7. Francisco Henrique - O poder constituinte e o processo de revisão constitucional

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O PODER CONSTITUINTE E O PROCESSO DE REVISÃO

CONSTITUCIONAL

FRANCISCO HENRIQUE MELO DE LACERDA* Resumo: A temática deste artigo adota como parâmetros o Poder Constituinte, seus desdobramentos, sua contextualização histórica, classificação (originário e derivado), teorização, que legitimou esta nova titularidade do poder soberano, bem como suas peculiaridades, entraves e divergências no contexto dos dias atuais. Outrossim, serão confrontados, categoricamente, alguns pontos relevantes, entre a teoria do poder constituinte e uma proposta de emenda à Constituição Federal de 1988 com o desiderato de instituir Assembléia Constituinte Revisora que teria como função e prerrogativa modificar a Constituição, sem observância das exigências estabelecidas pelo texto originário, como a do quorum de maioria absoluta (o primeiro número inteiro subseqüente à divisão dos membros da casa por dois) ao invés de três quintos dos membros de cada casa, passando pelo clivo da constitucionalidade, legitimidade e da compatibilidade entre a retromencionada proposta de emenda a Constituição e a teoria do poder constituinte. Por fim, uma modificação Constitucional deve respeitar os procedimentos especiais estabelecidos, sendo compatível, dessa forma, com o Estado Democrático de Direito. Palavras Chaves: Poder Constituinte. Revisão Constitucional. Abstract: The thematic of this article adopts as parameters the Constituent Power, its extension, its historical context, classification (original and derivative), its process, that legitimized this new title of the sovereign power, as well as its peculiarities, impediments and divergences in the context of the current days. Furthermore, will be collated, clearly, some excellent points, enters the theory of the constituent power and a proposal of emendation to the Federal Constitution of 1988 with the desideratum to institute a Constitutional Assembly of Revision that would have as function and prerogative modifying the Constitution, without observance of the requirements established for the original text, as of the quorum of absolute majority (the first subsequent whole number to the division of the members of the house for two) instead of three fifth of the members of each house, passing for the analysis of the constitutionality, legitimacy and of the compatibility between the mentioned proposal of emendation to the Constitution and the theory of constituent power. Finally, a Constitutional modification must respect the established special procedures, being compatible, of this form, with the Democratic State of Law. Key Words: Constituent Power. Constitutional Revision.

1. Introdução histórica da teorização do poder constituinte

A noção de Poder Constituinte surgiu inicialmente na Idade Moderna com John

* Aluno da Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC).

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Locke e, principalmente, com Sièyès, a quem se atribui o uso da expressão “Poder

Constituinte”. John Locke, considerado o pai da teoria política liberal e do liberalismo

político, desenvolve uma teoria do governo limitado, sob a égide de uma Carta Magna.

Luciano Gruppi explicita que “Locke afirma que os homens se juntam em sociedades

políticas e submetem-se a um governo com a finalidade principal de conservar suas

propriedades. O estado natural (isto é, a falta de um Estado) não garante a propriedade.

É necessário constituir um Estado que garanta o exercício da propriedade e a segurança

desta”. Segundo este filósofo os indivíduos tinham o direito de se rebelar, substituir ou

derrubar um governo tirânico.

Salientamos que o fenômeno do constitucionalismo surgiu ante a necessidade de

limitar o exercício do poder político, sendo esta a essência em que se fulcrou os

movimentos constitucionais, tratando, assim, de uma expectativa pré-jurídica,

eminentemente sociológica. Karl Lowenstein ensina que existia a necessidade espiritual,

moral e ética de justificação da autoridade existente.

In fine do século XVIII, surge a teorização do Poder Constituinte, embora este

sempre tenha existido, pois não se tem notícia de alguma sociedade que tenha

sobrevivido sem estabelecer os fundamentos de sua própria organização. O que nem

sempre houve foi a teorização do poder, que passou a existir, a partir do período

revolucionário dos fins desse século, baseado em conceitos de soberania nacional e

soberania popular.

O contexto histórico em que se deu essa teorização foi basicamente o da

transição do Antigo Regime (absolutismo), com um poder decadente e autoritário de

uma “Monarquia de Direito Divino”, para um poder novo, baseado na razão humana,

que substitui Deus pela Nação, como titular da soberania. A teoria do Poder

Constituinte veio legitimar essa nova titularidade do poder soberano, conferindo-lhe

expressão jurídica, tornando-a apta a ultrapassar os anseios volitivos dos monarcas ou

do príncipe de poderes absolutos, adquirindo, pois, um caráter impessoal. Bonavides

advoga: “o poder constituinte ao se teorizar, marca com toda a expressão e força a

metamorfose do poder, que por ele alcança a máxima institucionalização ou

despersonalização”. No tocante a titularidade do poder constituinte, cabe

acrescentarmos que essa é produto das circuntâncias históricas, no ensinamento de

Sanchez Viamonte, malgrado Bidart Campos asseverar que o povo “é o titular válido

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do poder constituinte”, posto que o exercício desse ocorre em nome do povo.

Foi com o iluminismo, que influenciou e fundamentou ideologicamente todo

este processo revolucionário de transição de poder (absoluto para constituinte),

juntamente com o movimento racionalista dos pensadores franceses e com a filosofia de

Rousseau, do Contrato Social, que veio a existir pela primeira vez uma teorização do

Poder Constituinte. Rousseau foi quem conseguiu definir, peremptoriamente, que o

Estado deveria ser conduzido segundo a vontade geral de seu povo, tendo em vista o

bem comum, obtendo a legitimidade do poder.

Este processo foi conduzido pela burguesia, que queria o poder para ter maior

liberdade, poder social e expandir suas atividades capitalistas, coisa que o antigo regime

não lhe proporcionava. Bonavides expõe,

a burguesia revolucionária generalizou portanto aquilo que, de natureza, na ocasião de seu advento, definia apenas um interesse de classe ou uma ideologia. O Poder Constituinte da nação, apresentado como o único legítimo, mas trazendo nada menos que o ascendente privilegiado e governante da burguesia, uma classe convertida já em classe dominante. Legitimamente vitoriosa, sobre o Poder Constituinte dos soberanos.

Foi através de Sieyès que se conciliou e enquadrou dentro do sistema

representativo as teses do contrato social de Rousseau. Desse modo, o poder constituinte

é do povo, mas é exercido por meio dos seus representantes, ou seja, não há necessidade

que a sociedade exerça de modo direto, podendo, tal exercício, ocorrer mediante

representação.

2. Poder constituinte originário e derivado

Preliminarmente, cabe, aqui, uma breve definição de poder constituinte

originário e poder constituinte derivado. Aquele, igualmente intitulado de próprio,

concerne no órgão legislativo incondicionado, possuidor de uma autoridade política

máxima, podendo, por sua vez, possibilitar o advento de uma nova Constituição, no

caso de um Estado neófito, bem como a permuta de uma Constituição por outra , ou dá

origem a um novo Estado. O poder constituinte derivado também denominado de

impróprio ou instituído é aquela que é fundado e previsto no poder constituinte

originário, exercendo a função de agente modificador ou complementar da Constituição,

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podendo também institucionalizar os Estados Federados derivados desta. O poder

originário é temporário, pertence a uma assembléia eleita com finalidade de elaborar a

Constituição, deixando de existir quando cumprida sua função, o poder derivado é um

poder latente, que pode se manifestar a qualquer momento, desde que cumpridos os

requisitos formais e observados os seus limites.

Isto posto, passemos ao confronto das características do poder constituinte

originário com o derivado acerca dos aspectos da originalidade, limitação e

condicionalidade.

Quanto à originalidade, o poder originário é inicial ou original, porquanto todos

os poderes dele derivam. É um poder supra legem, ou seja, todos os poderes

constituídos se submetem a ele, visto que cabe a esse a função política e extrajurídica de

criar uma Constituição, que é a égide maior da política, da sociologia e da ordem

jurídica de uma Estado. O poder derivado é posterior, pois provém do poder constituinte

originário, com espeque no pensamento de Paulo Bonavides, “implica a existência

prévia de uma organização constitucional da qual ele legitimamente emana para o

desempenho de sua atividade”. É um a posteriori em relação a Constituição.

Quanto à limitação, o poder originário é ilimitado e onipotente dentro de um

ordenamento jurídico positivo, não estando limitado e sujeito a uma Constituição. O

poder constituinte derivado é limitado, porque está subordinado ao originário, sendo por

ele limitado. No que tange a este aspecto, Bonavides diz: “o poder constituinte atua

sempre atado ao direito, na moldura de um ordenamento jurídico, ao contrário daquele

poder constituinte que nasce das Revoluções, Golpes de Estado e das crises políticas

profundas que acometem os povos da mesma maneira que as enfermidades os

indivíduos”.

Quanto à condicionalidade, o poder originário é incondicional, posto que não há

regras ou formas prefixadas para sua manifestação. O derivado é condicionado, uma

vez que sua manifestação ocorre mediante formas preestabelecidas e fixadas, resididas

na Constituição, destarte, se serve de órgãos representativos, tais como: uma assembléia

especial, um parlamento ou um corpo de cidadãos (referendum).

Ademais, salientamos que o poder constituinte originário não está atado a limites

formais, sendo considerado, por essência, um poder político ou extrajurídico, estando

mais atrelado a Ciência Política, ao passo que o poder constituinte derivado se insere na

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Constituição, sendo, pois, conhecedor de limitações, podendo ser considerado,

primordialmente, como jurídico, tendo por desiderato a reforma do texto constitucional,

apresentando estreitos laços com a Ciência do Direito Constitucional.

Assevera Bonavides que “um se manifesta em ocasiões de relativa normalidade

e paz, sempre abraçado aos preceitos jurídicos vigentes; o outro, ao contrário, chega na

crista das Revoluções e Golpes de Estado e se exercita quase sempre sobre as ruínas de

uma ordem jurídica esmagada”, destarte tem o poder na acepção jurídica a competência

para a mudança constitucional.

Nos dizeres de Jorge Miranda, “não é, com efeito, todos os dias que uma

comunidade política adota um novo sistema constitucional, fixa um sentido para a ação

do seu poder, assume um novo destino; é apenas em tempos de viragem histórica, em

épocas de crise, em ocasiões privilegiadas irrepetíveis em que é possível ou imperativo

escolher. E estas ocasiões não podem ser catalogadas a priori; somente podem ser

apontados os seus resultados típicos – a formação de um Estado ex novo, a sua

restauração, a transformação da estrutura dos Estados, a mudança de um regime

político”.

3. Os limites do poder constituinte derivado

A priori esclarecemos que existem duas espécies de poder constituinte derivado:

o de revisão (de reforma) e o dos Estados-Membros (Estado Federal). Este trata do

poder de institucionalizar pessoas jurídicas políticas de Direito Público Interno,

conforme previstas na Carta Magna, sofrendo, outrossim, limitações expressas e

subordinação aos princípios fundamentais e estruturais da Constituição, enquanto aquele

é poder, previsto nos termos constitucionais, de “retificar” ou adaptar a Constituição

vigente, as aspirações sociais, políticas e econômicas da realidade, de forma a

possibilitar uma maior completude do ordenamento jurídico a dinamização do nosso

cotidiano.

Nas Constituições do tipo rígida, como é o caso da brasileira, se exige um

processo especial para sua modificação em relação ao processo das leis ordinárias, este

impedimento de uma livre modificação da lei fundamental vem vislumbrar o resguardo

da garantia da Constituição e, via de conseqüência, uma relativa estabilidade da

Constituição. No que concerne a isso, Cicconetti defende a superioridade da função

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constituinte em relação à função de revisão.

O que deve haver é um respeito e uma co-existência do poder de revisão com os

princípios constitucionais fundamentais e basilares, não devendo aquele ser um afronto

a este, sob pena de tornar a Constituição um mero esqueleto de normas, ineficazes,

deficientes e passíveis de extinção. Zaguebelsky afirma que “o poder de revisão da

constituição baseia-se na própria constituição; se ele a negasse como tal, para substituí-

la por uma outra, transformar-se-ia em inimigo da constituição e não poderia invocá-la

como base de validade”. Pedro de Vega ratifica tal pensamento nos seguintes dizeres:

“ainda que se entenda como competência da competência, o poder de revisão nem por

isso deixa de ter o seu fundamento na constituição, diferentemente do que ocorre com o

poder constituinte que, como poder soberano, é prévio e independente do ordenamento”.

O poder de reforma por meio de emendas altera dada matéria constitucional,

adicionando, suprimindo ou modificando alínea(s), inciso(s), artigo(s) da Constituição,

sendo, de forma geral, atemporal, sofrendo limites materiais, circunstanciais e formais.

O poder de revisão em geral, diferentemente do de emendas, tem limites

temporais, além dos limites formais, circunstanciais e materiais. Na Constituição

portuguesa, por exemplo, tal dispositivo ocorre a cada 5 anos. Na Constituição Federal

de 1988 (brasileira) houve a previsão de manifestação de poder uma única vez (1993)

não “devendo” ocorrer novamente, pois está previsto no Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, artigo 3º: “a revisão constitucional será realizada após

cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos

membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral”; doravante, somente se deverá

modificar a CF/88 através de emenda constitucional. Consoante Canotilho, “os limites

temporais costumam ser justificados pela necessidade de assegurar uma certa

estabilidade às instituições constitucionais”. Intitulando, o retromencionado autor, tal

momento, de “solidificação da legalidade democrática”.

As limitações circunstanciais consistem no impedimento da concretização do

procedimento mediante a ocorrência de determinados eventos, tais como: intervenção

federal, estado de defesa e estado de sítio (art.60, §1º, CF/88). Consoante Canotilho, “a

história ensina que certas circunstâncias excepcionais podem constituir ocasiões

favoráveis à imposição de alterações constitucionais, limitando a liberdade de

deliberação do órgão representativo”.

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As limitações materiais consistem na vedação para que determinadas matérias,

que são o cerne da Constituição, não sejam alvo de deliberações, como: a forma

federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação de

poderes, os direitos e garantias individuais, ambas elencadas no art. 60, § 4º, I, II, III,

IV, da CF/88. Outrossim, não podemos desconsiderar, os limites materiais implícitos,

pois, com esteio nos ensinamentos de José Magalhães,

mesmo que não existam limites expressos, a segurança jurídica exige que o poder de reforma não se transforme, por falta de limites materiais, em um poder originário”. Acrescenta ainda, o citado autor, que “podem existir emendas sobre a separação de poderes, a democracia, os direitos individuais e suas garantias e o federalismo, desde que sejam para aperfeiçoar, jamais para restringir.

No concernente aos limites formais, trata-se, pois, da essencialidade da

participação popular nas alterações constitucionais, na exigência de processo especial de

maior complexidade que os das leis ordinárias, na escolha de órgão competente para o

poder de revisão etc.

4. A hipótese de uma PEC instituir Assembléia Revisora com quorum de maioria absoluta

Nos itens subseqüentes iremos aferir a constitucionalidade e a legitimidade de

uma proposta de emenda à Constituição no sentido de instituir uma Assembléia

Revisora que teria como função e prerrogativa modificar a Constituição, sem

observância das exigências estabelecidas pelo texto originário, como a do quorum de

maioria absoluta ao invés de 3/5 dos membros de cada casa. Ademais, emitiremos

parecer entre a compatibilidade dessa PEC com a teoria do poder constituinte.

4.1. A constitucionalidade da PEC

A Constituição de 1988, atualmente, tem como sistema de mudança formal

apenas a Emenda, já que a Revisão Constitucional prevista no art. 3° do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, já se realizou, não sendo mais possível outra

revisão nos termos ali previstos, isso porque, como norma transitória, foi aplicada,

esgotando-se em definitivo. Decorre disso, que qualquer mudança formal na

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Constituição só deve ser feita legitimamente com base no seu art. 60, que trata

justamente das emendas com os seus limites dali decorrendo. Portanto, uma proposta de

emenda que teria como objeto constituir uma Assembléia Constituinte Revisora com o

intuito de modificar a Constituição, sem observância das exigências do texto originário,

desrespeitando as cláusulas pétreas, é uma tentativa de burlar a rigidez da Constituição

através do único sistema de mudança desta estabelecido: a Emenda. No artigo já falado

em seu § 4° consta as situações que não serão objeto de PEC e, em seu § 2°, o quorum

necessário de três quintos para aprovação dessa emenda. Uma proposta de emenda para

estabelecer Assembléia Constituinte Revisora com o intuito de modificar a Constituição

de uma maneira mais branda, sem observância de aspectos importantes, como o

quorum, que passa a adotar maioria absoluta, é inconstitucional porque coloca em risco

direitos e garantias das minorias políticas em face dos interesses das maiorias, outrossim

infringem as próprias condições constitucionais e processuais para deliberação por

maioria, subvertendo, assim, o próprio processo legislativo democrático.

Canotilho estampa que “dada a existência de limites formais e materiais, as leis

de revisão que não respeitarem esses limites serão respectivamente inconstitucionais sob

o ponto de vista formal e material”.

O controle jurisdicional pode e deve existir, porém esse somente poderá agir

mediante a aprovação de emenda, todavia o controle prévio, por uma Comissão de

Controle Parlamentar, é perfeitamente plausível para vetar propostas consideradas

inconstitucionais.

Urge mencionar, acerca da técnica de dupla revisão, no qual análise incide sobre

os próprios limites de revisão, com fins de tornar as disposições intangíveis como

mutáveis. Canotilho explica que

em termos jurídico-constitucionais, não se compreende bem a lógica da dupla revisão ou procedimento de revisão em duas fases. As regras de alteração de uma norma pertencem, logicamente, aos pressupostos desta, e daí que as regras fixadoras das condições de alteração de uma norma se coloquem num nível de validade (eficácia) superior ao da norma a modificar. Nenhuma fonte pode dispor do seu próprio regime jurídico arrogando-se um valor que constitucionalmente não tem.

4.2. A legitimidade democrática dessa Constituinte Revisora

Não cabe mais falar em Revisão Constitucional. A Revisão prevista já houve e

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não há como revivê-la legitimamente. Agora só existe o processo das emendas do art.

60, que, no seu § 4°, amplia o núcleo explicitamente imodificável da emenda. Logo,

basta que a proposta que se encaminhe, ainda que remotamente, tenda para abolição de

qualquer um dos casos do § 4º.

Este caso da diminuição do quorum para metade mais um, criará um sério

problema de legitimidade democrática, porquanto entra em choque com as regras do

processo legislativo de reforma constitucional, que são cláusulas pétreas (art.60 §4°).

Devemos nos questionar da importância do processo constituinte, ou melhor, a

importância da forma, para a legitimação da Constituição. Vale salientar que fica óbvio

perceber que sendo os parlamentares representantes do povo, a diminuição do quorum

para maioria absoluta é, por via de conseqüência, uma subtração da anuência popular.

José Magalhães expõe que

não há dúvida que a vontade do poder constituinte deve emanar de mecanismos democráticos, que permitam que o processo de elaboração da constituição assim como de sua reforma, seja aberto a ampla participação popular, não apenas através de diálogo com os representantes eleitos, mas através de legitima pressão da sociedade civil. Este poder será democrático na medida em que o processo constituinte serve como arena privilegiada de demonstração dos grandes temas nacionais, para que, a partir daí, seja possível que as manifestações do jogo de forças sociais seja legitimamente exercido. É fundamental para isto que o poder de manipulação do marketing político, da propaganda, o poder de pressão econômica seja minado ao máximo. Não pode uma minoria nos bastidores se sobrepor a vontade presente nas ruas e no campo.

Hipoteticamente, podemos vislumbrar uma situação em que o povo clamasse por

uma modificação nas cláusulas pétreas da Constituição, havendo enorme engajamento e

adesão popular a tal proposta; quiçá, por este ponto, poderíamos até falar em

legitimidade, contudo nos questionamos quanto as futuras gerações que colherão o fruto

de tal afronto as cláusulas pétreas. Parece mais razoável falar em desenvolvimento

constitucional a fim de garantir evolução constitucional e sua adequação a dinamização

da sociedade, nihil obstat para garantir a sua essência ou núcleo de identidade.

4.3. A compatibilidade entre esta Assembléia Constituinte Revisora e a teoria do poder

Constituinte

Há uma incompatibilidade de uma PEC, com fins de estabelecer uma

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Assembléia Constituinte Revisora, com a Teoria do Poder Constituinte, porquanto o

tipo deste último intitulado originário tem a competência de elaborar a Constituição e dá

limites ao Poder Constituinte Derivado, que não pode modificar cláusulas pétreas,

através de emendas, convocando Assembléia Constituinte Revisora, portanto esta PEC

excede os limites do poder de revisão constitucional. A teorização do poder constituinte

veio a conceder uma maior expressão jurídica aos conceitos de soberania nacional e

popular, destarte, uma PEC sem a observância das exigências formais obstaria a

retromencionada teoria, ou seja, os seus respectivos pressupostos ou limites, podendo

ser considerada um abrandamento do caráter jurídico constitucional. Salientamos que a

teorização veio a marcar um momento em que o poder constituinte deixou de ter um

enfoque meramente político autoritário e organicista, para adquirir uma legitimação, um

enfoque mecanicista e uma nova titularidade do poder, a saber: a substituição de Deus

(na pessoa do monarca) pela Nação.

Isto posto, tal proposta de emenda constitucional consiste numa diminuição da

legitimação (quanto menor o quorum menor a legitimação), ademais tal emenda seria

também violão a Constituição, visto que coloca em risco direitos e garantias das

minorias políticas em prol das vontades de uma maioria, porque infringe as próprias

condições constitucionais e processuais para deliberação por maioria, subvertendo,

desse modo, o processo legislativo democrático.

A teorização do Poder Constituinte consagrou a despersonalização, a

legitimação e a doação de uma forma jurídica, destarte a redução do quorum

parlamentar de 3/5 dos membros das duas casas para maioria absoluta seria, nos termos

de Carré de Malberg, como se permutasse a “representação soberana do povo” em

“soberania parlamentar”.

O poder constituinte é do povo, todavia é exercido por meio dos seus

representantes, ou seja, não há necessidade que a sociedade exerça de modo direto,

podendo tal exercício ocorrer mediante representantes, contudo sendo o povo o titular

válido do poder constituinte, bem como o destinatário e beneficiário do texto

constitucional, não é cabível que “metade mais um” dos parlamentares modifiquem uma

Constituição que é o documento supremo e maior de uma sociedade organizada, visto

que estaríamos diminuindo a tão consagrada legitimidade enraizada com a teorização do

poder constituinte.

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A “Constituição Democrática”, como centro de mobilização e de integração

política de um Estado Democrático de Direito, não pode ser violada, sob pena de

minarmos a própria legitimidade jurídico-política desta, constando, pois, num afronto a

teoria do poder constituinte.

Toda modificação Constitucional como essa, feita com desrespeito do

procedimento especial estabelecido, ou de preceito que não possa ser objeto de emenda,

padecerá de vício de inconstitucionalidade, e assim ficará sujeita ao controle de

constitucionalidade pelo judiciário, tal como se dá com as leis ordinárias, uma vez

aprovada tal PEC. Canotilho considera esse é o controle que mais se compatibiliza com

o Estado Democrático de Direito.

5. Conclusão

A Constituição é oriunda de uma repactuação, nela estão inseridas cláusulas

pétreas e forma especial de elaborar emendas, portanto, não se pode fazer política e

iludir em face da substância das democracias contemporâneas: o constitucionalismo.

Por isso, os republicanos brasileiros devem, por obséquio, defender a Constituição sob

pena de abolirmos o Direito Constitucional, destruindo a tese do poder constituinte

Ademais, urge uma maior participação e adesão popular no processo

constitucional, porquanto, muitas vezes, a falta de cultura política ou hábito ao

acompanhamento popular ao processo legislativo, leva este a se tornar um “cidadão”

único e supremo de modificações constitucionais que nem sempre representam o anseio

da maioria da população, camuflando, em alguns casos os interesses de grupos

minoritários.

6. Referências

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17 ed.. São Paulo: Malheiros, 2005.

______ .Ciência Política, 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. Lisboa: Almedina, 1993.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, 2 ed. Coimbra: Coimbra, 1998.

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SILVA, José A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.