666 Leituras 2 Vacinas Super Interessante

9
1ª PÁGINA COLUNISTAS JM na SUPER JM na EXAME JM na VIAGEM ISTO É NATAL ROTEIRO EMP./TALENTOS REDE AMIGOS FALE COM A GENTE Ano VI // Nº 301 Texto publicado na edição de Fevereiro de 2001 da revista SUPER Leia mais: Antídoto Controverso Dois séculos de imunização Vacinas fazem bem ou mal? Efeitos colaterais graves e anomalias causadas no sistema imunológico põem as vacinas na berlinda e levantam uma questão crucial: até que ponto elas são benéficas? Por JOMAR MORAIS Há 204 anos, o inglês Edward Jenner descobriu a primeira vacina. Conseguiu, para surpresa geral, imunizar um garoto de 8 anos contra varíola inoculando-lhe soro de varíola bovina. Dois séculos depois, a pergunta que dá título a esta matéria caiu como uma bomba sobre a mais difundida das ferramentas de saúde pública: a vacinação que se propõe imunizar o corpo humano contra doenças infecciosas já a partir dos primeiros dias de vida. Não é de hoje que há debates acalorados sobre vacinas no meio científico. Mas a questão ressurgiu com mais força há três anos, nos Estados Unidos e na Europa. Desde então, a dúvida vem se espalhando entre pais e profissionais da área médica ao redor do mundo. A crítica às vacinas apóia-se em pelo menos três pontos polêmicos. Nos últimos tempos parece ter aumentado ou pelo menos se tornado mais visível a ocorrência de efeitos adversos de certas vacinas, como a tríplice contra difteria, coqueluche e tétano. Os efeitos variam da simples irritabilidade ao desenvolvimento da doença que se pretendia evitar. Há registro de casos extremos em que a vacinação resultou em morte. Enquanto as chamadas doenças da infância, como o sarampo e a rubéola, declinam, aparentemente como conseqüência das campanhas de vacinação, observa-se um súbito aumento de males crônicos como o diabetes, a artrite, a asma e outros tipos de alergias. Para os antivacinistas, estudos recentes, realizados em vários países, não deixam dúvidas sobre a relação causal entre a sobrecarga de vacinas recebida pelas crianças e as doenças autoimunes males provocados por respostas anormais do sistema imunológico contra o próprio organismo. Apesar do salto tecnológico que sinaliza a utilização, em futuro próximo, de sofisticadas vacinas de DNA, que se diferenciam das outras por ter ação mais forte e prolongada (em ratos, atuam por toda a vida), os

description

vacinas

Transcript of 666 Leituras 2 Vacinas Super Interessante

  • 1 PGINA COLUNISTAS JM na SUPER JM na EXAME JM na VIAGEM

    ISTO NATAL ROTEIRO EMP./TALENTOS REDE AMIGOS FALE COM A

    GENTE

    Ano VI // N 301

    Texto publicado na

    edio de Fevereiro de

    2001 da

    revista SUPER

    Leia mais:

    Antdoto Controverso

    Dois sculos de imunizao

    Vacinas fazem bem ou

    mal?

    Efeitos colaterais graves e anomalias causadas no sistema imunolgico pem as vacinas na

    berlinda e levantam uma questo crucial: at que

    ponto elas so benficas?

    Por JOMAR MORAIS

    H 204 anos, o ingls Edward Jenner descobriu a primeira vacina. Conseguiu, para surpresa geral, imunizar um garoto de 8 anos contra varola inoculando-lhe soro de varola bovina. Dois sculos depois, a

    pergunta que d ttulo a esta matria caiu como uma bomba sobre a mais difundida das ferramentas de sade pblica: a vacinao que se prope imunizar o corpo humano contra doenas infecciosas j a partir dos primeiros dias de vida. No de hoje que h debates acalorados sobre vacinas no meio cientfico. Mas a questo ressurgiu com mais fora h trs anos, nos Estados Unidos e na Europa. Desde ento, a dvida vem se espalhando entre pais e profissionais da rea mdica ao redor do mundo. A crtica s vacinas apia-se em pelo menos trs pontos polmicos.

    Nos ltimos tempos parece ter aumentado ou pelo menos se tornado mais visvel a ocorrncia de efeitos adversos de certas vacinas, como a trplice contra difteria, coqueluche e ttano. Os efeitos variam da simples irritabilidade ao desenvolvimento da doena que se pretendia evitar. H registro de casos extremos em que a vacinao resultou em morte.

    Enquanto as chamadas doenas da infncia, como o sarampo e a rubola, declinam, aparentemente como conseqncia das campanhas de vacinao, observa-se um sbito aumento de males crnicos como o diabetes, a artrite, a asma e outros tipos de alergias. Para os antivacinistas, estudos recentes, realizados em vrios pases, no deixam dvidas sobre a relao causal entre a sobrecarga de vacinas recebida pelas crianas e as doenas autoimunes males provocados por respostas anormais do sistema imunolgico contra o prprio organismo.

    Apesar do salto tecnolgico que sinaliza a utilizao, em futuro prximo, de sofisticadas vacinas de DNA, que se diferenciam das outras por ter ao mais forte e prolongada (em ratos, atuam por toda a vida), os

  • cientistas passaram a admitir recentemente que pouco sabem sobre a ao das vacinas no corpo humano. O diretor do Instituto Pasteur de Paris, Philippe Kourilsky, guardio das teorias do qumico francs Louis

    Pasteur, pai da microbiologia, reconhece essa relativa ignorncia da medicina. Em maio do ano passado, ao confessar seu espanto com a escassez de informaes cientficas bsicas nesse campo, ele afirmou: "Cada vez que uma vacina se mostra eficaz, os cientistas simplesmente a entregam para o pessoal da sade pblica e vo estudar outra coisa".

    Num pas onde a quase totalidade das doenas infecciosas foi controlada, como o caso dos Estados Unidos, o questionamento das vacinas comea a ser traduzido em nmeros que expressam a repercusso social do problema. Um quarto das famlias americanas, segundo pesquisa do Centro Nacional de Informaes sobre Vacinas, uma organizao no-governamental baseada em Vienna, no Estado da Virgnia, j se pergunta se o sistema de defesa das crianas no fica

    enfraquecido por conta de tantas vacinaes. Afinal, so quase dez doses apenas nos primeiros seis meses de vida e 22 tipos de vacinas aplicadas antes da idade escolar. Outros 19% dos americanos pem em dvida a prpria eficcia das vacinas na preveno de doenas.

    O governo dos Estados Unidos, que, desde 1986, legalmente obrigado a indenizar possveis vtimas das imunizaes, tambm est atento. Seu site de Relatos sobre Efeitos Adversos das Vacinas recebeu 108 000 queixas entre janeiro e outubro do ano passado, todas encaminhadas para averiguao tcnica. A maioria dos relatos diz respeito a desconfortos leves, como febres e indisposio passageiras, que os cientistas costumam desconsiderar. Mesmo assim, as referncias a complicaes colaterais graves inclusive mortes em 14% das denncias levou o Servio de Sade dos Estados Unidos a redobrar a vigilncia sobre os fabricantes de vacinas e a interferir nas normas de produo.

    Foi proibida, por exemplo, a utilizao do conservante timerosal, substncia base de mercrio, usado na maioria das vacinas que, segundo os antivacinistas, responsvel por vrios dos efeitos adversos em vacinados. (No Brasil, a maioria dos fabricantes vm eliminando, gradualmente, o timerosal das frmulas das vacinas.) Por solicitao da Academia Americana de Pediatria, foi suspenso o uso da vacina Sabin, fabricada com vrus vivos da poliomielite, que, segundo dados oficiais, vinha apresentando a mdia anual de oito casos de contgio vacinal. Isto , a cada ano cerca de oito crianas contraam paralisia provocada justamente pelo vrus atenuado da plio usado na Sabin. Agora os americanos utilizam apenas a vacina Salk, anterior Sabin e preparada com vrus mortos, tida como menos eficaz pelos cientistas. (A vacina Sabin era utilizada nos Estados Unidos desde 1962. No Brasil, onde foi adotada na dcada de 60, ela ainda empregada.)

    Outros pases tambm apertaram o cerco s vacinas nos ltimos anos, baixando medidas preventivas. A Sucia substituiu a vacina trplice DPT contra difteria, coqueluche e ttano (outra que continua sendo utilizada no Brasil), por uma variedade que exclui o componente pertussis

  • (coqueluche em ingls), o P da sigla. que esse componente costuma ser associado maioria dos casos fatais e das leses permanentes em crianas atribudos s vacinas.

    No Japo, as autoridades de sade entraram em alerta depois que pesquisadores do Instituto Nacional de Doenas Infecciosas daquele pas encontraram em rios e esgotos, no ano passado, exemplares de vrus selvagens da plio cujo exame gentico comprovou serem mutantes de vrus atenuados usados na vacina Sabin. Segundo o virologista Hiromu Yoshida, chefe da equipe de pesquisadores que investiga o caso, o achado no representa uma ameaa sade pblica dos japoneses, mas confirma uma suspeita antiga: a de que o vrus atenuado da plio sofre mutao no organismo do vacinado, recobrando a virulncia original. Esse , a propsito, um dos cavalos de batalha dos antivacinistas.

    O que d para depreender disso? Pelo menos uma coisa: em se tratando

    de vacinas, um dos pilares dos programas de sade pblica em quase todos os pases, ser necessrio mais tempo at que todas as dvidas sejam esclarecidas e as opinies hoje antagnicas e exaltadas convirjam para um novo entendimento. No h resposta fcil. Mas o ponto que h dvidas e desconfiana onde antes parecia s haver certezas e tranqilidade. E o debate est apenas comeando. Inclusive no Brasil, pas onde, nos ltimos 14 meses, trs mortes foram associadas ao uso de vacinas).

    As ressalvas s imunizaes so tema tabu na maioria dos crculos mdicos. De um lado, no so raros os casos de pediatras que, de forma quase clandestina, aconselham pais a moderar a vacinao dos filhos ou

    a simplesmente evit-la. De outro, as divergncias com o pensamento mdico hegemnico que manda vacinar a qualquer custo acontece sempre de forma discreta e subterrnea. O receio dos profissionais tem um pilar na rejeio que podem sofrer entre os seus pares, seja no ambiente mdico seja no meio acadmico. E outro na possibilidade de que criticar abertamente as vacinas possa, de alguma forma, conduzir a um problema maior de sade pblica. Em outubro passado, finalmente, a discusso veio tona com um artigo do biogenista Fernando Travi, publicado na seo "Superpolmica", da Super. O artigo foi um dos mais comentados do ano pelos leitores, vrios deles profissionais da rea de sade e pacientes com casos pessoais a relatar sobre o uso de vacinas.

    "As vacinas so a mais eficiente interveno mdica que a humanidade

    j produziu", afirma Aguinaldo Roberto Pinto, doutor em microbiologia e pesquisador do Instituto Adolpho Lutz, de So Paulo. "Desconhecer os seus benefcios uma estupidez sem limites", diz Cludio Pannuti, especialista do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de So Paulo. Aguinaldo e Cludio admitem que no existem vacinas 100% seguras. Mas acham que usar os efeitos adversos dos preventivos para clamar contra as campanhas de vacinao fere o bom senso. Primeiro, argumenta Cludio, porque tais efeitos seriam to raros que se tornariam insignificantes diante do benefcio proporcionado pelas vacinas. Isso equivaleria a dizer que as trs mortes associadas s vacinas no Brasil, no justificariam acabar com a vacinao que evita

  • epidemias que, no passado, dizimavam milhes de pessoas.

    O segundo argumento pr-vacina que o suposto aumento dos danos

    decorrentes da vacinao no passaria de uma falsa deduo. O que estaria acontecendo que, com o fim ou o controle de muitas molstias infecciosas, os casos de contgio vacinal, leses e outros efeitos colaterais das vacinas antes diludos entre multides de doentes ganharam naturalmente maior visibilidade, transformando-se num problema de primeira grandeza em sociedades liberadas de ameaas maiores. "Suspender as campanhas de imunizao traria muitos prejuzos populao, com o retorno das epidemias do passado", diz Cludio.

    Nos ltimos trs anos dezenas de livros foram escritos sobre o lado escuro das vacinas nenhum em portugus. E muitos fruns, realizados principalmente nos pases desenvolvidos, ecoaram os argumentos

    antivacinistas. Em quase todos os casos, os crculos oficiais da cincia, os governos e os tcnicos em sade pblica optaram por desconhecer a polmica, no pressuposto de que o atual modelo de imunizao inquestionvel. Que fique claro: nem todos os que fazem restries s vacinas querem abolir o seu uso. " possvel utiliz-las de modo mais criterioso at que se encontre um jeito melhor de prevenir doenas", afirma o mdico Romeu Carrillo Jnior, presidente da Associao Brasileira de Reciclagem e Assistncia em Homeopatia. O ponto consensual o de que est na hora de os centros tradicionais de pesquisa se disporem a investigar os problemas relacionados s vacinas e reavaliar as prticas atuais nessa rea. E a que se encontra um dos ns mais intrincados da discusso.

    Desde a experincia pioneira de Edward Jenner, inspirada numa crena popular do interior da Inglaterra, as vacinas so poes destinadas a estimular o sistema de defesa do homem a desenvolver anticorpos contra determinados vrus ou bactrias, tornando o organismo imune s doenas causadas por esses agentes. Para tanto, utiliza-se o prprio micrbio causador da doena, morto ou atenuado em sua virulncia, em composies que foram sendo aperfeioadas ao longo dos anos. "Vacinar adoecer, s que brandamente, sob controle", afirma Cludio. A questo que, como admite o pesquisador do Instituto Adolpho Lutz, muitas vacinas apresentam uma zona de penumbra em que os cientistas no conseguem penetrar: o processo como atuam no interior do corpo.

    Nascem dessa lacuna as razes para declaraes inusitadas, como a de Philippe Kourilsky, do Instituto Pasteur, que reconheceu que as vacinas so mal-estudadas. E para o quadro pattico descrito por Neal Nathason, diretor do Centro para Pesquisa da Aids, do governo americano, em nota recentemente publicada pela revista inglesa New Scientist. Segundo Neal, vacinas como as da hepatite B, poliomielite, sarampo e mesmo a veterana varola so aplicadas em escala mundial sem que os cientistas conheam at hoje seus mecanismos de ao. Aguinaldo acrescenta lista a vacina anticoqueluche, um dos alvos preferidos dos antivacinistas pelo nmero expressivo de efeitos colaterais que apresenta.

  • Ruth Ruprecht, mdica e pesquisadora da Escola de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, oferece uma explicao de por que isso ainda acontece: " difcil obter recursos para pesquisar

    vacinas que j existem". Os habituais financiadores de estudos cientficos, entre os quais a grande indstria farmacutica, costumam alegar que no h razo para investigar o que j foi descoberto, preferindo apostar em estudos que levem a novos produtos. "Isso s meia-verdade", afirma Marcos Oliveira, diretor do Instituto de Tecnologia em Imunobiolgicos Bio-Manguinhos, do Rio de Janeiro, de onde sai a maioria das vacinas em uso no Brasil. "H esforos para otimizar vacinas existentes, como o caso da vacina contra meningite, cuja frmula no funcionava em crianas abaixo de dois anos, e dos estudos atuais para dar mais eficcia BCG, diante do aumento da resistncia do bacilo da tuberculose", diz Marcos. Esse aparente descaso acirra a crtica de adversrios radicais das imunizaes, para os quais vacinas so frmulas destitudas de fundamento cientfico. Ao mesmo tempo limita a argumentao antivacinista pela escassez de testes laboratoriais que comprovem as alegadas relaes causais entre o uso de vacinas e algumas doenas.

    Em depoimento na Subcomisso de Trabalho e Sade do Congresso americano, em 1997, o mdico Harris Coulter, presidente do Centro de

    Medicina Emprica, de Washington, apresentou um rol de casos sugestivos de que, entre outros males, as vacinas esto por trs do aumento exorbitante dos casos de diabetes nos Estados Unidos nas ltimas dcadas. Desde 1950, o nmero de diabticos naquele pas cresceu mais de 1 000% h 13 milhes de americanos diabticos atualmente , um incremento dez vezes maior do que o aumento da populao. Coincidncia ou no, a curva ascendente da doena avanou junto com a descoberta de novas vacinas e o avano das campanhas de imunizao.

    Coulter, co-autor com Barbara Fisher de um livro clssico do moderno pensamento antivacinista, DPT: A Shot In the Dark (DPT: Um tiro no escuro), ainda indito no Brasil, apontou suas baterias para trs

    componentes de vacinas mltiplas coqueluche, rubola e cachumba e para as vacinas contra hepatite B e gripe (Haemophilus influenza). "Desde a dcada de 70 a vacina contra coqueluche tem sido usada em experimentos com animais para estimular a superproduo de insulina pelo pncreas", diz Coulter. "Mas o seguimento desse processo a exausto e a destruio das ilhotas de Langerhans (que geram a insulina), fato que resulta num quadro de hipoglicemia e, depois, diabetes." Como a produo de insulina no homem se d de maneira semelhante dos animais, o mdico acredita ter encontrado a a explicao para as estatsticas que sinalizam o aumento dos casos de diabetes aps as campanhas de vacinao com a DPT nos Estados Unidos e em outros pases. No h estudos que rebatam de modo conclusivo a tese de Coulter e Fischer.

    No caso da vacina anti-rubela, ainda segundo Coulter, o efeito do vrus atenuado no organismo seria to nocivo e persistente quanto nos casos de rubola congnita, contrada por bebs cujas mes tiveram a doena

  • durante a gravidez. No organismo de quem tem a doena congnita forma-se um "complexo imune", constitudo do vrus e do anticorpo correspondente, que pode perdurar por at 20 anos. Pelo menos 20%

    desses indivduos acabam desenvolvendo diabetes Tipo I, o diabetes melitus. Considerando que entre os vacinados contra rubela foi constatada a existncia do mesmo complexo imune at sete anos aps a imunizao, Coulter deduz que se tem a um claro fator desencadeador do diabetes. Pessoas que nunca tiveram rubola ou contraram a doena naturalmente no exibem o complexo imune.

    A lista de doenas graves associadas imunizao pelos antivacinistas longa. Inclui molstias como o autismo, esclerose cerebral, distrbios de comportamento e alergias como a asma, doena que mata 5 000 pessoas por ano s nos Estados Unidos.

    Nessa relao ocupa lugar de destaque o chamado "Mal do Golfo", a

    sndrome manifestada por militares americanos que lutaram na Guerra do Golfo, h dez anos. Algum tempo aps o fim da guerra, cerca de 300 000 dos 700 000 soldados enviados ao campo de batalha passaram a apresentar manifestaes que vo de enxaquecas a fadiga crnica, diabetes, distrbios cerebrais e at cncer. Para os antivacinistas, o problema foi causado pela carga de 17 vacinas que os militares tomaram antes de seguir para a guerra, entre elas a vacina anthrax, contra a bactria utilizada em armas biolgicas dos iraquianos.

    As incertezas so muitas. Um dos estudos mais abrangentes foi realizado no incio dos anos 90 por uma comisso interdisciplinar do Instituto de Medicina americano (IOM) e, por determinao do Congresso dos

    Estados Unidos, envolveu apenas queixas contra a vacina anticoqueluche. O grupo investigou 18 tipos de efeitos adversos associados vacina, entre os quais agitao e espasmos infantis, encefalite, meningite, autismo, morte sbita de bebs, anafilaxia (choque alrgico que pode ser fatal) e diabetes. Aps 20 meses avaliando estudos de casos, estatsticas epidemiolgicas, experincias com animais e estudos laboratoriais, a comisso descartou toda e qualquer relao causal entre a vacina e o autismo, reconheceu evidncias de que ela pode provocar agitao, encefalite e choque anafiltico e deixou sem resposta o resto das perguntas alegando insuficincia de dados.

    Outro estudo recente do IOM descartou a associao entre a sndrome

    do Golfo e a vacina anthrax. Mas no conseguiu encerrar o assunto. O epidemiologista Robert Haley, do Centro Mdico da Universidade do Sudoeste do Texas, em Dallas, Estados Unidos, adverte que preciso levar em conta outros fatores, como a exposio dos militares a armas qumicas e a munio fabricada com urnio empobrecido. Tambm recentemente outra tese polmica, defendida pelo jornalista Edward Hooper em seu livro The River: A Journey To The Source of HIV and Aids (O Rio: Uma jornada origem do HIV e da Aids), ainda indito no Brasil, foi contestada por cientistas reunidos pela Sociedade Real de Londres. Segundo Hooper, o HIV surgiu da mutao do vrus da plio usado em vacinaes no Congo, entre 1957 e 1960. A alterao teria

  • acontecido durante o processo de atenuao da virulncia do vrus atravs de sucessivas reprodues em chimpanzs (a tcnica moderna de atenuao no envolve mais animais: consiste em submeter culturas

    do micrbio a alta presso e calor). Do macaco o novo vrus mutante teria saltado para a espcie humana. Os cientistas alegam que a seqncia gentica do vrus da imunodeficncia em chimpanzs no confirma a tese de Hooper.

    Outra face do debate expe a questo da eficcia das vacinas na preveno das doenas que se propem a combater. Segundo os antivacinistas, a ineficincia comprovada pelas estatsticas epidemiolgicas. " certo que a varola desapareceu do mundo e a plio foi virtualmente eliminada do Ocidente pela vacinao. Mas exagero supor que as vacinas so responsveis pelo controle de todas as epidemias do passado", diz Harold Buttram, membro da Academia Americana de Medicina Ambiental, sediada em Wichita, no Kansas,

    Estados Unidos.

    Os antivacinistas afirmam que as vacinas comearam a ser usadas quando as principais doenas infecciosas j estavam em declnio, vencidas pelas defesas naturais do organismo. Ou seja: a erradicao das doenas seria resultado de fatores como a reduo da pobreza, a melhoria da alimentao e das condies de higiene e de saneamento a partir da segunda metade do sculo XIX. No seria conseqncia direta da vacinao. Nos Estados Unidos, afirma Harold, o ndice de mortes provocadas pelo sarampo declinou 95% entre 1915 e 1958. A vacina contra a doena s foi criada em 1964. O mesmo se deu com a coqueluche na Inglaterra, cuja incidncia diminuiu 82% de 1900 a 1935. Antes do incio da imunizao em massa naquele pas, que s foi

    acontecer na dcada de 40.

    A polmica sobre as vacinas deriva de um conflito conceitual na rea mdica que marcou o sculo XIX e agora ressurge, impulsionado por novas descobertas e pelo avano da medicina holstica. So clebres os debates travados entre Louis Pasteur e Claude Bernard naquela poca. Pasteur, pioneiro no estudo dos microorganismos, formulou a teoria segundo a qual cada doena possui uma causa nica, um vrus ou bactria que invade o organismo e ali produz um tipo especfico de devastao. Para Bernard, a causa estava em elementos ambientais, externos e internos, e a doena no passava de uma perda de equilbrio do organismo provocada por muitos fatores. Vem da a noo do corpo como um "terreno" onde os microorganismos podem ou no agir de forma nociva, dependendo das condies que encontram ali. O que chamamos de doena seria mero sintoma de um mal subjacente e sistmico, um sinal do esforo do prprio organismo para reequilibrar-se.

    Pasteur ganhou a parada. Alm de cientista notvel, o qumico francs era tambm um polemista habilidoso que soube aproveitar a ecloso de vrias epidemias, na poca, para demonstrar a lgica de seu conceito de causao especfica. A partir da, todo um modelo biomdico centrado na microbiologia e, mais recentemente, na biologia molecular, deu base aos procedimentos mdicos modernos inclusive s vacinaes em massa.

  • No livro O Ponto de Mutao, no qual discute, entre outros temas, o atual modelo mdico, o fsico americano Fritjof Capra afirma que, mais tarde, Pasteur reconheceu a importncia do "terreno" para as

    enfermidades, tendo ressaltado a influncia dos fatores ambientais e dos estados mentais na resistncia s infeces. O qumico, porm, segundo Capra, no teve tempo para empreender novas pesquisas e seus seguidores persistiram na trilha original.

    Os holsticos e os antivacinistas respondem em unssono quando a pergunta o que fazer para evitar doenas sem vacinas: cuidar bem do "terreno". Ou seja, manter as condies que garantiriam o bom funcionamento do sistema de defesa do organismo. Alm de alimentao adequada, compe a receita a exigncia de praticar exerccios, dormir bem e evitar hbitos agressivos sade (lcool, fumo, drogas), a poluio ambiental e as situaes estressantes. No fcil, mas vem crescendo o nmero de pessoas interessadas num caminho que evoca

    uma melhor qualidade de vida. A dvida se isso basta. "Gostaria de saber se um desses crticos das vacinaes se recusaria a tomar a vacina anti-rbica se fosse mordido por um co raivoso", diz Cludio.

    Quem vencer o debate do sculo XXI Pasteur ou Bernard? Numa poca agraciada com recursos de tecnologia impensveis h 120 anos pode-se imaginar que ficou mais fcil dirimir velhas incertezas. Ao que tudo indica, no entanto, isso no acontecer logo. A complexidade e os muitos interesses que envolvem a questo prometem gerar mais perguntas e farpas antes que se chegue a algum consenso.

    PARA SABER MAIS:

    Na livraria: Childhood Immunization -Jamie Murphy, Earth Healing Products, Estados Unidos, 1998 Vaccination LOverdose - Sylvie Simon, Dj, Frana, 1999 DPT: A Shot In The Dark - Harris Coulter e Barbara Fisher Avery, Estados Unidos, 1985

    Na Internet: www.woodmed.com www.ctanet.fr/vaccination-information www.taps.org.br

    Que achou da reportagem acima? Tem algo a dizer ao autor? Envie agora sua mensagem (cite o ttulo da matria) para o jornalista Jomar Morais:

    [email protected]

    1 PGINA COLUNISTAS JM na SUPER JM na EXAME JM na VIAGEM

    ISTO NATAL ROTEIRO EMP./TALENTOS REDE AMIGOS FALE COM A

    GENTE