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PSICANÁLISE E CULTURA

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INTRODUÇÃO

O mal-estar do mundo moderno nos confronta com um conjunto de turbulências que afetam as funções do intermediário no campo da vida social e da cultura.

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Eu evocaria a mutação das estruturas familiares e a fratura dos vínculos intergeracionais; a notável mudança (advinda em apenas duas décadas) nas relações entre os sexos (notadamente no estatuto da mulher); a transformação dos laços de sociabilidade, de estruturas de autoridade e de poder; e a confrontação violenta resultante do choque entre as culturas.

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Todas estas transformações põem em xeque as crenças e os mitos que asseguram a base narcísica de nosso pertencimento a um conjunto social. Elas comprometem os fundamentos da identidade.

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O LEGADO DA PSICANÁLISE À CULTURA DE NOSSOS DIAS Assim como Freud, que se exilou na Inglaterra antes de sua morte, o centro do mundo psicanalítico foi também transferido para Londres, onde se desenvolveram as escolas antagônicas de Anna Freud e Melanie Klein e pouco depois o pensamento de Donald Winnicott.

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Após a experiência adaptacionista dos anos 50 nos Estados Unidos, a psicanálise teve um sopro de renovação, a partir dos anos 60, com a releitura da obra freudiana por Jacques Lacan, que a situou bem no âmago da pós-modernidade.

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Ele desenvolveu questões fundamentais em sua teorização, como o conceito de gozo, absolutamente pertinente à cultura de fruição extremada de nossos dias, seja através das adições e de sintomas como anorexia, bulimia, seja através de comportamentos radicais em atividades que envolvam o corpo em perigo mortal como a prática de certos esportes, ou a variação intensa de parceiros sexuais, com a exposição a doenças letais como a Aids, ou a outras de menor risco, mas igualmente lesivas.

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A psicanálise está tão intrincada na cultura atual que já não podemos imaginar o mundo sem seus conceitos básicos e seu jargão peculiar.

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A influência claramente assumida dos seus conceitos por movimentos artísticos como o surrealismo nas artes plásticas e no cinema, com nomes como Salvador Dalí, André Breton, Luís Buñuel entre outros, com seu arrojo criativo e desconstrução das convenções, desconcertou o próprio Freud, ele mesmo um burguês comportado, herdeiro da época vitoriana em sua vida pessoal.

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A psicanálise veio trazer uma grande ênfase à subjetividade. Dessa forma, todo o empenho que foi dado nos últimos anos à pedagogia e à educação das crianças, assim como o movimento de liberação das mulheres e a busca de maior paridade entre os sexos são tributários da teoria psicanalítica.

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Aliás, o acatamento às diversidades sexuais e a luta pela aceitação das minorias étnicas também estão no caudal do legado psicanalítico à cultura. Mesmo os avanços das neurociências foram, de algum modo, pensados por Freud como uma questão em aberto.

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Se a subjetividade da época freudiana emanava de uma sociedade repressora que gerava o recalque e a culpa, formando neuróticos, hoje ela se ancora nos excessos sociais que trazem a recusa e o gozo, fazendo aparecer os perversos.

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A clínica sofre as consequências destas mudanças e o psicanalista, assim como o fez Freud, tem de estar ligado ao seu tempo. A psicanálise é chamada a dar conta de algo que ela mesma ajudou a trazer à luz.

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Como ela sempre tem de incidir no sem sentido e no insuportável do mal-estar, seu legado de instrumental crítico à própria cultura não pode nunca ser desconsiderado. Se as histéricas do século XIX denunciaram, com sua doença, as dissimulações da sociedade, nossos clientes atuais, com seus sintomas, nos guiarão aos caminhos que a psicanálise terá de tomar.

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PSICANÁLISE E CULTURA A cultura é tanto formadora do homem quanto produto dessa formação e se manifesta no modo de viver e pensar de cada um de nós e de todos nós. Nesse sentido, podemos tomar a cultura como a capacidade de construção que o homem pode fazer de si mesmo.

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O homem como aquele responsável por sua própria humanização, a partir da vida com outros homens. Essa relação entre dois fez surgir um terceiro elemento, a linguagem. Com a linguagem a relação entre os indivíduos passou a ser sempre uma relação de ao menos três elementos, 2+1, sendo este terceiro, fundador da cultura.

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Podemos perceber a relação do homem com a cultura e os problemas advindos desta relação em invenções do homem em sociedade como a religião, a filosofia, a arte e a política.

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A psicanálise surge, por sua vez, como um novo modo de pensar a cultura e a condição do homem na cultura. A invenção da cultura é uma tentativa fracassada de evitar o sofrimento.

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Com a cultura inventamos modos de sofrer menos dos males do meio, como frio ou calor, e de males do corpo como o câncer, mas criamos uma terceira e ainda mais cruel fonte de sofrimento: a relação com o outro.

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Não existe felicidade que não tenha fim pois todo prazer precisa do desprazer para existir, tal como o som precisa do silêncio. “Onde está o fundo? Será a ausência?

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A ruptura, a ferida, o traço da abertura faz surgir a ausência – como o grito não se perfila sobre o fundo de silêncio, mas, ao contrário, o faz surgir como silêncio” (Lacan, 1964/1998, p. 31).

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Como consequência desse prazer, sempre insuficiente e fugidio, advém o sofrimento, muito mais certo e constante. A cultura deveria, por meio de suas instituições, como o Estado e a Família, amortecer ou até mesmo remediar o sofrimento. Afinal, o homem vive em comunidade para se proteger das duas primeiras ameaças e termina, de modo ainda mais penoso, recebendo esse acréscimo gratuito de sofrimento.

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O estado e a família são insuficientes frente a tamanho sofrimento e, ao mesmo tempo, estas produzem ainda mais sofrimento, o que nos leva a procurar outros métodos como o isolamento, o álcool e as drogas (chamados por Freud de “amortecedores de preocupações”), a sublimação (satisfação retirada do trabalho psíquico e intelectual, como o do artista e o do cientista), o delírio de massa (através das religiões), as psicoses, as neuroses, dentre outros.

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Falar de Psicanálise e Cultura é, no mínimo, uma provocação, pois, embora a psicanálise tenha se originado do tratamento das neuroses, um dos produtos da cultura frente ao sofrimento que advém desta mesma cultura, a psicanálise não pode curar o homem da neurose.

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A neurose é um ônus da cultura e propor sua cura é como propor cura, também, para a arte, a política e a religião. Seria como curar o homem de sua humanidade, curar o homem da cultura.

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Em relação a neurose, a psicanálise se propõe a tratá-la, a partir da investigação do inconsciente, possibilitando a melhora de seus sintomas. Não se trata da modificação da estrutura, mas da posição ética do sujeito frente a sua estrutura.

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O encontro entre psicanálise e cultura é um encontro manco, pois se configura num encontro-desencontro destes dois universos que se criam mutuamente.

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É manco a medida em que é o reencontro da psicanálise com aquilo que lhe deu origem, e o encontro da cultura com aquela que lhe vem colocar em questão.

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CONSTRUINDO CULTURA "a lógica das crianças não poderia se desenvolver sem a interação social porque é nas situações interpessoais que a criança se sente obrigada a ser coerente." Constance Kamii

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Sabe-se que o conceito de cultura pode vir a representar tanto desenvolvimento intelectual ou hábitos, atividades, interesses, costumes e valores de uma determinada povoação, etnia ou nação quanto o compósito de manifestações sociais, políticas, econômicas e culturais - aqui no sentido já citado - que é a força motriz de toda uma sociedade.

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Vê-se, portanto, que este último contém o primeiro. Desde a divulgação da teoria de Darwin, o mundo conhece a possibilidade evolucionista a que estamos ligados.

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O Australupithecus transforma-se em Homo habilis, que transforma-se em Homo erectus que transformam-se em Homo sapiens que se desenvolve e passa a ocupar plenamente a África e a Ásia, surge o Homo Neandertalensis, que se extingue e o Homo sapiens (Cro-Magnon) que começa a evoluir e permanece a única espécie humana sobrevivente.

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A mente do chamado Homo sapiens opera manipulando símbolos que representam certas características do mundo: sua representação mental. Sua atividade é composta por redes neurais que lhe atribui uma de suas maiores características, a plasticidade cerebral, visto que pode sofrer lesões sem que isso comprometa todo seu funcionamento.

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O ser humano, em contínua atividade mental, vai construindo a cultura e sendo construído por ela. Cria uma rede de representações que se eternizará, fazendo aparecer as tradições, os modos de viver, as regras, a moral, a ética, enfim, a civilização.

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De uma maneira muito especial, o homem vai compondo a rede de sua história cultural, que é o compósito de suas histórias: social, biológica e psíquica que, por sua vez, podem se desdobrar em grupal, familial, neural, motora, psicológica, individual e coletiva.

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O ser cultural é multiplamente determinado e determinante, com intra e interconexões infinitesimais. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, cada homem cria e vai construindo seu caminho individual, único, uno.

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A prática simbolizadora do homem é a exteriorização de sua subjetividade e consciência de si, do outro e do mundo. Na representação de todos os aspectos da realidade, criando cadeias de signos e símbolos, é que o homem constitui a cultura, materializando essas práticas subjetivas e coletivas em resultados, bens ou produtos culturais.

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Essa subjetivação teve origem num longo processo pelo qual a espécie teve de passar, intencionalizando sua prática, ou seja, projetando sua ação, traduzindo-a em: linguagem, arte, religião e ciência.

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A linguagem permite ir além da realidade vivida, surgiu da necessidade de agilizar a comunicação e aperfeiçoar outros sistemas comunicativos, anteriormente pautados em objetos concretos.

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A arte permite que os homens expressem suas experiências, oriundas de seus sentimentos e imaginação. A religião representa a infantilização da humanidade na crença de um ente superior que a libertará, é o apelo ao sobrenatural, o que não raras vezes é importante para algumas pessoas.

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Já a ciência é a capacidade da humanidade para explicar a gênese e o funcionamento dos produtos culturais sem apelar para o sobrenatural, assim, a ciência liberta o homem para a reflexão e para a imaginação.

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CONCLUSÃO

Não há psicanálise sem cultura, mas nem por isso a psicanálise deixará de evidenciar todo o sofrimento que advém da existência da cultura. Por outro lado, se não houvesse tal sofrimento, não haveria também as criações que surgem como modo de remediá-lo, e tal (des)encontro seria, por sua vez, impossível.

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