68-419-1-PB (1)

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 * Professor a do Departamento de Economia da U niversidade F ederal Fluminense e membro do NIEP-Marx/UFF. [email protected]. Desenvo lvimento em Marx e na teoria econômica: por uma crítica negativa do desenvolvimento capitalista Development in marx and in economic theory: claiming a negative critique of capitalist development Bianca Imbiriba Bonente* Resumo O objetivo deste trabalho é estabelecer o contraste entre duas posições distintas sobre desenvolvimento: aquela oferecida por Marx e aquela veiculada pela ciência econômica. Com isso, esperamos mostrar, em primeiro lugar, que as teorias do desenvolvimento são única e exclusivamente teorias do desenvolvimento capita- lista, tanto no sentido de que o limite teórico e prático da sua inter venção é o capi- talismo (e apenas o capitalismo), quanto no sentido de que ao fazê-lo projetam o capitalismo (uma imagem dele, ao menos) como gura inexorável do futuro da humanidade. Em segundo lugar , partindo de uma releitura da teoria social marxia- na, defendemos ser possível resgatar uma visão de mundo dentro da qual o termo desenvolvimento é empregado de modo plenamente objetivo: isto é, utilizado ex- clusivamente para se referir às propriedades dinâmicas de funcionamento do objeto examinado (independentemente da forma como se julguem essas proprie- dades). Esperamos ainda mostrar de que forma, dentro dessa concepção, o desen- volvimento capitalista se apresenta como uma fase historicamente contingente do desenvolvimento social em geral, indicando ser não apenas possível, mas também necessário, realizar uma crítica negativa do desenvolvimento capitalista. Palavras-chave: teoria do desenvolvimento; crítica da Economia; teoria social marxiana  Abstract This paper aims to contrast two distinct positions on development: one offered by  Marx and another by econ omics. As we hope to show , economics theories of dev el- opment are nothing but theories of capitalist development, either in the sense that the theoretical and practical limits of their intervention is capitalism (and nothing beyond it), and in the sense that, in doing so, they project capitalism (at least an im- age of it) as a inexorable picture of the future of humanity. Secondly, the recovery of elements that characterize Marx’s analysis of development in itself reveals that is possible to conceive the development of society in its current conguration as a his- torically contingent phase of the general development of society. Key-words: development theory; critique of economic theory; marxian social theory 

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  • * Professora do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense e membro do NIEP-Marx/UFF. [email protected].

    Desenvolvimento em marx e na teoria econmica: por uma crtica negativa do desenvolvimento capitalistaDevelopment in marx and in economic theory: claiming a

    negative critique of capitalist development

    Bianca Imbiriba Bonente*

    Resumo

    O objetivo deste trabalho estabelecer o contraste entre duas posies distintas

    sobre desenvolvimento: aquela oferecida por Marx e aquela veiculada pela cincia

    econmica. Com isso, esperamos mostrar, em primeiro lugar, que as teorias do

    desenvolvimento so nica e exclusivamente teorias do desenvolvimento capita-

    lista, tanto no sentido de que o limite terico e prtico da sua interveno o capi-

    talismo (e apenas o capitalismo), quanto no sentido de que ao faz-lo projetam o

    capitalismo (uma imagem dele, ao menos) como figura inexorvel do futuro da

    humanidade. Em segundo lugar, partindo de uma releitura da teoria social marxia-

    na, defendemos ser possvel resgatar uma viso de mundo dentro da qual o termo

    desenvolvimento empregado de modo plenamente objetivo: isto , utilizado ex-

    clusivamente para se referir s propriedades dinmicas de funcionamento do

    obje to examinado (independentemente da forma como se julguem essas proprie-

    dades). Esperamos ainda mostrar de que forma, dentro dessa concepo, o desen-

    volvimento capitalista se apresenta como uma fase historicamente contingente do

    desenvolvimento social em geral, indicando ser no apenas possvel, mas tambm

    necessrio, realizar uma crtica negativa do desenvolvimento capitalista.

    Palavras-chave: teoria do desenvolvimento; crtica da Economia; teoria social marxiana

    Abstract

    This paper aims to contrast two distinct positions on development: one offered by

    Marx and another by economics. As we hope to show, economics theories of devel

    opment are nothing but theories of capitalist development, either in the sense that

    the theoretical and practical limits of their intervention is capitalism (and nothing

    beyond it), and in the sense that, in doing so, they project capitalism (at least an im

    age of it) as a inexorable picture of the future of humanity. Secondly, the recovery of

    elements that characterize Marxs analysis of development in itself reveals that is

    possible to conceive the development of society in its current configuration as a his

    torically contingent phase of the general development of society.

    Key-words: development theory; critique of economic theory; marxian social theory

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

    Bianca Imbiriba Bonente

    Introduo1

    O objetivo deste trabalho estabelecer o contraste entre duas posies dis-

    tintas sobre desenvolvimento, com implicaes distintas sobre a prtica poltica:

    aquela oferecida por Marx e aquela veiculada pela cincia econmica (especial-

    mente entre as chamadas teorias do desenvolvimento). A partir dessa contrapo-

    sio, buscamos demonstrar, em primeiro lugar, que no mbito da teoria eco-

    nmica o desenvolvimento entendido, em geral, como trnsito do pior ao

    melhor o que envolve, necessariamente, um juzo sobre condies pretritas,

    presentes ou futuras, realizado com base em determinados critrios pr-estabe-

    lecidos (produto per capita, expectativa de vida, nvel de escolaridade etc.). Alm

    disso, pretendemos mostrar que as teorias do desenvolvimento so nica e ex-

    clusivamente teorias do desenvolvimento capitalista, tanto no sentido de que o

    limite terico e prtico da sua interveno o capitalismo (e apenas o capitalis-

    mo), quanto no sentido de que ao faz-lo projetam o capitalismo (uma imagem

    dele, ao menos) como figura inexorvel do futuro da humanidade.

    Duas ressalvas: claro que, ao realizar uma inspeo crtica conjunta das

    teorias do desenvolvimento, no ignoramos (1) as diversidades de formulaes e

    (2) a possibilidade de que essas teorias reconheam a existncia de problemas

    associados dinmica capitalista. No entanto, mesmo quando crticas, essas teo-

    rias apresentam, quando muito, uma crtica positiva: uma crtica que sempre se

    refere s condies imediatamente dadas e s possibilidades que podem se pr

    (tambm imediatamente) a partir dessas condies (a crtica das condies e das

    possibilidades no realizada). Nos termos de Moishe Postone (2014, p. 84): uma

    crtica que critica o que existe com base no que tambm existe aponta em lti-

    ma anlise para outra variao da formao social capitalista existente.

    Em segundo lugar, entendemos ser possvel resgatar uma viso de mundo

    dentro da qual o termo desenvolvimento empregado de modo plenamente

    obje tivo, isto , utilizado exclusivamente para se referir s propriedades dinmi-

    cas de funcionamento do objeto examinado (independentemente da forma co-

    mo se julguem essas propriedades). Esperamos ainda mostrar como, dentro

    dessa outra concepo de desenvolvimento, o desenvolvimento capitalista se

    apresenta como uma fase historicamente contingente do desenvolvimento so-

    cial em geral. A partir disso (especialmente da forma como descrevemos a din-

    mica de funcionamento dessa fase), conclumos ser possvel e necessrio reali-

    1 Este artigo sintetiza algumas das principais concluses da tese de doutorado intitulada Desenvolvimento em Marx e na teoria econmica: por uma crtica negativa do desenvolvimento capitalista, apresentada ao programa de ps-graduao em Economia da UFF em agosto de 2011. Agradeo os comentrios feitos na ocasio pelos membros da banca Mario Duayer, Marcelo Carcanholo, Niemeyer Almeida Filho e Paulo Nakatani. Meus agradecimentos especiais ao orientador e amigo Joo Leonardo Medeiros, pela orientao dedicada, trabalho rduo de reviso e incontveis suges-tes. No poderia deixar de lembrar, no entanto, que quaisquer equvocos ou omisses so de mi-nha inteira responsabilidade.

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    Desenvolvimento em marx e na teoria econmica

    zar uma crtica negativa do desenvolvimento capitalista: aquela que critica o

    que sob as bases do que poderia ser que aponta para a possibilidade de outra

    formao social (Ibidem).

    Para tanto, o artigo encontra-se dividido em duas sees (alm da introdu-

    o e concluso). Na primeira delas, buscamos defender, mais uma vez, a possi-

    bilidade e necessidade de resgatar uma viso de mundo dentro da qual o termo

    desenvolvimento empregado de modo plenamente objetivo. Isto , buscamos

    defender a possibilidade de formulao de uma teoria do desenvolvimento au-

    tenticamente ontolgica e definir de modo mais preciso o sentido do termo de-

    senvolvimento dentro dessa perspectiva.

    Na segunda, buscamos oferecer um panorama geral da forma como o de-

    senvolvimento encarado no mbito da cincia econmica. Diferentemente do

    que pode parecer primeira vista, o apanhado realizado nessa segunda seo

    no tem como objetivo avaliar se as teorias do desenvolvimento, conhecidas por

    interpretar os problemas dos pases subdesenvolvidos, produzem ideias melho-

    res ou piores quando comparadas umas com as outras. Ao contrrio, esperamos

    demonstrar, atravs da identificao de elementos tericos comuns, que as teo-

    rias sob anlise encontram-se no interior do amplo conjunto de formulaes ao

    qual se pretende dirigir uma crtica conjunta, fundamentada no arcabouo te-

    rico da primeira seo e apresentada na concluso geral do artigo.

    Por uma teoria ontolgica do desenvolvimento

    No de se estranhar que um autor polmico como Marx suscite ainda

    hoje tantas releituras e interpretaes, dos mais variados tipos e nas mais diver-

    sas reas, desde aquelas decididas a apontar inconsistncias e incorrees teri-

    cas, at as que buscam, a partir de um resgate, avanar em pontos pouco explora-

    dos pelo autor, passando ainda pelas tentativas de sistematizao (pre tensamente

    isentas) geralmente encontradas em manuais e/ou livros-texto. Em uma inspe-

    o rpida desse material, podem ser encontradas algumas leituras pertinentes

    (embora nem sempre corretas) e outras insustentveis diante de um exame cui-

    dadoso da obra do autor. Particularmente no que diz respeito temtica do de

    senvolvimento, uma leitura bastante difundida aquela que atribui ao autor uma

    noo de desenvolvimento associada ao trnsito inexorvel por etapas histricas

    bem definidas. De acordo com essa concepo, portanto, Marx estaria apresen-

    tando a histria humana como uma sucesso de modos de produo (movida

    pelas contradies que se estabelecem entre foras produtivas e relaes de pro

    duo, ou entre base econmica e superestrutura), cujo fim, ou estgio ltimo,

    seria o comunismo (independentemente da forma como este concebido)2.

    2 Uma sntese desta leitura, e das principais controvrsias por ela suscitada, pode ser vista em Harris (1983).

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

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    Perspectivas desse tipo buscam amparo, por exemplo, em trechos do pref-

    cio ao Para a Crtica da Economia Poltica, onde Marx (1982, p. 26) fala de rela-

    es de produo [...] que correspondem a uma etapa determinada de desenvol-

    vimento das [...] foras produtivas materiais, ou ainda em trechos do conhecido

    prefcio primeira edio de O Capital, onde Marx utiliza por diversas vezes o

    termo desenvolvimento, geralmente em referncia aos casos ingls e alemo

    (toma dos ambos, especialmente o primeiro, como laboratrios de investiga-

    o). Nesse particular, Marx (2002, p. 16) faz afirmaes como o pas desenvol-

    vido no faz mais do que representar a imagem futura do menos desenvolvido,

    ou mesmo, uma nao deve e pode aprender de outra. [...] no pode ela supri-

    mir, por saltos ou por decreto, as fases naturais de seu desenvolvimento (Ibi-

    dem, pp. 17-18). Nas passagens mencionadas, portanto, Marx estaria comuni-

    cando aos conterrneos alemes que o futuro de seu pas poderia ser conhecido

    diretamente pelo exame do passado de um pas mais desenvolvido: a Inglaterra.

    Como sintetizado na expresso tomada de emprstimo pelo autor das Stiras de

    Horcio: Quid rides? Mutato nomine, de te fabula narratur3.

    Ainda que o emprego da palavra desenvolvimento nas passagens supracita-

    das tenha alimentado polmicas, possvel encontrar inteligibilidades bastante

    diversas da questo dentro do mesmo ambiente terico. Uma interpretao par-

    ticularmente instigante encontra-se no trabalho pstumo do filsofo marxista G.

    Lukcs (1979). Considerando o conjunto da obra e o sentido geral da teoria social

    marxiana, Lukcs prope que, com a palavra desenvolvimento, Marx tem por

    referncia o aumento objetivo da complexidade como elemento regulador da

    din mica de funcionamento de objetos estruturados ao longo do tempo (Ibidem,

    p. 54). Ou seja, uma dada estrutura (totalidade) objetivamente superior, ou

    mais desenvolvida, do que outra estrutura da mesma espcie caso seja constitu-

    da por um maior nmero de componentes especficos, ou pelo mesmo nmero

    de componentes mais complexos (Medeiros, 2013, p. 95).

    Tomando exclusivamente nossa condio de seres naturais e o critrio aci-

    ma apresentado, podemos dizer, por exemplo, que mesmo o mais deplorvel dos

    seres humanos mais desenvolvido que um animal de estimao (por maior que

    seja a estima pelos ltimos). Se a sociedade entendida como uma totalidade

    composta de vrios complexos, complexamente articulados, o mesmo tipo de

    anlise pode ser a ela aplicada. E, assim como no caso anterior, proferir senten-

    as a respeito do desenvolvimento da sociedade significa falar sobre o grau de

    desenvolvimento/complexidade de suas esferas constitutivas: economia, pol-

    tica, artes, direito, religio etc.

    Assim, em um nvel ainda bastante elevado de abstrao, podemos resgatar

    a descrio oferecida por Marx sobre a sociedade em geral e aquelas determina-

    3 Est rindo do qu? Em outras palavras, a fbula fala de ti.

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    Desenvolvimento em marx e na teoria econmica

    es que so comuns a todas as pocas (independentemente das condies his-

    tricas especficas). Nesse caso, o aumento no grau de complexidade poderia ser

    traduzido no crescimento da sociabilidade em sentido extensivo (aumento da

    quantidade de componentes predominantemente sociais como elementos me-

    diadores da vida em sociedade) e/ou intensivo (crescente complexidade dos

    componentes j existentes), tendncia essa que Marx costumava caracterizar

    como recuo das barreiras naturais. Sobre as tendncias que regulam a dinmica

    de funcionamento da sociedade, Lukcs (2007, pp. 237-238) menciona ainda o

    aumento das foras produtivas do trabalho (ou seja, a diminuio do tempo de

    trabalho necessrio produo e reproduo das condies de vida humana) e a

    formao do gnero humano, resultado das ligaes quantitativas e qualitativas

    cada vez mais intensas entre as sociedades singulares originalmente pequenas e

    autnomas (Ibidem).

    No caso da sociedade em forma especificamente capitalista, desenvolvi-

    mento significa, seguindo a mesma lgica, a operao das leis que emanam da

    organizao prpria da economia regida pelo capital em sentido extensivo (i.e.,

    para uma poro mais ampla do globo, submetendo uma quantidade maior de

    formaes sociais e seres humanos) e/ou intensivo (comandando momentos

    mais amplos da convivncia social, como a atividade artstica, esportiva, rela-

    es afetivas etc.). O trnsito desde um estgio mais baixo de desenvolvimento

    para um estgio mais alto significa, portanto, a predominncia mais ampla da

    lgica capitalista na existncia social (e no a passagem do pior ao melhor, como

    quer que esses estados sejam definidos).

    Se essa , de fato, a maneira como Marx concebeu o desenvolvimento, en-

    to o desenvolvimento de que fala em O Capital o desenvolvimento do seu

    objeto de anlise (a sociedade capitalista, cuja dinmica dominada por sua

    economia, como procura demonstrar a obra). Ademais, o fato de que Marx tenha

    procurado capturar a essncia desse desenvolvimento mediante o enunciado de

    leis de tendncia revela, por um lado, que o autor tem plena conscincia de que

    o processo de desenvolvimento comporta histrias (i.e., trajetrias concretas,

    efetivas) bastante diferenciadas. Isso porque leis de tendncias no so afirma-

    es sobre sequncias regulares de eventos, mas sim proposies sobre a capaci-

    dade causal de um determinado objeto do mundo, que pode ser exercida sem

    que os fenmenos causados se manifestem (em virtude da operao de tendn-

    cias contrarrestantes). Naturalmente, isso confere anlise de Marx um carter

    post festum, no preditivo. Por outro lado, a caracterizao do processo de desen-

    volvimento mediante o enunciado de leis de tendncia nitidamente revela o re-

    conhecimento do carter no-teleolgico da histria em seu conjunto. Ainda

    que Marx destaque a teleologia como o aspecto distintivo da prxis humana, ele

    simultaneamente caracteriza a dinmica da sociedade como o resultado da arti-

    culao espontnea, no-teleolgica dessas prticas.

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

    Bianca Imbiriba Bonente

    Com essas consideraes, torna-se possvel retomar as passagens de

    Marx citadas no incio dessa introduo, especialmente aquelas que tratam da

    relao entre Inglaterra e Alemanha. luz da interpretao aqui defendida,

    pode-se sugerir que Marx considerava a Alemanha um pas capitalista, mas

    com um grau de penetrao do capital na vida social como um todo relativa-

    mente limitado em comparao com a Inglaterra. Por esse motivo afirma que

    alm dos males modernos, oprime a ns alemes uma srie de males herda-

    dos, originrios de modos de produo arcaicos, caducos, com seu squito de

    relaes polticas e sociais contrrias ao esprito do tempo. Somos atormenta-

    dos pelos vivos e, tambm, pelos mortos. Le mort saisit le vif. [O morto tolhe o

    vivo] (Marx, 2002, pp. 16-17).

    Um indcio claro desse raciocnio tambm pode ser encontrado na afirma-

    o de que a Alemanha menos desenvolvida que a Inglaterra por no contar

    com uma regulao jurdica das relaes entre capital e trabalho, isto , com uma

    estrutura jurdica compatvel com a produo capitalista (ou ainda, com rela-

    es de produo correspondentes etapa determinada de desenvolvimento

    das [...] foras produtivas materiais). Mais do que isso, ao afirmar que a Alema-

    nha se desenvolveria como a Inglaterra, Marx no estava falando de eventos e

    fenmenos histricos concretos, mas sim do surgimento, naquele pas, de um

    terreno favorvel operao das leis (econmicas) que caracterizam e governam

    a sociedade capitalista.

    Em suma, a anlise aqui sugerida nos permite afirmar que estudar o desen-

    volvimento capitalista, desde uma perspectiva marxista, significa (1) ter cons-

    cincia da processualidade que caracteriza esse sistema, (2) apreender as leis

    gerais de movimento da sociedade em geral e em forma especificamente capita-

    lista e (3) conhecer as condies concretas de manifestao de tais leis. Nesse

    sentido, independentemente das consequncias dessas leis gerais e de suas con-

    dies concretas (sejam elas detestveis ou adorveis), o que importa para a an-

    lise do desenvolvimento capitalista em si saber se, na passagem de um perodo

    a outro, o funcionamento do capitalismo tornou-se mais ou menos adequado

    lgica interna do capital.

    Dentro dessa perspectiva, portanto, podemos dizer que o capital tanto

    mais desenvolvido, quanto mais ampla a sua atuao. Ou seja, por mais con-

    traintuitivo que parea, o fato de o capital ampliar seu alcance territorial (ten-

    dncia formao do mercado mundial), penetrar nas mais distintas esferas da

    vida social (como, por exemplo, as artes, esportes, relaes familiares, de afeto

    etc.) e atuar em um nmero maior de setores (como, por exemplo, aqueles origi-

    nalmente conduzidos pelo Estado, nos quais a lucratividade relativamente di-

    minuta e o retorno mais demorado), imprimindo, em todos esses casos, a

    sua lgica de funcionamento, significa que o capital se desenvolveu (Marx,

    2011, p. 438).

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

    Desenvolvimento em marx e na teoria econmica

    Por fim, temos clareza de que essa no a forma como as teorias do desen-

    volvimento analisam o capitalismo. Como pretendemos demonstrar adiante, em

    lugar do desenvolvimento em si da sociedade, tais teorias em geral se atm a

    determinadas expresses empricas, utilizadas como critrio para julgar o desen-

    volvimento capitalista como bom ou ruim. No primeiro caso, de julgamento po-

    sitivo, as teorias aparecem no raramente como apologia do capital. No segundo,

    de julgamento negativo, as teorias soam como uma denncia sobre o carter de-

    sumano do capital (esquecendo, por vezes, que o desenvolvimento capitalista

    no tem sentido humano!).

    Teorias do desenvolvimento: por uma crtica ontolgica

    Uma vez apresentado o sentido geral da teoria ontolgica do desenvolvi

    mento aqui defendida, dedicamos a segunda seo do presente trabalho inspe-

    o crtica daquelas formulaes que, no mbito da cincia econmica, bus-

    caram dar um tratamento mais refinado temtica: as chamadas teorias do

    desenvolvimento. Ainda que, passando em revista a evoluo do pensamento

    econmico, seja possvel encontrar incontveis referncias questo do desen-

    volvimento, tomamos como ponto de partida as formulaes produzidas nos

    anos 1940/1950, momento no qual se registra o nascimento da Economia do De

    senvolvimento como uma disciplina relativamente autnoma e especificamente

    dedicada temtica.

    Esse perodo, que coincide com o fim da Segunda Guerra Mundial, foi mar-

    cado por uma srie de reorientaes (especialmente no plano poltico-ideolgi-

    co) e transformaes significativas na configurao mundial (em virtude das

    inmeras descolonizaes e revolues), que oferecem importante auxlio

    compreenso das principais caractersticas daquele conjunto terico. Um aspec-

    to comumente ressaltado, e recorrentemente utilizado como critrio para reu-

    nio dessas teorias em um mesmo grupo, diz respeito ao fato de todas comparti-

    lharemuma mesma preocupao: diante do reconhecimento de que os diferentes

    pases sustentam trajetrias histricas de crescimento distintas, as teorias do

    desenvolvimento so identificadas como aquelas que se ocupam de explicar a

    existncia dessas trajetrias particulares e sugerir possveis solues para os

    menos favorecidos (ou subdesenvolvidos).

    O aspecto geralmente utilizado para distinguir essas teorias, portanto, a

    preocupao com a ausncia de desenvolvimento, ou seja, com o subdesenvol

    vimento termo que, como indica a prpria etimologia da palavra, normal-

    mente utilizado para designar uma condio de baixo grau (ou mesmo ausncia)

    de desenvolvimento. Nesse perodo, passaram a ser chamadas de subdesen

    volvidas aquelas regies materialmente menos favorecidas (tambm conheci-

    das como Terceiro Mundo), que no foram capazes de acompanhar determi na-

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

    Bianca Imbiriba Bonente

    do padro de desenvolvimento socioeconmico, atribudo aos pases capitalistas

    pioneiros no processo de industrializao (tambm conhecidos como Primeiro

    Mundo).

    Apesar da diversidade de teorias que marca esse perodo de grande efer-

    vescncia do debate sobre desenvolvimento, algumas caractersticas gerais ain-

    da podem ser identificadas. Em primeiro lugar, o desenvolvimento tomado

    como sinnimo de aumento da riqueza, medida pela renda per capita (acompa-

    nhado, em alguns casos, da noo de que esse aumento de riqueza deve ser ca-

    paz de gerar melhorias nas condies de vida da populao). Consequente-

    mente, por contraposio, o subdesenvolvimento associado baixa renda per

    capita (e, por vezes, incapacidade de garantir condies dignas de vida para a

    populao). Alm disso, o que se observa nesse perodo a predominncia da

    ideia de que o desenvolvimento deve ser promovido atravs da industrializao.

    Assim, utilizando uma combinao de argumentos tericos (de inspirao cls-

    sica, keynesiana e/ou schumpeteriana) e histricos (amparados nas experin-

    cias bem sucedidas de industrializao da Europa ocidental, Estados Unidos e

    Unio Sovitica), essas teorias procuram defender e justificar a necessidade da

    industrializao.

    Por outro lado, as principais divergncias entre as teorias clssicas do de-

    senvolvimento giram em torno de dois pontos fundamentais. O primeiro, diz res-

    peito aos determinantes do subdesenvolvimento e, portanto, tentativa de ex-

    plicar a baixa renda per capita nesse caso, possvel observar que, enquanto

    algumas teorias apontam a baixa poupana e ausncia de recursos como o deter-

    minante em ltima instncia do subdesenvolvimento, outras acreditam que se

    trata apenas de uma m utilizao dos recursos disponveis. O segundo ponto

    refere-se estratgia de industrializao defendida pelas diferentes teorias (mais

    ou menos intensiva em capital, com ou sem interveno do estado, equilibrado

    ou desequilibrado etc.).

    Naquele contexto, portanto, as teorias do desenvolvimento surgem como

    formulao cientfica de compreenso e administrao da dinmica social capi-

    talista, consolidando o argumento segundo o qual, somente atravs deste expe-

    diente, seria possvel promover uma convergncia (ou, no mnimo, uma aproxi-

    mao) entre as trajetrias de crescimento das diferentes naes (ou conjunto de

    naes). Ou seja, tratava-se de transformar o progresso presumidamente autom

    tico que caracteriza esta sociedade num projeto presumidamente dirigido (pelo

    Estado).

    Pode-se dizer que esta foi a viso dominante at meados dos anos 1970,

    quando, acompanhando a crise econmica que se espalhou pelo mundo duran-

    te esta dcada e a seguinte, a pretenso de dirigir o capitalismo entrou em colap-

    so. Como reconhecido por diversos comentadores (e mesmo por alguns tericos

    do desenvolvimento), portanto, a crise dos anos 1970, aliada posterior runa do

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

    Desenvolvimento em marx e na teoria econmica

    socialismo real, refletiu-se inicialmente em uma crise para a disciplina, seguida

    de substantivas reorientaes.

    Em primeiro lugar, a crise na disciplina assume a forma de um crescente

    ceticismo quanto possibilidade de superao do subdesenvolvimento e pro-

    moo da to almejada convergncia da riqueza das naes. Assim, as dcadas

    de 1960 e 1970 so marcadas pelo surgimento de inmeros trabalhos questio-

    nando a possibilidade de realizao do ideal de desenvolvimento compartilhado

    pelas concepes clssicas do desenvolvimento, mesmo entre autores profun-

    damente identificados com aquelas teorias. No caso latino-americano, por

    exemplo, bastante emblemtica a inflexo ocorrida no mbito da CEPAL e o

    aparecimento do conjunto de formulaes conhecido como teorias da depen

    dncia que, apesar da no homogeneidade, compartilham o entendimento de

    que o sistema econmico mundial, por sua prpria constituio, produz desen-

    volvimento de alguns s custas do subdesenvolvimento de outros.

    Por outro lado, observa-se o surgimento de toda uma nova literatura deci-

    dida a provar que o fracasso na promoo do desenvolvimento no deriva da

    impossibilidade de realizao do projeto em si, mas das estratgias adotadas para

    promov-lo (especialmente aquelas focadas na industrializao com interven-

    o do Estado na economia). Na verdade, esse expediente crtico pode ser visto

    como reflexo de uma mudana mais ampla no plano poltico-ideolgico, marca-

    da pelo enfraquecimento do keynesianismo e ressurgimento da ideologia liberal

    (renovada sob a roupagem do neoliberalismo). Nesse sentido, alm da tentativa

    de demonstrar os equvocos das estratgias de desenvolvimento baseadas na in-

    terveno e no planejamento, as principais contribuies nesse campo enten-

    dem que a resoluo de problemas caractersticos dos pases subdesenvolvidos

    depende, fundamentalmente, da ampliao da liberdade de mercado.

    Finalmente, esse contexto tambm marcado pelo surgimento de teorias

    que acreditam que o problema do desenvolvimento no est no seu carter mi-

    tolgico ou nos equvocos estratgicos, mas na prpria definio de desenvolvi-

    mento. Assim, embora diversos autores continuem a tratar o desenvolvimento

    econmico como sinnimo de crescimento do produto como pode ser visto,

    por exemplo, nos novos modelos de crescimento que utilizam aparatos matem-

    ticos e estatsticos cada vez mais sofisticados , ganha fora durante esse perodo

    a perspectiva segundo a qual o desenvolvimento no pode ser entendido como

    sinnimo de crescimento do produto.

    Uma reorientao bastante significativa no debate sobre desenvolvimento,

    portanto, est relacionada alterao mais profunda na noo de desenvolvi-

    mento. Com a constatao de que o processo de intensa industrializao do pe-

    rodo anterior, alm de produzir evidentes danos ambientais, no foi capaz de

    conduzir a uma situao considerada suficientemente igualitria e promover a

    desejada convergncia da riqueza das naes, novas dimenses foram sendo

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

    Bianca Imbiriba Bonente

    progressivamente incorporadas ideia de desenvolvimento, que se torna mais

    fragmentada: no bastaria mais falar naquele desenvolvimento econmico

    medido somente em termos da produo nacional (preferencialmente a pro-

    duo per capita, incapaz de revelar as desigualdades distributivas) e que teria

    como meta diminuir as disparidades de renda entre as naes, mas de um desen-

    volvimento que sustentvel em sentido amplo, ou seja, baseado em uma sus-

    tentabilidade fsica (ecolgica), econmica (de durabilidade ao longo do tempo)

    e social (inclusiva).

    Alm da incorporao das novas temticas (especialmente da equidade e

    da sustentabilidade) no debate sobre desenvolvimento, possvel perceber tam-

    bm que a derrocada do socialismo real fez praticamente desaparecerem as

    discusses sobre o carter histrico do capitalismo e as possibilidades de pensar

    o desenvolvimento para alm dos marcos desse modo de produo. O resultado

    que, nas formulaes mais recentes, o grau de confiana no poder dos merca-

    dos e do Estado passa a ser o alvo exclusivo das disputas. Ou seja, enquanto as

    teorias dominantes sustentam a precedncia do irrestrito funcionamento do

    mercado sobre o dirigismo estatal (sem ignorar a eventual necessidade do Esta-

    do, especialmente na garantia do bom funcionamento dos mercados), as teorias

    heterodoxas defendem uma participao mais ativa do Estado (sem negar, no

    entanto, a importncia do mercado forte). O debate, enfim, gira em torno do grau

    de interveno do Estado necessrio para objetivar a sociedade projetada pelas

    diferentes teorias do desenvolvimento.

    Concluso

    Como buscamos ressaltar ao longo da seo anterior, as teorias do desenvol-

    vimento possuem diferenas e particularidades, tanto nos diagnsticos, quanto

    nas prescries, que no podem ser ignoradas. Diante dessa caracterizao ge-

    ral, portanto, no podemos deixar de reconhecer que uma das dificuldades de

    tomar as teorias do desenvolvimento como objeto de estudo reside justamente

    na diversidade de formulaes, seja essa diversidade determinada pelo fato de

    terem sido produzidas em contextos histricos muito distintos ou pelo fato de

    carregarem consigo orientaes tericas diversas (liberal, keynesiana, schumpe-

    teriana etc.).

    Apesar dessa diversidade, observamos que a anlise do desenvolvimento

    envolve, recorrentemente, a eleio de determinados critrios e parmetros

    (empiricamente observveis) que permitam quantificar a condio de pases

    ou regies em momentos diversos de sua histria. Alm disso, normalmente

    com base na extrapolao de um desses critrios que se afirma ou nega a supe-

    rioridade de povos e/ou pases com relao a outros. Por fim, o conceito de de-

    senvolvimento tratado, via de regra, como um juzo de valor subjetivo: ou seja,

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

    Desenvolvimento em marx e na teoria econmica

    o desenvolvimento visto como algo bom, vivel e desejvel (e que, portanto,

    deve ser promovido) e a sua ausncia como algo ruim (e que, seguindo a mesma

    lgica, deve ser superado).

    Alm disso, a inspeo crtica dessas teorias capaz de revelar que todas,

    sem qualquer exceo digna de nota, tomam o capitalismo como pressuposto de

    suas formulaes. Considerando, por exemplo, a convergncia em torno da re-

    duo do desenvolvimento ao crescimento do produto, s episodicamente

    rompida, fica bastante ntido o modo como as teorias do desenvolvimento pro-

    jetam sobre o passado e sobre o futuro as formas de riqueza e trabalho que so

    especficas do capitalismo, sem jamais indagar quais so os pressupostos objeti-

    vos de um trabalho que adquire esse carter de permanente expanso. Com isso,

    as teorias no apenas naturalizam processos histricos altamente complexos,

    no apenas se apresentam como instrumentos a servio dessa histria naturali-

    zada, mas tambm, ao lhe fornecer inteligibilidade, comparecem objetivamente

    como formas de conscincia indispensveis sua reproduo. Comparecem,

    portanto, como a cincia deste desenvolvimento.

    Mesmo as teorias usualmente encaradas como teorias crticas (ou seja,

    aquelas capazes de reconhecer problemas associados dinmica capitalista, es-

    pecialmente seu carter desumano), acabam por admitir acriticamente os li-

    mites impostos ao exerccio terico e prtico pelo objeto, em sua forma imediata-

    mente dada. Nesse caso, percebemos que, apesar da preocupao humanitria

    assegurar um acento crtico, essas teorias hipostasiam a forma de trabalho cor-

    respondente a essa forma de sociedade e podem, na melhor das hipteses, al-

    mejar uma organizao mais humana do trabalho no capitalismo (Duayer,

    2010, p. 2).

    Em sntese, para empregar a expresso difundida por Duayer, podemos di-

    zer que se trata, quando muito, de uma crtica positiva do desenvolvimento capi-

    talista. Nas palavras do autor:

    A crtica positiva, como se sabe, toma o mundo tal como ele se apre-

    senta como um dado insupervel, incontornvel. E nesse quadro de

    um mundo por princpio inaltervel em sua estrutura e constituio

    essencial que a crtica positiva comparece, primeiro descrevendo o

    mundo positivamente e, segundo, em conformidade com tal des-

    crio, prescrevendo as atitudes e prticas possveis dos sujeitos. E a

    crtica positiva, preciso no se iludir, pode ser de fato crtica sua

    maneira. Pode se insurgir sinceramente contra as infmias desse

    mundo incontornvel. E mobiliza instrumentos tericos sempre mais

    sofisticados para consertar os erros do mundo, ou para desentortar o

    mundo, como imaginava fazer Quixote. E arregimenta paixes, since-

    ras paixes, sem as quais tais instrumentos restariam inertes, para a

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

    Bianca Imbiriba Bonente

    reparao do mundo. Todavia, recorde-se, a crtica positiva e as prti-

    cas que alimenta so sempre prisioneiras desse mundo, do mundo

    imediato, anistrico (Duayer, 2010, p. 7).

    Mas por que deveramos recusar a noo de desenvolvimento veiculada

    pela cincia econmica, uma noo que conduz identificao imediata de de-

    senvolvimento com desenvolvimento capitalista? Em primeiro lugar, admita-

    mos que Marx esteja correto quando procura demonstrar que o capitalismo no

    pode subsistir sem o exrcito industrial de reserva (isto , desempregados), que

    o capitalismo no pode prescindir da separao dos seres humanos em classes

    sociais (ou seja, da desigualdade), que ns no temos como controlar, mesmo

    pela ao do Estado, a dinmica capitalista (isto , que estamos subordinados

    possibi lidade de crises e de um uso destrutivo da natureza). Se esse argumento

    faz sen tido, e ns estamos presos ao desenvolvimento capitalista, ento nossa

    nica alternativa seria desenvolver uma teoria da conformao universal, e, na-

    turalmente, da administrao da calamidade.

    Em segundo lugar, ainda partindo da premissa de que Marx tinha razo, se

    o desenvolvimento capitalista envolve por necessidade mazelas sociais e ecol-

    gicas, seria impossvel que, junto s mazelas, no emergissem formas de cons-

    cincia em diversos nveis (cotidiano, filosfico, cientfico etc.) que se ocupam

    dessas mazelas, tanto no sentido de compreender suas causas, como no sentido

    de trat-las com prticas. Se as mazelas so mazelas em algum sentido, elas re-

    clamam remdio e as teorias que confundem desenvolvimento capitalista e de-

    senvolvimento enquanto tal tratam de oferec-los. Ento, no fundo, essas teo-

    rias no so apenas teorias, so ideias necessrias de um mundo que produz

    mazelas.

    No caso de Marx, bem ao contrrio, percebemos que a crtica dirigida ao

    capitalismo pode ser mais bem caracterizada como uma crtica negativa: cr-

    tica do trabalho no capitalismo, crtica do trabalho como atividade socialmente

    mediadora, ou seja, crtica da sociabilidade fundada no trabalho (Ibidem).Em

    outras palavras, trata-se de uma crtica que reconhece, desde o incio, o carter

    histrico do seu objeto de estudo. De uma crtica que indaga sobre as condies

    histricas que fizeram emergir esse objeto. Uma crtica que procura, na orga-

    nizao interna do objeto, na forma como ele veio a se constituir estrutural-

    mente, as condies do seu desenvolvimento no tempo e no espao. Uma crtica

    que, por fim, expressa esse movimento causalmente determinado em leis de

    tendncia.

    Uma crtica como essa no tem qualquer compromisso a priori com o seu

    objeto de estudo, a sociedade capitalista, pois no o toma por antecipao como

    uma forma de existncia insupervel, que, portanto, deve ser reparada ou ampa-

    rada a qualquer custo quando sua linha evolutiva geral demonstra-se desumana

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    Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014

    Desenvolvimento em marx e na teoria econmica

    (ou ameaadora em termos ecolgicos). Ao contrrio, justamente por no perder

    de vista a transitoriedade histrica possvel dessa formao social, por um lado,

    e por demonstrar o carter necessrio de sua desumanidade, por outro, que

    pode converter o conhecimento de suas leis de tendncia numa proposta de pr

    xis orientada em favor da transio concreta para uma sociedade dotada de ou-

    tra dinmica evolutiva, de outra linha de desenvolvimento interno.

    RefernciasDUAYER, Mario. Mercadoria e trabalho estranhado: Marx a crtica do trabalho

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    LUKCS, Gyrgy. Ontologia do ser social: os princpios ontolgicos fundamentais

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    POSTONE, Moishe. Tempo, trabalho e dominao social: uma reinterpretao da

    teoria crtica de Marx. So Paulo: Boitempo, 2014.

    Recebido em setembro de 2014

    Aprovado em outubro de 2014