá reclamar ao próprio trabalhador? Ou independentemente de ter ou não pago a mais ao trabalhador, pode exigir ao empregador ou terá de reclamar do próprio trabalhador o valor da parte do crédito “perdoado”? E se o plano, mesmo sem o voto favorável do trabalhador, for aceite com redução do crédito laboral? O FGS fica sujeito às disposições do plano? Muitas são as inquietações que nos coloca esta solução, e que tentaremos aflorar em próximos estudos sobre a matéria, consoante a redação final que o diploma venha a obter.

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

3. Particularidades do tratamento dos créditos laborais no

Processo Especial de Revitalização

São várias e profundas as divergências que assolam a doutrina e a

jurisprudência em matéria de tratamento dos créditos laborais em sede de processo

de insolvência. Diríamos que, em regra, tais diferenças resultam de diferentes

entendimentos quanto a esta matéria: uns mais próximos do direito insolvencial,

outros com tendência mais social, tentando conciliar as particularidades de ambos os

ramos do Direito.

Assim, não foi com espanto que percebemos que, com a criação de um novo

processo no âmbito do CIRE, novos problemas se levantaram, desta feita

relativamente ao tratamento dos créditos laborais em sede de processo especial de

revitalização.

Com efeito, o memorando de entendimento sobre as condicionalidades de

política económica previa o seguinte: “A fim de melhor facilitar a recuperação efectiva de

empresas viáveis, o Código de Insolvência será alterado (…) para, entre outras, introduzir uma maior

rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação de planos de reestruturação”. O fito da criação do

processo especial de revitalização seria, portanto, a obtenção da recuperação do

devedor, privilegiando a sua manutenção no giro comercial.

Ora, como afirmámos a título introdutório, alguns planos de recuperação têm

previsto propostas de pagamento dos créditos laborais em termos que nos parecem de

duvidosa conformidade legal, concedendo-lhes um tratamento que nos parece

desadequado à sua natureza e graduação. Assim, impõe-se discutir o reflexo que o

memorando teve, nesta matéria, sobre os trabalhadores.

De facto, alguns planos de recuperação que encontrámos, quer na nossa

prática profissional, quer na análise da jurisprudência sobre a matéria, prevêem

para o pagamento dos créditos laborais soluções como o perdão de dívida (de capital

e/ou de juros)37, o pagamento dos créditos em prestações, o estabelecimento de

períodos de carência (por exemplo, 30 meses após homologação do plano38), e

nenhuma garantia de tal pagamento39.

37 A título de exemplo, veja-se um perdão de dívida de 50% no Acórdão do Tribunal da Relação de

Guimarães, de 17-12-2013, relatado por Paulo Duarte Barreto. 38 Cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30-06-2014, relatado por Caimoto Jácome. 39 Nenhuma garantia adicional, acrescentaríamos, já que, como adiantámos acima, os créditos

sempre beneficiarão dos privilégios creditórios do art. 333º do CT.

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

Ademais, outros problemas se colocam quanto ao tratamento distinto que é

dado aos contratos de trabalho que cessam e aos que se mantêm.

Analisaremos de perto a jurisprudência que encontrámos nesta matéria, para

perceber as diferentes posições que se têm encontrado relativamente ao assunto.

Em aresto do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-06-2013, relatado por

Rosa Tching, em que se discutia o facto de os créditos da Segurança Social terem

mais garantias do que os créditos laborais e serem pagos sem período de carência e

com juros, o que violaria o princípio da igualdade, o Tribunal entendeu não ocorrer

tal violação. Apoiou o seu entendimento no facto de que a Lei n.º 16/2012, de 20-04,

revelou uma mudança de paradigma do regime insolvencial, promovendo a

recuperação, privilegiando a manutenção do devedor no giro comercial. Ademais,

ponderou a comparação com a situação de insolvência, concluindo que esta não seria

obrigatoriamente melhor, já que, em situação de liquidação, o valor do ativo

diminuiria, as custas do processo teriam de ser pagas, e o despedimento de mais

trabalhadores traria um aumento global da dívida, para além de eliminar postos de

trabalho. Em relação ao princípio da igualdade, esclareceu que este permite

diferenciações objetivas em função da classificação e categorias hierárquicas dos

créditos, bem como da diversidade das suas fontes/origem, pelo que, in casu, a origem

dos créditos – créditos tributários da Segurança Social servem o pagamento e

proteção de todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de

capacidade de trabalho – justificaria um tratamento diferenciado.

Já na decisão do mesmo Tribunal, de 25-11-2013, da relatora Manuela Fialho,

alcançou-se conclusão distinta. Em causa estava uma proposta de pagamento de

créditos laborais em 24 prestações mensais, com um ano de carência, perdão de juros

e sem constituição de qualquer garantia. Por um lado, o Tribunal entendeu que não

se havia demonstrado que o plano de revitalização seria pior do que seria a hipótese

de insolvência. Mas entendeu, por outro lado, que havia violação do princípio da

igualdade, porquanto se tratava de forma diferente credores iguais (ambos credores

privilegiados), sem justificação. Assim, concluiu o Tribunal que “viola o princípio da

igualdade o Plano de Recuperação que, relativamente a credores privilegiados, propõe apenas para um

dos grupos de credores o início imediato do pagamento das prestações mensais, a constituição de

garantias patrimoniais e o pagamento dos juros vincendos, enquanto que para o outro grupo de credores

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

privilegiados, os credores laborais, prevê apenas o pagamento dos créditos em prestações mensais, com

um ano de carência, sem constituição de qualquer garantia nem pagamento dos juros vincendos”.

No mesmo sentido, no acórdão do mesmo Tribunal, de 17-12-2013, relatado

por Paulo Duarte Barreto, afirmou-se que violaria o princípio igualdade dos credores

a previsão de pagamento à Administração Tributária e Segurança Social da

totalidade do capital e juros, garantidos por hipoteca, sendo o pagamento dos

credores laborais realizado com redução de 50% do capital em dívida e perdão de

juros, prevendo-se o pagamento em 168 prestações, com um período de carência de 24

meses e eliminação da garantia do privilégio mobiliário. Adiantou o Tribunal que não

se pode proteger o devedor à custa desproporcionada do credor, concluindo que, in

casu, havia um evidente desequilíbrio, sendo a recuperação da empresa feita à custa

dos trabalhadores, em especial sem o assentimento destes. Além da violação do

princípio da igualdade, a situação seria mais favorável sem o plano de recuperação do

que com ele.

Em sentido contrário, o Supremo Tribunal de Justiça, em aresto de 25-03-

2014, relatado por Fonseca Ramos, adiantou que “Com o advento de nova realidade

económica, em tempo de crise global e por imposição da troika, assumida pelo Estado Português – o

CIRE – a lei insolvencial vigente, coloca a tónica na recuperação sendo essa a ratio do diploma”.

Apreciando a violação do princípio da igualdade, afirmou aquele Tribunal Superior

que “O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere, aos que deles

beneficiam, um direito absoluto, pese embora a natureza muito peculiar do crédito salarial que visa

remunerar a força do trabalho, muitas vezes único bem de quem trabalha. Esse direito de crédito pode

sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio

da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na legalidade do

exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na dignidade da pessoa

humana – art. 1º da Lei Fundamental. 5. Ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação

da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação

de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar

material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a

sua relevância pública.” Assim, concluiu que os direitos decorrentes de garantias reais e

privilégios creditórios podem ser atingidos, desde que a afetação conste do plano e

nos termos nele previstos, não sendo necessário o consentimento dos credores

afetados. Ponderando o princípio da proporcionalidade, entendeu que a derrogação do

princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

interesses, já que o processo especial de revitalização tem como fim primordial a

recuperação da empresa.

Por seu turno, o Tribunal da Relação de Guimarães, em 19/06/2014, em aresto

relatado por Helena Melo, asseverou que o facto de um dos créditos garantidos ser de

valor significativamente superior aos demais créditos garantidos e privilegiados não

justifica uma “diferença de tratamento entre credores de modo a que a esse credor tudo seja concedido

– capital integral, pagamento de juros vencidos e vincendos e das despesas efectuadas – e os

trabalhadores titulares dos créditos privilegiados, tenham que prescindir dos juros vencidos (…)”.Em

rigor, o aresto rejeitou que, através da aprovação do plano de recuperação no âmbito

do processo especial de revitalização, aos trabalhadores fosse negada a graduação da

garantia legalmente constituída para os seus créditos.

Em suma, como vimos, há decisões da jurisprudência em sentidos opostos

relativamente aos mesmos problemas: a apreciação da eventual violação do princípio

da igualdade (art. 194º do CIRE) e a comparação da situação obtida com o plano com

a situação que seria obtida sem o mesmo (art. 216º, n.º 1, alínea a) do CIRE).

Todavia, o que não é ponderada é a natureza especial dos créditos laborais,

constitucionalmente consagrada. De facto, em momento algum os aludidos arestos se

debruçam sobre as especiais garantias que a CRP confere aos créditos laborais e que,

com a aprovação e homologação dos planos de recuperação em causa ficaram parcial

ou totalmente anuladas.

Repare-se que, como se disse, todo o sistema laboral é construído sob a

perspetiva da (tendencial) irrenunciabilidade, irredutibilidade e indisponibilidade

dos créditos laborais. E se tais características parecem poder desaparecer após a

cessação do contrato, a verdade é que na pendência do mesmo aquelas mantêm-se.

Como tal, choca-nos profundamente que um plano de pagamentos preveja, por

exemplo, um perdão de capital de 50 % dos créditos laborais, quando falámos, muitas

vezes, não apenas de créditos indemnizatórios ou compensatórios, mas de créditos

referentes à própria execução do contrato de trabalho, ou seja, atinentes à

remuneração devida pela efetiva prestação laboral.

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

Assim, embora entendamos que a análise deve ser casuística40, parece-nos

evidente que qualquer plano que preveja o perdão de créditos referentes à execução

do contrato de trabalho não é conforme à legislação (laboral) nem às garantias

constitucionais conferidas ao salário.

O mesmo sucede com a exagerada dilação no tempo do pagamento previsto. É

evidente que o legislador não nos impõe um prazo para tal pagamento41, mas o prazo

deve ser razoável e, no limite, não deve impedir o exercício dos direitos do

trabalhador inerentes a tal pagamento. Isto é assinalado na sentença do 1º Juízo do

Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Gaia, de 23-05-2014, proferida no âmbito de

providência cautelar de suspensão de despedimento coletivo com o n.º de processo

387/14.8TTVNG, não publicada. Nesta sentença concluiu-se que a aplicação do art.

363º n.º 5 do CT (possibilidade de pagamento das compensações devidas em caso de

despedimento coletivo de outra forma que não até ao termo do prazo de aviso prévio)

é possível em caso de processo especial de revitalização, mas apenas após a

homologação judicial do acordo. Ademais, se no plano de recuperação se previr o

pagamento da compensação para além dos seis meses após a cessação dos contratos,

tal consubstanciará uma ilicitude do plano, por impossibilitar que, na prática, o

trabalhador possa impugnar o despedimento coletivo com fundamento na sua

ilicitude por falta de pagamento da compensação devida (art. 383º, alínea c), do CT).

Esclarece a decisão deste Tribunal que “estaria encontrada a forma de promover despedimentos

coletivos sem o pagamento das compensações, bastando para isso instaurar um PER”.

Aqui se revela um outro problema a apreciar em sede de processo especial de

revitalização: quais os créditos a atender no plano de recuperação?

Conforme referimos atrás, entendemos que o momento que determina qual o

passivo que vai ser afetado pelo plano de recuperação é o despacho que recebe o

processo especial de revitalização e nomeia o AJP. Como tal, é evidente que os

créditos não reclamados pelo credor nem reconhecidos pelo devedor no processo

especial de revitalização e, em consequência, não constantes da lista provisória de

40 Atendendo à natureza do crédito laboral em causa, à situação laboral do trabalhador, à concreta

forma de pagamento que é proposta ao mesmo, entre outros elementos. 41 Como sucede, por exemplo, no Brasil, em que o pagamento dos créditos laborais vencidos até à

entrada do processo de recuperação tem como limite o prazo de um ano, sendo que “os créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial” devem ser pagos no prazo máximo de trinta dias - art. 54º da Lei 11.101, de 09-02-2005.

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

credores, não poderão ser abrangidos pelo plano de recuperação, pois não se permitiu

aos credores a sua participação nas negociações e votação do plano.

Maiores problemas se colocam quanto aos créditos que se vençam depois da

entrada do processo especial de revitalização, mas que o trabalhador reclame ou o

empregador reconheça como créditos sob condição suspensiva. É o caso dos créditos

decorrentes da cessação do contrato que o trabalhador preveja (porque vai recorrer,

por exemplo, à resolução com justa causa por falta de pagamento da remuneração) ou

que o empregador antecipe, por pretender prever como medida da execução do plano

de recuperação um despedimento coletivo.

Ora, há quem entenda que não se lhes pode aplicar o plano de recuperação,

porquanto não eram, à data de entrada em juízo do processo, créditos vencidos42, não

podendo ser admitidos créditos sob condição suspensiva43.

É esta a posição explanada no aresto do Tribunal da Relação do Porto de 27-

01-2015, relatado por Márcia Portela, não publicado. Neste assunto, o despacho

proferido em primeira instância determinou que “(…) no que concerne à inclusão no plano de

recuperação do pagamento dos créditos aos trabalhadores constituídos após o prazo de reclamação de

créditos, entende-se que os mesmos não podem ser atendidos no aludido plano, mas não são afectados

pelo mesmo, na medida em que, à data do termo para reclamação de créditos, ainda não eram credores.

Contudo, a impossibilidade legal de atendimento dos citados créditos não é impeditiva da decisão de

homologação da aprovação do plano votado pela maioria dos credores, pois que, neste caso, apenas se

deverá considerar que o plano homologado é ineficaz relativamente aos mencionados créditos, não

produzindo quaisquer efeitos quanto a estes (…) produzindo, contudo, os seus efeitos relativamente aos

demais credores”. Desta decisão recorreu o devedor, dizendo que, não se incluindo

aqueles créditos no processo especial de revitalização, os efeitos práticos do mesmo

ficarão muito limitados, gerando instabilidade e pondo em causa o sucesso do mesmo,

mais adiantando que solução inversa criaria desigualdade entre trabalhadores.

Ademais, a indemnização de antiguidade reporta-se a trabalho prestado

anteriormente, nada obstando a que créditos decorrentes da cessação do contrato,

como créditos sob condição suspensiva, se incluam no plano, sendo que a baliza

temporal para efeitos de determinação de quais os créditos abrangidos pelo plano

42 NUNO SALAZAR CASANOVA e DAVID SEQUEIRA DINIS afirmam que “o crédito deve ser

atendido no PER pelo valor estimável em euros à data do despacho judicial de nomeação de administrador judicial provisório (…) Os créditos, para serem reclamados, têm de existir, ou seja, têm de estar constituídos. Não são, portanto, reclamáveis créditos futuros”. Os autores identificam esta como sendo, aliás, “uma das grandes fragilidades do PER”. Op. cit., p. 55.

43 Conforme doutrina referida acima.

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

deveria ser o trânsito em julgado da sentença de homologação. Ora, o Tribunal

Superior veio a confirmar a decisão da primeira instância, concluindo o seguinte: “Os

créditos relevantes para o PER são aqueles que se considerem constituídos até ao termo do prazo para a

reclamação de créditos. Por outras palavras, os créditos existentes”. Conclui, ainda, que a

sentença recorrida não merece censura, sumariando: “Os créditos dos trabalhadores, por

cessação do contrato de trabalho, constituídos após o decurso do prazo da reclamação de créditos, não

podem ser considerados no plano de revitalização elaborado no âmbito do PER – Processo Especial de

Revitalização. (…) O crédito dos trabalhadores por cessação do contrato de trabalho, antes desta ocorrer,

não podem, obviamente, considerar-se créditos sob condição suspensiva”.

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17-

12-2014, relatado por Eduardo Petersen Silva, que conclui que “Apesar de o plano de

recuperação prever a necessidade de redução de pessoal e o pagamento em prestações das compensações

devidas aos trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo, tal forma de pagamento não é oponível

aos créditos constituídos em momento posterior à sua aprovação. II – A não disponibilização dos

montantes da compensação devida determina a ilicitude do despedimento.”

Também a Relação de Évora, em decisão de 19-12-2013, relatada por José

Feteira, no âmbito de providência cautelar de suspensão de despedimento coletivo,

decidiu que, numa hipótese de despedimento coletivo levado a cabo depois da entrada

do processo especial de revitalização, havendo uma comunicação da decisão que

informa que a compensação será paga em prestações, nos termos do processo especial

de revitalização e ao abrigo do art. 363º, n.º 5, do CT, e não sendo a compensação

paga com a cessação do contrato, o despedimento deverá ser considerado ilícito,

determinando-se a sua suspensão.

Logo, o que está em causa é a articulação da forma de pagamento dos créditos

decorrentes de cessação do contrato de trabalho por despedimento coletivo com o

processo especial de revitalização.

Em primeiro lugar, cumpre denotar que temos dois regimes em confronto: o

regime do processo especial de revitalização (próprio do Direito da Insolvência e da

Recuperação de Empresas) e o procedimento inerente ao despedimento coletivo,

regulado pelo Direito do Trabalho.

Ora, de acordo com o art. 363º, n.º 5, do CT, a compensação devida em caso de

despedimento coletivo deverá, em regra, ser colocada à disposição dos trabalhadores

até ao termo do prazo do aviso prévio a que se refere o n.º 1 do mesmo preceito, ou

seja, até ao efetivo termo do contrato. Exceciona-se, todavia, a “situação prevista no artigo

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

347º ou regulada em legislação especial sobre recuperação de empresas e reestruturação de sectores

económicos”. Sendo assim, poderá em processo especial de revitalização recorrer-se à

exceção do n.º 5 do art. 363º do CT? Caberá na redação da norma o processo especial

de revitalização?

Se é certo que à data de redação deste preceito este processo não existia,

parece-nos todavia que terá de ser admitida a sua inclusão no âmbito que a norma

terá pretendido abranger. O mesmo sucede com outras normas em que a lei se refere

a “empresa em situação económica difícil ou (…) em processo de recuperação de empresa”, como

acontece no n.º 3 do art. 298º do CT, relativamente à aplicação do regime de redução

ou suspensão dos contratos de trabalho em situação de crise empresarial (lay off) e à

desnecessidade das empresas que estejam naquelas circunstâncias terem a sua

situação contributiva regularizada (n.º 4 do mesmo preceito). No mesmo sentido

devem entender-se os n.os 1 e 2 do art. 10º do Decreto-lei n.º 220/2006, de 03-11, que

referem que se configuram como “desemprego involuntário (…) as situações de cessação do

contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efectivos, quer por motivo

de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em

situação económica difícil, independentemente da sua dimensão. 2 - Para efeitos de aplicação do número

anterior considera-se: a) Empresa em situação de recuperação ou viabilização, aquela que se encontre em

processo especial de recuperação, previsto no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa

e Falência, bem como no Código da Insolvência e Recuperação de Empresa, ou no procedimento

extrajudicial de conciliação (…)”. Destarte, a nosso ver, também nestas duas hipóteses, dos

n.os 3 e 4 do art. 298º do CT e n.os 1 e 2 do art. 10º do Decreto-lei n.º 220/2006, de 03-

11, que se referem apenas a título de exemplo, a redação da lei deve entender-se

como abrangendo o processo especial de revitalização.

Assim, por identidade de razões44, também a exceção do n.º 5 do art. 363º deve

entender-se poder ser aplicada a estes processos. Mas como articular a aplicação da

norma com o processo especial de revitalização?

Ora, cumpre referir que, se é verdade que a norma do n.º 5 do art. 363º do CT

admite que o pagamento não seja feito até ao termo do aviso prévio, também é

verdade que não diz de que forma pode ser pago. Como tal, à cautela, e atenta a

jurisprudência do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia que acima indicámos,

44 Que por manifesta indisponibilidade de espaço não vamos expor neste texto.

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

entendemos não se dever prolongar tal pagamento para além dos seis meses após a

cessação do contrato.

De qualquer forma, se conjugarmos a jurisprudência laboral e a

jurisprudência civil supra referidas, a aplicação daquele preceito em situação de

processo especial de revitalização parece resultar impossível!

Senão vejamos: por um lado, se os créditos decorrentes da cessação do

contrato de trabalho em caso de despedimento coletivo só se vencem com a efetiva

cessação do mesmo, e se os créditos a considerar no processo especial de revitalização

e para efeitos de aplicação no plano têm de estar vencidos à data de entrada do

processo ou até ao despacho de nomeação do AJP (jurisprudência civil), então tal

implicará que o despedimento coletivo seja iniciado e terminado antes da entrada do

processo, para que os créditos decorrentes das cessações dos contratos estejam

vencidos e o pagamento dos mesmos possa ser incluído no plano. Todavia, por outro

lado, se o processo de despedimento coletivo terminar (antes da entrada do processo

especial de revitalização) sem que seja colocada à disposição do trabalhador a

compensação, o despedimento será ilícito (jurisprudência laboral). Sendo assim, da

aplicação conjugada das teses jurisprudenciais supra referidas resulta uma

impossibilidade prática de recorrer a um pagamento faseado dos créditos laborais em

situação de processo especial de revitalização, sob pena de tal prática ser ilegal.

Não podemos, pois, concordar (pelo menos não integralmente) com as aludidas

interpretações jurisprudenciais. Há que atender, portanto, não só aos interesses dos

trabalhadores enquanto tal, cumprindo-se as normas procedimentais atinentes ao

procedimento do despedimento coletivo, normas essas imperativas (art. 339º do CT),

mas também aos interesses dos trabalhadores enquanto credores da empresa,

garantindo-lhes o acesso às mesmas formas de proteção garantidas a qualquer outro

credor que tenha participação no processo especial de revitalização. E, de igual modo,

há que tutelar os princípios subjacentes ao processo especial de revitalização,

garantindo que uma determinada interpretação da legislação, demasiado rigorosa e

imaleável, não obstaculize a recuperação das empresas.

Assim, na nossa opinião, desde que os créditos laborais sejam reconhecidos na

lista de credores, quer por reconhecimento do próprio devedor na petição inicial do

processo especial de revitalização, quer por reclamação do trabalhador, permitindo,

portanto, que o trabalhador participe nas negociações e vote o desfecho do plano,

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VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

parece-nos razoável que os mesmos sejam englobados e afetados pelo plano de

recuperação do devedor.

Como tal, salvo melhor opinião, se o empregador quiser pagar os créditos

laborais decorrentes de despedimento coletivo em prestações, submetendo-os ao

plano de recuperação, deve seguir um dos seguintes procedimentos:

a) Procede ao despedimento coletivo dos trabalhadores antes do processo

especial de revitalização, sendo que neste caso os respetivos créditos já serão

necessariamente vencidos à data da entrada do processo especial de revitalização

(devendo ser indicados pelo devedor e podendo ser reclamados pelos trabalhadores,

que farão parte do processo como qualquer credor, participando nas negociações e

votando o plano) e poderão ser pagos nos termos do plano; ou, em alternativa,

b) Comunica a intenção de proceder ao despedimento coletivo aos

trabalhadores abrangidos pelo mesmo (art. 360º do CT) até ao despacho de nomeação

do AJP ou, no limite, durante o decurso do prazo para reclamação de créditos,

permitindo que os trabalhadores reclamem os seus créditos no âmbito do processo

especial de revitalização, fazendo parte do processo como qualquer credor

(participando nas negociações e votando o plano) e sendo os seus créditos pagos nos

termos do plano de recuperação; ou, ainda, em alternativa,

c) Não fazendo o despedimento coletivo antes destes momentos,

reconhece como credores, na petição inicial de apresentação do processo especial de

revitalização, os trabalhadores a abranger no despedimento coletivo, ainda que sob

condição suspensiva, admitindo, como tal, que estes tenham participação e direito de

voto no processo especial de revitalização e que os seus créditos sejam pagos nos

termos do plano a aprovar.

Quanto à primeira e segunda posições, as mesmas apenas aparentemente

contrariam a jurisprudência laboral. De facto, o juízo de ilicitude do despedimento

coletivo por falta de pagamento da compensação pode ser um juízo meramente

transitório, em sede de providência cautelar, e não ser confirmado em sede de

processo principal, se entretanto houver inclusão dos créditos laborais no processo

especial de revitalização, aprovação e homologação do plano de recuperação e

cumprimento deste. A instauração de uma ação antes do termo de prazo para a

impugnação do despedimento coletivo será, todavia, sempre necessária para

86

VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais

interromper tal prazo de caducidade, sob pena de, não sendo pago o crédito no âmbito

do plano aprovado, ser impedido o acesso do trabalhador a tal impugnação45.

Relativamente à relação destas posições com a jurisprudência civil, parece-nos

que a segunda posição mereceria acolhimento em parte da jurisprudência.

Já a terceira opção delineada, que admite que créditos não vencidos à data de

entrada do processo nem até ao termo do prazo para reclamação de créditos, ou seja,

créditos meramente condicionais, eventuais ou potenciais, tenham o mesmo

tratamento que créditos vencidos anteriormente, está em oposição com parte da

jurisprudência civil que encontrámos46. Todavia, parece-nos que esta é a solução mais

adequada à compatibilização da natureza do processo especial de revitalização com

os créditos laborais.

Repare-se que a tramitação do despedimento coletivo é demorada (no limite,

pode atingir cerca de quatro meses de duração, atendendo à antiguidade dos

trabalhadores envolvidos) e, como tal, o vencimento dos créditos laborais e da

compensação derivada do despedimento coletivo, que só ocorre com a cessação do

contrato, pode ocorrer meses após a comunicação inicial de despedimento. Ora, a

situação financeira da empresa admite, muitas vezes, que se aguarde pelo

vencimento de tais créditos para que ocorra a apresentação do processo especial de

45 Ou seja, nas hipóteses referidas, não deve ser peticionada nem declarada a ilicitude do

despedimento com fundamento na alínea c) do art. 383º do CT enquanto o processo especial de revitalização estiver pendente e for possível a homologação do plano de recuperação que englobe o pagamento de tais créditos, salvaguardando-se apenas que não decorra o prazo para impugnação de tal despedimento.

46 Note-se que o entendimento de que apenas os créditos efetivamente vencidos (e já não os futuros ou sujeitos a condição) à data de entrada do processo, à data de nomeação do AJP ou até ao termo do prazo para reclamação dos créditos podem ser atendidos no processo e abrangidos pelo plano, é um entendimento jurisprudencial e doutrinal que não tem assento na letra da lei.

Aliás, há jurisprudência e autores que, em sentido contrário, entendem que os mesmos são admissíveis. Na jurisprudência, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-11-2014, relatado por Cristina Coelho, admitindo até que “se a ponderação dos elementos de que dispunha sobre tais créditos fossem no sentido da probabilidade séria de verificação plena da condição, podia atribuir os votos pelo valor correspondente ao valor nominal dos créditos”, o que nos parece perfeitamente defensável no caso dos créditos laborais sob condição.

Na doutrina, vd. FÁTIMA REIS SILVA, Processo Especial de revitalização…, cit., p. 47 e a mesma autora em «A verificação de créditos no processo de revitalização», II Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2014, p. 265. Aliás, a autora defende que “releva o crédito condicional, desde que se trate de uma condição suspensiva”, em sentido absolutamente contrário ao de NUNO SALAZAR CASANOVA e DAVID SEQUEIRA DINIS, para quem “relativamente aos créditos decorrentes de negócio jurídico sob condição, os mesmos podem ser reclamados se a condição for resolutiva, mas já não se a condição for suspensiva”. Cfr. op. cit., p. 58.

Parece-nos que se a condição a que se sujeita a existência do crédito está na estrita dependência do próprio devedor e não de terceiros e, bem assim, se a verificação de tal condição é prevista e determinada pelo próprio plano de recuperação, não há motivos para que não se aceite a verificação de tais créditos sob condição suspensiva e o seu pagamento nos termos do plano.

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revitalização. Aliás, como se sabe, o processo especial de revitalização surge,

frequentemente, de forma apressada, como antecipação ou reação a potenciais ou

efetivos ataques de credores ao património do devedor, através de ações executivas

ou outras providências, pelo que obrigar o devedor a promover um despedimento

coletivo e aguardar pelo seu termo para poder então apresentar o processo especial

de revitalização é uma solução que não tem qualquer cabimento nem sentido prático.

Acresce que, a nosso ver, as soluções acima apresentadas permitirão a

compatibilização das garantias e direitos dos trabalhadores com o intuito e

vantagens do processo especial de revitalização para o devedor. De facto, as hipóteses

aventadas garantem, na nossa opinião, por um lado, o cumprimento integral de todas

as formalidades e exigências legais decorrentes do procedimento de despedimento

coletivo e, por outro lado, o respeito por todas os pressupostos impostos pelo regime

do processo especial de revitalização, não se opondo a qualquer norma legal nem a

qualquer princípio inerente a tal processo.

Pelo contrário, caso a entidade empregadora não proceda de uma daquelas

formas, então não poderá, a nosso ver, abranger os trabalhadores no plano, já que,

não tendo estes sido reconhecidos como credores, não participaram nas negociações

nem votaram o plano, não podendo, pois, ser abrangidos por um plano onde não

tiveram qualquer interferência.

De qualquer forma, caso o plano seja aprovado com inclusão dos créditos

laborais, mas sem que aos trabalhadores tenha sido dada a possibilidade de se

pronunciarem e votarem, para além de colocarem em causa a licitude do

despedimento, poderão os trabalhadores obter a responsabilização do devedor e dos

dos administradores por informações incorretas e falta de chamada dos credores para

as negociações, nos termos do art. 17º-D, n.os 1, 6, 10 e 11 do CIRE.

Ademais, outros problemas se colocam com os créditos não vencidos à data de

entrada do processo especial de revitalização, decorrentes de cessações de contrato de

trabalho posteriores a tal momento, bem como problemas com créditos vencidos mas

ainda não reconhecidos judicialmente, os quais o trabalhador poderá ver-se inibido

de reclamar judicialmente por via da ação laboral47. Tal será o caso de resoluções com

47 Designadamente, por força da interpretação jurisprudencial do art. 17º-E do CIRE: cfr., entre

outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 18-12-2013, relatado por João Nunes, de 07-04-2014, do mesmo relator, e de 05-01-2015, da relatora Maria José Costa Pinto.

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justa causa operadas pelo trabalhador posteriormente à entrada do processo especial

de revitalização, mas cujos créditos sejam reclamados e reconhecidos, sendo certo que

nos parece que, neste caso, tendo o trabalhador a oportunidade de participar nas

negociações e votar o sucesso do plano, o seu crédito deverá ser abrangido pelo

mesmo, apesar de ainda não vencido à data de entrada do processo. Quando a

resolução ocorra já após a apresentação das reclamações de créditos, não sendo os

créditos reconhecidos e, como tal, não participando o trabalhador nas negociações

nem tendo a possibilidade de votar na aprovação do plano, então os seus créditos não

poderão ser sujeitos ao pagamento nos termos do plano.

Cumpre, ainda, apreciar a possibilidade de suspensão e resolução dos

contratos de trabalho por parte dos trabalhadores com fundamento na falta de

pagamento das remunerações, quando haja aprovação e homologação do plano de

recuperação com previsão de pagamento de tais créditos em prestações. Ora, neste

caso, não nos parece que a suspensão ou resolução possa ter como causa a falta de

pagamento dos créditos abrangidos pelo plano, mas poderá fundar-se noutros

créditos em dívida não abrangidos pelo mesmo48, ou noutras motivações que

fundamentem a existência de justa causa para a resolução.

Ademais, em qualquer caso, estando a empresa em situação de processo

especial de revitalização, parece-nos que dificilmente a falta de pagamento da

remuneração poderá julgar-se culposa (nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.

394º e n.º 1 do art. 396º do CT).

Além disto, queremos salientar uma outra situação curiosa: imagine-se a

hipótese de um trabalhador que resolve o seu contrato com justa causa antes do

processo especial de revitalização, reclamando aqui os seus créditos. O

reconhecimento dos seus créditos na lista não consubstancia verificação dos mesmos,

servindo apenas para efeitos de votação49. Assim, se o processo especial de

revitalização não for homologado, se houver desistência do mesmo antes do seu

termo, ou se houver homologação do plano mas posterior incumprimento do mesmo,

que faz o trabalhador para exigir o seu crédito?

48 Designadamente, os créditos que se tenham vencido após o despacho de recebimento do processo e

nomeação do AJP. 49 Recorde-se que a lista de credores definitiva no processo especial de revitalização releva apenas

“internamente, no próprio PER, concorrendo para a formação do quórum deliberativo (…) ou para a sua confirmação”. FÁTIMA REIS SILVA, Processo Especial de revitalização…, cit., p. 44. Adianta ainda que “a lista definitiva não tem qualquer efeito de caso julgado (…)”. Ibidem, p. 45.

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O trabalhador não terá, nesta hipótese, sentença laboral que reconheça o seu

crédito, nem qualquer título para executar. Terá, pois, a nosso ver, de intentar

necessariamente uma ação laboral (ou, no limite, uma notificação judicial avulsa que

interrompa o prazo prescricional50), mesmo na pendência do processo especial de

revitalização, para que os seus créditos não prescrevam.

Finalmente, colocam-se dúvidas relativamente à instauração de processos

contraordenacionais por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho na

pendência deste processo especial, por falta de pagamento de remunerações e outras

prestações. Neste caso, parece-nos que os processos contra-ordenacionais não devem

poder instaurar-se e devem suspender-se. Isto, por um lado, por identidade de razões

com a ratio subjacente ao art. 17º-E do CIRE e, por outro lado, porque entretanto a

dívida em causa será alvo de “restruturação” no âmbito de plano a aprovar e

homologar, pelo que o processo contraordenacional instaurado com base na falta de

pagamento da dívida fica destituído de fundamento, ocorrendo uma causa de

inutilidade superveniente da lide. Já nos parece admissível, todavia, a instauração

de processos relativamente à falta de pagamento de créditos vencidos após o processo

ou não abrangidos pelo plano de recuperação.

4. Conclusões

Recordando os dizeres do memorando, constatámos que o que se pretendia

com a criação do processo especial de revitalização era “melhor facilitar a recuperação

efectiva de empresas viáveis (…) introduzir uma maior rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação

de planos de reestruturação”.

Assim, com a severa afetação dos créditos laborais que tem sido admitida por

alguns tribunais, não se estará a ir mais longe do que previsto – não estaremos a ser

mais troikistas que a troika? Não merecerão os créditos laborais um tratamento claro

e inequívoco, digno das garantias constitucional e legalmente consagradas? Não se

justificará a manutenção da especial tutela conferida ao trabalhador e aos seus

créditos?

50 Claro que se poderá sustentar que se houver assunção da dívida pelo próprio devedor na petição

inicial, ocorreu uma causa de interrupção da prescrição ou da caducidade por reconhecimento, nos termos dos arts. 325º e 331º, n.º 2, do CC.

Mas se não houver tal reconhecimento e o devedor se limitar a não impugnar a lista onde tal crédito é reconhecido após reclamação do trabalhador, dificilmente se poderá falar em qualquer causa de interrupção da prescrição ou caducidade.

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Ou, pelo contrário, deverá legislar-se sobre a matéria, discutindo-se um novo

papel para o salário e uma reconfiguração do trabalhador como mero credor da sua

entidade empregadora? Ou, pelo contrário, deverá a legislação, à semelhança da

legislação brasileira, determinar limites para a forma de pagamento dos créditos

laborais que se considerem respeitadores da tutela constitucional dada a tais

créditos?

Muito embora coloquemos estas questões de forma alternativa, entendemos

que não deve haver alteração ao sistema existente, sendo perfeitamente possível,

como acima adiantámos, conciliar os direitos e garantias dos credores laborais com os

interesses do processo especial de revitalização, que visa a recuperação do devedor.

Assim, entendemos que o sacrifício de algumas relações laborais em detrimento da

manutenção de outros postos de trabalho que pode decorrer de um plano de

recuperação, sendo por vezes uma medida necessária à recuperação do devedor e

indispensável à subsistência do agente económico e salvaguarda do emprego dos

trabalhadores “sobreviventes”, não é incompatível com a manutenção dos direitos

daqueles que são afastados ou voluntariamente se apartam da empresa.